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Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário
Nacional de História da Historiografia: aprender com a história? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85288-0061-6
A TEORIA DA LINGUAGEM NARRATIVA DE FRANK ANKERSMIT: O
DESCURAR DA EPISTEMOLOGIA.
Flávio Silva de Oliveira∗
A linguistic turn na história, realizada por Hayden White em seu afamado
Metahistory, publicado no ano de 1973, é o traço distintivo de uma virada acerca dos tipos de
problemas e objetos a serem privilegiados em teoria da história. Para Ankersmit trata-se, a
bem da verdade, de um turning point. A linguagem, antes reconhecida como um campo não
problemático, passa a atrair a atenção dos historiadores. A esse grupo de pesquisadores,
interessados nos instrumentos lingüísticos da produção histórica de significado, atribuiu-se o
nome de narrativistas. Denominação que indica o quão tênue é a linha que demarca as
fronteiras entre História e literatura. No entanto, o narrativismo não assume e reconhece tãosomente e unilateralmente o papel desempenhado pelos arquétipos literários. Outro campo de
grande vulto e relevância para os estudos sobre a narrativa histórica tem sido a filosofia da
linguagem. Frank Ankersmit tem atuado como um eminente propagador dos avanços deste
modo de filosofar. Sua teoria da história busca demarcar um quadro em que possa ser notada
a contribuição tanto da teoria literária, quanto da filosofia da linguagem. Sua dívida,
abertamente assumida, é dirigida a Hayden White, pelo lado da teoria literária e Richard
Rorty, filosofia da linguagem.
O presente texto busca, a partir deste contexto, compreender a teoria da história de
Ankersmit como uma teoria da linguagem narrativa dos historiadores. Teoria que desempenha
a função de crítica ao modelo epistemológico tradicional de produção historiográfica. No que
segue, meu principal alvo é identificar a relação de Ankersmit e a filosofia rortyana da
linguagem. Para tanto, focalizo o conceito de anti-representacionalismo de Rorty, que
demonstra ser a espinha dorsal de sua filosofia e a base de Ankersmit para desarrolar uma
crítica aos instrumentos da epistemologia enquanto aparato de analise do texto histórico.
A trajetória de Ankersmit como um importante filósofo da História, se inicia em
1983, com seu livro Narrative Logic: A Semantic Analisys of the Historian’s Language. Sua
teoria da história é, em realidade, uma teoria da linguagem narrativa. Seu núcleo é a
convicção íntima do papel estruturante da linguagem, e sua função de mediação na produção
histórica de significado. Para o autor, as narrativas são interpretações do passado que não
devem ser submetidas ao método atomístico de análise da filosofia da linguagem, que se
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concentra apenas no nível das proposições e suas partes. A investigação, se assim conduzida,
Bacharelando em História pela Universidade Federal de Goiás.
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Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário
Nacional de História da Historiografia: aprender com a história? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85288-0061-6
como é afirmado pelo autor, deixa de lado um problema fundamental, a saber, o texto como
um todo. Por conseguinte, Ankersmit vê que grande parte dos infortúnios da filosofia da
história contemporânea se explica devido a este atomismo.
É evidente que Ankersmit é um arguto defensor da linguistic turn que, não obstante
sua heterogeneidade e ainda não raras discrepâncias internas categóricas, mantém uma
perspectiva em comum: “la suposición de que el lenguaje es la condición principal de la
posibilidad de todo conocimeinto y pensamiento significativo[...]” (ANKERSMIT, 2004:
12). Todavia, Ankersmit ressalta que esta nova fase da filosofia guarda muitas semelhanças
com o programa kantiano transcendental de análise das categorias. O exame da linguagem
desenvolve-se por meio de uma análise lógica a fim de encontrar a matriz lógica de todo o
conhecimento do mundo. Daí, segundo Ankersmit, a relação íntima com o método cartesiano
de análise resoluto-composicional: que se trata de dividir problemas complexos em seus
componentes mais simples. Este método gerou a convicção, na filosofia da linguagem
contemporânea, de poder investigar as constantes lógicas das proposições, almejando
encontrar as condições transcendentais da verdade e do significado (ANKERSMIT, 2004:
14).
