UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO UNIÃO HOMOAFETIVA À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA CAROLINA MARIA FIDÉLIS Itajaí (SC), novembro de 2008 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO UNIÃO HOMOAFETIVA À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA CAROLINA MARIA FIDÉLIS Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Profª. MSc. Fernanda Sell de Souto Goulart Itajaí, novembro de 2008 AGRADECIMENTO Aos meus amados pais, Plinio e Aparecida, por todo carinho e atenção que recebo; À minha irmã, Camila, pelo carinho e apoio; Ao meu namorado, Deyvid, por todo apoio, auxílio e cooperação nesta fase da minha vida; Aos meus amigos, Marcella, Alex, Thayse, Daiane Aline, Larissa, Marisa, Charles, Amaury, pelo estímulo e apoio durante essa jornada de aprendizado; E por fim, agradeço a todos que, de uma maneira ou de outra contribuíram para a concretização deste trabalho. DEDICATÓRIA Ao meu pai, Plinio, pela sua incansável disposição no trabalho, a qual me possibilitou concluir o curso de Direito. “Meu Deus, que eu nunca esqueça . Que a tua presença é sempre real. Mesmo que eu nunca te veja. Faz que eu caminhe no teu ideal”. [Luís Chaves] “Não somos todos iguais, somos diferentes, e não há na vida nenhuma qualidade tão universal como a diferença”. [Montaigne] “A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar”. [Martin Luther King Jr.] TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí (SC), 17 de novembro de 2008. Carolina Maria Fidélis Graduanda PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Carolina Maria Fidélis, sob o título UNIÃO HOMOAFETIVA À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, foi submetida em 17 de novembro de 2008 à Banca Examinadora composta pelas seguintes Professoras: MSc. Fernanda Sell de Souto Goulart (Orientadora e Presidente da Banca) e MSc. Aparecida Correia da Silva (Membro) aprovada com a nota _________. Itajaí (SC), 17 de novembro de 2008. Profª. MSc. Fernanda Sell de Souto Goulart Orientador e Presidente da Banca Professor Msc Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia ROL DE CATEGORIAS Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais. Casamento: Casamento é a união legal entre um homem e uma mulher, tendo como objetivo a constituição da família legítima. “União legal é aquela celebrada com observância das formalidades exigidas na lei. E entre um homem e uma mulher, porque o casamento entre pessoas do mesmo sexo ainda não é permitido”.1 Direitos Humanos: [...] são aqueles correspondentes ao conteúdo das declarações e tratados internacionais sobre o tema. [...] tais direitos são denominados “humanos” não em razão de sua titularidade, mas de seu caráter fundamental para a vida digna, por terem em vista a proteção de valores e bens essenciais para que cada ser humano tenha a possibilidade de desenvolver suas capacidades potenciais.2 Família: Conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio, filiação ou ainda, a comunidade formada por qualquer dos pais e descendentes, independente de existir casamento, com o vínculo do afeto.3 Homossexualidade: A homossexualidade é considerada um distúrbio de identidade e, sendo um determinismo psicológico inconsciente, não é uma doença, nem uma opção livre.4 1 2 3 4 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 25. WEISS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 19-20. LOBO, Paulo Luiz Neto. Entidades familiares constitucionalizadas. In: anais do II congresso brasileiro de direito de família. O NC e a Vacatio Legis, p. 65. GUIMARÃES, Marilene. In: CD- Rom- Doutrina. Juris Plenum. Edin edições informatizadas. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana: [...] é o respeito à condição mínima de existência humana, encarnada nos direitos personalíssimos [...]. Para o direito constitucional dignidade identifica valor absoluto, da maior apreciação social, indispensável para a consolidação do respeito à pessoa, base de um sistema institucional justo [...] é o valor insuscetível de alteração. A dignidade não aceita transigência nem gradação. O respeito que se lhe deve está acima de qualquer outro valor ou direito estabelecido pelo homem.5 Princípio da Igualdade: O que se entende é que a lei (num sentido amplo que abarca todas as fontes formais) não poderá fazer qualquer diferença entre pessoas, entendida pessoa como conjunto de todos os papéis possíveis que se integram numa unidade de ação e de comunicação; admitem-se, pois, distinções quanto a papéis isolados (o papel de mãe não será igual ao do pai nas suas qualidades específicas, ou a ocupação de um cargo público pode ser diferenciado em relação a outro); admite-se também igualações entre desiguais, em termos de diferenciação e proteção (protege-se o economicamente mais fraco, o deficiente físico, as minorias) ou ainda manutenção de Desigualdades (há proteções que cabem às crianças e que as diferenciam e mantém diferentes). Mas proscrevem-se distinções que afetem a pessoa como feixe integral e comunicante de papéis – personalidade em termos de dignidade da pessoa.6 União Estável: Conforme preceitua o artigo 1.723 do Código Civil de 2002, a união estável de um homem e uma mulher é reconhecida como entidade 5 6 JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada. São Paulo: Revista dos tribunais, 2000. p. 203. FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Legitimidade na Constituição de 1988. In: Constituição de 1988: legitimidade, vigência, eficácia e supremacia. São Paulo: Atlas, 1989. p. 31-32. familiar, configurada na convivência pública, contínua e duradoura, a que é estabelecida com o objetivo de constituir família.7 União Homossexual: É a união entre duas pessoas do mesmo sexo, ligadas pelo vínculo afetivo, não necessariamente sob o mesmo teto, que mantém uma relação duradoura, pública e contínua, como se casados fossem, com o objetivo de unir esforços e partilhar suas vidas.8 7 8 GAMA, Ricardo Rodrigues. Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: Bookseller, 2002. p.149. DIAS, Maria Berenice. União homossexual: justiça e o preconceito. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 70. SUMÁRIO RESUMO................................................................................................................ XI INTRODUÇÃO.........................................................................................................1 CAPÍTULO 1...........................................................................................................3 DA DIGNIDADE E DA PESSOA HUMANA............................................................3 1.1 DA PROTEÇÃO DA PESSOA HUMANA............................................................3 1.2 DA PESSOA HUMANA....................................................................................10 1.3 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE E IGUALDADE ...15 CAPÍTULO 2.........................................................................................................27 DAS DIFERENTES FORMAS DE FAMÍLIAS.......................................................27 2.1 A ORIGEM E A FORMA DE CASAMENTO......................................................27 2.2 O MODELO DE FAMÍLIA NA UNIÃO ESTÁVEL ...............................................40 2.3 O MODELO DE FAMÍLIA MONOPARENTAL ...................................................45 CAPÍTULO 3 ........................................................................................................49 DAS UNIÕES AFETIVAS ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO ......................49 3.1 ACEPÇÃO DE HOMOSSEXUAL......................................................................49 3.2 DA POSSIBILIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO .................52 3.3 REALIDADE ATUAL..........................................................................................60 3.4 O POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS SOBRE A UNIÃO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO.......................................................................................................64 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................71 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ..............................................................73 ANEXOS ...............................................................................................................81 RESUMO A presente monografia trata da União Homoafetiva, no Direito Brasileiro, tendo como fundamento o Princípio da Dignidade da Pessoa humana. Este tema tão polêmico constitui um fato social: o tratamento desigual, pelo sistema normativo, direcionado às Uniões Estáveis e famílias formadas por pessoas do mesmo sexo, não podem ser deixadas sem uma solução jurídica. Para o desenvolver deste trabalho, efetuou-se a análise dos Princípios constitucionais da Dignidade e Igualdade, protetores da pessoa humana. Ainda, estudou-se as diversas entidades familiares existentes, verificando a possibilidade das uniões homoafetivas serem inseridas no conceito de Família. Concluir-se-á com a análise do reconhecimento dessas uniões, pois mesmo com a falta de legislação, não tem impedido que questões dessa natureza sejam trazidas ao Judiciário. INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objeto a análise jurídica da união homosexual no Direito Brasileiro e, como objetivos: institucional, produzir uma Monografia Jurídica como requisito básico, para obtenção do grau de bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI; geral, examinar doutrinariamente questões relativas às uniões homoafetivas no Direito Brasileiro; específicos, analisar as diferentes entidades familiares no Direito Brasileiro historicamente e contemporaneamente e demonstrar que o princípio da dignidade da pessoa humana protege e sustenta a união entre homossexuais. O tema é atual e relevante não apenas juridicamente, mas também para a sociedade, pois afronta aspectos conservadores ainda existentes em nossa sociedade. A pesquisa foi desenvolvida tendo como base as seguintes hipóteses: a) a união homoafetiva não é considerada entidade familiar; b) para a solução de questões decorrentes da união homoafetiva, por falta de legislação, equipara-se esta união a união estável, este é o entendimento da doutrina; c) existem projetos de lei que visam regular a união civil entre pessoas do mesmo sexo, como o projeto de lei da Deputada Marta Suplicy, que, atualmente, foi elaborado um substitutivo do mesmo. O trabalho foi dividido em três capítulos. No primeiro capítulo, versar-se-á sobre os princípios constitucionais da dignidade e igualdade, princípios estes que protegem a pessoa humana, sejam hetero ou homossexuais. No segundo capítulo abordar-se-á as diferentes formas de entidades familiares existentes. No terceiro e último capítulo, verificar-se-á as uniões 2 homoafetivas no Direito Brasileiro; a possibilidade de amparo e reconhecimento pelo ordenamento jurídico pátrio das uniões homoafetivas; mostrar-se-á julgados proferidos pelos Tribunais de: Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Quanto à Metodologia empregada, registra-se, na Fase de Investigação foi utilizado o método Indutivo, na fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Dissertação é composto na base lógica Indutiva.9 Nas diversas fases da pesquisa, foram acionadas as técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional, do Fichamento e da pesquisa Bibliográfica.10 Por último, apresentar-se-ão as considerações finais com breve síntese de cada capítulo e demonstrar-se-á se as hipóteses foram ou não confirmadas. 9 10 PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica – idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 8. ed. rev. atual. Ampl. Florianópolis-SC: OAB/SC Editora, 2002. p. 99-125. PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica – idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 8. ed. rev. atual. Ampl. Florianópolis-SC: OAB/SC Editora, 2002. p. 61-71, 31-42 e 45-58. 3 CAPÍTULO 1 DA DIGNIDADE E DA PESSOA HUMANA 1.1 DA PROTEÇÃO DA PESSOA HUMANA A pessoa humana, deve ser atração de todos que produzem norma. Assim, numa sociedade globalizada, não há mais possibilidade de distinção legal ou moral entre os seres humanos. De modo que viver e conviver como um grupo de pessoas realizadas em todas as suas extensões, dentro da estrutura social e política denominada Estado. Dizer pessoa humana pode parecer, uma redundância, mas a história mostra a preocupação com o assunto, haja vista o zelo indispensável deste “ser pessoa”11, dando-lhe direitos e obrigações, nos conjuntos de normas, demorou mais de vinte e cinco séculos12 para ser criado. A Constituição da República Federativa do Brasil de 198813 tem como base a dignidade da pessoa humana e a preponderância dos dos princípios dos Direitos Humanos, internamente e externamente. 11 12 13 HERKENHOFF, João Baptista. Para onde vai o direito? Reflexões sobre o papel do direito e do jurista. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,1996 p. 85.-86 que em interessante passagem elucida: “ A cidadania é uma dimensão do “ser pessoa”: uma dimensão indispensável ao “ser pessoa”. O psicológico, o existencial reclama esse componente político e jurídico, para realizar-se em plenitude. A cidadania passa pelo “ser pessoa”: ninguém pode ser cidadão sem ser pessoa. O político, o jurídico tem um pré-requisito existencial. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p.12 que se manifesta no seguinte sentido: “Mas foram necessário vinte e cinco séculos para que a primeira organização internacional a englobar a quase-totalidade dos povos da Terra proclamasse, na abertura de uma DeclaraçãoUniversal de Direitos Humanos, que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. BRASIL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. Art.1°, III e Art.4°, II. 4 Ao falar de tal tema nos faz voltar ao tempo do movimento chamado Iluminismo14, tendo como marco teórico os primados da Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia15, em 12.01.1776, como ensina José Afonso da Silva16 que, em sentido moderno, esta foi a primeira declaração de direitos fundamentais e a Declaração Dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 que “tinha como destinatários todo o gênero humano”.17 Como se sabe, a Revolução Francesa, em 1789, foi um marco histórico, pois com ela se originou a cidadania universal, regulada pela Igualdade, Liberdade e Fraternidade, editando a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, informa Jules Michelet18: Grande cena, estranha, surpreendente! Ver todo um povo que de uma só vez passava do nada ao ser, que, até ali silencioso ganhava de súbito uma voz. O mesmo apelo de igualdade se dirigia a populações prodigiosamente desiguais, não apenas em posição, mas em cultura, em estado moral e em idéias. Assim, com a Revolução Francesa tem-se nos dias de hoje, a visão universal dos direitos do homem e do cidadão, como consequência da tentativa de implantação do Estado Liberal liderado pelos revolucionários franceses, “As Declarações são obras do pensamento político, moral e social de todo o século XVIII.” 19 14 15 16 17 18 19 Século XVIII. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, l993.p.141. SILVA, José Afonso da. Curso de direito. p.145 que assim se manifesta. “O texto da Declaração de 1789 é de estilo lapidar, elegante, sintético, preciso e escorreito, que, em dezessete artigos, proclama os princípios da liberdade, de igualdade, da propriedade e da legalidade e as garantias liberais que ainda se encontram nas declarações contemporâneas.” BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2004. 14. ed. p. 562. MICHELET, Jules. História da revolução francesa. São Paulo: Abril Cultural, Série Circulo do Livro,1983. p. 34. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p.144. 5 A Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU de 194820, afirma novamente a coletividade universal com prevalência dos Direitos Humanos: DO PREÂMBULO21 [...] o reconhecimento da dignidade inerente a todos os Membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da CONSIDERANDO justiça que e os da paz Estados no mundo; Membros se comprometeram a promover, em cooperação com a Organização das Nações Unidas, o respeito universal e efetivo dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais; CONSIDERANDO que uma concepção comum destes direitos e liberdade é da mais alta importância para o pleno desenvolvimento desse compromisso;[...] Artigo 1 - Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. Artigo 2 -1, Todos os seres humanos podem invocar os direitos e liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer outra situação. 22 20 21 22 VIEIRA, Jair Lot. (sup.). Direito humanos normas e convenções. Baurú/SP: Edipro, 2003. p.10. Na esteira de CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999. p.1140 et seq. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3. ed.Coimbra: Coimbra Editora, 2000,T,I, p. 212 e BARCELLOS, Ana Paula de. Alguns parâmetros normativos para a ponderação constitucional. in a nova interpretação constitucional. BARROSO Luís Roberto, (org.) Rio de Janeiro, 2003. p. l08 e 109 comunga-se o entendimento destes e de vários outros constitucionalistas contemporâneos, no sentido de que os Preâmbulos das Constituições e Declarações Internacionais, integram os fundamentos destes documentos, contendo um núcleo de valores que têm eficácia normativa màxime pelo efeito dos princípios da unidade da Constituição e pelo princípio do efeito integrador. VIEIRA, Jair Lot. Direito humanos normas e convenções. Baurú/SP: Edipro, 2003. p 11 e 12. 6 João Baptista Herkenhoff23 informa que existem várias Cartas de Direitos decorrentes da Declaração Universal da ONU. Tais Declarações, sendo documentos que surti efeito internacionalmente, devendo servir de complemento permanente dos direitos humanos, internamente e externamente. Dispõe este documento24 que todo o indivíduo está assegurado de proteção relacionada à pessoa. Do mesmo modo, datada de 1966 o planejamento dos Pactos das Nações Unidas sobre direitos civis e políticos, econômicos e sociais25 dos quais originou, na Europa, a Convenção Europeia sobre os Direitos do Homem e, nas Américas, em 1969, o Pacto de São José da Costa Rica26 que deu instauração da Corte Interamericana de Direitos Humanos. 27 O artigo 4o da Declaração Universal dos Direitos dos Povos ao determinar que, a parte minoritária co-exista e desfrute dos mesmos direitos que os demais cidadãos, no seio de um Estado28 tal dispositivo tem como base a dignidade da pessoas humana. A ONU, da qual o Brasil é signatário, em 10 de Dezembro de 1948, baseada nos princípios da Declaração Francesa de 1789 que instituiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a importância da vida humana em sentido amplo, estabelece: HERKENHOFF, João Baptista. Justiça, direito do povo. Rio de Janeiro: Thex Ed, 2002. p. 65. A Carta Africana dos Direitos humanos e dos Povos.A Declaração Islâmica Universal dos Direitos do Homem. A Declaração Universal dos Direitos dos Povos.A Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem A Declaração Solene dos Povos Indígenas do Mundo. 24 REZEK, Francisco. Curso elementar de direito internacional público. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 211Como informa o mestre Francisco Rezek em seu Curso, lembrando a natureza não convencional da Declaração e ainda, que esta não contêm a força de Tratado, tendo sido adotada sob a forma de resolução.. 25 REZEK, Francisco. Curso elementar de direito internacional público. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 213.. 26 Sediada em São José da Costa Rica, convenção ratificada pelo Brasil, em 1992.. 27 TRINDADE Antônio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. V.I. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1997. p. 135. Aponta, “ A Declaração enfatizou, sobretudo a trilogia direitos humanos/democracia/ desenvolvimento em seus múltiplos aspectos (...) e da identificação dos obstáculos aos direitos humanos(parágrafos 10 - 21).. 28 HERKENHOFF, João Baptista. Direitos humanos: a construção universal de uma utopia. 2.ed. Aparecida / SP: Editora Santuário, p. 50.. 23 7 A ASSEMBLEIA PROCLAMA A PRESENTE DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendoa constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação universais e efetivos tanto entre as populações dos próprios Estados Membros como entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição. 29 A Resolução n° 2.2000 - A (XXI) da ONU, de 16 de dezembro de 1966, que editou o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992 reafirma os direitos de liberdade e da não discriminação, em seu art.20. 30 A Declaração de 1948 foi reafirmada e novamente ratificada, pela Declaração do Milênio da ONU em 8 de Setembro de 2000, situando as necessidades da pessoa humana no epicentro das políticas públicas. 31 A Carta da Organização dos Estados Americanos, da qual o Brasil é signatário, assinada em Bogotá em 1948 e, alterada por vários protocolos, sendo por último o protocolo de Manágua, em 1993 e em vigor desde 25 de setembro de 1997. A Carta da Organização dos Estados Americanos mencionada acima, assegura aos indivíduos dos Estados Membros, o direito inalienável dos homens a um ambiente favorável para o 29 30 31 VIEIRA, Jair Lot.(sup.) Direito humanos normas e convenções. Baurú/SP: Edipro, 2003. p 12.. VIEIRA. Jair Lot.(sup) Direitos humanos normas e convenções. Baurú/SP: Edipro, 2003. p.I8DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS - ONU - Art.2° -I. Os Estados Partes no presente Pacto comprometèm-se a garantir a todos os indivíduos que se encontrem em seu território e que estejam sujeitos à sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cot, sexo, língua, Teligião, opinião política ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social.. VIEIRA. Jair Lot. (sup) VIEIRA. Direitos humanos normas e convenções. Baurú/SP: Edipro, 2003. p.59. DECLARAÇÃO DO MILÉNIO DA ONU, de 08 de Setembro de 2000. (...) para além das responsabilidades que todos temos perante as nossas sociedades, temos a responsabilidade coletiva de respeitar e defender os princípios da dignidade humana, da igualdade e da equidade, a nível mundial.. 8 desenvolvimento de sua personalidade e à realização de suas justas aspirações. 32 Da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem em relação a valorização dos direitos fundamentais da pessoa humana, destaca-se: A IX CONFERÊNCIA INTERNACIONAL AMERICANA, EM BOGOTÁ, EM ABRIL DE 1948, CONSIDERANDO: Que os povos americanos dignificaram a pessoa humana e que suas Constituições nacionais reconhecem que as instituições jurídicas e políticas, que regem a vida em sociedade, têm como finalidade principal a proteção dos direitos essenciais do homem e a criação de circunstâncias que lhe permitam progredir espiritual e materialmente e alcançar a felicidade; Artigo II - Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm os direitos e deveres consagrados nesta Declaração, sem distinção de raça, língua, crença, ou qualquer outra. 33 Finalmente, o Preâmbulo da Convenção Americana dos Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica - 1969 – da qual o Brasil é signatário, destaca-se: Os Estados Americanos signatários da presente Convenção, reafirmando seu propósito de consolidar neste Continente, dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos humanos essenciais.Art.1°. Obrigação de respeitar os direitos.Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sob a sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer natureza, origem nacional 32 33 VIEIRA. Jair Lot.(sup) Direitos humanos normas e convenções Baurú/SP: Edipro, 2003. p.181. VIEIRA. Jair Lot(sup). Direitos humanos normas e convenções. Baurú/SP: Edipro, 2003. p.181. 9 ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição. 34 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 através do legislador originário de 1986, estabeleceu que em todas as políticas públicas a serem inauguradas, a importância da pessoa humana deverá nortear tais medidas. Assim, em cumprimento aos Tratados, Convenções e Pactos ratificados pelo Brasil, o legislador constituinte originário elegeu a Dignidade da Pessoa Humana como uma das bases do sistema constitucional pátrio, ditado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. O direitos sociais e individuais, tais como a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça foram elencados no Preâmbulo35 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como valores supremos da - sociedade - fraterna, pluralista e sem preconceitos. 36 O constituinte, ao versar dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, diz que ela se constitui em um Estado Democrático de Direito e que, no Art.1°, III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece que um dos fundamentos da nossa ordem política e social é a Dignidade da Pessoa Humana. Pelo teor do Art. 3°, IV, da Constituição da República Federativa do Brasil/88, verifica-se que um dos objetivos fundamentais da República a ser perseguido é promover o bem de todos e erradicar toda e VIEIRA. Jair Lot(sup). Direitos humanos normas e convenções. Baurú/SP: Edipro, 2003. p.181.. 35 MORAIS, Alexandre de. Constituição do brasil interpretada. 4. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004, p.119. consigna-se: “ O preâmbulo de uma Constituição pode serdefinido como documento de intenções do diploma, e consiste em uma certidão de origem e legitimidadedo novo texto e uma proclamação de princípios que demonstra a ruptura com o ordenamento constitucionalanterior e o surgimento de um novo Estado. [...] Embora não faça parte do texto constitucional propriamente dito e, consequentemente, não contenha normas -constitucionais de valor jurídico autônomo,o preâmbulo não é juridicamente irrelevante,uma vez que deve ser observado como elemento de interpretação e integração dos diversos artigos que lhe seguem.”. 36 BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 34 10 qualquer forma de preconceito. Em seguida, no Art. 4o, II a Constituição da República Federativa do Brasil/88 reafirma a prevalência dos direitos humanos em suas relações internacionais. Com efeito, escudados no Art. 5°, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil/88 inconteste a orientação do legislador ordinário no sentido de que a sociedade brasileira e o Estado, devam pautar todas as suas decisões, pela não discriminação de qualquer natureza. Ainda, inserto e garantido no inciso X, do Art.5° da Constituição da República Federativa do Brasil/88, a inviolabilidade do direito à intimidade, à vida privada, à honra e imagem das pessoas assegurado o direito de indenização pela violação. Entretanto, a par destes instrumentos jurídicos, poder-seia afirmar que todo este arcabouço nacional e universal sustenta e garante o tratamento pelo valor humanístico e igualitário fundado no respeito à dignidade da pessoa humana, porém a um longo caminho a ser trilhado para que os direitos fundamentais sejam respeitados, efetivando a plena cidadania, conforme a ordem constitucional. Demonstrou-se, como se dá a posição da pessoa humana e sua proteção dentro do ordenamento jurídico. 1.2 DA PESSOA HUMANA Pessoa humana quem seria? As normas se destinam a que tipo de indivíduos? Quais são os tipos de normas? Continuamente, o “coral da inquietude”37 atormenta o pesquisador. Auxilia na investigação, os esclarecimentos de Fábio Konder Comparato ao asseverar que as respostas foram dadas “sucessivamente, no campo da religião, da filosofia e da ciência”38 BROUSSAR, Domenico Corradini. Corale dell” inquietude. Tradução de Roseli de Jesus Botelho-Longo. Curitiba: EDEBEJ, 1997, p.34 “Incenso do etemo. silêncio. O absoluto silêncio do meu e do teu estupor”. 38 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica.p. 01. 37 11 Primeiramente, a prevalência do ser humano no planeta se deu pela afirmação da fé monoteísta. 39 De modo que, o homem, criatura divina, o nominador de todas as coisas criadas por Deus conclui-se que os nominados lhes são inferiores. A explicação religiosa para a filosófica se dá pela sabedoria grega conforme Fábio Konder Comparato, citando Prometeu Acorrentado (445-470), nas palavras de Esquilo para o Titã: “Ouça agora as misérias dos mortais e perceba como, de crianças que eram, eu os fiz seres da razão, capazes de pensai”.40 Assim, se deu a afirmação da supremacia do homem no mundo, por sua natureza racional. Apenas o homem indaga sobre a sua própria essência, o sentido reflexivo de sua existência, de sua vida e morte. A justificativa científica para afirmar a supremacia deste homem, criado por Deus e indagado pela Filosofia, se deu com o advento da teoria da evolução dos seres vivos de Charles Darwin. 41 Se o homem esta no topo da cadeia evolutiva das espécies e, por este fato, ele indaga a si mesmo, quem é este homem? Uma possível resposta. Pode-se inferir que ao se dar conta do sentido da vida, o homem é capaz de discernir a justiça da injustiça; o belo do feio, a dignidade do aviltamento. É pela sabedoria antiga42, na fase axial43 da História, que se exprime um sentido valorativo a existência deste ser, com a COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação hlstórica...p.01. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica...p.03 41DARWIN, Charles. Apud COMPARATO. A afirmação...p.04 no sentido de que a natureza, após sucessivas tentativas frustradas encontrou, por acaso, a via da evolução das espécies, ocupando o homem o topo da cadeia evolutiva, cela própria dinâmica evolutiva. 42 DURANT, Will. História da civilização. Tradução de Guinara de Morais Lobato revista por Monteiro Lobato, 3. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2a parte, tomo Io, p.176 “A filosofia nasce a partir da fusão do realismo natural dos mercadores fenícios e gregos em encontro com a sabedoria dos sacerdotes egípcios e dos Magi persas, dos profetas hindus, a ciência dos sacerdotes dos caudeus, acosmogonia de Hesído que se encontravam em Mileto, na Grécia, e deste encontro de ideias nasce a noção de Lei”. 43 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica...p. 08 e 09 esclarece: “ Karl Jasperssustentou que o curso da História poderia ser dividido em duas etapas, em 39 40 12 organização de um catálogo de valores que vai, aos poucos, se explicando e se ampliando. 44 Fábio Konder Comparato45, esclarece: [...] partir do período axial que, pela primeira vez na História, o ser humano passa a ser considerado, em sua igualdade essencial, como ser dotado de liberdade e razão, não obstante as múltiplas diferenças de sexo, raça, religião ou costumes sociais. Lançavarn-se assim, os fundamentos intelectuais para a compreensão da pessoa humana e para a firmação da existência de direitos universais, porque a ela inerentes. Entre os gregos, a partir do advento da lei escrita (nomos êngraphon) e também da noção de lei não escrita (nomos ágraphon), se formou a gênese para a compreensão dos direitos de igualdade entre os homens, pelo simples fato de sua humanidade. 46 Ainda, na elaboração do conceito de pessoa, tem-se a segunda fase histórica, ao rediscutir os dogmas proclamados no concílio função de uma determinadaépoca, entre os séculos VIII ell a.G, a qual formaria, por assim dizer, o eixo histórico da humanidade. Daía sua designação, para essa época, de período axial (Achsenzeit).No centro do período axial, entre 600 a480 A.C., coexistiram, sem se comunicarem ente entre si, alguns dos maiores doutrinadores de todos os tempos: Zaratustra na Pérsia, Buda na índia, Lao-Tsê e Confuncio na China, Pitágoras na Grécia e oDêutero-Isaías em Israel. Todos eles, cada um a seu modo, foram autores devisões de mundo, a partir dasquais estabeleceu-se a grande linha divisória história [...] Foi durante o período axial que se enunciaram os grandes princípios e se estabeleceram as diretrizes fundamentais de vida em vigor até hoje.” 44 COMPARATO, A afirmação.p. 03. 45 COMPARATO. A afirmação. p. 11. 46 DURANT, Will. História da civilização. 3. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional. 2a parte. Tomo 1. p. 356 não se desconhece, por certo a existência de escravidão na Grécia e assim, em Durant extraímos a conclusão de que na Grécia também havia a escravidão e que a noção de liberdade e igualdade era efetivada apenas para alguns setores do esteio social, pois: “IV. HOMNES LIVRES E ESCRAVOS. Quem fazia este trabalho? [...] em Atenas ficava em parte a cargo de cidadãos e em parte dos homens libertos - em maior proporção, dos metics (sic) e ainda em maior, dos escravos.” Neste trabalho, Igualdade hodierna entendida como a dignidade da pessoa diferentemente da de coisa, com preço. A dignidade humana não pode ser medida como valor de troca.. 13 de Nicéia, concluindo que “A substância é a característica própria de um ser, isto é, como se dizia em linguagem escolástica, a sua quidditas.” 47 Já, a terceira fase na construção do conceito veio com a filosofia kantiana48 na afirmação da pessoa como sujeito de direitos universais superiores e anteriores à formação estatal. O direito natural. Nesse linha Fábio Konder Comparato49, assevera: [...] se o fim natural de todos os homens é a realização de sua própria felicidade, não basta agir de modo a não prejudicar ninguém. Isto seria uma máxima meramente negativa. Tratar a humanidade como um fim em si implica o dever de favorecer, tanto quanto possível, o fim de outrem. Pois sendo o sujeito um fim em si mesmo, é preciso que os fins de outrem sejam por mim considerados também como meus. Moacyr Motta da Silva50, diz que afirmou Kant o valor relativo das coisas em contrapartida ao valor absoluto da dignidade humana, no âmbito da moral. Esta afirmação enunciava a quarta etapa da construção do conceito de dignidade da pessoa humana. Segundo Fábio Konder Comparato51: É sobre o fundamento último da liberdade que se assenta todo o universo axiológico, isto é, o mundo das preferências valorativas, bem como toda a ética de modo geral, ou seja, o mundo das normas, as quais, contrariamente ao que sucede com as leis naturais, apresentam-se sempre como preceitos suscetíveis de consciente violação. COMPARATO. A afirmação...p.19. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução de Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, p.224. 49 COMPARATO. