7 CONCLUSÕES E CONTINUIDADE DA PESQUISA A tentativa mais vigorosa de internacionalização de um método de avaliação foi feita com o BREEAM. Mais recente, o LEED é aplicável em todo o território dos Estados Unidos, porém são raros os casos de aplicação externa. Atualmente, porém, tanto o LEED quanto o BREEAM evitam avaliar edifícios fora de seus países de origem. A prática demonstrou que a dificuldade de adequação aos locais de avaliação ia além da retirada ou adição de aspectos a avaliar e que os resultados das adaptações revelavam-se, na verdade, como novos sistemas, muito diferentes dos métodos originais. O GBC investiu em um caminho diferente: criar uma ferramenta que fosse suficientemente flexível e pudesse ser utilizada em diversos países. Aí está o papel fundamental dos benchmarks, que contextualizam a avaliação e definem a escala de desempenho. E aí está também o seu grande calcanhar de Aquiles, pois falhas na definição dos benchmarks alteram diretamente o resultado da avaliação, e podem mesmo invalidá-la. Seria excelente se fosse possível utilizar, no Brasil, uma ferramenta tão completa quanto a GBTool, mas exatamente por sua abrangência e complexidade, ela está longe de ser um instrumento para uso corriqueiro. Mais apropriado é utilizar a GBTool em seu propósito original, e desenvolver um método local a partir do embasamento teórico-científico que ela oferece. Este trabalho defende a idéia de que a qualidade de um método de avaliação de edifícios é determinada por quatro princípios essenciais: • Para ser tecnicamente consistente, um método de avaliação deve ser adaptado a dados nacionais relevantes; • Para ser viável praticamente, um método de avaliação deve ser adaptado ao mercado, às práticas de construção e às tradições locais; • Para ser absorvido e difundir-se rapidamente, um método de avaliação deve ser desenvolvido em parceria com as principais partes interessadas: investidores, empreendedores/construtores e projetistas; • Para ser apropriado ao contexto nacional, os itens avaliados no método devem ser ponderados para refletir prioridades e interesses nacionais. Todos eles são definidos localmente. E todos eles são, portanto, contrariados pela importação de métodos. Que fique claro que o problema não é a qualidade dos métodos Capítulo 7 – Conclusões e continuidade da pesquisa 193 existentes. Pelo contrário, em seus contextos de origem, eles são apropriados e vêm experimentando alto grau de sucesso, mas não são adequados para aplicação no Brasil, porque: • o que estes métodos avaliam é insuficiente: todos eles detêm-se na avaliação ambiental, e os itens ambientais avaliados não necessariamente refletem a agenda brasileira. • a forma como estes métodos avaliam é inapropriada para o Brasil, porque: o para prover resultados aderentes ao contexto de avaliação é necessário definir localmente um critério de ponderação; e o não há dados nacionais de LCA, e é inconsistente avaliar impactos de materiais brasileiros com base em dados estrangeiros. • o quanto deve ser atingido em cada método é definido pela sinergia de fatores como tecnologias e produtos disponíveis em cada mercado, práticas construtivas, normas vigentes, que, juntos, delineiam níveis de referência e metas que mudam de um contexto a outro. É fundamental, portanto, desenvolver um método à luz das prioridades, condições e limitações brasileiras. Deve-se necessariamente passar, no Brasil, por um processo de amadurecimento semelhante àquele por que passaram os países de origem dos métodos existentes para avaliação ambiental de edifícios, com o desafio maior de ampliar o escopo tradicional de avaliação ambiental para avaliação de sustentabilidade de edifícios. A pesquisa para desenvolver um método de avaliação e classificação de desempenho quanto a sustentabilidade é pioneira tanto no país quanto no exterior, e acrescenta aspectos únicos na abordagem do tema. Primeiro, porque não há uma metodologia publicada neste sentido. Segundo, porque todos os métodos de avaliação de edifícios centram-se na dimensão ambiental da sustentabilidade; a discussão sobre a avaliação da sustentabilidade de edifícios só agora começa a ganhar força no exterior. Terceiro, porque estas iniciativas não incluem a avaliação dos agentes do processo. O desenvolvimento do método foi iniciado neste trabalho, com base nas diretrizes e na base metodológica propostas, e em consulta às partes interessadas da construção civil no Estado de São Paulo. Propõe-se avaliar não só o desempenho ambiental do edifício, mas a sua contribuição para um ambiente construído mais sustentável, através da consideração de aspectos sócio-econômicos que