Tendo em vista este contexto, Ankersmit quer explorar uma forma de escrita da
história que rompa com a tradição kantiana e ilustrada, isto é, romper com os encantos dos
argumentos transcendentais kantianos. Ele sai à cata de alternativas ao modelo de Kant. O
ataque professado por Rorty à filosofia analítica e ao transcendentalismo kantiano será uma
fonte imprescindível ao empreendimento de Ankersmit, qual seja o de compreender a
narrativa como uma filosofia que analisa o texto histórico como um todo.
Como dito acima, Ankersmit se lança no cenário internacional da filosofia da história
em 1983. Contudo, até esta data o autor desconhecia o célebre livro de Rorty, Philosophy and
the Mirror of Nature. Muito embora Ankersmit declare que ficou impressionado pelo grande
número de similaridades entre as questões levantadas por Rorty, neste livro (1979), e ele
próprio, naquele (1983) (MOSKALEWICZ, 2007: 251). Portanto, meu interesse é no
Ankersmit após a leitura dos textos de Rorty.
Como o próprio autor declara, seu interesse e fascínio pelos escritos de R. Rorty deuse em virtude de seu ataque à epistemologia. Na história do pensamento epistemológico que
Rorty nos narra (uma narrativa que tem justamente o objetivo de desconstruir toda a tradição
epistemológica), a epistemologia deve ser vista como a empresa mais duvidosa de toda a
filosofia, um empreendimento que deve ser abandonado e que carecemos de erigir outras
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questões; enfim, mudar de discussão. Rorty, então, aponta para a exigência de desprender-nos
das metáforas ópticas (“essência especular” ou a linguagem como espelhos da realidade) que
determinam a natureza e o conteúdo do pensamento epistemológico (ANKERSMIT, 2004:
417).
Todos os sistemas epistemológicos desde Descartes e Kant adotam uma postura
decisiva: as distinções que lançam as bases da empresa epistemológica. De um lado o sujeito,
e do outro o objeto. Nas palavras de Ankersmit, podemos denominar esta postura como o
imperialismo da dicotomia sujeito/ objeto. Daí, o campo de atuação da epistemologia está
aberto. A investigação, neste contexto, incide sobre as condições mais gerais de possibilidade
de todo o conhecimento, as categorias as quais possibilitam o sujeito reter representações
exatas e objetivas do mundo lá fora (completamente independente). Ou no caso da filosofia da
linguagem, as perguntas versam sobre as condições em que a linguagem se enlaça ao mundo
(ANKERSMIT, 2004: 412). Estas distinções, segundo o autor, deixam um abismo
intransponível entre o sujeito (que conhece) e o objeto (sobre o qual o sujeito tem certo
conhecimento). E o mesmo abismo está presente na relação linguagem/realidade. Ankersmit,
nesse caso, viu em Rorty, sobretudo em seu anti-representacionalismo e antiessencialismo,
um ponto de apoio para solapar estas distinções, e ir mais além das noções de cunho
epistemológico tais como correspondência e verdade. Ankersmit escreveu: “Certamente, o
denominado anti-representacionalismo de Rorty será nosso melhor guia se desejarmos
adquirir conhecimento do que está envolvido no ataque, hoje em dia tão popular, ao
representacionalismo” 1. (em tradução livre) (ANKERSMIT, 2001: 274).
Na teoria narrativista de Ankersmit a representação passa a ocupa um lugar de
destaque. É nítida a mudança de vocabulário do autor. Ele não mais utiliza a interpretação
como mote crítico. A hermenêutica gadameriana era um de seus esteios, neste sentido. No
entanto, Ankersmit percebe que Gadamer, não obstante sua luta por emancipar-se do
transcendentalismo, agasalha sob o manto do mesmo. Em oposição ao vocabulário da
interpretação, descrição e explicação, o autor passa a privilegiar o da representação. Em sua
definição, a representação é a operação lógica que carecemos em ordem de dar mais ou menos
contornos claros à realidade histórica. Ela é, portanto, o centro nervoso da história. A pesar
disso, Ankersmit está bastante consciente de estar se movendo em uma areia movediça
filosófica. Movediça em razão das intensas objeções que são feitas à noção de representação,
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No original: certainly Rorty's so-called antirepresentationalism will be our best guide if we wish to get a grasp
of what is involved in the nowadays so popular attack on representationalism.
