M a t é r i a d e C M a p a a t é r i a d e C a p a A situação dos cuidados paliativos no Brasil, pelo Ministro da Saúde A Revista Meaning, sempre preocupada em informar seus leitores do que acontece na Saúde do Brasil, teve a honra de entrevistar o Exmo. Ministro da Saúde: José Gomes Temporão, médico, sanitarista, 57 anos, formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ). Especialista em doenças infecciosas e tropicais, Mestre em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fio Cruz e Doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Abordamos algumas questões de como o Ministério da Saúde vê o futuro dos cuidados paliativos no Brasil; abordagem integral e contínua de extrema importância aos pacientes com doenças crônico evolutivas, e que necessita se aprimorar e se desenvolver ainda mais em nosso país. Abaixo, as respostas de nosso Exmo Ministro da Saúde: a) Quais as providências que estão sendo tomadas para que os cuidados paliativos tornem-se uma realidade no país? O SUS contempla a estruturação e o funcionamento de serviços para cuidados paliativos. E ainda há melhorias que pretendemos implementar para o aprimoramento dos serviços, seja com ações para difundir o conhecimento nessa área, seja na qualificação da assistência ou na educação continuada para os profissionais, sempre de acordo com os princípios da integralidade e da humanização. Atualmente, o Ministério da Saúde trabalha na elaboração de diretrizes nacionais para controle da dor e cuidados paliativos, a fim de que sejam incorporados na atenção básica e especializada. 18 m e a n i n g | e d i ç ã o 0 4 - A n o 2 m e a n i n g | e d i ç ã o 0 4 - A n o 2 19 d e C b) A instituição de um código de APAC para o fornecimento de morfina foi um grande passo, mas, na prática, ainda esbarramos no problema do fornecimento. Como garantir o fornecimento contínuo e adequado para toda a rede do SUS? Já existe uma atenção especial a esse tipo de atendimento em toda a rede do SUS. Os analgésicos narcóticos: codeína, morfina e metadona integram o rol de Medicamentos de Dispensação Excepcional. Há uma Resolução (a Resolução RDC nº. 202/02) que determina a não-obrigatoriedade do uso de “receita A” (entorpecentes sujeitos a controle especial), na dispensação de medicamentos com substâncias provenientes do ópio, para pacientes em tratamento ambulatorial cadastrados no Programa Nacional de Assistência à Dor e Cuidados Paliativos do SUS. Também estabelece um Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas para o uso desses medicamentos, a quantidade a ser fornecida e a forma de devolução, caso o uso seja interrompido. Além disso, uma Portaria do Ministério da Saúde (a Portaria GM/MS nº. 1319/2002) define critérios para o cadastramento de hospitais no programa e, ainda, que todos os hospitais habilitados em oncologia podem tratar dores crônicas. Hoje, o país conta com 242 hospitais com habilitações de alta complexidade em oncologia. Alguns estados também se organizaram e habilitaram serviços para a dispensação de medicamentos para tratamento de dor crônica. É importante ressaltar que o fornecimento desses medicamentos deve ser o mais descentralizado possível, mas sem a perda do controle exigido pelas normas nacionais e internacionais. c) Embora portarias ministeriais tornem obrigatórios os cuidados paliativos em todos os CACONS, o Brasil ainda não dispõe de centros adequados e suficientes para o treinamento multiprofissional nessa área. Como poderemos suprir e garantir a qualidade técnica dos profissionais que atuarão nessas unidades? A implementação de uma equipe multidisciplinar de cuidados paliativos nos hospitais gerais traz inúmeros benefícios para a instituição, o doente, a família e o profissional de saúde. Porém, é imperativo reconhecer que existem várias etapas envolvidas no desenvolvimento de um programa como esse, tanto no âmbito hospitalar e ambulatorial quanto no domiciliar. Estabelecer a “cultura” da medicina paliativa é discutir a mudança 20 m e a n i n g M a p a | e d i ç ã o 0 4 - A n o 2 de paradigmas assistenciais. É algo complexo. E um dos grandes desafios é conscientizar o profissional que atende os pacientes fora de possibilidade terapêutica para que introjete os cuidados paliativos como uma atividade tão relevante