Valor Econômico, 15 de junho de 2016 Meio Século de Estagnação Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli EPGE-FGV Períodos de crescimento no Brasil ocorreram após a consolidação de reformas econômicas que elevaram a produtividade geral da economia. As tentativas de buscar atalhos fáceis geraram apenas surtos de crescimento, seguidos de crises como a que assola o país neste momento. O Brasil perdeu oportunidades que outros países como o Chile e a Coreia do Sul souberam aproveitar. “Quem passa trinta dias fora do Brasil, quando retorna tem a impressão de que tudo mudou por aqui; mas se tivesse passado trinta anos no exterior, teria constatado que nada mudou”. A explicação para esse chiste e paradoxo encontra-se no gráfico abaixo, que descreve a evolução da renda per capita (RPC) –, medida pelo critério de paridade do poder de compra – da Coreia do Sul, Brasil e Chile, em porcentagem da renda per capita norte americana. A comparação com os EUA é motivada pelo fato de sua economia ser a mais madura do planeta, onde o ritmo de crescimento reflete a velocidade de adoção de novas tecnologias que surgem continuamente. PIB Per Capita (PPC, Preços de 2005) - Relativo aos EUA 70% 60% 50% 40% 30% 20% 1950 1952 1954 1956 1958 1960 1962 1964 1966 1968 1970 1972 1974 1976 1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 10% Coreia Brasil Chile Em 1954, a Coreia era o país mais pobre dos três, com 11% da RPC americana; o Chile o mais rico, com 22%; e o Brasil o intermediário, com 14%. Em 1961, após os anos dourados de acelerado crescimento da era JK, a RPC brasileira atingiu 18% da americana. Na ocasião, entretanto, apenas 35% dos jovens entre 5 e 19 anos encontravam-se matriculados no ensino fundamental e médio. O crescimento econômico foi interrompido pela elevada inflação provocada pelas políticas fortemente expansionistas de JK. Durante o governo Castello Branco, adotaram-se reformas estruturais que, ao estimularem a produtividade geral da economia e eliminarem o déficit público, criariam as condições para a retomada do crescimento no governo seguinte. Ao longo do período de implantação das reformas, a RPC brasileira manteve-se em torno de 17% da americana. Após 1968 o país voltou a crescer mais rápido que os EUA, elevando sua RPC a 24% da americana em 1974. A industrialização acelerada, ao ampliar a demanda por mão de obra qualificada, num país fechado em que a educação era privilégio de poucos, acirrou a disparidade de remuneração entre trabalhadores com baixa instrução e os que tinham tido acesso à educação de qualidade. Em resposta ao primeiro choque do petróleo, parte das reformas de Castello foram desfeitas, com fechamento da economia, ampliação do Estado, e tolerância em relação a uma inflação de 30% ao ano. No novo ambiente econômico, a RPC continuou a avançar acima da observada nos EUA por meia década, embora mais lentamente que no período anterior. O maior valor da RPC brasileira em relação à americana foi de 28%, atingido em 1980. Mas devido às distorções introduzidas no final dos anos setenta e inicio dos oitenta, ao longo da década perdida de 1980 os brasileiros viram sua renda despencar. A crise da dívida externa e a desorganização inflacionária mantiveram a RPC brasileira estagnada, enquanto a norte americana continuava a crescer. Em 1994, ano do lançamento do Plano Real, a RPC brasileira havia caído a apenas 19% da americana. Assim como ocorrera trinta anos antes, durante o governo FHC implantaram-se reformas estruturais que criariam as condições para a retomada do crescimento no governo seguinte. Ao longo do difícil período de consolidação da estabilização, a elevação da RPC brasileira ficou abaixo da observada nos EUA. Em 2003, primeiro ano da gestão Lula, a RPC brasileira havia caído a somente 17% da americana, mesmo nível de 1961. A partir de 2004, colhendo os frutos das reformas econômicas implantadas por FHC, e ajudado por uma conjuntura internacional favorável ao país, o Brasil voltou a crescer mais rápido que os EUA. Em seu primeiro mandato, Lula manteve – e, em alguns casos, expandiu – as políticas de FHC. Mas, a partir de 2008, ampliou distorções que desaceleram a evolução da produtividade, como intervenção nas agências reguladoras, barreiras comerciais, e políticas de campeãs nacionais. Em 2010, a RPC brasileira alcançou 20% da americana, mesmo valor de 1971. A partir de 2011, a Nova Matriz Econômica, adotada sob a liderança de Dilma Rousseff, ao destruir o equilíbrio orçamentário do Estado, desorganizou a economia brasileira. É provável que a RPC brasileira de 2016 já tenha caído a apenas 17% da norte americana, fração observada em 1961. Enquanto isso, a RPC coreana aproxima-se de 65% da americana e a chilena de 31%. O modelo coreano de crescimento, em contraste com o brasileiro, baseou-se em elevada poupança interna para assegurar financiamento não inflacionário dos investimentos, economia aberta para estimular a absorção tecnológica, e universalização da educação de qualidade para permitir a absorção de modernas técnicas de produção. O resultado foi crescimento contínuo com distribuição de renda. A estagnação brasileira descrita acima não significa que o país tenha permanecido parado em termos absolutos, mas sim que pouco evoluiu quando comparado à principal economia do planeta. Perderam-se oportunidades de crescimento que outros países souberam aproveitar. A longa experiência brasileira do pós-guerra, brevemente resumida acima, mostra que os períodos de crescimento ocorreram após a consolidação de reformas econômicas que elevaram a produtividade geral da economia. As tentativas de buscar atalhos fáceis geraram apenas surtos de crescimento, seguidos de crises como a que assola o país neste momento.