NOVOS ALVOS TERAPÊUTICOS VIRAIS NO

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NOVOS ALVOS TERAPÊUTICOS VIRAIS NO CONTROLO DA INFECÇÃO
PELO HIV
Ana Catarina C. Albuquerque, Quirina Santos-Costa, José Miguel Azevedo-Pereira
Unidade dos Retrovírus e Infecções Associadas - Centro de Patogénese Molecular; Faculdade de
Farmácia, Universidade de Lisboa
Resumo
Embora tenham sido descobertos vários inibidores do ciclo replicativo viral ao longo dos últimos
anos, a infecção pelo HIV persiste como uma pandemia global, com poucas probabilidades de
erradicação num futuro próximo. É essencial continuar a unir esforços para que sejam investigadas
e identificadas novas terapêuticas efectivas, que possam evitar a propagação da infecção. A
prevenção e a cura permanecem um desafio para todos os investigadores e profissionais de saúde.
Esta revisão pretende abordar, sucintamente, novos alvos terapêuticos virais, que possam vir a
contribuir para controlar a infecção pelo HIV, bem como os novos compostos estudados para cada
novo alvo identificado.
Apesar das muitas proteínas estudadas como novos alvos terapêuticos, existe ainda um longo
caminho a percorrer até encontrar fármacos verdadeiramente efectivos na prevenção, tratamento e
erradicação da infecção pelo HIV.
Palavras-chave: HIV, Proteinas do HIV, Nova Terapêutica anti-retroviral no HIV, Novos
Inibidores do HIV
Abstract
Though many potent inhibitors of the viral cycle have arisen over recent years, HIV persists as a
global pandemic with eradication unlikely in the near future. It is imperative to continue efforts to
identify novel effective therapies that can assist in containing the spread of HIV. The prevention
and cure remains a challenge for all investigators and health professionals.
In this review the aim was to summarize new viral targets that may control the HIV infection, as
well as the latest compounds investigated for each new target discovered.
Despite the many investigated proteins as new therapeutical targets, the science is still far from find
drugs truly effective in prevention, treatment and eradication of HIV’s infection.
Key-words: HIV, HIV proteins, New HIV anti-retroviral therapy, New HIV inhibitors
I - Introdução
A infecção pelo HIV é hoje um dos maiores problemas de Saúde Pública a nível mundial,
constituindo um desafio constante para toda a comunidade científica. Apesar do esforço efectuado
para prevenir, tratar e compreender os mecanismos patológicos, continua a ser uma das principais
causas de morbilidade e mortalidade em todo o mundo[1].
Até 2007, estavam formalmente aprovadas pela Food and Drug Administration (FDA) 22
substâncias activas para o tratamento da infecção pelo HIV[1]. Essas substâncias activas podem ser
sumariamente incluídas em cinco classes diferentes, consoante a sua estrutura e o alvo com que
interagem: Nucleósidos inibidores da Transcritase Reversa (TR), Nucleótidos inibidores da TR,
inibidores da TR não-nucleósidos, inibidores da protease e inibidores da fusão[2]. A utilização da
HAART (Highly Active Anti-Retroviral Therapy), que associa vários fármacos com mecanismos de
acção diferentes, melhorou significativamente o controlo da infecção viral. Esta terapêutica, cujos
alvos eram proteínas virais, mostrou-se efectiva na redução da carga viral, bem como no atraso da
progressão da doença. Contudo, estes fármacos não previnem nem conseguem curar a infecção pelo
HIV[3]. Em geral, a baixa permeabiliadade celular e a elevada toxicidade dos fármacos até hoje
utilizados, bem como a fraca adesão à terapêutica por parte dos doentes verificada em muitos
regimes terapêuticos, geram grandes dificuldades no tratamento[4,5]. Por outro lado, a elevada taxa
de mutação associada à emergência de estirpes resistentes a estes fármacos e a latência
característica do vírus, constituem os principais obstáculos que a terapêutica anti-retroviral enfrenta,
e que conduziram a um maior investimento no sentido de encontrar novos alvos terapêuticos
promissores, com menor probabilidade de desenvolverem resistências[3], ou novas formas de terapia
(como por exemplo, a terapia génica)[4,5].