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.p.19-23. 50 DA SILVA, Moacyr Motta. Direito, justiça, virtude moral & razão. Reflexões. Curitiba: Juruá, 2003. p.92. Afirma o autor “ A leitura da obra de Kant revela que o ser humano é capaz de construir lei moral, de âmbito universal, distinta de lei universal, da natureza.Deduz-se, igualmente, que o filósofo procura situar o ser humano no centro de suas preocupações morais”. 51 COMPARATO. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.p. 25. 47 48 14 Este entendimento axiológico de que o homem é, ao mesmo tempo, o seu legislador e o sujeito submetido a essa legislação por sua própria vontade, abriu o caminho para a filosofia da vida. Cada pessoa é única no mundo, ninguém pode experimentar os efeitos das dores e das alegrias do outro. Cada pessoa e somente ela, pode vivenciar as dores de sua existência e de sua morte. Conforme Hegel, apud Comparato,”[...] o homem não é um ser abstrato acocorado fora do mundo. O homem é o mundo do homem, o Estado, a Sociedade”.52 Ou ainda, em Heidegger53 apud Comparato a pessoa é o ser-no-mundo portanto, um ser relacional, em convivência humana, concluindo-se: Os direitos humanos foram identificados com os valores mais importantes da convivência humana, aqueles sem os quais as sociedades acabam perecendo, fatalmente, por um processo irreversível de desagregação. (...) o conjunto dos direitos humanos forma um sistema, correspondente à hierarquia de valores prevalecente no meio social; mas essa hierarquia axiológica nem sempre coincide com a consagrada no ordenamento positivo. Há sempre uma tensão dialética entre a consciência jurídica da coletividade e as normas editadas pelo Estado. 54 Portanto este ser é único, em constante transformação, é um, em movimentação, voltado para a auto-organização do sistema universal, dado o caráter evolutivo da espécie, sofrendo, neste processo, todas as influências do meio social. 52 53 54 HEGEL Apud COMPARATO. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.p.28. HEIDEGGER Apud COMPARATO. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.p.28. COMPARATO. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.p. 26. 15 1.3 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE E IGUALDADE A Constituição da República Federativa do Brasil/88, sendo a norma fundamental do sistema jurídico, pode-se afirmar, juntamente com Luís Roberto Barroso55 que “o ponto de partida do intérprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins”. Segundo Rizzato Nunes56: [...] a partir da segunda metade do século XX, a razão jurídica é uma razão ética, fundada na garantia da intangibilidade da dignidade da pessoa humana, na aquisição da igualdade entre as pessoas, na busca da efetiva liberdade, na realização da justiça e na construção de uma consciência que preserve integralmente esses princípios. Aliás, a própria tomada de consciência desses princípios é por si só, também, um princípio.(...) Se algum sistema jurídico, se alguma norma permitir o abuso, ela e ele há de ser tidos como ilegítimos e inválidos. Esse o sentido porto por esses princípios universais ético-jurídicos. J.J. Gomes Canotilho57 sobre princípios jurídicos fundamentais esclarece: Consideram-se princípios jurídicos fundamentais os princípios historicamente objectivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional. Pertencem à ordem jurídica positiva e constituem um importante fundamento para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo. (...) Os princípios jurídicos gerais têm também um função positiva informando materialmente os actos dos poderes públicos. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 151. 56 NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 26.. 57 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p.1090. 55 16 J.J. Gomes Canotilho58 acerca dos princípios políticos constitucionalmente conformadores, afirma: Designam-se por princípios politicamente conformadores os princípios constitucionais que explicitam as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte.(...) Nesta sede situar-se-ão os princípios definidores da forma do Estado; (...) da estrutura do Estado; (...) os princípios estruturantes do regime político e os princípios caracterizadores da forma de governo. É o que J.J. Gomes Canotilho informa serem os princípios normativos; rectrizes(sic) e operantes. 59 Acerca dos princípios constitucionais impositivos, J.J Gomes Canotilho, ensina: “Nos princípios constitucionais impositivos, subsumem-se todos os princípios que, impõem aos órgãos do Estado, sobretudo ao legislador, a realização de fins e a execução de tarefas”.60 É o que J.J Gomes Canotilho chama de princípios dinâmicos, na medida que obrigam, especialmente o legislador, na feitura da norma, atender aos preceitos definidores dos fins do Estado, ou seja, definidoras de fins ou tarefas tal como, por exemplo, erradicar a pobreza, uma das finalidades postas pela CRFB/88. Segundo J.J Canotilho61 sobre os príncípios-garantia: Há outros princípios que visam instituir directa e imediatamente uma garantia dos cidadãos. É-lhes atribuída uma densidade de autêntica norma jurídica e uma força determinante, positiva e negativa. (...) estes princípios traduzem-se no estabelecimento directo de garantias para os cidadãos. São de fundamental importância estas distinções sobre os princípios para o estudo da evolução jurídica e social brasileira em face da Costitução da República Federativa do Brasil/88. Conforme Norberto CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. p.1091-1092. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição.p.1092. 60 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p.1092. 61 CANOTILHO, JJ. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p.1093. 58 59 17 Bobbio relata como a transição histórica dos direitos naturais, em sentido fraco, para um sistema de direitos em sentido forte, ou seja, os “sistemas jurídicos dos Estados nacionais”.62 Para J.J. Gomes Canotilho63, ensina: Designam-se por normas de direitos fundamentais todos os preceitos constitucionais destinados ao reconhecimento, garantia ou fundamentais. fundamentais conformação A importância deriva do constitutiva das facto de de normas elas, direitos de direitos directa ou indirectamente, assegurarem um status jurídico-material aos cidadãos. Normas aqui entendidas como gênero, do qual princípios e regras são espécie, todas integrantes dos princípios estruturantes que iluminam o sistema jurídico, por sua densificação, com as demais regras constitucionais e vários outros subprincípios, como afirrmou J.J. Gomes Canotilho. 64 Com efeito, os direitos fundamentais são fundantes do pacto social, ou seja, em sentido formal e material, sem os quais não se instaura o Estado Democrático de Direito. A fundamentalidade formal, para J.J. Gomes Canotilho65, está associada às quatro dimensões: 1) as normas consagradoras de direitos fundamentais, enquanto normas fundamentais, são normas colocadas no grau superior da ordem jurídica; 2) como normas constitucionais encontram-se submetidas aos procedimentos agravados de revisão; 3) como normas incorporadoras de direitos fundamentais passam, muitas vezes, a constituir limites materiais da própria revisão e 4) como normas dotadas de vinculatividade imediata dos poderes públicos constituem parâmetros materiais de escolhas, decisões, ações e controlo, dos órgãos legislativos, administrativos e jurisdicionais. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora Campus. 1992. p. 81. CANOTILHO, JJ. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p.1096. 64 CANOTILHO, JJ. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1100. 65 CANOTILHO, JJ. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p . 355. 62 63 18 A fundamentalidade material é o suporte para a fundamentalidade formal66 Conceitua Robert Alexy67 norma de direito fundamental: A definição do conceito de norma de direito fundamental que aponta o conceito da fundamentação jusfundamental correia, foi até agora, referida só às normas de direito fundamental adstritas. Também podem estender-se às normas de direito fundamental, diretamente estatuídas e, de outra maneira, generalizar-se. Segundo uma tal definição geral, normas de direito fundamental são todas aquelas em respeito às quais é possível uma fundamentação jusfundamental correta. Para as normas de direito fundamental diretamente estatuídas, basta para a sua fundamentação jusfundamental correta, em geral, uma referência ao texto da Constituição. Para Fr. Muller apud Alexy, “Os direitos fundamentais são garantias de proteção”.68 Assim, pelo sistema dos Direitos Fundamentais, deve-se distinguir entre os direitos do homem e os direitos fundamentais. É cediço que um dos aspectos dos direitos do homem é a universalidade comum a qualquer indivíduo , em qualquer tempo e lugar. 66 67 68 CANOTILHO, JJ. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 355. Segue o esclarecimento “ A ideia de fundamentalidade material insinua que o conteúdo dos direitos fundamentais é decisivamente constitutivo das estruturas básicas do Estado e da sociedade.(...) que juntamente com uma compreensão aberta do âmbito normativo das normas concretamente consagradoras de direitos. ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução para o espanhol por Ernesto Garzón Valdés. MADRID: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionais, 2002. p. 73. Tradução livre da autora, consta da versão espanhola: “La definición dei çoncepto de norma de derecho fundamental que apunta ai çoncepto de Ia fundamentación iusfundamental correcta ha sido hasta ahora referida solo a Ias normas de derecho fundamental adscriptas. También puede extenderse a Ias normas de derecho fundamental directamente estatuídas y, de esta manera, eneralizarse. Según una tal definición eneral, normas de derecho fundamental son todas aquellas con respecto a Ias cuales es posible una fundamentación iusfunfundamental correcta. Para Ias normas de derecho fundamental directamente estatuídas basta para su fundamentación iusfundamental correcta, por Io general, una referencia àl texto de Ia Constitución. MULLER, Fr. apud ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales...p.75. tradução livre da autora. No texto consultado consta “Los derechos fundamentales son garantias de protección”. 19 Quanto os direitos fundamentais, são os direitos do homem institucionalizado, dentro de um sistema jurídico, de um determinado país, em determinada época. Neste sentido, Ingo Wolfgang Sarlet69 afirma: É necessário frisar que a perspectiva histórica ou genética assume relevo não apenas como mecanismo hermenêutico, mas, principalmente, pela circunstância de que a história dos direitos fundamentais é também uma história que desemboca no surgimento do moderno Estado constitucional, cuja essência e razão de ser residem justamente no reconhecimento e na proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais do homem. Segundo J.J Gomes Canotilho70: “Os direitos do homem arrancariam da própria natureza e daí o seu carácter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta”. Em verdade, a história aponta que os direitos fundamentais são o resultado das reivindicações e lutas, em decorrências de ataques a bens fundamentais e elementares do ser humano. Assim delineado, podemos afirmar que os direitos fundamentais integram a essência do Estado de Direito Constitucional sendo um elemento nuclear, fundamento, da Constituição. Também partilham os direitos fundamentais várias funções tais como, a função de defesa ou de liberdades; função de prestação social; função de proteção contra terceiros e finalmente, função de não discriminação. 71 Neste sentido, com fundamento na Constituição da República Federativa do Brasil/88, pode-se afirmar a existência de um sistema de direitos fundamentais, aberto e flexível, de regras e princípios, integrado à totalidade da ordem constitucional. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 39. 70 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos dos direitos fundamentais, p. 57. 71 CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 383. 69 20 Com efeito, os direitos fundamentais assumem relevante papel no ordenamento constitucional, mais expressivamente, pelo contido no § 1o do Art. 5Q da Constituição da República Federativa do Brasil/88, elevando-os ao nível de normas com aplicabilidade imediata, gerando efeitos jurídicos imediatos. Porém, é a norma do § 2o do art. 5° que trata da preponderância dos direitos fundamentais, dos princípios constitucionais e de outras fontes, como as do direito internacional do Art. 5° da Constituição da República Federativa do Brasil/88. Os direitos e garantias individuais fundamentais mereceram especial proteção do constituinte ao lançá-los à categoria de cláusulas pétreas, conforme o Art.60, § 4o, IV da Constituição da República Federativa do Brasil/88, produzindo assim os reflexos imediatos à sua concretização, aplicação e interpretação, conforme a Constituição. Ingo Wolfgang Sarlet72 elucida: É inquestionável que a abertura material do catálogo abrange direitos individuais, considerados como tais (...) os direitos fundamentais de cunho negativo, dirigidos prima facie à proteção do indivíduo (isolada ou coletivamente) contra intervenções do Estado, isto é, centrados numa atitude de abstenção dos poderes públicos, o que pode ser deduzido tanto na expressão literal da norma, quanto da sua localização no texto. 73 O § 2o do Art.5° da Constituição da República Federativa do Brasil/88 admite, no catálogo dos direitos fundamentais, além dos direitos decorrentes do regime, também os direitos implícitos, ou seja, os não-positivados. Nesse sentido Ingo Wolfgang Sarlet74 comenta: [...] ao referir os direitos “decorrentes do regime e dos princípios”, evidentemente consagrou a existência de direitos fundamentais não-escritos, que podem ser deduzidos, por via do ato interpretativo, com base nos direitos constantes do SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p.90. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p.90. 74 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 93. 72 73 21 “catálogo”, bem como no regime e nos princípios fundamentais da nossa Lei Suprema. Segundo Paulino Jacques75: [...] o Legislador-Constituinte, ao referir os termos regime e princípios, quis ensejar o reconhecimento e a garantia de outros direitos que as necessidades da vida social e as circunstâncias dos tempos pudessem exigir. É uma cláusula, por conseguinte, consagradora do princípio da equidade e da construção jurisprudência, que informam todo o direito anglo-americano, e que, por via dele, penetram no nosso sistema jurídico. Também entre nós, não é a lei a única fonte do direito, porque o regime, quer dizer, a forma de associação políticas (democracia social), e os princípios da Constituição (república federal presidencialista) geram direitos. Os princípios fundamentais do catálogo constitucional não excluem os do Título I, da CFRB/88, do Art. 1o ao 4o da Carta Magna (Dos princípios fundamentais) com especial atenção, aos da dignidade da pessoa humana, pela necessária relação de sintonia76 e pela aplicação, sempre no processo hermenêutico, do princípio da unidade da Constituição da República Federativa do Brasil/88. Nesse pensamento Ingo Wofgang Sarlet77 comenta que: “[...] não há como negar que os direitos à vida, bem como os direitos de liberdade e de igualdade e de igualdade correspondem diretamente às exigências mais elementares da pessoa humana”. Ainda, neste ponto, Juares de Freitas78 para quem o sistema jurídico é formado de regras, princípios e valores cabendo ao intérprete hierarquizar coerentemente, mantendo a higidez do sistema. JACQUES, Paulino. Curso de direito constitucional. 9. ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1983. p. 453. 76 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p.101. 77 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 101. 78 FREITAS, Juarez. Como interpretar a constituição in revista da academia brasileira de direito constitucional. Curitiba ,2004. Vol.5. p.380. 75 22 A dignidade da pessoa humana foi erigida pelo Constituinte originário, como um dos fundamentos do sistema jurídico pátrio, alçada a categoria de valor, de um princípio absoluto significando que da pessoa humana que se retira a dignidade, frusta-se a própria vida, valor supremo. Não dá para ser relativizado. 79 Neste sentido, Ingo Wolfgang Sarlet80 afirma: [...] a Constituição, a despeito de seu caráter compromissado, confere uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais, [...] repousa na dignidade da pessoa humana, isto é, na concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado, razão pela quai se chegou a afirmar que o princípio da dignidade humana atua como o “alfa e Omega” do sistema das liberdades constitucionais e, portanto, dos direitos fundamentais. Segundo Robert Alexy81: Sem embargo, poderia pensar-se que a Lei Fundamental estabelece, pelo menos, um princípio absoluto, é referir-se como fundamentação ao artigo 1 parágrafo 1 frase LF:” A dignidade da pessoa é intangível”. Efetivamente o artigo 1 parágrafo 1 frase LF provoca a impressão de absolutividade. Porém, a razão de que esta impressão não reside em que através desta disposição de direito fundamental estabeleça um princípio absoluto, senão é que norma da dignidade da pessoa existe um amplo grupo de condições de precedência nos quais existe um alto grau de segurança SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p.101. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p.81 et seq.. 81 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales...p.106 Tradução livre da autora. Consta da versão espanhola: “Sin embargo, podría persarse que Ia Ley Fundamental estabelece, por Iomenos, um principio absoluto, y referirse como fundamentación ai artículo 1 párrafo 1 frase 1 LF:” La dignidad de Ia persona es intangible”. Efectivamente el artículo 1 párrafo 1 frase 1 LF provoca Iaimpreción de absolutidad. Pêro, Ia razón de esta impresión no reside en que a través de esta disposición dederecho fundamentalse establezca un principio absoluto, sino en que Ia norma de Ia dignidad de Ia persona existe un amplio grupo de condiciones de precedência en Ias cuales existe un alto grado de seguridadacerca de que baajo ellas el principio de Ia dignidad de Ia persona precede a los princípios opuestos”. 79 80 23 acerca de abaixo delas, o principio da dignidade da pessoa precede aos princípios opostos. Na incidência de colisão, perguntar-se-ia apenas se a norma da dignidade foi violada ou não. De sorte que o princípio-valor da dignidade da pessoa humana representa um núcleo hermenêutico, “funciona como pedra angular para a interpretação constitucional, servindo de norte e como última ratio para se dirimir conflitos entre interpretações”.82 Destarte, alude Chaím Perelman83 sobre o tema: Se é o respeito pela dignidade da pessoa que fundamenta uma doutrina jurídica dos direitos humanos, esta pode, da mesma maneira, ser considerada uma doutrina das obrigações humanas, pois cada um deles tem a obrigação de respeitar o indivíduo humano, em sua própria pessoa bem como na das outras.Assim também o Estado, incumbido de proteger esses direitos e de fazer que se respeitem as obrigações correlativas, não só uma vez obrigado a abster-se de ofender esses direitos, mas tem também a obrigação positiva da manutenção da ordem. Ele tem também a obrigação de criar as condições favoráveis ao respeito à pessoa por parte de todos os que dependem de sua soberania. Desta forma, a dignidade da pessoa humana, deste ser universal, deve ser respeitada e protegida, por todos os membros da sociedade, pelo Estado e até em face dele, quando for o caso de emissão de normas, pelo Legislativo, em evidente afronta ao princípio maior. O Estado deve prestar as garantias de proteção do mais importante fundamento do Estado Democrático de Direito - a dignidade da pessoa humana. 84 GEBRAN NETO, João Pedro. A aplicação imediata dos direitos e garantias individuais: a busca de uma exegese emancipatória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 47. 83 PERELMAN, Chaím. Ética e direito....p. 401. 84 PERELMAN, Chaím. Ética e direito...p. 406, Em sentido análogo ao desenvolvido no presente trabalho: “ As coisas mudam com a coexistência, no seio dos Estados mais amplos, de comunidades variadas contradições e religiões diferentes. Então é que surgem o problema dos direitos do homem, independentemente e fora de sua comunidade, o problema da tolerância, a proteção das minorias nacionais ou religiosas, que dissociam a dignidade do indivíduo de sua integração numa família, 82 24 Ingo Wolfgang Sarlet85 explica: É justamente para efeitos da indispensável hierarquização que se faz presente no processo hermenêutico, que a dignidade da pessoa humana (ombreada em importância talvez apenas com a vida - e mesmo esta há de ser vivida com dignidade) tem sido reiteradamente considerada como o princípio (e valor) de maior hierarquia da nossa e de todas as ordens jurídicas que a reconheceram, aspecto que nos remete ao problema de uma eventual relativização da dignidade e da necessidade de uma ponderação (e, por conseguinte, também de uma hierarquização) de bens. Da mesma forma verifica-se que o princípio da dignidade humana, na Constituição Brasileira, foi alçado ao status, não só de princípios e regra, mas, de princípio fundamental e fundante do Estado Democrático de Direito, art. 1o, lll, da Constituição da República Federativa do Brasil/88 sendo dever do Estado, em todos os seus níveis, a proteção deste bem supremo denominado de princípio-dos-princípios ou o fundamento do Estado, conforme José Carlos Teixeira Giorgis86: Reputa-se que o princípio da dignidade não é um conceito constitucional, mas um dado apriorístico, preexistente a toda experiência, verdadeiro fundamento da República brasileira, atraindo o conteúdo de todos os direitos fundamentais; não é só um princípio da ordem jurídica, mas também da ordem económica, política, cultural, com densificação constitucional. É um valor supremo e acompanha o homem até a sua morte, por ser da essência da natureza humana. A dignidade não admite discriminação alguma e não estará assegurada se o indivíduo é humilhado, perseguido ou depreciado, sendo a norma que subjaz a concepção de numa tribo, numa nação, numa religião ou num agrupamento ideológico. Essa passagem de uma teoria do homem integrado à comunidade para uma teoria do homem que tem dignidade e merece respeito, pela sua simples qualidade de homem, foi longa e penosa. Traçar todas as peripécias da emancipação do indivíduo seria descrever uma história apaixonante, com suas vitórias e suas derrotas”.. 85 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988... p. 87. 86 GIORGIS, José Carlos Teixeira. A natureza jurídica da relação homoerótica in anais do III congresso brasileiro de direito de família do instituto brasileiro de direito de família. - IBDFAM - Belo Horizonte, 2002. p. 128. 25 pessoa como um ser ético-espiritual que aspirar determinar-se e desenvolver-se em liberdade. Mareio Monteiro Reis87 , traz uma fundamentação dos direitos humanos, na visão de Peces-Barba em que ele faz a distinção entre Moral e Poder: Peces-Barba dá enorme importância à existência de pluralismos. Defende que a função da ética pública é produzir uma racionalização, de modo a permitir o surgimento das diversas éticas privadas, que ,por sua vez, levam à humanização. (...) Defende a ideia de que o homem deve ser colocado no centro do universo, e de que cada um pode buscar livremente seu desenvolvimento integral, graças à racionalização, que permite a preservação da própria dignidade humana. Por dignidade humana não se refere apenas ao conceito de direitos humanos. Há, no seu entender, quatro valores que devem constituir a moralidade do Poder e do Direito: liberdade, igualdade, solidariedade e segurança. Como já se disse, a dignidade da pessoa humana é soberana porque é a essência do ser. Como vive-se em coletividade, esse valor fundamental deve ser respeitado por todos, inclusive e principalmente pelo Estado, pois entende-se que este foi um dos motivos da criação do Estado Moderno. Segundo Rizzato Nunes88: Mas acontece que nenhum indivíduo é isolado. Ele nasce, cresce e vive no meio social. E aí, neste contexto, sua dignidade ganha -ou (...) tem o direito de ganhar - um acréscimo de dignidade. Ele nasce com integridade física e psíquica, mas chaga um momento de seu desenvolvimento que seu pensamento tem de ser respeitado, suas ações e seu comportamento - isto é, sua liberdade -, sua imagem, Apud REIS, Mareio Monteiro. In teoria dos direitos fundamentais .Org. Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar. 1999. p.129. 88 NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana ...p. 49. 87PECES-BARBA 26 sua intimidade, sua consciência - religiosas, científica, espiritual - etc, tudo compões sua dignidade. Como sé pode observar, nas sociedades complexas, como é o caso da nossa, a coexistência pacífica perpassa por caminhos tortuosos na proteção das minorias, sejam elas religiosas, raciais, por sexo e orientação sexual, agrupamentos ideológicos entre outros. O papel do Estado é de suma importância, para priorizar e fazer valer, até pela coerção existente no próprio sistema, a dignidade da pessoa humana em todas as suas dimensões. Desse modo, o fundamental direito humano à constituição de uma família fundada no modelo que melhor atenda aos desejos e as necessidades de cada um é Direito Fundamental de personalidade, íntimo, soberano e não é dado ao Estado estatuir de modo diverso89 afrontando o pacto social. Portanto, é direito personalíssimo de todos, hetero e homossexuais escolher, com quem e sobre qual modelo, irão fundar a sua família. No capítulo seguinte abordar-se-á as diferentes famílias existentes no Brasil, bem como as famílias fundadas no casamento matrimonializado e as não matrimonializadas, ou seja, entidades familiares não vinculadas as regras do casamento matrimonializado. 89 ROSSEAU, J.J. O contrato social. Tradução de Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. l4, Segue: “ Renunciar à liberdade é renunciar à qualidade de homem, aos direitos da humanidade, e até aos próprios deveres. Não há nenhuma reparação possível para quem renuncia a tudo. Tal renúncia é incompatível com a natureza do homem, e subtrair toda liberdade a sua vontade é subtrair toda moralidade a suas ações”. 27 CAPÍTULO 2 DAS DIFERENTES FORMAS DE FAMÍLIAS 2.1 A ORIGEM E A FORMA DE CASAMENTO A idéia de que a família constituída a partir do casamento, como sendo o único modelo de família protegida pelo Estado, veio a ser alterado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, sem o desaparecimento do casamento patriarcal consagrado culturalmente e a igualdade de tratamento as novas modalidades de entidades familiares90. São amparados pelo nosso ordenamento constitucional três modalidades de famílias: I – a formada pelo casamento civil ou religioso com efeitos civis (art. 226, § 1ºe 2ºda CFRB/88); II – a formada pela união estável entre homem e mulher (art. 226, § 3º da CRFB/88) as entidades familiares, consideradas novas, relacionando as uniões reconhecidas, pela doutrina e jurisprudência, tidas como ilegítimas às famílias formadas pelo casamento civil; III – as famílias monoparentais (art. 226, § 4ºda CFRB/88); No tempo da humanidade incivilizada surgiu a primeira forma de união entre homem e mulher, que era à força com a qual o macho capturava a fêmea. Fustel de Coulanges91, afirma que a religião nasceu com o elemento constitutivo da união familiar antiga, descreve: 90 91 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil/88. Art. 226 e parágrafos. COULANGES, Fustel de. A cidade antiga [La cite antique]. Tradução Jean Melville. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002, p. 44-46. 28 Se nos tranportamos em imaginação até o dia-a-dia dessas antigas gerações, encontrarenos um altar em cada casa e, em volta desse altar, a família reunida. A cada manhão, a família ali se reúne para dirgir ao fogo sagrado as suas primeiras preces, e toda a noite ali o invoca mais uma vez. Durante o dia, junto dele comparece para dividir piedosamente o repasto, depois da oração e da libação. Em todos os seus atos religiosos a família canta em conjunto os hinos que seus pais lhe legaram. Fora dessa casa, em campo vizinho, o mais próximo possível dessa casa, existe o túmulo. É a segunda dessa família. Aqui repousam em comum várias gerações de antepassados que a morte não separou. Comtinuam juntos nesta segunda existência, formando uma família indissolúvel. (...) a primeira instituição estabelecida pela religião doméstica foi, de fato, o casamento. Friedrich Engels92, ao falar da origem da família, refere aos três estágios fundamentais da evolução humana (estado selvagem, barbárie e civilização), conclui que: (...) há três correspondem formas principais de aproximadamente matrimônio, aos três que estágios fundamentais da evolução humana. Ao estado selvagem corresponde o matrimônio por grupos, à barbárie, o matrimônio sindiásmico, e à civilização corresponde a monogamia com seus complementos: o adultério e a prostituição. Entre o matrimônio sindiásmico e a monogamia, intercalam-se, na fase superior da barbárie, a sujeição aos homens das mulheres escravas e a poligamia. Ainda, Eduardo de Oliveira Leite93 também se refere a três estágios necessários a evolução da humanidade, tais como préhistóricos de cultura, estado selvagem, barbárie e civilização. O primeiro estágio, o do estado selvagem, foi dividido em três fases: fase inferior, fase média e fase superior94. 92 93 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado. Trad. Leandro Konder. 15 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2000, p. 81. LEITE, Eduardo de Oliveira. Origem e evolução do casamento. In Tratado de Direito de Família. Curitiba: Juruá. 1991. v 1, p. 10. 29 Na fase inferior, a da infância do gênero humano onde os homens viviam na natureza e se alimentavam de frutos e raízes e ainda nessa fase se obteve a formação da linguagem. Na fase média, o peixe passou a fazer parte da alimentação do homem e também a utilização do fogo para o preparo deste. Na fase superior, o homem tinha como alimento a carne que conseguia através da caça. Já no segundo estágio, o da barbárie, que possuía as mesmas divisões do primeiro estágio, fases inferior, média e superior, informa que na fase média havia a criação dos animais domésticos e o cultivo de várias plantas para consumo. Na fase superior “A família só pode ser estudada com dados concretos a partir desta época.”95 Ainda, Eduardo de Oliveira Leite96 afirma: Nenhuma outra instituição humana teve uma evolução tão notável, uma história tão rica de acontecimentos, de avanços e retrocessos, de conquistas e derrotas; nenhuma outra instituição se revela tão duradoura, estável, extraordinariamente permanente quanto a família ‘ Foi necessário ao homem um prolongado e enorme esforço mental e moral para a preservar e conduzir através de diferentes etapas à sua forma atual’. Para se entender e apreciar o aparecimento das diferentes formas de família será necessário determinar o sistema de consangüinidade e afinidade que corresponde a cada uma de suas manifestações. [...] o conceito de família é o resultado de um desenvolvimento por etapas, a última das quais é a monogamia. 94 95 96 LEITE, Eduardo de Oliveira. Origem e evolução do casamento. In Tratado de Direito de Família. Curitiba: Juruá. 1991. v 1, p. 11-18. LEITE, Eduardo de Oliveira. Origem e evolução do casamento. In Tratado de Direito de Família. Curitiba: Juruá. 1991. v 1, p. 21. LEITE, Eduardo de Oliveira. Origem e evolução do casamento. In Tratado de Direito de Família. Curitiba: Juruá. 1991. v 1, p. 22. 30 O casamento seria uma entidade para dar continuidade a religião e a propriedade, este considerado patrimônio único das famílias. De forma que não se pensava na instituição moderna de família e casamento, dois indivíduos unidos por sentimentos de afeto para a construção de uma vida em comum, buscando felicidade própria ou construindo felicidade a dois, como escreveu Vinicius de Morais97 “Que não seja imortal posto que é chama mas que seja infinita enquanto dure”. Fustel de Coulanges98 demonstra que já na antiguidade era conhecida e praticada a religião em sua propriedade pelos gregos e italianos: Há três coisas que desde os tempos mais antigos se encontram conexas e firmemente estabelecidas nas sociedades gregas e italianas; a religião doméstica, a família e o direito de propriedade; três coisas que mostram manifesta relação entre si em sua origem que parece inseparáveis. A idéia de propriedade privada implícita na própria religião. Cada família tinha o seu lar e os seus antepassados. Esses deuses podiam ser adorados pela família e só ela protegiam; eram sua propriedade. (...) O lugar lhe pertence: é sua propriedade, e não de um só homem, mas de uma família, cujos diferentes membros devem. Um após os outros, nascer a morrer ali. Sendo o lar protegido por deuses ocultos e este é sagrado, pertencendo somente à família, os estranhos são olhados com desconfiança, devendo o lar ficar isolado de maneira que outra família não deve ter conhecimento dos seus deuses ocultos e também de seus antepassados. A uma distância segura entre uma propriedade e outra, por muros, pois este local lhe é sagrado.99 De maneira, que a religião fez com que o homem se apropriar-se do solo.100 97 98 99 MORAIS, Vinicius de. Antologia Poética. 25ª ed. Rio de Janeiro: Editora José Olympio.1984, p.77. COULANGES, Fustel de. A cidade antiga [La cite antique]. Tradução Jean Melville. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002, p. 65. COULANGES, Fustel de. A cidade antiga [La cite antique]. Tradução Jean Melville. São 31 Assim, pelas questões religiosas surgiu o direito sucessório, pela linha paterna, pelo filho primogênito, mantendo a continuidade dos cultos e a do ritual fúnebre aos antepassados. E ainda, a justiça na família era de competência do chefe, ou seja, questão da religião e ele, onde lhe pertencia a vida e morte de integrantes de sua família101 não sendo assunto de competência da cidade. Ainda com relação a moral, foi através da religião que o homem teve noção do pecado, da culpa, se fizesse algo contrário aos ditames religiosos seus deuses ocultos lhe dariam punição, não podendo mais participar dos cultos no lar. Os deuses ocultos, por acompanharem cada lar, em todos os momentos do dia, sabiam de todos os pensamentos e atos praticados de cada um. Tornando assim o casamento obrigatório para homem antigo, dando-se continuidade aos cultos domésticos como o maior sagrado dever. Fustel de Coulanges102 fala sobre a razão do casamento: Os deuses viviam no interior de cada casa; o homem amou, pois a sua casa. Morada fixa e permanente, que ele herdara de seus avós, e sempre legada aos filhos como santuários. A antiga moral pautada por essas crenças, ignora a caridade, posto a ensine nas virtudes domésticas. O isolamento da família foi, entre esta gente, origem da moral. Então os deveres apareceram claros, precisos e imperiosos, mas limitados a esta reduzida assembléia (...) este caráter acanhado da moral primitiva, porquanto a sociedade civil fundada mais tarde sobre os mesmos princípios, revestiu o Paulo: Editora Martin Claret, 2002, p. 67. COULANGES, Fustel de. A cidade antiga [La cite antique]. Tradução Jean Melville. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002, p. 72-73. 101 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga [La cite antique]. Tradução Jean Melville. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002, p. 101. 102 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga [La cite antique]. Tradução Jean Melville. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002, p. 103-108. 100 32 mesmo caráter; e ainda porque, além disso, muitos aspectos singulares da política antiga se explicarão por seu intermédio. Com o cristianismo o homem vê que não é necessário o casamento para a procriação e também a continuidade do culto doméstico. Agora o homem livre, podendo enfim, praticar o amor sexual individual por livre escolha103 sem a influência dos deuses ocultos. Assim Fustel de Coulanges104 explica: O templo foi aberto a quem quer cresse em Deus. O sacerdócio deixou de ser hereditário, porque a religião não era mais um patrimônio. O culto passou a não ser secreto; os ritos, as orações, os dogmas nunca mais foram escondidos, pelo contrario, desde então se passou a ministrar ensino religioso, dado e oferecido, levado até os mais remotos povos, que vai ao encontro do homem mais indiferente. A idéia de propagação substitui a lei de exclusão. (...) Com a paternidade única de Deus, patenteou-se aos espíritos a unidade da raça humana, e desde então a religião proíbe ao homem odiar os outros homens. Friedrich Engels105 sobre a evolução humana nos conceitua casamento, pois relacionado a ele está à concepção, “matrimônio era um contrato, uma questão de Direito, e certamente a mais importante de todas, pois dispunha do corpo e da alma de dois seres humanos, para toda a vida”. Dom Rafael Cifuente106 sobre matrimônio-contrato, sustenta: Entendem estes autores que sendo contrato consentimento de duas ou mais pessoas num mesmo objeto, que produz uma obrigação de justiça comutativa para dar, fazer ou COULANGES, Fustel de. A cidade antiga [La cite antique]. Tradução Jean Melville. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002, p. 415. 104 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga [La cite antique]. Tradução Jean Melville. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002, p. 415. 105 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado. Trad. Leandro Konder. 15 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2000, p. 87. 106 CIFUENTE, Dom Rafael L. O casamento. Disponível em:<www.presbiteros.com.br>. Acesso em agosto 2008. 103 33 omitir alguma coisa um em favor do outro, e tendo matrimônio denominado os elementos contrato. indicados, Com efeito, este no deve ser matrimônio encontram-se: 1º como pessoas, o marido e a mulher; 2º como consentimento, o conjugal; 3º como objeto, a comunidade de vida; 4º como obrigações, nascidas do contrato, e de dar a aceitar o direito perpétuo e exclusivo sobre o corpo (jus in corpus), em ordem aos atos de per si aptos para gerar a prole (Vide E. REGATILLIO et F CAPELLO. Loc.Cit). Segundo Pontes de Miranda107, “o casamento é o contrato de direito de família que regula a união entre marido e mulher”. Para Jefferson Daibert108, “casamento é o contrato solene pelo qual se unem duas pessoas de sexo diferente, com a finalidade de legitimar a prole resultante de sua união sexual, sob solene compromisso de fidelidade recíproca, mútua assistência e ampla proteção aos filhos”. Nesse mesmo pensamento, Carlos Alberto Bittar109 sobre casamento afirma: É acordo de vontades tendente à comunhão espiritual e material de pessoas de sexo oposto, dispostas a constituir família, nos termos da lei. Configura contrato solene que opera a integração de homem e de mulher desimpedidos para a consecução das respectivas finalidades, individuais e sociais, consoante o direito aplicável. Orlando Gomes110 adverte, o casamento pode ser empregado com dois sentidos: primeiro – como um ato criador da família; segundo – como um estado que provém desse ato praticado em consonância com a lei. Ainda menciona o autor a respeito, que o casamento, como vínculo, não deve ser confundido com o ato que o constitui, igualmente denominado; “nesta acepção, é promessa solene e MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Campinas: Booksellers, 2000. t. 7.p.240. DAIBERT, Jefferson. Direito de família. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 24. 109 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, p.65. 110 GOMES, Orlando. Direito de família. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.p. 56. 107 108 34 irrevogável, mutuamente feita; naquela, um estado a que correspondem direitos e deveres estabelecidos por normas inderrogáveis”. Assim são vários os caracteres do casamento. Para Caio Mário da Silva Pereira111, “a solenidade do ato, a diversidade de sexos e a dissolubilidade” são caracteres do casamento. Mas Maria Helena Diniz112, os caracteres são: primeiro – liberdade na escolha do nubente; segundo – solenidade do ato nupcial; terceiro – legislação matrimonial de ordem pública; quatro – permanência da união; quinto – exclusividade da união. Carlos Alberto Bittar113 entende que os caracteres básicos do contrato de casamento são: primeiro – o aspecto monogâmico da união; segundo – a liberdade de escolha dos nubentes e de declaração formal; terceiro – a solenidade da celebração; quarto – a exclusividade e perenidade da união; quinto – a plenitude de comunhão de vida entre os cônjuges. O casamento para Silvio Rodrigues114 é o: “o negócio jurídico mais solene que se conhece”, por sua grande importância na vida social. Portanto, o casamento, por ser celebrado entre pessoas capazes, no intuito de definirem direitos e obrigações entre os nubentes, denomina-se contrato. Acerca da natureza jurídica do casamento, Orlando Gomes115 menciona duas questões importantes: primeira – se é um instituto de direito público ou de direito privado; segunda – se o casamento é ou não um contrato. Ainda, o autor acerca das duas razões que formularam esta tese são: primeira – que o instituto está dominado por interesses PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, vol. 5. p. 37-39. 112 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. vol. 5. p. 58. 113 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 66. 114 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. vol. 6 p. 19-20. Ratificando este entendimento, vide: COELHO, Rômulo. Direito de família. 2 ed. São Paulo: Leud. 1992. p. 3. 115 GOMES, Orlando. Direito de família. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 56-57. 111 35 públicos, haja vista a proteção estatal conferida à família; segunda – a participação da autoridade do estado é que forma o vínculo conjugal, porém tratam de argumentos improcedentes. Em relação a segunda questão, Antônio Chaves116, entende que as correntes doutrinárias referentes á natureza jurídica do casamento, são quatro: primeira – doutrina contratual; segunda – doutrina institucional; terceira – escola do ato ou contrato complexo; quarta – concepção que atribui ao casamento o caráter de contrato especial. Maria Helena Diniz e Carlos Alberto Bittar117, entendem que são três as correntes doutrinárias: primeira – teoria contratualista; segunda – concepção institucionalista; terceira – doutrina eclética ou mista. Orlando Gomes118 entende que são três as correntes doutrinárias atuais: primeira – negócio jurídico; segunda – acordo; terceira – ato-condição. Apesar de existir várias correntes jurídicas, só duas são mais utilizadas: a contratualista e a institucionalista119. A doutrina contratual que se originou no Direito Canônico120, o consentimento dos nubentes, na formação do vínculo matrimonial, provém à intervenção sacerdotal. Segundo Aluísio Santiago Júnior121, esta concepção é denominada concepção clássica ou individualista, concebe o casamento CHAVES, Antônio. Tratado de direito civil e direito de família. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1991, vol. 5. t.1. p. 64-67. 117 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, vol. 5 . p. 58 e BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 67-69. 118 GOMES, Orlando. Direito de família. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 56-60. 119 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, vol. 5. p. 35. 120 A concepção contratual do casamento, de fato, provém do Direito Canônico. A doutrina contratualista, porém, é uma reação à idéia de casamento/sacramento imposta pela igreja católica. Para diluir e erradicar esta idéia de religiosidade que estava secularmente associada ao casamento, este, na visão contratualista clássica, não passava de um mero contrato civil. 121 SANTIAGO JR, Aluísio. Direito de família: aspectos didáticos. Belo Horizonte: Inédita, 1998. p. 35. 116 36 como uma relação puramente contratual, resultante de um acordo de vontades. Orlando Gomes122 aduz que: Na sua origem, como na sua essência, o casamento é, para a igreja, um contrato. A escola do direito natural acolheu essa concepção definindo o casamento como contrato civil, despido de suas vestes religiosas. Sob sua influência, as legislações passaram, a partir do Código de Napoleão, a discipliná-lo como negócio jurídico contratual. Assim, o que confere a natureza contratual a um determinado ato é o acordo livre e espontâneo de vontades que enseja a sua formação; e não a liberdade das partes contraentes para determinar seu conteúdo123. A doutrina institucionalista considera o casamento uma grande instituição social na qual a ela aderem os que se casam, aceitando o estatuto matrimonial imposto pelo Estado em seu teor integral, não lhes sendo permitido, por acordo mútuo, alterar quaisquer destas regras124. Maria Helena Diniz125, afirma: (...) vê no matrimônio um estado em que os nubentes ingressam. (...) as partes são livres, podendo cada uma escolher o seu cônjuge e decidir se casa ou não; uma vez acertada a realização do matrimônio, não lhes é permitido discutir o conteúdo de seus direitos e deveres, (...) tendo uma vez aderido ao estado matrimonial, a vontade dos nubentes é importante, sendo automáticos os efeitos da instituição por serem de ordem pública ou cogentes as normas que a regem, portanto iniludíveis por simples acordo dos cônjuges. GOMES, Orlando. Direito de família. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 57. Alguns juristas defensores desta corrente: Pontes de Miranda, Clóvis Beviláqua, Carlos Alberto Bittar, Silvio Rodrigues, Caio Mário da Silva Pereira, Orlando Gomes, Antônio Chaves. 124 Defendem esta corrente, os juristas: Arnoldo Wald, Washington de Barros Monteiro, Maria Helena Diniz. 125 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, vol. 5. p. 37. 122 123 37 Washington de Barros Monteiro126 aduz que reduzir o casamento a simples contrato será o mesmo que compará-lo a uma venda, deixando-se para plano inferior suas nobres e elevadas finalidades. Ainda prossegue o autor, repousa o contrato, precipuamente, no acordo de vontades, ao passo que no casamento não basta o elemento volitivo, tornando-se igualmente necessária a intervenção da autoridade eclesiástica, se religioso, ou da autoridade civil, se meramente laico, para sancionar e homologar o acordo livremente manifestado pelos nubentes. Carlos Alberto Bittar127 defende a corrente contratualista rebatendo a doutrina oponente: Ora, como acordo de vontades destinado a criar e a regular relações jurídicas ente os interessados constitui, pois, contrato, embora submetido a rígido regime legal. Não lhe altera a natureza (...) esse fato, a exemplo do que ocorre com contratos outros de conteúdo integralmente regulado por lei ou por normas regulamentares próprias. Também não lhe atinge a essência a adesão mencionada, uma vez que pressupõe as declarações de vontades, que as partes livremente emitem, ou não, contraindo o vínculo, como nos demais contratos, respeitando, no entanto, o seu caráter especial. A intervenção da autoridade competente na celebração também lhe não afeta a natureza contratual, pois a participação se restringe ao simples testemunho oficial do cumprimento das formalidades próprias, não se integrando, assim, o celebrante no contexto do negócio como parte, mas como mero representante da sociedade a atestar a união desejada pelos interessados. (...) instituição é, em verdade, a família que dele se origina. Nas palavras de Domingos Sávio Brandão Lima128, a natureza jurídica do casamento é, uma interminável disputa, uma MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 10-11. 127 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 68-69. 128 LIMA, Domingos Sávio Brandão. A nova lei do divórcio comentada. São Paulo: O Dip. Editores Ltda, 1978. p. 25. 126 38 inconciliável polêmica, por ser assunto que vem se prolongando ao longo do tempo e também por não ter ainda um entendimento unânime. Para Carlos Alberto Bittar129, as finalidades do casamento, ou seja, as metas visadas neste instituto jurídico variam conforme as correntes doutrinárias relacionadas à natureza jurídica deste instituto. Porém a idéia de casamento como ligação emocional com base numa união sexual que, na maioria das vezes, encerra um desejo de ter filhos130, já juridicamente, são fins do casamento: a formação de uma família (fim que jamais pode faltar)131 seguido da vida em comum. Silvio Rodrigues132 entende que o casamento possui três finalidades: primeira – disciplinação das relações sexuais entre os consortes; segunda – proteção da prole; terceira – assistência mútua entre os cônjuges. Segundo Carlos Alberto Bittar133 entende que o casamento tem fins sociais e individuais, perfeitamente conciliáveis e conciliados no ordenamento posto, tais como: a busca de formação de família; de geração e de educação da prole; de comunicação espiritual e econômica entre pessoas de sexos diferentes; e de realização pessoal no plano sexual. De modo que se a lei permite o matrimônio entre pessoas que não podem gerar filhos por muitos fatores, então a procriação seria um fim natural do casamento e não jurídico. Porém a Igreja Católica insatisfeita com a continuidade dos casamentos pelo sistema pagão, reinventou o casamento e o direito de família. BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 67. 130 LEITE, Eduardo de Oliveira. Tratado de direito de família: origem e evolução do casamento. Curitiba: Juruá, 1991, vol. 1. p. 205. 131 GOMES, Orlando. Direito de família. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 65. 132 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, vol. 6. p. 21. 133 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 67. 129 39 É essencial ao jurista para a compreensão do instituto da família e do casamento, na legislação ordinária, um reconhecimento da religião, pois esta tem bastante influência na norma jurídica, informa Eduardo de Oliveira Leite134: A análise da evolução do casamento até agora examinada garante-nos uma certeza inicial, que os juristas têm dificuldade de reconhecer e apreciar: a influência decisiva da Igreja. Não é possível estudar a lei civil, desvinculada de sua fonte principal: as normas estabelecidas pelo direito canônico. A capacidade de contrair matrimônio tinha como requisito a capacidade e o estatuto jurídico dos contraentes e no conubium esclarece Diogo Leite de Campos135: O conubium é um instituto característico do mundo antigo. Não existia o princípio da igualdade do estatuto jurídico de todos os homens; conseqüentemente, o direito de cada ser humano, enquanto tal, de contrair matrimônio “legítimo”, estava dependente da capacidade do homem e da mulher, um perante o outro, de contrair matrimônio; capacidade que dependia de seu estatuto jurídico. Antes do reconhecimento da igreja, o matrimônio, não era considerado instituição católica. Assim a evolução da união familiar continuou com o crescimento das civilizações, como acontece com todas as instituições que sustentam determinada sociedade, com a utilização de diferentes povos, as interferências religiosas, no Ocidente, primeiro com a Lei Mosaíca e depois com o Cristianismo, que aceitava as relações sexuais somente no matrimônio com único objetivo a procriação136. LEITE, Eduardo de Oliveira. Origem e evolução do casamento in tratado de direito de família. Curitiba: Juruá. vol. 1. 1991, p. 255. 