possam ser relacionados à escala do edifício, e sua produção e operação. Capítulo 7 – Conclusões e continuidade da pesquisa 194 Os limites do sistema foram definidos para manter o foco no empreendimento, de modo a avaliar produto e processo, e (1) enfatizar as etapas de construção e uso inicial de edifícios de escritórios; alguns aspectos de planejamento e projeto são também considerados, porém não no mesmo nível de detalhamento; e (2) incluir a avaliação dos agentes envolvidos no ciclo do empreendimento. A opção por iniciar a avaliação dos agentes envolvidos no processo pela avaliação da empresa construtora foi um primeiro passo no sentido de criar a cultura e o movimento consistente das práticas de mercado em direção a um patamar mais sustentável, mas cada agente do processo tem papel fundamental no aumento da sustentabilidade do ambiente construído. Cabe aos clientes e incorporadores criar a demanda por empreendimentos mais sustentáveis; aos investidores, valorizar e criar oportunidades de financiamento; aos projetistas, adotar estratégias que resultem em projetos mais sustentáveis ambientalmente e que ofereçam melhor qualidade de vida aos ocupantes; e aos fornecedores, investir em tecnologias de produção mais limpas e relações de trabalho mais justas. Abordagens posteriores para ampliação incremental destes limites para englobar mais agentes e etapas do ciclo do empreendimento são, portanto, encorajadas. A estrutura de avaliação proposta foi construída a partir da estrutura temática utilizada pela UN CSD e de instrumentos de avaliação de sustentabilidade de nações, setores econômicos e organizações; na proposição de uma agenda para a construção sustentável no Brasil, e na análise dos métodos e projetos de normas ISO relacionados à avaliação ambiental e de sustentabilidade de edifícios. A análise dos métodos existentes apontou as categorias essenciais do módulo de avaliação de desempenho ambiental. O módulo de avaliação de desempenho social foi organizado conforme os impactos sobre as partes interessadas: clientes/investidores/empreendedores, fornecedores, operários, usuários do edifício e a sociedade em geral. O módulo de avaliação de desempenho econômico, por sua vez, procura identificar os fluxos monetários relacionados a custos de produção, de operação e de implementação de medidas para aumentar a sua sustentabilidade, assim como os benefícios financeiros a elas associados. Um módulo de Gestão do Processo permeia os três módulos anteriores. O processo de análise hierárquica foi utilizado para registrar e manter a rastreabilidade do processo de obtenção de pesos para os temas e categorias de desempenho em avaliação de edifícios. Capítulo 7 – Conclusões e continuidade da pesquisa 195 O presente possível A consulta às partes interessadas da construção civil do Estado de São Paulo levou a algumas conclusões fundamentais: • A estrutura de avaliação proposta é suficientemente abrangente, e pode ser mantida nos desenvolvimentos posteriores do método. Ressaltou-se, porém, o despreparo do mercado em conduzir avaliações detalhadas e que, no curto prazo, é necessário iniciar com um modelo simplificado de avaliação. O mercado ou não dispõe de dados para avaliar grande parte dos indicadores de sustentabilidade propostos inicialmente ou necessita de tempo para preparar-se para ser avaliado em relação a alguns deles. Os indicadores enquadrados no primeiro caso foram incluídos como itens não pontuados, para iniciar o acúmulo de dados que permitirá a sua avaliação no futuro. Aqueles que se enquadram no segundo caso, foram remanejados para o status de pontos extra (bônus). Desta forma, potencializase o caráter motivador e educativo do método de avaliação pela combinação de itens prescritivos e pontuação evolutiva, com bônus indicando o caminho para melhoria; • A divisão dos indicadores em etapas do ciclo de empreendimento (planejamento, projeto, execução e uso/operação do edifício) é uma medida didática, que evidencia responsabilidades e estimula o planejamento do empreendimento a partir de uma reflexão no longo prazo. • A consulta pública forneceu uma primeira idéia de pesos, que foi considerada juntamente com a percepção de relevância dos itens a compor o método, e a sugestão de status de pontuação aderente à realidade do mercado. Estas contribuições foram incorporadas no desenvolvimento do modelo proposto, que é pautado por dez conceitos básicos: 1. Adesão voluntária: entra no processo quem deseja fazer melhor; 2. Premiação de quem faz melhor; 3. Foco no empreendimento; 4. Auto-avaliação, a ser revisada por avaliadores credenciados; 5. Avaliação por etapas; 6. Ponderação