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em especial quando esta noção sugere a idéia de correspondência. Investir contra a noção de
representação-como-correspondência, na perspectiva de Ankersmit, é atitude louvável; o autor
ainda concorda com a impossibilidade de obtermos uma representação da realidade. Mas, se o
ataque versa sobre a representação, ele não pode ser dirigido contra tentativas (ou propostas)
de representar a realidade (ANKERSMIT, 2001: 273).
O que está em jogo, se a discussão é assim dirigida, é a natureza da representação. Por
um lado, temos o sentido epistemológico do termo (que emprega padrões a-históricos
fundamentados no sujeito transcendental), por outro, o estético (que permite pensar o texto
histórico como um todo associando-o à arte, e enfatizando a imposição de significado pelo
historiador através de seu estilo) (BERBERT, 2005: 143). Tão-logo a centralidade que o autor
reconhece na ofensiva rortyana contra a noção de correspondência, que acaba por consumir
com o sentido epistemológico da representação.
No nível das proposições, freqüentemente atribuímos o critério de verdade a uma
declaração se, e somente se ela corresponde à realidade. Mas o ataque de Rorty, que se
desenvolve na esteira do pragmatismo clássico, versa sobre esta terceira dimensão, a
correspondência, totalmente à parte da linguagem e do mundo. Ele rejeita a noção de
correspondência como um campo neutro habilitando-nos a confrontar linguagem e mundo. Na
visão de Ankersmit, quando Rorty ataca o representacionalismo, são as proposições
verdadeiras que ele tem em mente (ANKERSMIT, 2001: 274). E como foi dito antes,
Ankersmit postula a eminente necessidade de abandonarmos o atomismo da análise
lingüística contemporânea em detrimento de uma filosofia do texto histórico como um todo.
Quando usamos a noção de representação, raramente, se nunca, pensamos em
declarações (verdadeiras), mas, ao invés disso, em obras de arte, assembléias políticas,
ou textos históricos (quando analisado como um todo e não como séries longas de
declarações verdadeiras isoladas) 2 (em tradução livre) (ANKERSMIT, 2001: 274).
Os argumentos de Rorty contra a possibilidade de uma representação confiável ou
segura, e seu anti-representacionalismo são os esteios de Ankersmit para minar a noção de
uma terceira dimensão entre a linguagem e a realidade. Esta idéia que estabelece uma
diferença categorial entre estes dois níveis. Nada em um nível, dentro do contexto da noção de
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No original: When using the notion of representation, we rarely, if ever, think of (true) statements, but, instead
of works of art, political assemblies, or historical texts (when taken as a whole and not as a long series isolated
true statements).
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representação-como-correspondência, terá sua contrapartida no outro. Então, persistirão as
distinções fundamentais para que a epistemologia continue agindo.
De acordo com a
perspectiva de Ankersmit sobre a narrativa histórica, estas distinções devem ser abandonadas.
Seu intento é demonstrar a inoperância da distinção entre linguagem e realidade e, sobretudo,
tornar evidente a inutilidade dos instrumentos da epistemologia para explicar a natureza da
relação texto histórico/ passado. Inutilidade em razão da inexistência de qualquer distinção
ontológica entre representação e representado. A narrativa, neste contexto, possui o estatuto
ontológico de um objeto (thing), ela é incontestavelmente opaca e auto-referente. Portanto, o
corolário da teoria da história de Ankersmit é o abandono da epistemologia e suas
implicações, que fatalmente emergem quando aceitamos a linguagem (o texto histórico) como
transparente ou como um espelho do passado
Deste modo, a crítica rortyana à epistemologia, a partir do seu conceito de antirepresentacionalismo, torna-se fundamental para a compreensão da teoria narrativa de
Ankersmit. No restante deste texto concentrarei minha atenção justamente sobre Rorty e sua
pugna contra o absoluto da representação-como-correspondência.
O esforço de Rorty é de nos livrar dos constrangimentos da epistemologia
representacionalista. Um modo de pensamento que prima pela exigência de restrição e
confrontação, de espelhamento adequado da realidade. A verdade, neste contexto, é
compreendida como uma correspondência fidedigna aos objetos ou à realidade (esta entendida
como detentora de propriedades intrínsecas, completamente independente do sujeito
cognoscente). Conhecimento verdadeiro, portanto, se define por asserções que representem
acuradamente tais propriedades intrínsecas.