135 CAMPOS, Diogo Leite de. A invenção do direito matrimonial. A institucionalização do casamento. Coimbra: Livraria Almedina. Separata do vol. LXII (1986) do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Portugal. Reimpressão 1995. p. 5. 136 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. Tradução de Maria 134 40 No entanto, o crescimento agiu sobre a família patriarcal, matrimonializada e hierarquizada137, que se tornou fraca diante da modernidade, com a industrialização, os avanços tecnológicos, o uso de anticoncepcionais com liberalização da sexualidade, a diminuição da interferência da igreja no estado, a instituição do divórcio em 1977, surgindo novas espécies de família138. Na atualidade, além da família patriarcal, existem a tradicional que é formada pelo casal e pela criança, a entidade familiar formada pela união estável sem casamento e a monoparental quando os filhos vivem com um de seus pais, essas diferentes formas de união estão amparadas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988139. 2.2 O MODELO DE FAMÍLIA NA UNIÃO ESTÁVEL Entende-se por união estável, um fato jurídico decorrente de uma união contínua e duradoura, entre homem e mulher, com a intenção de constituir família. A Lei nº 8.971/94140, em seu art. 1º, parágrafo único conceitua e prevê alguns requisitos para a existência da união estável: Art. 1º. A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade. Thereza da Costa Alburquerque e J.A. Guilhon Albuquerque. 15. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal Ltda. 2003, p. 41. 137 FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família: curso de direito civil. Rio de Janeiro: Livraria e Ed. Renovar Ltda. 1999, p. 30. 138 CATONNÉ, Jean-Philippe. A sexualidade ontem e hoje. Tradução Michele Íris Koralek. Coleção Questões de Nossa Época. 2. ed. São Paulo; Cortez. 2001, p. 82-86. 139 BRASIL. CF/88: “Art. 226 – A família, base da sociedade, tem especial proteção do estado. (...). § 3º - Para efeito da proteção do estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, (...). § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. 140 Art. 1º, parágrafo único da Lei nº8.971/94. 41 Parágrafo único. Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva. Nesse mesmo sentido, o art. 1º da Lei nº 9.278/96141 conceitua a união estável: Art. 1º. É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família. Assim, o art. 1º da Lei nº 9.278/96, não reconhece a união entre pessoas do mesmo sexo, também não estipula prazo as uniões entre pessoas de sexo diferentes. Enquanto que a lei 8.971/94 exige que os companheiros convivam juntos há mais de cinco anos ou possuam filhos no decorrer dessa convivência. Informa Álvaro Villaça Azevedo142 sobre o tempo da existência da união estável, devendo-se em cada caso, observar-se a efetiva configuração desta união através da posse recíproca dos companheiros com intenção de formação do lar, desde que a convivência seja duradoura, e capaz de demonstrar a existência de família. O art. 1.723 do Código Civil143 conceitua união estável: Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre homem e mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. Álvaro Villaça Azevedo144 quanto à publicidade, esclarece: Artigo 1ºda Lei 9.278/96. AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo Código Civil, Lei nº10.406, de 10-01-2002. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p.339. 143 Brasil. Código Civil de 2002, art. 1.723. 144 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo Código 141 142 42 Como um fato social, a união estável é tão exposta ao público como o casamento, em que os companheiros são conhecidos, no local em que vivem, nos meios sociais, principalmente de sua comunidade, pelos fornecedores de produtos e serviços, apresentando-se, enfim, como se casados fossem. Igual no casamento, a continuidade também é necessária na união estável, sem a existência de interrupções que lhe retirem a característica de permanência, especialmente, porque o vai e vem de encontros e desencontros, demonstra uma instabilidade na união.145 O atual Código Civil não fixa um tempo de convivência entre os companheiros, porém exige que a convivência seja pública, contínua e duradoura, e ainda, que este dispositivo não ampara as uniões entre pessoas do mesmo sexo, somente a união entre homem e mulher. Acerca do prazo, Roberto Senise Lisboa146 informa, para atestar-se à eficácia da união estável, no atual Código Civil, novamente optou o legislador por não fixá-lo, afirmando que esta união existe quando for duradoura. Álvaro Villaça Azevedo147 complementa, que a união estável nasce com o afeto entre os companheiros, não possuindo prazo certo para existir ou para terminar, devendo o juiz, em cada caso, auferir se houve ou não duração suficiente para configuração da existência de união estável. Rodrigo da Cunha Pereira148 estabelece, que os elementos caracterizados da união estável consistem na durabilidade, Civil, Lei nº10.406, de 10-01-2002. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p.437. OLIVEIRA, Euclides. União Estável: concubinato ao casamento: antes e depois do novo Código Civil. 6.ed. São Paulo: método, 2003, p.107. 146 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e sucessões. Vol. 5, 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 427. 147 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo Código Civil, Lei nº10.406, de 10-01-2002. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 438. 148 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 208. 145 43 estabilidade, convivência sob o mesmo teto, prole, relação de dependência econômica. Ainda, ressalta Rodrigo da Cunha Pereira, que se houver ausência dos elementos acima supracitados, não descaracteriza a união estável, pois “é o conjunto de determinados elementos que ajuda a objetivar e a formatar o conceito de família. O essencial é que se tenha formado com aquela relação afetiva e amorosa uma família (...)”.149 De modo que, para a configuração da união estável o que pesa mais são os laços da afetividade que uniram os indivíduos que a formam. Rainer Czajkowski150 equipara a união estável ao concubinato e à união livre, pois ambos pressupõem relações íntimas de homem com uma mulher, sem matrimônio, esclarece: Com relação ao concubinato, vê-se que a raiz latina da palavra “concubinatu’ designa estado de amasiamento, de mancebia entre um homem e uma mulher e que pressupõe o relacionamento sexual entre eles: “concubinatu” – ajuntamento carnal, cópula: por derivação de “cum cubare” deitar-se com [...]. Para o direito romano, este amasiamento de um homem com uma mulher, inexistindo rompedimentos, poderia vir a concretizar uma modalidade “sui generis” de casamento, o “usus”151 que , despido de quaisquer formalidades, configurava-se pela simples convivência do homem e da mulher durante um ano. Isto não quer dizer, todavia, que a toda e qualquer relação concubinária era dado o “status” de casamento; a distinção continua clara entre tais relações, mas apenas, em certas situações, valorizava-se a tal ponto um relacionamento puramente informal até transformá-lo numa espécie de casamento. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 209. 150 CZAJKOWSKI, Rainer. União livre: à luz das leis 8.871/94 e 9.278/96, p. 54. 151 LEITE, Eduardo de Oliveira. Tratado de direito de família: origem e evolução do casamento. vol. 1, p. 77. 149 44 O concubinato não tinha amparo legal por parte do legislador, apenas exclusão de alguns direitos152, mas a jurisprudência passou a aceitar os companheiros na hipótese de convivência duradoura, ou seja, como se casamento fosse, decaíram assim os termos concubinoconcubina por preconceito as relações adulterinas153. Como não se admitia qualquer das formas do concubinato pela legislação ordinária, quando terminava, algumas questões era necessário auxílio judicial. Com as demandas judiciais, nas quais se questionava o direito da companheira, em maio de 1964 o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 380, estabelecendo a divisão do patrimônio comum no concubinato: “Comprovada a existência da sociedade de fato entre os concubinos é cabível a sua dissolução judicial com partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”154. Ainda, o Supremo Tribunal Federal fez nova Súmula, a de n. 382155, tratando da dissolução da união livre, não tendo continuidade nas normas. Contudo, os movimentos emancipacionistas das mulheres, as modificações econômicas, políticas e sociais, ocasionaram mudanças no Direito de Família, já em 1977, com o Divórcio156, e, em 1988, com a nova Constituição157 brasileira, mantendo a proteção estatal do casamento e inserindo em seu texto constitucional a união livre estável, nomeando-a de entidade familiar158. BRASIL. Código Civil de 1916, artigos: 1.177 – que prevê a anulabilidade da doação feita pelo cônjuge casado adúltero ao cúmplice, cuncubino [a]; 1.719, III – que veda à concubina do testador casado ser nomeada herdeira ou legatária; 1.474 – que impede que a concubina, por não poder receber doação, seja instituída beneficiária do seguro pelo cônjuge casado. 153 PALMA, Rúbia. Famílias monoparentais. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 29. 154 ROSA, Patrícia Fontanella. União estável: eficácia das leis regulamentadoras. Florianópolis – SC: Editora Diploma Legal, 1999, p.34. 155 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 382: “A vida em comum sob o mesmo teto, more uxório, não é indispensável à caracterização do concubinato”. 156 BRASIL. Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977 – “Regula os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos e dá outras providências”. 157 BRASIL. CF/88. 158 BRASIL. CF/88. “Art. 226, § 3º - Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a 152 45 A Constituição da República Federativa do Brasil protege a família, independentemente se constituída por matrimônio, de modo que, foi colocado um novo conceito no texto constitucional, o de entidade familiar, agregando outros vínculos afetivos, a união estável entre homem e mulher como o convívio de um dos ascendentes com sua prole são tidos como família. Pode-se dizer que houve êxito na instituição da união estável, constituída por muitos indivíduos, com a regularização das situações nela ocorrentes na legislação inserida no novo Código Civil159. As uniões entre pessoas do mesmo sexo também podem se instituir na sociedade de fato. Tais uniões existem desde épocas passadas, porém em algumas comunidades é considerada normal, já em outras é considerada uma afronta à moral, aos costumes e bons valores. Basílio de Oliveira160 explica que, a sociedade de fato se funda no Direito Obrigacional. Pode-se afirmar que entre homossexuais, antes de uma sociedade de fato, vigora uma sociedade de afeto, muito embora o vínculo psicológico e afetivo sirva igualmente de liame entre os companheiros heterossexuais da união estável. 2.3 O MODELO DE FAMÍLIA MONOPARENTAL A Constituição da República Federativa do Brasil/88 a respeito da família monoparental, foi inserida em seu artigo 226, § 4º: “Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. A família monoparental, é aquela formada por qualquer dos genitores e sua prole, e que o texto constitucional denomina de entidade familiar, sem qualquer proteção de lei ao contrário do casamento que sempre teve proteção estatal. união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. 159 BRASIL. Código Civil: Lei nº10.406, de 10 de janeiro de 2002. “Institui o Código Civil”. 160 OLIVEIRA, Basílio de. Concubinato: novos rumos: direitos e deveres dos conviventes na união estável. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1997, p. 322. 46 Rúbia Palma161, quanto à existência na família monoparental esclarece: Na verdade, a monoparentalidade sempre existiu na sociedade se se levar em ponderação a ocorrência de mães solteiras e crianças abandonadas, mas o fenômeno da monoparentalidade não era compreendido, ou talvez, alguns segmentos sociais não queriam seu reconhecimento, fazendo com que ficassem na mais profunda obscuridade, o que explica sua quase inexistência no mundo jurídico. Hoje, entretanto, não há mais como escondê-las, pois existem em grande número e a tendência é que cada vez surjam novas famílias nas mesmas condições. Assim, percebe-se que este modelo diferente de família esteve sempre presente na sociedade: na ocorrência de uma separação, um divórcio, quando falece um dos cônjuges, abandono do lar por um dos cônjuges ou quando a mulher grávida prefere assumir sozinha sua prole. Percebe-se que são vários os fatores determinantes da monoparentalidade, porém salienta Eduardo de Oliveira Leite162 , não é possível determinar a ocorrência de um fator definido gerador de tal estado de desintegração familiar, mas sim, a ocorrência de diversos fatos que, acumulados, favorecem sempre mais a monoparentalidade. Os fatores determinantes da monoparentalidade mais conhecidos, as mães solteiras, a viuvez, o divórcio ou a separação, entre outros existentes. Eduardo de Oliveira Leite163 informa, a monoparentalidade se impôs como fenômeno social nas três últimas décadas, mas com maior intensidade, nos últimos 20 anos, ou seja, no período em que se constata o maior número de Divórcios. PALMA, Rúbia. Famílias monoparentais. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 33. LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. São Paulo: Editora: Revista dos Tribunais, 1997, p. 34. 163 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. São Paulo: Editora: Revista dos Tribunais, 1997, p. 21. 161 162 47 Acerca do fenômeno social Eduardo de Oliveira Leite164 comenta: O fenômeno é inquietante e, e quase sempre gera reprovação. Passa-se, insidiosamente, do fenômeno ao problema social... A visibilidade das famílias monoparentais cria problemas à sociedade e indiretamente, provoca a ordem jurídica. O termo “monoparentalidade” revela a superfície de um fenômeno de dimensões ainda não bem avaliadas, aumentando, assim, paradoxalmente – através dos dados estatísticos colocados em evidência, a angustia frente a desintegração da família conjugal. Assim a Constituição da República Federativa do Brasil165 inseriu a família monoparental em seu texto constitucional. Explica sobre o reconhecimento constitucional da família monoparental Eduardo de Oliveira Leite166, é irrefutável manifestação de uma política familiar que não mais se limita aos padrões tradicionais, mas se estende, além dos preconceitos, à realidade fática cotidiana. Nesse mesmo sentido, continua Eduardo de Oliveira Leite167: Ao lado do casamento (legalizado), o constituinte reconheceu a união livre (não legalizada), e entre os dois extremos vaga, indefinida, a noção de família monoparental, ainda aguardando integral definição, estruturação e limites pela legislação infraconstitucional. LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. São Paulo: Editora: Revista dos Tribunais, 1997, p. 34. 165 Brasil. CF/88. “Art. 226, § 4º: “Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. 166 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. São Paulo: Editora: Revista dos Tribunais, 1997, p. 292. 167 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. São Paulo: Editora: Revista dos Tribunais, 1997, p. 08. 164 48 O que se constata nestas matérias é um imenso hiato, uma lacuna assustadora, como se a monoparentalidade se esgotasse na mera previsão constitucional, sem correspondência no mundo jurídico, o que fica negado pela realidade social vigente, promovedora persistente de um número cada vez mais crescente de comunidades formadas “por qualquer dos pais e seus descendentes”. Informa Eduardo de Oliveira Leite168 sobre a proteção dessa entidade familiar: Enquanto o Direito Civil não reconhecer a família monoparental como sujeito de direito, o poder público não se vê compelido a auxiliá-la. Não reconhecida, não é levada em consideração, o que tende a gravar seu caráter discriminatório no meio social. De modo que, só em âmbito constitucional, a família monoparental é amparada e reconhecida. Atualmente, não tem como se fechar os olhos, pois a existência é grande de famílias constituídas sem matrimônio, por união estável e monoparentalidade, ambas com proteção constitucional. Ainda, percebe-se que apesar da falta de regulamentação legal das uniões homoafetivas, não têm impedido que conflitos decorrentes dessa união cheguem ao Judiciário, tema este que será abordado no terceiro capítulo. 168 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. São Paulo: Editora: Revista dos Tribunais, 1997, p.10. 49 CAPÍTULO 3 DAS UNIÕES AFETIVAS ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO 3.1 ACEPÇÃO DE HOMOSSEXUAL É a preferência sexual de um indivíduo por outro do mesmo sexo. A palavra homossexual, conforme Jadson Dias Correia169 explica, é formada pela junção dos vocábulos “homo” e “sexu”. Homo, do grego “homos”, que significa semelhante, e sexual, do latim “sexu”, que é relativo ou pertencente ao sexo. Portanto, a junção das duas palavras indica a prática sexual entre pessoas mesmo sexo. Segundo Graciela Leães Álvares da Cunha e José Alberto Marques Moreira170: A fortiori, o termo homossexual, deriva-se do grego e do latim, que vulgarmentementendido refer-se a relções sexuais, sob qual forma entre pessoas do memso sexo (homo= memso). A palavra foi empregada pela primeira vez em 1869, por uma médica húngaro, Karoly Maria Benket, o qual escreveu uma carta ao Ministério da Justiça da Alemanha do Norte em defesa dos homossexuais que estavam sendo perseguidos por questões políticas. Esse assunto tem sido discutido pelos profissionais das áreas da saúde, com o intuito de diagnosticar o comportamento dos homossexuais. Maria Berenice Dias171 expõe: CORREIA, Jadson Dias. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em: <http://www.jusnavigandi.com.br/doutrina>. Acesso em 18.08.2008. p. 01. 170 CUNHA, Graciela Leães Álvares da; MOREIRA, José Alberto Marques. Os efeitos jurídicos da união homossexual. Porto Alegre: Data Certa, 1999, p. 25. 171 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. Porto Alegre: 169 50 Durante anos a Medicina pesquisou o sistema nervoso central,os hormônios, o funcionameto do aparelho genital, e nada encontrou de diferente entre homo e heterossexual. Tentou mudar o comportamento humano tido como desviante usando os mais diversos métodos, mas todos os resultados foram nulos. Abandonada a idéia de ver a homossexualidade como doença passou a ser encarada como uma forma de ser diferente da maioria, que se diferencia apenas no relacionamento amoroso e sexual. Jadson Dias Correia172, sob o entender de um médico esclarece o seguinte, homosssexualismo configura a atração erótica por indivíduos do mesmo sexo atingindo aos doismsexos, ou seja, pode ser praticado entre homens ou entre mulheres, sendo denominado, portanto, homossexualismo masculino e homossexualismo feminino. Os cientistas que atuam no campo da genética, se questionavam se a homossexualidade tinha influência da criação ou decorria de fatores genéticos. Assim, Jadson Dias Correia173 esclarece: A questão também não apresenta um ponto de vista pacífico, pelos menos sob o ponto de vista científico. É cientificamente provado que existem indivíduos que geneticamente nascem com uma diferença hormonal, que se exterioriza através de comportamento não comuns ao sexo original, ou seja, nos homens verificam-se traços afeminados e nas mulheres traços masculinos, seja na aparência física, seja no comportamento. Todavia, essas características não estão presentes em inúmeros casos, onde verifica-se a prática da homossexualidade entre indivíduos que externemente não apresentam nenhuma característica homossexual em seu comportamento. Maria Berenice Dias174 informa: Livraria Advogado, 2000, p. 35. CORREIA, Jadson Dias. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em: <http://www.jusnavigandi.com.br/doutrina>. Acesso em 18.08.2008. p. 01. 173 CORREIA, Jadson Dias. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em: <http://www.jusnavigandi.com.br/doutrina>. Acesso em 18.08.2008. p. 02. 174 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. Porto Alegre: 172 51 Recente estudo realizado nos EUA busca mostrar a existência de causas genéticas, com características biológicas herdadas, não sendo fruto de manisfetação decorrente apenas do ambiente social e afetivo. Pesquisando gêmeos uni e bivitelinos, bem como irmãos adotivos, sendo um deles homossexual, foi constatado que, entre gêmeos univitelinos (os que tem características genéticas idênticas), 52% dos irmãos também eram homossexuais. Entre os gêmeos bivitelinos (geneticamente distintos), a identidade caiu para 22%. Já entre os irmãos adotivos, o número foi de 11%, a evidenciar que a coincidência de comportamentos decorre também da influência do ambiente. Lisías Castilho175 para a distinção do sexo de uma pessoa explica, são quatro os elementos definidores: seu sexo biológico, sua identidade psicológica, seu papel social e sua preferência afetiva. Do ponto de vista da Psicanálise, a homossexualidade não é mais vista como uma doença. Comungam com a afirmação Graciela Leães Álvares da Cunha e José Alberto Marques Moreira176 e sustentam: É necessário destacar que os psiquiatras revisores da CID concluíram que a homossexualidade não é doença. Contudo, o sofrimento dos homossexuais, quando a causa é o seu comportamento sexual, deve ser considerado como decorrência da discriminação, preconceito e repressão social. Em decorrência disso, pode-se afirmar que todos os homossexuais são saudáveis sob o ponto de vista psíquico ou físico. Portanto, a homossexualidade ainda é questionada por diversas áreas, pois em relação a sua existência, não se sabe qual a motivação dessa escolha por indivíduos de ambos os sexos. Livraria Advogado, 2000, p. 36. CASTILHO, Lísias. Homossexualismo: conceituação e classificação. Disponível em: <http://www.jusnavigandi.com.br/doutrina>. Acesso em 10.08.2008, p. 01-02. 176 CUNHA, Graciela Leães Álvares da;MOREIRA, José Alberto Marques. Os efeitos jurídicos da união homossexual. Porto Alegre: Data Certa, 1999, p. 25. 175 52 3.2 DA POSSIBILIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO As uniões entre pessoas do mesmo sexo estão conquistando seu espaço através de decisões favoráveis sobre alguns conflitos decorrentes dessas uniões pelo Judiciário brasileiro. As uniões advindas de pessoas do mesmo sexo enfrentam preconceito e discriminação, ainda existentes em nossa sociedade. Para Maria Berenice Dias177, ninguém pode realizar-se como ser humano se não tiver assegurado o respeito ao exercício da sexualidade, conceito que compreende a liberdade sexual. Albergando a liberdade da livre orientação sexual. Em relação à sexualidade de cada indivíduo, sexualidade esta que é um direito do primeiro grupo/geração, Maria Berenice Dias178 explica: Ao serem visualizados os direitos de forma desdobrada em gerações, é de se reconhecer que a sexualidade é um direito do primeiro grupo, do mesmo modo que a liberdade e a igualdade, pois compreende o direito à liberdade sexual, aliado ao direito de tratamento igualitário, independetemente da tendência sexual. Trata-se assim de uma liberdade individual, um direito do indivíduo, sendo, como todos os direitos de primeira geração, inalienável e imprescritível. É um direito natural, que acompanha o ser humano desde o seu nascimento, pois decorre de sua própria natureza. Ainda, em relação aos direitos de segunda geração, está inserido o direito à livre orientação sexual, porém tal direito decorre de uma classe social que necessita de proteção do Estado, em face de discriminação e preconceitos por parte da sociedade. DIAS, Maria Berenice. Liberdade sexual e direitos humanos. In: família e cidadania. O Novo Código Civil e a Vacatio Legis. Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família, p. 85. 178 DIAS, Maria Berenice. Liberdade sexual e direitos humanos. In: família e cidadania. O Novo Código Civil e a Vacatio Legis. Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família, p. 85. 177 53 Conforme Maria Berenice Dias179 trata como hipossuficientes os homossexuais, [...] são socialmente e, por reflexo preconceituoso, juridicamente hipossuficientes. Nesse contexto Maria Berenice Dias180, inseri no direito de terceira geração o direito à sexualidade, assim explica: Igualmente o direito à sexualidade avança para ser inserido como um direito de terceira geração. Esta compreende os direitos decorrentes da natureza humana, mas não tomados individualmente, porém gerenicamente, solidariamente, a fim de realizar toda a humanidade, integralmente, abrangendo todos os aspectos necessários à preservação da dignidade humana. Entre eles não se pode deixar de incluir e enxergar a presença do direito de todo ser humano de exigir o respeito ao livre exercício da sexualidade. É um humano direito de todos e dde cada um que deve ser garantido a cada indivíduo por todos os indivíduos, solidariamente. É um direito de solidariedade, sem cuja implementação a condição humana não se realiza, não se integraliza. De modo que , para a Constituição da República Federativa do Brasil/1988 reconhecer que as relações homoafetivas podem causar laços afetivos, estes deverão ser solucionados pelo Direito de Família, conforme Maria Berenice Dias181: [...] em verdade, configuram uma categoria social que não pode mais preconceito, ser mas discriminada deve ser ou marginalizada cuidada pelos pelo conceitos cientificos do Direito. Sob pena de o Direito falçhar como Ciência e, o que é pior, como Justiça. DIAS, Maria Berenice. Liberdade sexual e direitos humanos. In: família e cidadania. O Novo Código Civil e a Vacatio Legis. Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família, p. 86. 180 DIAS, Maria Berenice. Liberdade sexual e direitos humanos. In: família e cidadania. O Novo Código Civil e a Vacatio Legis. Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família, p. 86. 181 DIAS, Maria Berenice. Liberdade sexual e direitos humanos. In: família e cidadania. O Novo Código Civil e a Vacatio Legis. Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família, p. 87. 179 54 O parágrafo 3º, do art. 226 da Constituição da República Federativa do Brasil/1988, só ampara às famílias fundadas no casamento, as formadas pela união estável e as formadas por qualquer um dos pais e seus descendentes. Para Paulo Luiz Netto Lobo182: Com efeito, a norma do paragrafo 3º do art. 226 da Constituição não contém determinação de qualquer espécie. Não impõe requisito para que se considere existente. União Estável ou que subordine sua validade ou eficácia à conversão em casamento. Configura muito mais comando ao legislador infraconstitucional para que remova os obstáculos e dificuldades para os companheiros que desejem se casar, se quiserem, a exemplo da dispensa da slenidade de celebração. Em face dos companheiros, apresenta-se como norma de indução. Contudo, para os que desejarem permanecer em União Estável, a tutela constitucional é completa, segundo o princípio de igualdade que se conferiu a todas as entidades familiares. Não pode o legislador infraconstitucional estabelecer dificuldades ou requisitos onerosos para ser concebida a união estável, pois facilitar uma situação não significa dificultar outra. Maria Berenice Dias183, afirma: Não assegurar qualquer garantia e nem outorgar quaisquer direitos às uniões homoeróticas infringe o princípio da igualdade e revela a discriminação sexual. A omissão confugura violação aos direitos humanos, pois afronta o direito ao livre exercício da sexualidade, liberdade fundamental do ser humano que não admite restrições de quaisquer ordens. A livre escolha no modo como formar a família, uma vez que o caput do art. 226 da Constituição da República Federativa do LOBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas. In: família e cidadania. O Novo Código Civil e a Vacatio Legis. Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família, p. 93. 183 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. Porto Alegre: Livraria Advogado, 2000, p. 77. 182 55 Brasil/1988184 não faz qualquer referência a outro modelo de família, não prevendo exclusão. Paulo Luiz Netto Lobo185 explica: O fato de, em seus paragrafos, referir a tipos determinados, para atribuir-lhes certas consequências jurídicas, não significa que restituiu a clausula de exclusão, como se ali estivesse a ocução a Familia, cons tituída pelo casamento, pela união eztável ou pela comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos, a interpretação de uma norma ampla não pode suprimir de seus efeitos situações e tipos comuns, restringindo direitos subjetivos. Nesse sentido, a Constituição da República Federativa do Brasil/1988, no caput do seu art. 5º, veda qualquer tipo de discriminação, também o inciso IV do art. 3º do mesmo sistema constitucional, defende frente aos princípios fundamentais para uma convivência harmônica entre os indivíduos, para tanto que não haja preconceitos de cor, credo , classe social, sexo, idade e outros tipos de discriminação. Segundo Graciela Leães Álvares da Cunha e José Alberto Marques Moreira186: A relação homossexual, não merece julgamento. É um fato da vida privada do cidadão, não é boa nem ruim, é como os demais realacionamentos. A questão primordial, sob ponto de vista ético, é que tratando-se de um fatoda vida, e tendo relavância social, pé de suma importância que o legisladortenha precocupação em regulametar essa parceria civil registrada. A Constituição não veda este tipo de relacionamento amoroso sexual, e sim abomina qualquer tipo de discrimonação. CRFB/88. Art. 226. A família, base da sociedade tem especial proteção do Estado. LOBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas. In: família e cidadania. O Novo Código Civil e a Vacatio Legis. Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família, p. 95. 186 CUNHA, Graciela Leães Álvares da;MOREIRA, José Alberto Marques. Os efeitos jurídicos da união homossexual. Porto Alegre: Data Certa, 1999, p. 95. 184 185 56 O art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil/1988, trata do bem maior do indivíduo, a dignidade da pessoa humana, o ser, viver, agir em relação ao próximo e a opção sexual de cada indíviduo. Basílio de Oliveira187 afirma, condenar o homossexualismo seria tão injusto, quanto como reprovar qualquer deficiência física ou psicológica do homem adquirida ou congênita. Atualmente, as uniões homossexuais são realidade social no Brasil, não tendo como o Estado e o Direito fecharem os olhos para esse fato social existente, precisando ser legalizado. Entende Basílio de Oliveira188: Que as pessoas de mesmo sexo que passam a ter uma vidaem comum, cumprindo espontaneamente os deveres de coabitação, e de assistência mútua, um convívio estável caracterizado pelo mútuo respeito e no amor, e com objetivo de constituir um alr, formam uma união de convivência atípica, que embora não possa ser conjugal, gera direitos e obrigações e não deve permanecer à margem da lei e marcada pelo estigma do preconceitoe mem cxonsiderada como estranha e inusitada à socidade. Paulo Luiz Netto Lobo189, explica que é desnecessário equiparar a união homoafetiva à união estável, pois , “os argumentos que têm sido utilizados no sentido da equiparação são dispensáveis, uma vez que as uniões homossexuais são constitucionalmente protegidas enquanto tais, com sua natureza própria”. No mesmo sentido, Roger Raupp Rios190 entende: OLIVEIRA, Basílio de. Concubinato: novos rumos: direitos e deveres dos conviventes na união estável. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1997, p. 135. 188 OLIVEIRA, Basílio de. Concubinato: novos rumos: direitos e deveres dos conviventes na união estável. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1997, p. 321. 189 LOBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas. In: família e cidadania. O Novo Código Civil e a Vacatio Legis. Anais do III Congresso Brasileiro de Direrito de Família, p. 105. 190 RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 124. 187 57 Não há dúvida de que a analogia tem o mérito de reconhecer o caráter familiar às uniões homossexuais que satisfazem os pressupostos hoje valorizados pelo direito de família e consagrados na Constituição. No entanto, uma vez fixados estes pressupostos, o reconhecimento da per tinência destas uniões ao direito de família, prescinde, inclusive, da existência da união estável como espécie autônoma de comunidade familiar. Imagine-se, por hipótese, que emenda constitucional retirasse do texto constitcional a previsão da união estável, sem nada dispor. Tal procedimento não impediria que a legislação e a jurisprudência continuassem a desenvolver e atualizar o direito de família, reconhecendoa pertinência tanta da referida união estável quanto das uniões homossexuais ao direito de família. Vê-se , portanto, que a qualificação jurídica familiar às uniões homossexuais não depende da existência de união estável. Trata-se, mais do que analogia, de comunhão de características típicas do conceito jurídico de família às duas situações. Para Paulo Luiz Netto Lobo191: Cada entidade familiar submete-se a estatuto jurídico próprio, em virtude dos requisitos de constituição e seus efeitos específicos, não estando uma equiparada ou condicionada aos requisitos da outra. Quando a legislação infraconstitucional não cuida de determinada entidade familiar, ela é regida pelos princípios e regras constitucionais, pelas regras e princípios gerais do direito de família aplicáveis e pela contemplação de suas especificidades. Não pode haver, portanto, regras únicas, segundo modelos únicos ou preferenciais. O que as unifica é a função de locus de afetividade e tutela da realização da personalidade das pessoas que as integram; em outras palavras, o lugar dos afetoa, da formação social onde se pode nascer, amadurecer e desenvolver valores da pessoa. 191 LOBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas. In: família e cidadania. O Novo Código Civil e a Vacatio Legis. Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família, p. 107. 