Em Outubro de 2007, a FDA aprovou o primeiro inibidor da integrase - o raltegravir (MK-0518).
Este tem vindo a ser utilizado para o tratamento anti-retroviral em doentes adultos que apresentam
resistência a outros anti-retrovirais[6], tendo surgido posteriormente vários compostos me too[7].
Actualmente, as moléculas que se encontram sob investigação têm como alvos terapêuticos quer
os mesmos anteriormente referidos (que não serão abordados na presente revisão), quer outras
proteínas virais ou proteínas celulares[6]. A terapêutica combinada, tendo em vista a actuação em
vários alvos, mantém-se na vanguarda do tratamento, a fim de maximizar a efectividade, minimizar
a toxicidade e o risco de desenvolvimento de resistências[8].
Assim, com base na problemática apresentada, esta revisão tem como objectivo analisar,
sucintamente, quaais as proteínas virais que têm vindo a ser estudadas, como potenciais novos alvos
terapêuticos, desde o ano 2000 até à actualidade, tendo em vista o desenvolvimento de novos
fármacos que possam estar na base do controlo da infecção pelo HIV, bem como apresentar
moléculas que tenham sido investigadas para cada novo alvo estudado.
II - Discussão
Proteínas Virais como Novos Alvos Terapêuticos
1 – Gp120
A primeira fase da infecção pelo HIV caracteriza-se pela ligação entre a gp120 dos viriões e o
receptor para o qual tem afinidade: receptor CD4. As duas glicoproteínas (gp120 e gp41) estão
associadas e derivam, por endoproteólise, de um único precursor: gp160. A gp120 deriva da porção
amino-terminal do precursor, situa-se completamente fora da camada lipídica do invólucro e medeia
a ligação ao receptor CD4. Estudos realizados demonstraram que a sequência de gp120 contém 18
resíduos de cisteína, os quais estão altamente conservados em diversas estirpes de HIV-1. Por outro
lado, as ligações dissulfureto permitem delinear várias regiões funcionais, as quais incluem um
domínio dependente da conformação para o reconhecimento do receptor CD4[9].
A partir de mutações em locais específicos do gene env, verificou-se que é necessário um
número limitado de determinados aminoácidos em regiões diferentes da gp120 para que ocorra a
ligação eficiente ao receptor[7]. A estrutura primária e conformacional da gp120 conduz a uma
configuração que reconhece o receptor CD4 selectivamente e com elevada afinidade. Muitos pontos
de contacto entre a gp120 e o CD4 são feitos mediante utilização do esqueleto peptídico da gp120, o
que permite ao vírus alterar os resíduos que formam o domínio de ligação ao CD4 e alterar a
estrutura antigénica do local, enquanto retém a capacidade de se ligar ao receptor[9].
2
Vários têm sido os estudos desenvolvidos no sentido de produzir moléculas que interfiram com a
ligação entre a gp120 e o CD4. Os compostos polianiónicos, devido ao facto de possuírem cargas
negativas em número e densidade suficientes, podem bloquear a replicação do HIV em culturas de
células infectadas, interferindo com a etapa de ligação entre o vírus e a célula alvo[7]. Exemplos
deste tipo de substâncias são a heparina e o sulfato de dextrano; ambas as moléculas têm como alvo
as regiões básicas da gp120[10].
A cianovirina-N é uma proteína extraída da cianobactéria Nostoc ellipsosporum, e apresentou
actividade inibitória face à ligação gp120-CD4. Esta demonstrou bloquear a infecção pelo HIV-1,
mesmo em baixas concentrações, mediante interacção com resíduos de manose na gp120. Este tipo
de inibidores são potenciais microbicidas tópicos[10].