Sua luta em O espelho da Natureza é contra o absoluto da representação. Noção que
nos foi herdada das metáforas especulares sobre as quais a filosofia tradicional se assentava.
Rorty expõe a problemática da seguinte forma:
A imagem que mantém cativa a filosofia tradicional é a da mente como um grande
espelho, contendo variadas representações – algumas exatas outras não – e capaz de
ser estudado por meio de métodos puros, não-empíricos. Sem a noção da mente como
espelho, a noção de conhecimento como exatidão de representação não se teria
sugerido (RORTY, 1994: 27).
Sem esta noção, a empresa comum a Descartes e Kant não teria obtido êxito, qual seja,
obter representações acuradas ao inspecionar o espelho da natureza: a mente. Assim sendo, a
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virada epistemológica realizada por Descartes, Locke e Kant refere-se ao estabelecimento de
um relato causal de processos mentais que se conjetura criticar e justificar declarações de
conhecimento, projeto que visava investigar sobre a probabilidade ou extensão de
representações acuradas no “Espelho da Natureza”, ou seja, a mente como uma instância
separada do corpo e capaz de espelhar o real (RORTY, 1994: 147).
O problema volveria, nesse caso, entorno de estabelecer os fundamentos dos
processos mentais que garantiriam o conhecimento. Era um problema de filosofia da
consciência, de formular uma teoria do conhecimento. E isso só foi possível, segundo Rorty,
devido à distinção mente/corpo de Descartes que nos proporcionou a noção de representações
internas. No entanto, como observa o autor, apenas esta invenção não seria suficiente para dar
origem à epistemologia, foi necessário que Locke confundisse explicação e justificação
(RORTY, 1994: 147).
Locke e os filósofos do século XVII não pensavam no conhecimento como uma
crença justificada, como uma relação entre uma pessoa e uma proposição, antes como a
relação entre pessoas com objetos, objetos que deixam impressões e o conhecimento como
qualidades do organismo, daí a noção de exame de nossa faculdade de conhecer. Consoante
Rorty, temos em mãos as duas metáforas que hipostasiadas tornaram-se a base para o
estabelecimento de uma disciplina que tem por objeto os fundamentos do conhecimento. A
primeira é a metáfora do Olho da Mente que observa (Descartes) - acesso interno
privilegiado; a segunda é a tabula rasa (de Locke) em que os objetos deixam as impressões.
Em Kant esta empresa atinge o seu ápice, tomar por verdadeira uma proposição significa
relacionar representações: a produção de uma síntese por um ego transcendental.
A procura destes fundamentos absolutos é visto por Rorty com pouco hábeis de apoio para
nosso viver cotidiano. Portanto, sua oposição ao absoluto da representação (que tem por meta
encontrar um espaço último de inquirição, assim finalizando a conversação) é em favor de um
modo de perceber a investigação não tendo com meta a descoberta da verdade ou a adequação de
nossas crenças a objetos. A investigação, de acordo com Rorty, não tem uma meta fixa, clara e
objetiva, mas, ao contrário, há uma pluralidade infinita de objetivos.
A abertura do campo de jogo da conversação em detrimento da correspondência, nas teses
de Rorty, encontra espaço na linguagem. Os únicos constrangimentos aceitos são as objeções
feitas linguisticamente. A verdade de uma crença não é mais que sua justificação perante uma
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comunidade. De acordo com Rorty, todo discurso que se prenda por valores de objetividade e
verdade, como correspondência à realidade, deve ser abandonado, pois, para o autor, não há
um discurso que esteja mais próximo da realidade do que outro; se algum enunciado pode
representar a realidade qualquer outro pode. O que segue é a completa dessubstantivação do
conceito de verdade. Não se trata de tornar nossos enunciados verdadeiros, mas justificá-los.
Portanto, não há distinção entre verdade e justificação.
“A justificação nada mais é do que o acordo entre os membros de um grupo ou de uma
comunidade, e não há acordo último, final ou de convergência dos enunciados” (ENGEL;
RORTY, 2008: 19). O conceito de verdade passa, portanto, a não designar nenhuma
propriedade substancial ou metafísica, tornando a noção tradicional de verdade (como
correspondência de nossas proposições com uma realidade ou fato) carente de qualquer
validade. Rorty pretende que desloquemos nossa atenção das questões epistemológicas para a
política social e função social da linguagem.
