Critérios de divisibilidade em bases numéricas genéricas Clezio A. Braga1 Jhoni Marcelo Zini 1 Colegiado do Curso de Matemática - Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná Caixa Postal 711 - 85819-110 - Cascavel - PR - Brasil [email protected] Resumo. Este trabalho tem por objetivo apresentar condições para derivar critérios de divisibilidade de números inteiros a partir da representação desses números em uma base numérica escolhida e, a partir da escolha da base, descrever tais critérios em termos dos dı́gitos que representam esses números nessa base. Palavras Chaves. critérios de divisibilidade, base numérica, números inteiros. 1. Introdução Quando pensamos em critérios de divisibilidade, em geral vem à nossa cabeça os clássicos critérios de divisibilidade por 10, 2, 3, 5 e 9. Isso porque em geral, livros de álgebra abstrata introdutórios, ou livros didáticos do ensino médio trazem os critérios de divisibilidade de números inteiros e apresentam técnicas para determinar quando um número é divisı́vel por outro, sempre no sistema numérico decimal. Mas, a aritmética modular permite fazer essa análise para qualquer par de números inteiros e a facilidade ou dificuldade de um critério de divisibilidade de um número por outro está intimamente ligada à base numérica na qual esses números estão representados. Ao trabalhar com o sistema de numeração decimal, sabemos que o resto da divisão de número inteiro n por 9, é o mesmo resto da soma dos seus dı́gitos, em outras palavras, o número n será divisı́vel por 9 se e somente se a soma de seus dı́gitos for divisı́vel por 9. A pergunta que fazemos é a seguinte: se mudarmos a base de representação de um número, o que podemos dizer sobre os critérios de divisibilidade nessa nova base? Para quais números temos critérios de divisibilidade mais fáceis de serem verificados? Nossa intenção é estender o raciocı́nio para uma base numérica k genérica e verificar o que é de fato geral e o que é intrı́nseco da base numérica escolhida. 2. Divisibilidade em uma base genérica Nessa seção apresentaremos os resultados que nos permitirão estabelecer os critérios de divisibilidade em uma base numérica qualquer. Para nosso estudo vamos admitir conhecidos resultados básicos de estruturas algébricas, como anéis de restos e propriedades de números inteiros. Iniciaremos o estudo com resultados gerais. Vale a pena lembrar que para o anel Zk , dos restos na divisão por k, a classe de equivalência n de um número inteiro n é nula se e somente se k divide n. Usaremos aqui a notação k|n para indicar quando k divide n. Para maiores detalhes sobre teoria de anéis, sugerimos ao leitor as referências (GONÇALVES, 2003), (DOMINGUES; IEZZI, 1972) e (MONTEIRO, 1978). Para efeitos desse texto, a menos que o contrário esteja expresso, ı́ndice de somatórios, expoentes e digitos ou algarismos de representação de um número em uma dada base serão sempre números naturais. q X Proposição 2.1. Seja E = ai k i um número inteiro escrito em uma base numérica k. i=0 Então E é divisı́vel por k somente se a0 o for. q X q X ai k i . ai k , podemos reescrevê-lo na forma E = a0 + i=1 i=0 ! q X Evidenciado o termo k temos E = a0 + k ai k i−1 . Então E = a0 . Como k|E se e Demonstração. Como E = i i=1 somente se E = 0 em Zk . Segue que k|E se e somente se k|a0 . Em uma base numérica k, usamos