A sCD4 foi uma das primeiras alternativas terapêuticas a ser testada. Embora tivesse
demonstrado grande actividade contra estirpes de HIV-1 isoladas em laboratório, nos isolados
clínicos demonstrou ter menor actividade[9]. Uma das possíveis explicações para tal prende-se com
o facto de sCD4 ser rapidamente eliminada do organismo[11].
Devido às desvantagens apresentadas pela sCD4, foi criado o fármaco PRO-542 (CD4-IgG2):
um anticorpo recombinante, no qual as porções Fv das cadeias pesadas e leves da IgG2 humana
foram substituídas pelos domínios D1D2 do receptor CD4 humano[9], e que mimetiza as
propriedades de ligação ao HIV[11]. Perante a sua utilização verificou-se que houve diminuição da
concentração de RNA viral no plasma[9], bem como actividade antiviral em adultos e crianças[11].
CD4M33 é um péptido de 27 aminoácidos que mimetiza o receptor CD4, apresentando uma boa
interacção com a gp120. Este mini-CD4 demonstrou inibir a infecção em células primárias e
imortalizadas de HIV-1, incluindo isolados primários de doentes que eram resistentes a sCD4. Este
péptido possui propriedades funcionais do CD4, incluindo a capacidade para desmascarar epitopos
de neutralização.
O BMS-378806 demonstrou ser capaz de inibir selectivamente a ligação da gp120 ao CD4
mediante um mecanismo de competição[9,12]. Esta substância liga-se directamente à gp120, na
estequiometria de 1:1, aproximadamente, com uma afinidade de ligação semelhante ao sCD4. O
local alvo em que BMS-378806 actua encontra-se numa região específica no pocket de ligação entre
o receptor CD4 e a gp120[12]. Para determinar se o BMS-378806 tinha actividade exclusiva na
interacção gp120-CD4, foi avaliado se havia actividade sobre estirpes de HIV-1 CD4-independentes
(mediante utilização de estirpes mutantes). Verificou-se que não havia qualquer actividade antiviral
contra as variantes HIV-1 CD4-independentes[12]. Este fármaco demonstrou ter boas propriedades
antivirais e farmacocinéticas[12], inibindo a replicação do HIV-1, embora sem eficácia contra o HIV2[9]. Estudos posteriores revelaram que, mais do que prevenir a ligação gp120-CD4, interferia nas
alterações conformacionais induzidas por essa ligação, que expõem os epítopos HR1 (Heptad
Repeat 1) da gp41 necessários para a ligação do HR2 (Heptad Repeat 2) e subsequente fusão[10].
Mais recentemente surgiu um análogo de BMS-378806: o BMS-488043. Este apresenta
propriedades farmacocinéticas melhoradas e melhores perfis de segurança, tendo como alvo a
interacção inicial gp120-CD4, induzindo alterações conformacionais nas regiões de ligação da
gp120 ao CD4 e ao co-receptor CCR5 (CC-chemokine Receptor 5). Este composto possui uma
grande actividade antiviral contra isolados com tropismo para as células T[13].
Existem ainda duas substâncias que demonstraram inibir a interacção gp120-CD4 – o zintevir e o
ácido L-chicórico – com eficácia em baixas concentrações[11].
2 – Ribonuclease H
A RNaseH é a segunda actividade enzimática da TR. É uma nuclease não específica, responsável
pela hidrólise da cadeia de RNA do híbrido RNA:DNA (formado logo após a retro-transcrição),
permitindo a incorporação da informação genética no genoma da célula hospedeira [14]. Uma vez que
a sua actividade é necessária para o vírus infectar a célula, é legítimo cogitar que esta proteína
poderá constituir um novo alvo terapêutico. Neste sentido, foram identificados três hiemalósidos,
isolados a partir da árvore Eugenia hyemalis, que demonstraram ter actividade inibitória sobre a
ribonuclease H, do HIV-1, in vitro[14].