[...] podem-se considerar desprezíveis as questões tradicionais da metafísica e da
epistemologia, pois elas não têm nenhuma utilidade social. Isso não significa que elas
não tenham sentido, nem que se apóiem em pressupostos falsos, mas está
simplesmente ligada ao fato de que o vocabulário da metafísica e da epistemologia
não tem nenhuma função social (ENGEL; RORTY, 2008: 59).
Manter a conversação ativa: eis o único interesse de Rorty, pois é somente através de
encontros livres e abertos que poderemos construir uma sociedade democrática e tolerante.
Destarte, os valores epistemológicos como a busca da verdade e os fundamentos do
conhecimento são abandonados pela busca e ampliação da solidariedade. A concordância
intersubjetiva toma lugar do desejo de objetividade. Uma concordância que está apenas na
relação lingüística entre os pares de uma conversa. Está no modo como são formulados os
problemas e objeções em um determinado vocabulário.
Por conseguinte, não se trata de questionar qual vocabulário espelha melhor a
realidade. Em Rorty, trata-se da funcionalidade ou não de um modo de descrever a realidade.
Modos que são infinitos e falíveis. Assim, fica a premissa que tudo pode ser redescrito, pode
ser submetido a um jogo de linguagem de modo a servir ou não às nossas necessidades. Nas
palavras do autor:
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Nós [Nietzsche e James] pensamos que há muitas maneiras de falar sobre o que está
acontecendo, e que nenhuma delas está mais próximas do jeito que as coisas são em si
mesmas que qualquer outra. Chegar mais perto da realidade soa para nós como uma
metáfora desgastada. Não temos a menor idéia do que o “em si mesma” quer dizer na
frase “a realidade tal como é em si mesma”. Assim, sugerimos que a distinção
aparência/realidade seja abandonada em benefício de uma distinção entre formas mais
úteis e menos úteis de se falar (RORTY, 1998: 15).
O neopragmatismo de Richard Rorty delineia um deslocamento da verdade à
solidariedade; a substituição de valores intelectuais ontológicos e epistemológicos como
racionalidade, verdade, objetividade e validez universal por critérios políticos e morais, tais
como solidariedade, acordo e autocriação. Na redescrição rortyana da filosofia os padrões
epistêmicos abrem espaço para valores contingentes de justificação de nossas crenças a nosso
respeito e do mundo. Tudo em favor de práticas de conversação situadas no tempo. A
filosofia, para Rorty, deve assumir uma postura terapêutica, mais próxima da critica literária
que dos critérios a-históricos e imutáveis fundacionalistas da ciência ou da filosofia
tradicional epistemologicamente centrada.
Rorty, então, busca por alternativas para tratar do problema de uma razão e uma
verdade descorporificadas de uma prática lingüística. Ele despreza as argüições idealizantes
(até mesmo com intuito de irromper fronteiras provincianas e transcender contextos locais) e
redescreve a verdade como “utilidade prática”. Seu desejo é o de romper de uma vez por todas
com a tão arraigada tradição platônica, isto é, a noção de que há verdades filosóficas por
descobrir que podem ser fundamentadas em argumentos. Assim sendo, sua virada pragmática
do conhecimento tem por objetivo radicalizar uma virada lingüística inconclusa,
(HABERMAS, 2004: 232) desbancar completamente a noção realista do conhecimento e
abandonar a epistemologia, esta que se confunde com os elementos transcendentais que estão
na base do sujeito-transcendental, fundamento do conhecimento (BERBERT, 2005: 110).
White desfraldou a centelha que fez vir à lume os novos questionamentos acerca da
teoria literária como um instrumento para a compreensão da escrita da história
(ANKERSMIT, 2001: 29). Malgrado a envergadura do projeto tropológico de White, o que
Ankersmit objetiva evidenciar é uma certa discrepância entre o temário aberto pela filosofia
da linguagem e a teoria literária.
O inédito vocabulário da representação, tão caro a
Ankersmit, agora exaurido seu conteúdo epistemológico, retém um débito incomensurável
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com a filosofia da linguagem do tipo praticada por Rorty. Isto, pois, os problemas
epistemológicos decorrentes do uso da linguagem passam ao largo das investigações da teoria
literária. Daí a centralidade de uma concepção de linguagem antifundacionalista e antirepresentacionalista.
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