quanto o diagnóstico ou mesmo o tratamento terapêutico das doenças. Essa conscientização dos profissionais, especialmente dos médicos, deve ocorrer ainda na formação acadêmica. d) Existe uma grande barreira cultural para que o povo brasileiro aceite os cuidados paliativos. O Governo tem planos para programas de conscientização e esclarecimento da população? Como mencionado anteriormente, a primeira medida a ser adotada é disseminar o tema e sensibilizar as pessoas em geral, especialmente os profissionais de saúde. As políticas públicas do Ministério da Saúde prevêem uma grande articulação com diversos órgãos, como Secretarias Municipais de Saúde, Governos dos Estados, universidades e sociedades de especialistas, o que permite inclusive estruturar os cuidados paliativos conforme as necessidades locais. e) O Sr. não acha que a instituição dos cuidados paliativos pode sofrer distorções e ser usada como uma forma de reduzir os custos dos tratamentos de alta complexidade? Quais os planos para que isso não aconteça? Primeiramente, temos de entender o que é cuidado paliativo: trata-se de um conjunto de ações voltadas para o doente sem possibilidades terapêuticas ou curativas, em suas diversas fases de evolução. Depois, é um mito achar que cuidados paliativos, como a promoção da saúde ou a prevenção de doenças, sejam ações de menor custo do que aquelas centradas na ação individual dos profissionais de saúde ou no ambiente hospitalar. Todas as ações e serviços de saúde, qualquer que seja a complexidade ou o recurso que demandem, têm a sua importância. Os cuidados paliativos são essenciais em um sistema de saúde. Não são meras alternativas, mas complementos necessários dentro do ciclo de vida das pessoas. f) Atualmente, existem vários centros para tratamento de dor que prestam assistência ambulatorial em cuidados paliativos. No entanto, surgem muitas dificuldades em estruturar atendimentos domiciliares e em suprir a t é r i a d e C a p a as necessidades de internações hospitalares. Como resolver esse problema? Implantar cuidados paliativos é um processo que demanda algum tempo. Mas em 1998, o Ministério da Saúde publicou a Portaria GM/MS nº. 2.416, que incluiu na tabela do Sistema de Informações Hospitalares do SUS o grupo de procedimentos de internação domiciliar, estabelecendo critérios para sua indicação, critérios de prioridade entre pacientes, tempo de permanência, imposição de responsabilidades e estruturação hospitalar de apoio a essa internação. Esses critérios estão sendo revisados para a melhor atuação das equipes e seu funcionamento junto aos estabelecimentos públicos e privados, no âmbito do SUS. Os cuidados paliativos, inclusive o controle da dor, envolvem a atenção domiciliar, ambulatorial, de pronto atendimento e hospitalar. Isso exige um mínimo de recursos humanos, estruturais e materiais para garantir uma assistência adequada e qualificada ao doente. A experiência desde 2005 com a Internação Domiciliar e o trabalho de uma Câmara Técnica sobre o assunto vêm contribuindo muito para o aprimoramento desse processo. Marcello Casal JR - ABr a t é r i a g) O Ministério da Saúde tem planos para criar centros especializados em cuidados paliativos, como os Hospices? Não. O que queremos é promover a inversão do atual modelo “hospitalocêntrico” de atenção e ampliar a cobertura domiciliar no atendimento dos pacientes que necessitem dos cuidados paliativos. A intenção do Ministério da Saúde é implementar cuidados paliativos, inclusive o controle da dor crônica, nos diferentes níveis de atenção (básica, especializada de média e alta complexidade), organizando a assistência em linhas de cuidados integrais (eletivo e de urgência; domiciliar, ambulatorial e hospitalar). h) Existe uma Câmara Técnica para trabalhar na organização e desenvolvimento dos cuidados paliativos no Brasil. Qual é exatamente a função da mesma? É tudo o que está disposto em Portaria (Portaria nº 3.150/GM, de 12 de dezembro de 2006) e engloba se pronunciar desde a formulação de diretrizes nacionais sobre o controle da dor e os cuidados paliativos até sobre os estudos, as pesquisas e à formação e qualificação de profissionais para atuação nessa área específica. As propostas dessa Câmara Técnica estão Elza Fiúza - ABr M m e a n i n g | e