3
3 – Proteína Tat
O HIV tem um gene de transactivação da transcrição – tat –, que codifica a proteína Tat
(Transactivador da Transcrição viral), cuja principal função é promover o agrupamento do
complexo de pré-iniciação, conduzindo ao início e elongação da transcrição[15,16]. Tat induz a
remodelação da cromatina e recruta os complexos transcricionais responsáveis pela elongação para
a região LTR (Long Terminal Repeat)[17], promovendo a replicação viral[16]. Para além da actividade
transcricional, esta proteína é libertada para o exterior, podendo interagir com receptores de células
não infectadas, nas quais é internalizada por endocitose[15,16], provocando vários efeitos:
carcinogénese, demência, imunossupressão, alterações cardíacas, aterosclerose[18,19] e apoptose[18,20].
A Tat tem um papel fundamental na activação do vírus na fase de latência, sendo um potente
activador transcricional da LTR. Quando integrada no genoma celular, a LTR torna-se uma unidade
transcricional eucariótica, contendo elementos promotores a jusante e a montante. A extremidade 5’
de todos os mRNAs, quer estejam ou não processados, começa com uma estrutura stem-bulge-loop,
designada por TAR (Trans-Activation Responsive element), localizada entre o nucleótido +1 e +59.
Vários estudos concluíram que esta estrutura característica é necessária para ocorrer interacção Tat/
TAR, pois mutações no TAR diminuem consideravelmente a replicação viral[21]. Quando a
transcrição basal do vírus é muito baixa, a Tat liga-se a vários factores celulares[18,22] (CBP/p300, P/
CAF), formando assim o complexo de pré-iniciação na região LTR. Subsequentemente, a Tat
recruta o complexo TAK/p-TEFb (constituído pela ciclina T1 e CDK9), permitindo a sua ligação à
loop do TAR, e fosforila as quinases do domínio C-terminal da RNApolII. Posteriormente, as HATs
acetilam a Tat, o bromodomínio da P/CAF liga-se especificamente à Tat acetilada na lisina50, e
essa interacção promove a dissociação entre Tat e TAR, permitindo que a Tat passe a fazer parte do
complexo de elongação. A acetilação da Tat estabelece um novo domínio de ligação proteínaproteína na sua superfície, necessário para a activação transcricional do promotor viral[18].
Tendo por base os efeitos da ligação Tat-TAR, foram efectuados vários estudos tendo em vista a
inibição dessa interacção. Compostos que afectem a interacção Tat-TAR podem prevenir a
activação transcricional do genoma do HIV, quer por impedimento estéreo, quer pela diminuição de
co-factores importantes para a actuação da Tat[17]. Um dos tipos de inibidores estudados foram os
TAR decoys[17,21] – pequenos nucleótidos de RNA que mimetizam a estrutura TAR, inibindo a
transactivação da Tat e a replicação do HIV-1 e HIV-2 em linfócitos[21].
Outros autores propuseram a hipótese de que uma proteína que se ligasse a cadeias duplas de
RNA, como a NF90ctv (variante C-terminal de NF90), poderia competir com a ligação Tat-TAR.
Verificaram que a NF90ctv reduzia os níveis de RNA viral, havendo inibição da transactivação.
Esta proteína compete com a Tat para se ligar ao TAR, tendo como alvo o TAR. O facto de TAR
poder constituir um novo alvo terapêutico é corroborado pela verificação de que, qualquer mutação
ou alteração, ao nível da sua estrutura característica, promove a terminação prematura da
transcrição[17].
Os oligonucleótidos e seus análogos também têm sido estudados como potenciais inibidores da
transactivação devido à sua capacidade para formarem interacções sequências-específicas com o
TAR, bloqueando assim a capacidade para a Tat, ou outros factores celulares, se ligarem.
Oligonucleótidos constituídos pelo grupo 2’-O-metilo e por resíduos de ácidos nucleicos
complementares ao TAR bloqueiam a transactivação dependente da Tat, in vitro[23].
