O Debate sobre os Transgênicos faz bem ao País

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O debate sobre os transgênicos faz bem ao País
Raros foram os assuntos tão debatidos nos últimos meses no Brasil quanto a
questão das variedades melhoradas pelo uso de técnicas de recombinação
gênica, conhecidas como transgênicas. Isto trouxe enormes avanços tanto no
sentido de reduzir o peso ideológico da discussão quanto para melhor informar a
opinião pública, aprisionada em clichês que, repetidos à exaustão, buscavam
transformar-se em verdade.
Um primeiro ponto positivo do debate foi ter deixado claro que existe um
nexo fundamental entre o agronegócio e os destinos do país. Superou-se a visão
fácil de que o setor agrário era atrasado, produtor de bens de subsistência e
distante do conhecimento científico e tecnológico organizado. Há trabalhos
mostrando que mesmo a realidade educacional do setor está mudando, havendo
consciência da necessidade de aumentar a escolaridade para segurar o jovem no
campo. Estudos mostram que safras de mais de 100 milhões de tonelada/ano
foram obtidas pelo aumento da produtividade do uso de todos os fatores: trabalho,
terra e insumos. Tal processo, ainda em curso, já gerou mais alimentos com
menos ocupação de áreas agrícolas, uma contribuição ao saldo da balança
comercial superior a US$ 15 bilhões/ano (40% das exportações brasileiras)
criando capacidade do Brasil para resistir às políticas protecionistas dos países
ricos.
Tecnologia é um elemento central desse processo, pois apreendemos a cada
dia que agricultura combina o uso de máquinas, insumos modernos, logística de
transporte e um conjunto cada vez mais sofisticado de medidas regulatórias,
buscando melhoria da qualidade fitossanitária dos produtos, menor impacto
ambiental e por que não enfatizar, a remuneração adequada do esforço de
pesquisa público e privado, na forma de pagamentos pelo uso da tecnologia.
Tecnologia não é feita isolada da realidade produtiva. Não é obtida com
cientistas pesquisando isolados em universidades. A realidade brasileira foi
construída a partir de redes de pesquisa, que relacionam diariamente Embrapa,
IPT, Apta, Centros de Pesquisa de Cooperativas, como Coodetec e Copersucar,
Fundações, como Fundecitrus e Fundação Mato Grosso, ao conhecimento das
Universidades e das empresas privadas, multinacionais e nacionais. Essas redes
são as grandes responsáveis pelos impactos favoráveis que os consumidores
claramente reconhecem: maior diversidade na cesta de consumo e queda de
preço de produtos agrícolas básicos. Já se foi o tempo em que se dizia que as
“frutas brasileiras não tinham gosto” ou que nossa segurança alimentar dependia
das importações de trigo. Isento de qualquer suspeita, o programa Fome Zero tem
como um de seus fundamentos a idéia de que a má distribuição - não a escassez
de alimentos - é a principal responsável pela situação atual do Brasil.
O debate também foi útil para apontar nossas deficiências: temos que
aperfeiçoar a rede de fiscalização de todos os produtos, estimulando a criação de
selos de qualidade e instalando sistemas de preservação de identidade de
produtos em cadeias produtivas em que isto seja realmente fundamental, como no
complexo carnes. Lembrou-nos também de que sistemas de segregação e
rastreamento de produtos, combinados com exigências de rotulagem devem ser
aplicados
com
parcimônia,
buscando
fornecer
ao
consumidor
aquelas
informações que lhes sejam úteis. Rastrear óleo de soja “transgênico” (sic) é
encarecer os alimentos sem dar nada em troca: não há proteína em óleos
vegetais, logo a informação é inútil.
Entretanto, apreendemos que no futuro demandaremos informações sobre a
identidade de alimentos transgênicos justamente para que possamos nos certificar
de que uma nova qualidade alimentar foi adicionada ao produto. Agregar valor e
diferenciar produtos continuará a ser a norma da indústria alimentar, com os
chamados alimentos nutricênicos cujas características serão demandadas por
grupos específicos de consumidores.
Ao debatermos os transgênicos, tomamos consciência do interesse dos
supermercados europeus em valorizar suas marcas próprias de produtos
alimentares às custas das regiões produtoras de alimentos, como o Brasil. Afinal,
para eles, isto representa uma oportunidade para agregar valor com base na
percepção de um consumidor ainda assustado com a “Síndrome da Vaca Louca”,
que aliás, se deve a práticas agrícolas primitivas e descuidadas e não à aplicação
cuidadosa do conhecimento tecnológico.
Todavia, o debate sobre transgênicos nos lembrou de ensinamento
fundamental para qualquer agricultor: nada se apreende sem a prática. A idéia de
que após seis anos de moratória branca dos transgênicos no Brasil, quebrada pela
curiosidade e pelo interesse dos agricultores do Sul do País, possamos decretar
outra moratória, é desconhecer a lição que a realidade atual nos deu. Se é certo
que ainda não temos uma rede adequada para fiscalização de biossegurança, que
não fizemos os testes de impacto necessários e adequados às condições de solo
e clima do Brasil, isto se deve principalmente ao fato de que, irracionalmente, com
base em uma hipotética estratégia de obter vantagens comerciais com a
comercialização
de
soja
e
derivados
não-transgênicos,
mantivemo-nos
oficialmente isolados na condição de país livre desta tecnologia.
Argentina, China, Índia, Canadá e EUA, países continentais e gigantes do
futuro e do presente do agronegócio, produzem e utilizam sementes transgênicas
de soja, milho e algodão e criam, portanto, capacitação para realizar um tipo de
monitoramento ambiental responsável, capaz até de decidir que um tipo de
transgênico determinado não é desejável e que portanto não deve ser difundido.
Países europeus reconhecem variedades transgênicas e a própria União Européia
declara-se preocupada com a falta de incentivo ao esforço científico representado
pelas restrições impostas aos transgênicos.
Existe na literatura de patentes o termo pipeline, que indica que as inovações
seguem um fluxo contínuo no tempo. A proibição de transgênicos no Brasil
significa interromper este fluxo precocemente, ou seja, abortar as possibilidades
de efetivamente difundir inovações que reduzam a quantidade de agroquímicos
utilizados, a perda de alimentos no processo de comercialização e que
implementem suas qualidades nutricionais. E o que se ganha em troca? A suposta
vantagem em aderir sem discussão às exigências de certos países ricos – de seus
negociadores e talvez de certos grupos de consumidores, cuja percepção é
mutável. Infelizmente para alguns, na agricultura não se canta mais o hino
mórmon: “a dádiva de ser simples”, ou diríamos, simplistas.
José Maria Ferreira Jardim da Silveira é agrônomo e doutor em economia
pela Unicamp, onde leciona no Instituto de Economia
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