d i ç ã o 0 4 - A n o 2 21 M a t é r i a d e C a p a sendo formatadas para discussão na instância gestora tripartite do SUS, que engloba os entes federais, estaduais e municipais. TEXTO DA PORTARIA Nº 3.150/GM SEGUE ABAIXO: À Câmara Técnica em Controle da Dor e Cuidados Paliativos cabe pronunciar-se sobre: a- as diretrizes nacionais sobre controle da dor e cuidados paliativos; b- as ações de controle da dor e cuidados paliativos, levadas a cabo no âmbito coletivo ou individual na assistência pública; c- as recomendações para o desenvolvimento dessas ações nas entidades públicas e privadas que integram o SUS e, quando solicitado, o sistema de saúde suplementar; d- a atualização das normas e procedimentos do SUS referentes ao controle da dor e cuidados paliativos; e- a incorporação tecnológica para ações de controle da dor e cuidados paliativos, encaminhando parecer à Comissão para Incorporação de Tecnologias do Ministério da Saúde - CITEC; f- projetos de incentivo para ações de controle da dor e cuidados paliativos; g- a estruturação de redes de atenção na área de controle da dor e cuidados paliativos; h- a formação e qualificação de profissionais para atuação em controle da dor e cuidados paliativos; e i- a avaliação de estudos e pesquisas na área de controle da dor e cuidados paliativos. i) Com base na atual estruturação das AIHs os procedimentos são remunerados “em pacotes”. Como podemos garantir uma remuneração adequada para todos os profissionais envolvidos nos cuidados paliativos? A questão da remuneração de profissionais da saúde no Brasil é complexa e não diz só respeito àqueles que integram a equipe de cuidados paliativos. Grande parte dos profissionais de saúde são funcionários públicos ou de estabelecimentos filantrópicos ou beneficentes, sendo raros os estabelecimentos de saúde privados com fins lucrativos que, no SUS, tenham o perfil para a prestação de cuidados paliativos. Ou seja: este é um assunto ainda em discussão. Ressalto, no entanto, que, em setembro de 2007, 22 m e a n i n g | e d i ç ã o 0 4 - A n o 2 o Ministério da Saúde concedeu aumento Tabela de Procedimentos do SUS, com impacto anual de R$ 1,2 bilhão no orçamento da pasta. Já em dezembro de 2008, um novo reajuste ampliou o repasse anual em mais R$ 902,6 milhões. A tabela, utilizada para pagar prestadores de serviços do SUS, sofreu uma defasagem de 110% entre 1994 e 2002. As medidas adotas são o maior reajuste realizado na tabela de procedimentos do SUS desde a sua criação. A ação contribui para corrigir distorções na distribuição de recursos dos serviços de alta e média complexidade, expandir a oferta de serviços e reduzir as iniqüidades regionais. Os reajustes variaram de 5% a 1.000%, dependendo do procedimento. j) Com o número crescente de pessoas acometidas por doenças crônico-evolutivas, os cuidados paliativos aparecem como algo indispensável nos cuidados a esses pacientes e familiares. O que pode ser feito, em sua opinião, para que muitas pessoas se beneficiem dessa abordagem integral e contínua? É algo que realçamos anteriormente e precisamos enfatizar em termos de implementação das ações e serviços de saúde para o controle da dor e cuidados paliativos: aplicação de diretrizes nacionais, busca da mudança da cultura assistencial, adequação às realidades regionais e estruturação para a prestação integrada desses cuidados em todos os níveis da atenção. k) O Sr. acredita que os cuidados paliativos têm futuro em nosso país? Os cuidados paliativos vêm obtendo cada vez mais reconhecimento em medicina hospitalar nos últimos anos e, há algum tempo, fazem parte da realidade brasileira. Vários hospitais públicos estabeleceram programas ou equipes de cuidados paliativos, como, apenas para citar como exemplos; a Secretaria Municipal de Londrina (PR), a Secretaria de Saúde do Distrito Federal, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (RS), o Instituto Nacional de Câncer, o Hospital Erasto Gaertner (em Curitiba), o Hospital dos Servidores do Estado (na cidade de São Paulo) e tantos outros, inclusive hospitais universitários. Além dos cuidados com os doentes e suas famílias, esses hospitais estão criando, consolidando e disseminando o conhecimento e a boa prática nessa área, como muitos outros, em São Paulo, Sul e Nordeste.