Os derivados das quinolonas constituem um grupo de compostos que mostraram diminuir a
replicação viral em células infectadas aguda e cronicamente[24,25]. Exemplo destes são as 6-aminoquinolonas metil-substituídas na posição N-1 e com uma porção 4-(2-piridil)-1-piperazina na
posição C-7 (WM5). Visto a região arqueada do TAR ser essencial para a elevada afinidade e
especificidade da ligação da Tat, o WM5 compete com a Tat para a ligação com o TAR, actuando
especificamente nesse local[24,25]. Tendo por base estes aspectos, foram feitos estudos posteriores,
nos quais o grupo amino da posição C-6 foi eliminado, tendo sido inserido o grupo 4-arilpiperazina
na posição C-7, resultando a síntese de novos inibidores potentes – as 6-desfluoroquinolonas. Estas
4
alterações no composto inicial (WM5) permitiram produzir compostos com uma actividade antiviral
mais potente[25].
Para além das referidas, outras pequenas moléculas estiveram sob investigação como inibidores
da interacção Tat/ TAR (fenotiazinas e arginamidas)[21.
Um dos factores de transcrição envolvido na transactivação da LTR é constituído por três sítios
de ligação para o factor de transcrição SP1 e dois sítios de ligação para o NF-κB. A família NF-κB/
Rel representa o principal elemento regulador indutível na transcrição do HIV. Assim, NF-κB e Tat
cooperam para que o genoma do HIV seja transcrito, sendo de esperar que a inibição da actividade
destas proteínas bloqueie a replicação viral[15]. Neste contexto, analisou-se a actividade antiretroviral de várias 4-fenilcumarinas isoladas a partir da planta Marila pluricostata. A maioria delas
demonstrou ter actividade anti-HIV, pois inibiram o NF-κB (Nuclear Factor kappa-light-chainenhancer of activated B cells). Verificou-se também que algumas cumarinas eram antagonistas da
Tat, sendo que a presença de ambas as actividades se correlacionava com uma forte inibição da
replicação viral. Com base nestes aspectos, este estudo sugeriu que os derivados cumarínicos
poderão ser úteis no combate à infecção pelo HIV, actuando como inibidores da transcrição[15].
Para ocorrer transcrição, é necessário que haja acetilação da lisina50 e recrutamento de coactivadores transcricionais. Por outro lado, para que haja co-activação da Tat, é necessária a ligação
da Ack50 ao bromodomínio (BRD) do co-activador P/CAF. Alguns estudos demonstraram que a
actuação de anticorpos anti-P/CAF BRD bloqueava a transactivação de Tat. Este facto sugere que o
recrutamento da Tat/PCAF via ligação BRD-Ack é essencial para que ocorra a transcrição viral,
sendo que esta interacção poderá constituir um novo alvo terapêutico. Zeng et al desenvolveram um
novo grupo de pequenas moléculas com afinidade para se ligarem selectivamente ao BRD,
bloqueando o processo de transcrição, in vitro[26].
4 – Proteína Rev
Rev é responsável pela regulação da expressão de proteínas virais, mediante o controlo da taxa
de exportação dos mRNAs.
A transcrição do HIV-1 conduz à formação de mRNA de ~2Kb, ~4Kb e ~9Kb. O transcrito com
~2Kb é completamente processado e codifica as proteínas Tat, Nef e Rev; o mRNA ~4Kb é
parcialmente processado e codifica as proteínas Env, Vif, Vpr e Vpu. O mRNA ~9Kb não é
processado e codifica Gag e Pol. Assim, nas fases iniciais da infecção, em que há baixos níveis de
Rev, apenas os transcritos ~2Kb são capazes de passar através da membrana nuclear para o
citoplasma, enquanto que os transcritos não processados permanecem no núcleo. Uma vez no
citoplasma, a Rev é capaz de entrar no núcleo mediante interacção com a importina-beta, e graças
ao NES (Nuclear Export Signal), presente no domínio C-terminal. Na fase final da replicação, que
corresponde a elevados níveis de Rev, esta proteína acciona a exportação nuclear de transcritos
maiores[18].