aplicada apenas no nível hierárquico mais alto; 7. Mescla de pontos prescritivos e por desempenho; 8. Pontuação evolutiva e estratégia de implementação gradual; 9. Utilização de níveis de classificação de desempenho; e 10. Revisão periódica do sistema de avaliação e da classificação do edifício. Capítulo 7 – Conclusões e continuidade da pesquisa 196 Diante da dificuldade de implementação imediata de um sistema de avaliação detalhado, optou-se por uma implementação gradual, com base no cenário imediato e em projeção futura. Desta forma, prevê-se a (1) migração de um método híbrido para um método totalmente orientado a desempenho e que utilize a análise de ciclo de vida na avaliação do uso de recursos e cargas ambientais envolvidos; e (2) evolução do nível de exigência (bônus tornam-se créditos, que se tornam pré-requisitos), para o refinamento e melhoria contínuos do sistema de avaliação, enquanto se mantém a aderência com a realidade de mercado. O futuro O interesse pelo tema no país foi definitivamente despertado. Um novo workshop será realizado em agosto de 2003, para dar continuidade à discussão e envolvimento das partes interessadas no desenvolvimento e teste do modelo de avaliação. Um estudo-piloto com duração de um ano será iniciado no segundo semestre deste ano, e será decisivo para a validação prática do procedimento de avaliação e para o acúmulo de dados para caracterizar as práticas típicas e mais orientadas à sustentabilidade. Vislumbra-se, neste momento, algumas necessidades e perspectivas para continuidade da pesquisa: • Acúmulo de dados que balizem a definição de metas, desempenho mínimo e referências de desempenho; a ser iniciado com a realização do estudo piloto. • Construção de inventários de ciclo de vida. A aplicação direta de LCA em avaliação de edifícios no Brasil, mostra-se, neste momento, complexa, impraticável e insuficiente, devido à carência de inventários de ciclo de vida de materiais de construção brasileiros. Esta é também uma necessidade para aumentar a confiabilidade dos dados obtidos para edifícios brasileiros no processo Green Building Challenge. Os trabalhos sobre análise de ciclo de vida estão em seus primeiros passos no Brasil, e utilizam diferentes metodologias para coleta e tratamento dos dados, o que impede a comparação de resultados ou a agregação de diferentes materiais em uma só base de dados. É fundamental que os procedimentos sejam uniformizados, utilizando-se uma base comum de critérios e, preferencialmente, uma mesma plataforma de avaliação, como a holandesa SimaPro; • Detalhamento de módulos específicos para avaliação de projeto e de uso e gestão da operação. Na consulta ao mercado, ficou patente a falta de ferramentas de orientação para estas etapas, principalmente para a etapa de projeto. Como resposta, iniciou-se o desenvolvimento de uma interface de avaliação. A interface ainda está em construção e vai além dos indicadores da lista revisada após a consulta pública, acrescentando uma série de outros para as etapas de planejamento e projeto. O detalhamento que realmente Capítulo 7 – Conclusões e continuidade da pesquisa 197 caracterizará uma ferramenta de avaliação da sustentabilidade do projeto será objeto de continuidade do trabalho; • Desenvolvimento e implementação de estratégia para inserção do tema no processo cotidiano de planejamento, projeto, execução e gestão da operação de edifícios; • Análise dos benefícios financeiros e oportunidades de negócios trazidos pela construção sustentável e coleta de dados quanto aos avanços do setor. A aplicação de quaisquer análises ao longo do ciclo de vida, inclusive a de custos, é limitada pela separação entre os agentes (empreendedor, usuário final...) que caracteriza a produção e o uso de edifícios. A maioria das práticas avaliadas oferece benefícios a custo baixo ou nulo, mas são necessários números nacionais que tornem isto evidente; • Implementação da interface de avaliação on-line e desenvolvimento contínuo de ferramentas de informação de profissionais sobre construção sustentável. O desenvolvimento da interface on-line foi iniciado em pesquisa paralela, juntamente com uma biblioteca de estratégias e tecnologias para aumentar a sustentabilidade de empreendimentos. Mais recentemente, o responsável pelo Green Globes, uma ferramenta on-line para avaliação ambiental desenvolvida no Canadá, iniciou os contatos para formalização de cooperação com a autora da pesquisa; • Adaptação do modelo a outras tipologias de edifícios. Espera-se que este trabalho seja uma bússola, que ajude a orientar a direção dos desenvolvimentos futuros, antes de ser o mapa exato da estrada.