na representação de um número, dı́gitos ai , que são valores numéricos menores que k, a única possibilidade para que k divida a0 é quando a0 = 0. Em particular um número expresso em uma base k é divisı́vel pelo próprio k se terminar em 0. Isso explica o critério de divisibilidade por 10 na base decimal. q X Proposição 2.2. Sejam E ∈ Z escrito em uma base k na forma E = ai k i e p ∈ Z. i=0 k Considere m = um divisor inteiro de k. Então E é divisı́vel por m somente se a0 o for. p q Demonstração. Considere m = X k , então k = mp e E = ai (mp)i . Assim p i=0 E = a0 + q X ai mi pi . (1) i=1 Se evidenciamos ! m no segundo membro da equação (1), vemos que E = a0 + q X m ai pi mi−1 e então, E = a0 . Como m|E se e somente se E = 0 em Zm , segue i=1 que m|E se e somente se m|a0 . Como querı́amos demonstrar. Observe que a escolha de p na proposição 2.2 não é arbitrária, pois m tem que ser um número inteiro. A escolha p = 1 implica no critério de divisibilidade por k. q X Proposição 2.3. Sejam E ∈ Z escrito em uma base k na forma E = ai k i e n ∈ Z. i=0 q X k−1 Considere r = um divisor inteiro de k − 1. Então r|E se e somente se r| ai . n i=0 q X k−1 ai (nr + 1)i . Observe , então k = nr + 1 e E = Demonstração. Considere r = n i=0 i X i que cada termo da forma (nr + 1)i pode ser escrito como (nr)j 1i−j por expansão j j=0 i X i binomial e pode ser escrito como (nr)i + 1. Assim j j=1 q q X X ai ai + E= i=0 i=1 i X i (nr)j j j=1 ! . (2) Agora colocando r em evidência no segundo membro da equação (2) vemos que !! q q i X X X i E= ai + r ai . (3) (nr)j−1 j i=1 i=1 j=1 Como r|E se e somente se E = 0 em Zr e por (3), E = q X ai . Então r|E se e somente i=0 q X se r| ai . Como querı́amos demonstrar. i=0 Novamente a escolha do n na Proposição 2.3 não é arbitrária, pois r tem que ser um número inteiro. Para n = 1 temos um critério de divisibilidade para k − 1. Exemplo: 1. 3 divide 69, se dividir a soma 6 + 9 = 15, como 3 divide 15, três divide 69. 2. (132)9 é divisı́vel por 2, pois 1 + 3 + 2 = 6 que é divisı́vel por 2, ao mesmo tempo,(132)9 não é divisı́vel por 4. Interessante quando transformamos (132)9 para base 10, (132)9 = 110 que de fato é divisı́vel por 2, pois é par, mas não é por 4. q X Proposição 2.4. Sejam E ∈ Z escrito em uma base k na forma E = ai k i e r = k + 1. i=0 Então, E será divisı́vel por r se a soma dos coeficientes que estão em posição impar subtraı́da da soma dos que estão em posição par for divisı́vel por k. q X Demonstração. Seja E = ai k i , como r = k + 1, segue que k = (−1 + r). Assim i=0 q X E= ai (−1 + r)i . Desenvolvendo os binômios temos i=0 (−1 + r)i = i X i j=0 j q X (−1)j (r)i−j . Então E = ai i=0 ! i X i (−1)j (r)i−j . Reaj j=0 grupando os termos q q X X i E= (−1) ai + ai i=0 i=1 i−1 X i j=0 j ! (−1)j (r)i−j . (4) Observe que no segundo somatório no segundo membro da equação 4 ao evidenciarmos r i−1 i−1 X X i i j i−j (−1) (r) = r (−1)j (r)i−(j+1) . Assim, em Zr , vale a igualdade temos j j j=0 j=0 ! ! q i−1 X X i (−1)i ai . Logo r|E se e somente se (−1)j (r)i−j = 0, e portanto, E = j i=0 j=0 q X r| (−1)i ai . i=0 Vemos claramente que E será divisı́vel por r se a soma dos termos de ı́ndice impar subtraı́da da soma dos termos de ı́ndice par for divisı́vel por r. Exemplos: 1. 