A Rev exporta o mRNA do núcleo para o citoplasma, ligando-se, sob a forma de multímero, a
um local específico do mRNA – RRE (Rev Responsive Element) – estrutura de RNA, com 351
nucleótidos, que não está presente no mRNA completamente processado. A Rev contém uma
sequência rica em arginina no domínio N-terminal, que funciona como NLS (Nuclear Localization
Signal) e como domínio de ligação ao mRNA. O NLS é essencial para a função de Rev, já que ela é
expressa no citoplasma e deverá entrar no núcleo para exportar o mRNA[18]. A interacção entre a
Crm 1 (exportina1) e o NES de Rev é necessária para a exportação de mRNAs. A dissociação entre
Rev e a importina-beta, mediada pela via RanGTPase, liberta o NLS/domínio de ligação ao RNA
para permitir a ligação ao RRE. Uma vez formado o complexo Rev-RRE-CRM, este migra para o
NPC, onde várias nucleoporinas se ligam à Rev, permitindo a translocação para o citoplasma [18].
Este complexo constituído pela Rev e pelo mRNA é, então, exportado do núcleo. O mRNA
completamente processado é enviado para fora do núcleo pela própria maquinaria celular [27]. Para
que estas funções sejam cumpridas, esta proteína é constituída pelo NLS e pelo NES. O complexo
5
Rev-RRE é, então, reconhecido pela Crm1 e pelo Ran-GTP, o qual inicia o processo de
exportação[28].
Alguns estudos demonstraram que compostos aromáticos tetracatiónicos de difenilfurano
(DB182) estabelecem ligações fortes com o RRE, inibindo a interacção Rev-RRE. Estudos mais
detalhados permitiram concluir que DB182 interage fortemente com as bases de RRE, necessitando
da região interna da ansa de RRE para actuar[29]. A partir destes dados, efectuaram-se estudos com
novos compostos, obtidos a partir de várias modificações estruturais. O composto DB340, um
heterociclo tetracatiónico, demonstrou ter uma selectividade significativa relativamente à estrutura
RRE, à qual se liga. Estudos efectuados com sequências RRE mutadas indicaram que a ansa interna
de RRE é necessária para a ligação específica do DB340, tal como também é necessária para a
ligação com a Rev[30].
Outro composto identificado como ligando do RRE foi a proflavina, que se liga com elevada
afinidade e especificidade ao RRE. A proflavina compete com a Rev para a ligação ao RRE,
inibindo, assim, a interacção Rev/RRE[31].
A neomicina demonstrou também ter a capacidade de inibir a função da Rev mediante ligação
com o RRE e consequente bloqueio da ligação Rev-RRE[28,29].
A leptomicina B tem como alvo a proteína Crm1, evitando o transporte do complexo Rev-RRE
através da membrana nuclear[28].
Embora vários estudos tenham identificado pequenas moléculas capazes de inibir a interacção
Rev-RRE, nenhuma delas demonstrou real sucesso, devido à sua elevada toxicidade celular[28].
5 – Proteína Vpu
A Vpu é uma proteína integral de membrana, sendo traduzida a partir de um mRNA bicistrónico,
que também codifica as glicoproteínas Env. A Vpu tem, essencialmente, duas funções: degrada o
CD4 no retículo endoplasmático e aumenta a libertação de partículas virais a partir da membrana
plasmática da célula hospedeira. A degradação de CD4 ocorre em vários passos, havendo ligação
física directa entre a Vpu e a porção citoplasmática de CD4. A Vpu é fosforilada pela CK-2,
formando estruturas homo-oligoméricas. O CD4 sintetizado é retido no RE devido à formação de
complexos estáveis com a proteína Env. A Vpu associa-se com CD4, promovendo a sua destruição
e libertação de Env. A Vpu sai do Retículo Endoplasmático (RE) e acumula-se perto do aparelho de
Golgi. As formas oligoméricas de Vpu têm a capacidade de formar canais iónicos, os quais estão
envolvidos na regulação da libertação das partículas virais[32].
Algumas células hospedeiras têm a capacidade de inibir a libertação de viriões. Nessas células,
quando Vpu é removida, o HIV não se consegue replicar, o que sugere que esta proteína tem um
papel importante. As células que conseguem inibir a libertação de viriões fazem-no por acção de
proteínas que se ligam directamente aos viriões formados na superfície da célula. Nas células que
expressam activamente essas proteínas (as chamadas teterinas), os viriões em gemulação
acumulam-se perto do exterior da membrana celular, onde permanecem, não sendo libertados para
infectarem outras células. A Vpu é, então, uma arma que o vírus utiliza contra as células capazes de
produzir teterina, pois antagoniza a sua função[33].
Assim, moléculas que inibam a Vpu, permitindo a consequente actuação da teterina, podem
constituir potenciais alvos terapêuticos no combate ao HIV[33].
6 – Cápside Viral
A proteína da cápside (CA) desempenha um papel importante no ciclo viral replicativo[34], pois a
formação de partículas virais infecciosas envolve a aglomeração de poliproteínas Gag em partículas
imaturas e subsequente aglomeração de cápsides maduras após a quebra proteolítica de Gag[35].
Durante a replicação viral, a CA agrega-se num core cónico que rodeia a nucleocápside.
Recentemente, foram estudados vários inibidores que se ligam à CA, a fim de inibir a agregação
desta proteína. CAP-1, um dos inibidores da agregação, liga-se à CA no domínio N-terminal,
inibindo a formação da cápside durante a maturação. Estes compostos estudados têm como
farmacóforos (definidos como regiões das moléculas que interagem especificamente com o alvo
6
terapêutico) uma porção estruturalmente classificada como acil-hidrazona, e dois substituintes
fenílicos[34].
Para além destes compostos, foram estudados alguns péptidos cujo mecanismo de acção reside
no facto de se ligarem à CA mediante interacções proteína-proteína. Um desses péptidos estudados
liga-se ao domínio da cápside da Gag (nos resíduos 169-191), inibindo a agregação de partículas
imaturas e maduras in vitro. O CAI (Capside Assembly Inhibitor) insere-se num local hidrofóbico
conservado e altera a interface do dímero da cápside. O local de ligação do CAI constitui um novo
alvo para o desenvolvimento de novos fármacos anti-virais, sendo que o CAI foi o primeiro inibidor
descoberto que actua directamente na aglomeração das proteínas que vão constituir o virião
imaturo[35].
7 – Proteína Gag
O gene gag dá origem a uma proteína precursora de Gag, com 55KDa (também chamada de
p55), a qual é expressa a partir do mRNA não processado. Esta proteína tem uma função estrutural,
interagindo quer com outras proteínas virais, quer com proteínas celulares, a fim de promover o
agrupamento e gemulação de viriões[36]. A aglomeração dos viriões é um processo que envolve a
formação de uma cápside imatura intermédia (constituída por precursores poliproteicos), que sai da
célula hospedeira por gemulação, sofrendo posteriormente alterações morfológicas dramáticas: a
p55 é clivada pela protease viral em quatro proteínas: MA (matriz [p17]), CA (cápside [p24]), NC
(nucleocápside [p9]) e p6. Estas proteínas reagrupam-se para formar as estruturas do virião
infectante, dizendo-se então que a partícula está madura, pois tem capacidade para infectar outras
células[37].
A MA é derivada da porção N-terminal da p55. A maioria das moléculas MA permanecem
unidas na superfície interna da dupla camada lipídica do virião, estabilizando-o. Um subconjunto de
MA é recrutado dentro das camadas profundas do virião, tornando-se parte do complexo que
conduz o DNA pró-viral ao núcleo. Essas moléculas facilitam o transporte nuclear do genoma viral,
já que a maquinaria de importação nuclear reconhece um sinal cariofílico na MA. Esse fenómeno
permite ao HIV infectar células que não estejam em divisão, uma propriedade rara para um
retrovírus[37].