979 é divisı́vel por 11, pois 9 + 9 − 7 = 11, que é divisı́vel por 11; 2. (1210)8 é divisı́vel por 9, pois 2 + 0 − 1 − 1 = 0 que é divisı́vel por 9. Proposição 2.5. Sejam E ∈ Z e a, b ∈ Z tais que mdc(a, b) = 1, a|E e b|E, então ab|E. Demonstração. Como a|E, podemos escrever E = al com l ∈ Z. Sendo mdc(a, b) = 1, existem inteiros x0 e y0 tais que x0 a + y0 b = 1. Então, x0 al + y0 bl = l. Como b|x0 al e b|y0 bl, então b|l. Portanto ab|E. Corolário 2.6. Seja E ∈ Z escrito numa base k na forma E = q X ai k i e r = m(k + 1) i=0 de forma que mdc(m, k + 1) = 1. Então E será divisı́vel por r se e somente se E for divisı́vel por m e a soma dos coeficientes que estão em posição impar, subtraı́dos da soma dos que estão em posição par for divisı́vel por k + 1. Demonstração. Obviamente se E for divisı́vel por r, será também divisı́vel por m e por k+1. Reciprocamente sendo E divisı́vel por m e k+1 e mdc(m, k+1) = 1, pelo corolário 2.6 acima, m(k + 1) divide E. O resultado agora segue pela proposição 2.4. Proposição 2.7. Seja E ∈ Z escrito em uma base k na forma E = q X ai k i . Agora i=0 considere r ∈ Z, tal que r|k p , p ∈ N, ou seja, r divide uma potência de k. Então E será divisı́vel por r, se r divide o número formado pelos p últimos algarismos de E. Demonstração. Seja E = q X ai k i . Vamos reescrevê-lo da seguinte maneira: i=0 E= p−1 X i p ai k + ap k + i=0 q X i p ai k , colocando k em evidência, temos que E = i=p+1 q X k p [(ap ) + p−1 X i=0 ai k i + i=0 ai k i−p ]. Como r|E se e somente se E = 0 em Zr e, por hipótese, r|k p i=p+1 temos E = p−1 X p−1 X ai k i . Portanto, r|E se e somente se, r| ai k i . i=0 q X ai k i , n ∈ Z tal Proposição 2.8. Sejam E ∈ Z escrito em uma base k na forma E = i=0 q X k−1 ai ∈ Z e p tal que mdc(p, r) = 1. Então, pr | E se p | E e r | que r = n i=0 Demonstração. Supomos que p | E e r | q X ai . Pela Proposição 2.3, r | E. Então, i=0 E = br com b ∈ Z. Como p - r então, p | b. logo E = pb0 r e portanto pr | E. A recı́proca segue pela Proposição 2.3. Exemplo: na base hexadecimal (16) o número E = B22 é divisı́vel por A pois 5 | B + 2 + 2 e 2 | 2 na base hexadecimal. 3. Considerações Finais Como podemos ver pelos resultados listados acima, os tradicionais critérios de divisibilidade na base decimal são casos particulares de critérios mais gerais que dependem da base numérica escolhida, por exemplo, os critérios de divisibilidade por 9 e 11 estão diretamente relacionados a distância desses números à base. Critérios de divisibilidade por fatores ou por múltiplos desses números são descritos pelas proposições 2.6, 2.7 e 2.8 de modo que estão também relacionados à base. Observamos também que a facilidade da aplicação de um critério de divisibilidade por um número é maior o menor dependendo da base escolhida. Por exemplo, na base decimal é mais difı́cil utilizar um critério de divisibilidade por 7 do que na base octal. Critérios de divisibilidade dependem essencialmente da base numérica escolhida. Em suma, esse é um trabalho bem simples, mas que serve para ilustrar algumas das propriedades algébricas de estão por trás dos critérios de divisibilidade. Referências DOMINGUES, H.; IEZZI, G. Álgebra Moderna. 4a ediçao. ed. São Paulo: Editora Atual, 1972. GONÇALVES, A. Introdução à Álgebra. 2a . ed. Rio de Janeiro - RJ: IMPA, 2003. MONTEIRO, L. J. (Ed.). Elementos de Álgebra. 2a . ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Cientı́fiocs Editora S.A., 1978.