A proteína p24 (CA) forma o core cónico do virião. A região NC de Gag facilita a transcrição
reversa, e é responsável por um reconhecimento específico chamado sinal de empacotamento. Este
é constituído por quatro estruturas em laço perto do final 5’ do RNA viral, e é suficiente para
mediar a incorporação de um RNA heterólogo dentro dos viriões. A NC liga-se ao sinal de
empacotamento através de interacções mediadas por dois motivos zinc-finger[36].
A p6 medeia interacções entre p55 (Gag) e Vpr, levando à incorporação desta dentro dos viriões
que se estão a aglomerar. A p6 contém o chamado domínio tardio, que é necessário para a liberação
dos viriões[37].
Actualmente, está em estudo uma nova classe de anti-retrovirais: os inibidores da maturação.
Estes têm como alvo terapêutico o precursor poliproteico Gag, inibindo a formação de viriões com
capacidade infectante. Assim, os inibidores da maturação interferem com a acção da proteína
Gag[37].
O protótipo desta nova classe é o ácido 3-O-(3’,3’-dimetilsuccinil)-betulínico, mais vulgarmente
conhecido como bevirimat (ou por PA-457, DSB ou YK-FH312). Este é obtido a partir de um
análogo do ácido betulínico (um triterpenóide pentacíclico com actividade anti-retroviral, antimalárica e anti-inflamatória), inicialmente isolado a partir da planta Syzygium claviflorum. A sua
actividade anti-retroviral baseia-se no facto de inibir a maturação dos viriões, sendo que as
partículas imaturas não têm capacidade de infectar novas células[36].
Ao contrário dos inibidores da protease, estes inibidores ligam-se à Gag, e não à protease.
Verificou-se que as partículas virais resultantes tinham menor quantidade de CA madura (p24),
verificando-se igualmente um aumento do seu precursor imediato (p25). Como tal, surgem defeitos
estruturais e funcionais e, consequentemente, incapacidade de infectar outras células[51]. Tal como
referido anteriormente, a Gag é processada em cascata, numa sucessão de clivagens, sendo que a
7
última clivagem (aquela que é, neste caso, a mais lenta) ocorre dentro de p25, entre a porção CA e
p2 (também conhecido como SP1). O bevirimat actua precisamente nesta clivagem CA-p2, sendo a
inibição dose-dependente[36].
III - Conclusão
Os objectivos ideais da terapêutica anti-retroviral seriam prevenir e curar a infecção. Contudo,
actualmente, as investigações nesta área atingiram apenas o objectivo de diminuir a carga viral em
doentes infectados, retardando a progressão da doença, melhorando a qualidade de vida dos
doentes, bem como as taxas de morbilidade e mortalidade associadas à SIDA.
Aumentando o número de compostos e de classes anti-retrovirais disponíveis para actuar em
diferentes passos do ciclo replicativo do HIV, é possível aumentar o tempo de sobrevivência,
melhorar a qualidade de vida dos doentes infectados e prevenir a infecção pelo vírus. Por outro
lado, compreender os mecanismos de resistência que o vírus desenvolve face aos fármacos
administrados é um passo essencial para prevenir a falha no controlo da infecção.
Ao longo dos últimos 9 anos, têm sido investigadas novas proteínas virais como possíveis alvos
terapêuticos, que possam contribuir para controlar a infecção por este vírus. Esse árduo trabalho de
investigação permitiu a autorização de introdução no mercado de novos fármacos, que actuam em
novos alvos, nomeadamente, a integrase.
Contudo, apesar de existirem vários alvos terapêuticos em estudo, existe ainda um longo
caminho a percorrer até encontrar fármacos verdadeiramente efectivos na prevenção, tratamento e
erradicação da infecção pelo HIV.
IV – Referências Bibliográficas
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