58 Contrário a esse entendimento, Maria Berenice Dias entende que as uniões homoafetivas devem ser equiparadas, por analogia, à união estável, pois ambos relacionamentos tem como um dos requisitos o afeto. Para Maria Berenice Dias192: Ainda que haja certa resistência em reconhecer como nãoescrita a restrição constante do indigitado dispositivo, não há como deixar de estender a proteção estatal às relações homossexuais. Subtrair juridicidade a um fato social implica deixar o individuo à margem da própria cidadania, o que não se comporta no âmbito do Estado Democrático de Direito. O silêncio constitucional e a omissão legiferante não podem levar à negativa de se estraírem efeitos jurídicos de tais vínculos, devendo o juiz fazer uso da nalogia, atendendo à determinação constante do art. 4ºda Lei de Introdução ao Código Civil. Assim, para a autora acima citada, não existe nenhuma diferença entre as realações hetero ou homossexuais, sendo que ambos relacionamentos têm o mesmo objetivo, a busca da felicidade com o livre arbítrio na escolha da formação da sua família. Maria Berenice Dias193 explica que: Ambos são vínculos que têm sua origem no afeto, havendo identidade de propositos, qual seja, a concretização do ideal de felicidade de cada um. A lacuna legal é de ser colmatada por meio da legislação que mregulamenta os relacionamemtos interpessoais com idêncticas características, isto é, com os institutos que regulam as relações familiares, sem que se tenha por afrontada a norma constitucional que tutela as relações das pessoas de sexos opostos. DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. Porto Alegre: Livraria Advogado, 2000, p. 85. 193 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. Porto Alegre: Livraria Advogado, 2000, p. 86. 192 59 A falta de legislação sobre o assunto não faz com que tais uniões formadas por afetividade sejam desconhecidas, pois tal desconhecimento depara-se com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e igualdade jurídica. De modo que, as uniões entre pessoas do mesmo sexo, necesitam de amparo jurídico, pois dessa vida em comum, decorrem efeitos jurídicos. Porém, a questão é se essas relações constituem familía ou não, ainda quanto ao reconhecimento dessas uniões homoafetivas serão equiparadas ao casamento, a união estável, sociedade de fato ou como uma sociedade de afeto. Assim, esse reconhecimento terá como suporte os princípios constitucionais. Com a inexistência de amparo legal que tutele as uniões entre pessoas do mesmo sexo, tem-se a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que veda todos os tipos de discriminação. Porém, questões dessa natureza são cada vez mais frequentes trazidas ao Judiciário, com intuito de respostas sobre os confitos decorrentes das uniões homossexuais. Marta Suplicy194 a respeito da união homoafetiva ser confundida com a união estável e com casamento, afirma: A figura da união civil entre pessoas do mesmo sexo não se confunde nem com o instituto do casamento, regulado pelo Código Civil Brasileiro, nem com a união estável, prevista no § 3º, do art. 226 da Constituição da Repúbloca Federativa do Brasil. É mais uma relação entre particulares que, por sua relevânia e es-pecificidade, merece a proteção do Estado e do Direito. Ainda, Marta Suplicy195 acerca do reconhecimento da união homoafetiva pelo ordenamento jurídico brasileiro, sustenta: A criação deste instituto legal é plenamente compatível com o nosso ordenamento jurídico, tanto no que se refer a seus 194 195 SUPLICY, Marta. Aspectos jurídicos. Revista Consulex. Ano 2, n° 16, abril/1998, p. 22. SUPLICY, Marta. Aspectos jurídicos. Revista Consulex. Ano 2, n° 16, abril/1998, p. 22. 60 aspectos formais quanto de conteúdo. É instituto que guarda perfeita harmonia com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil – de construir uma sociedade livre, justa, e solidária e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, I e IV). Logo, há possibilidade de amparo legal no ordenamento jurídico brasileiro, para as uniões entre pessoas do mesmo sexo, reparando-se as injustiças ocorridas decorrentes de tais uniões. 3.3 REALIDADE ATUAL A inexistência de regulamentação das uniões homossexuais no Brasil, ainda persiste, pois tal assunto confronta pensamentos conservadores, valores e costumes culturais existentes na sociedade. Maria Berenice Dias196 sobre a falta de amparo legal das uniões homossexuais, afirma: O repúdio social de que são alvo as uniões homossexuais inibiu o legislador constituinte de enlaçá-las no conceito de entidade familiar. Ainda que afrontando o princípio da igualdade e olvidando a proibição de discriminação que ele mesmo consagra como norma fundamental, a Constituição da República Federativa do Brasil pressupôs, no § 3º so seu artigo 226, a diversidade de sexos para configuração da união estável. Mesmo com a falta de regumentação, isso não tem impedido que questões decorrentes das uniões entre pessoas do mesmo sexo chegem ao Judiciário. Segundo Maria Berenice Dias197: DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. Porto Alegre: Livraria Advogado, 2000, p. 121. 197 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. Porto Alegre: Livraria Advogado, 2000, p. 129. 196 61 A circinstância de inexistir legislação que contemple os direitoa emergentes das relações homossexuais não tem impedido que algumas questões sejam trazidas ao Judiciário. A dificuldade de se reconhecer a existência de um vínculo afetivo como fundamento das pretensões deduzidas em juízo tem levado á concessão de restritos direitos e ao deferimento de bem poucos benefícios, e issso em um espectro muito limitado. Quando questões dessa natureza são trazidas ao Judiciário, busca-se uma solução ao caso concreto, ou seja, não podendo os casais homossexuais ficarem sem proteção legal, por não ter legislação que disciplina tais relações. O Projeto de Lei nº1.151, existe no Brasil desde o ano de 1995, de autoria da Deputada Marta Suplicy, tem por objetivo regular a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Porém, esse projeto é rejeitado pela Igreja Católica, Evangélica, Força Armadas e outras. Jadson Dias Correia198 sobre homossexuais atuando nas Força Armadas explica, os militarestambém são radicalmente contra a presença de homossexuais nos quadros de corporação. A Comissão Especial da Camâra, elaborou um Substitutivo do Projeto de Lei nº 1.151/95, este visa inserir a união homoafetiva no Direito Pátrio, não euiparando-a ao instituto do casamento. Assim, o Substitutivo do projeto nominou a união homoafetiva de Parceria Civil Registrada. Jadson Dias Correia199 elucida: A união civil, tem por finalidade estabelecer um contrato de união entre pessoas do mesmo sexo, que por um otivo qualquer tenha uma orientação sexual deferente das outras, o que as vezes as torna incapazes de constituir uma familía CORREIA, Jadson Dias. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em: <http://www.jusnavigandi.com.br/doutrina>. Acesso em 18.08.2008. p. 07. 199 CORREIA, Jadson Dias. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em: <http://www.jusnavigandi.com.br/doutrina>. Acesso em 18.08.2008. p. 09. 198 62 tradicional pelo fato de não sentirem atração sexual pelo sexo oposto. Neste passo, a união civil objetiva estabelecer um contrato que assegure aos contratantes os diretos de herança e sucessão, aos benefícios previdenciários, ao seguro saúde conjunto, declaração conunta de imposto de renda eo direito à nacionalidade no caso de estrangeiros, sem no entanto ter o “status” de casamento. Além disso, o contrato deuião civil só será celebrado mediante registro em cartório, entre pessoas solteiras, viúvas ou divorciadas, as quais não poderão dispor sobre o patrimônio, deveres, impedimentos e obrigações mútuas. Tal contrato será desfeito mediante desistência das partes ou por morte de um dos contratantes. Segundo Maria Berenice Dias200: A finalidade do projeto é chancelar a vontade manifestada por duas pessoas do mesmo sexo, independente da existência de vínculo afetivo ou homossexual entre elas. Busca autorizar a elaboraçãode um contratoescrito, passível de ser registrado em livro próprio no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais (artigos 2ºe 8º). Reconhecidas legalmente as uniões homoafetivas, com fundamento no Projeto de Lei nº1.151/95, que tais uniões não estarão mais ilegais e consequentemente serão vistas com outros olhos perante a sociedade. Jadson Dias Correia201, sobre o Projeto de Lei nº 11.151/95 relata: De uma forma geral o Projeto é bom, pois irá amparar legalmente a convivência entre os homossexuais, de uma forma geral. Todavia ao analisarmos o projeto verificamos que ele poderá ser adotado por heterossexuais, pois a homossexualidade não um requisito esssencial para a validade do contrato. E porquê dois hetossexuais teriam DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. Porto Alegre: Livraria Advogado, 2000, p. 123. 201 CORREIA, Jadson Dias. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em: <http://www.jusnavigandi.com.br/doutrina>. Acesso em 18.08.2008. p. 10-11. 200 63 interesse em firmar um contrato de união civil? Talvez para fraudar o imposto de renda, o seguro-saúde ou a própria previdência social. E o pior de tudo, há também a possibilidade de marginais tentarem assegurar a nacionalidade brasileira para um estrageiro que desejasse fugir das garras da lei de seu país. Como no casode ronald Biggs, o ladrão do Trem Pagador que não foi extraditado para Inglaterra por ter se casado com uma brasileira e ter tido um filho brasileiro, ou seja, estaríamos correndo o risco de transformar outro bandido em herói, porque ele conseguiu enganar a polícia. Outro fato verificado no texto do Projeto de Lei, diz respeito aos impedimentos. Pelo Projeto, só não seria impedidos de celebrar o contrato de união civil as pessoas solteiras, viúvas ou divorciadas. Desta forma, nada impede que o contrato seja celebrado entre parentes consaguíneos, entre o tutor, o curador e seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados, ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatela, e não estiverem saldas as respectivas contas, estes são algns impedimentos para o casamento, previstos no Código Civil, com o intuito de dificultar os atos fraudulentos capaz de alimentar as mentes maquiavélicas de plantão, outra omissão do referido Projeto de Lei é quanto ao juízo competente para processar e julgar questões decorrentes da unão entre pessoas do mesmo sexo. Jadson Dias Correia202 quanto ao Projeto de Lei, este tem algumas falhas: Tais fatos precisam ser observados e analisados com muito cuidado para que a justiça não fique abarrotada de processos de difícil solução e para que os homossexuais não leve a culpa pelos resultados indesejáveis de uma Lei que só teve o interesse de beneficiá-los (...). Já por outro lado Maria Berenice Dias203 constata, o inquestionável é que o Projeto marca o início da saída da marginalidade CORREIA, Jadson Dias. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em: <http://www.jusnavigandi.com.br/doutrina>. Acesso em 18.08.2008. p. 11. 203 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: aspectos sociais e jurídicos. Disponível em: <http://www.jusnavegandi.com.br/doutrina>. Acesso em 18.08.2008. p. 03. 202 64 dos vínculos afetivos homossexuais, deixando de ser excluídos no laço social, obtendo o reconhecimento de sua existência pelo Estado. Assim, com a aprovação do Projeto no Brasil os casais homossexuais não serão mais vistos a margem da sociedade e passaram a ser reconhecidos por ela. 3.4 O POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS SOBRE A UNIÃO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO Os entendimentos sobre o assunto nos Tribunais não são pacíficos. Porém no Estado do Rio Grande do Sul é pacífico o entendimento quanto a competência, esta é das Varas da Família para dirimir direitos e deveres decorrentes das uniões entre pessoas do mesmo sexo. Na decisão abaixo, foi entendido que o assunto deveria ser apreciado pelas Varas da Família e que ainda chamou-se erroneamente as uniões homossexuais de sociedades de fato. É competente a justiça Estadual para julgar a justificação de convivência entre homossexuais pois os efeitos pretendidos não são meramente previdenciários, mas também patrimoniais. São competentes as Varas de Família e também as Câmaras Especializadas em Direito de Família para o exame das questões jurídicas de correntes da convivência homossexual, pois ainda que não constituam entidade familiar, mas mera sociedade de fato, reclamam pela natureza da relação, permeada pelo afeto e peculiar carga de confiança entre o par, um tratamento diferenciado daquele próprio do direito das obrigações. Essas relações encontram espaço próprio dentro do Direito de Família, na parte assistencial, ao lado da tutela, curatela e ausência, que são relações de cunho protetivo, juridicamente a justificação pretendida, pois a sua finalidade é comprovar o fato da convivência entre duas pessoas homossexuais, seja para documentá-la, seja para uso futuro em processo judicial, onde poderá ser buscado efeito patrimonial ou até 65 previdenciário. Inteligência do art. 861 do CPC. Recurso conhecido e provido.204 Nesse mesmo sentido é entendimento do Tribunal do Rio de Janeiro: Agravo de Instrumento. Dissolução de sociedade de fato. Relação homoafetiva. Competência. Vara Cível. CODJERJ.Não obstante posicionamentos em contrário é entendimento assente deste Tribunal Justiça, com o qual coaduno, ser competente para julgamento do feito o Juízo Cível. Desnecessária a discussão quanto à possibilidade ou não da união entre pessoas do mesmo sexo ser equiparada à união estável tratada como entidade familiar pela Constituição da República - artigo 226, § 3º, posto que o artigo 85, II, g do Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado do Rio de Janeiro é expresso em relacionar dentre as competências do Juízo de Família o julgamento de questões concernentes a união estável e sociedade de fato entre homem e mulher, restando afastada discussão relativa às relações homoafetivas. Desta forma, correta a decisão sendo competente para julgamento do feito uma das Varas Cíveis da Regional de Bangu. Recurso a que nega o seguimento.205 Ainda, o Tribunal de Minas Gerais posiciona-se: AÇÃO DECLARATÓRIA - RECONHECIMENTO DE SOCIEDADE DE FATO HOMOAFETIVA - INDEFERIMENTO DA INICIAL CASSAÇÃO - POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - NECESSIDADE DE CONFERIR REGULAR PROCESSAMENTO AO FEITO. 1 - É da vara de família a competência para processar e julgar ação declaratória de união homoafetiva por meio da qual as autoras pretendem assegurar-se direitos patrimoniais como entidade familiar. 2 - A possibilidade jurídica do pedido, como uma das condições da ação, RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n. 70002692358. Relator: Alfredo Guilherme Englert, 11 de outubro de 2006. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em 10 ago. 2008. 205 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Agravo de Instrumento n. 2008.002.30031. Relator: MARIO ASSIS GONÇALVES, 03 de outubro de 2008. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em 10 ago. 2008. 204 66 consiste na averiguação abstrata a respeito da viabilidade da pretensão deduzida frente ao ordenamento vigente. 3 Afastados os argumentos, nos quais se pautou o Juiz ' a quo' para indeferir a inicial, e uma vez evidenciada a possibilidade jurídica do pedido, cassa-se a sentença, determinando o regular processamento do feito, para que seja aferido o mérito da questão litigiosa. V.V.P.206 Nos julgados acima há divergência, pois, a competência para os conflitos decorrentes de tais uniões é das Varas da Família, então não a que denominar as uniões homoafetivas de sociedades de fato. De modo que, as questões são oriundas dessas uniões a competência é da Vara da Família, eis que trata-se de entidade familiar e não sociedade de fato. Ainda, o Tribunal de Minas Gerais decidiu caso semelhante entendendo tratar-se de união estável, utilizando por analogia, ou seja, a aplicação da norma feita para um caso em outro semelhante, que não tenha amparo legal, utilizando-se de casos semelhantes, assim os dispositivos que disciplinam a união estável às uniões entre pessoas do mesmo sexo. AÇÃO ORDINÁRIA - UNIÃO HOMOAFETIVA - ANALOGIA COM A UNIÃO ESTÁVEL PROTEGIDA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL PRINCÍPIO DA IGUALDADE (NÃO-DISCRIMINAÇÃO) E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA DE UM PARCEIRO EM RELAÇÃO AO OUTRO, PARA TODOS OS FINS DE DIREITO - REQUISITOS PREENCHIDOS - PEDIDO PROCEDENTE. - À união homoafetiva, que preenche os requisitos da união estável entre casais heterossexuais, deve ser conferido o caráter de entidade familiar, impondo-se reconhecer os direitos decorrentes desse vínculo, sob pena de ofensa aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. - O art. 226, da Constituição Federal não pode ser analisado isoladamente, restritivamente, 206 devendo observar-se os princípios MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível n. 1.0024.05.8179151/001(1). Relator: Silas Vieira, 25 de janeiro de 2007. Disponível em: <http://www.tj.mg.gov.br>. Acesso em 10 ago. 2008. 67 constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Referido dispositivo, ao declarar a proteção do Estado à união estável entre o homem e a mulher, não pretendeu excluir dessa proteção a união homoafetiva, até porque, à época em que entrou em vigor a atual Carta Política, há quase 20 anos, não teve o legislador essa preocupação, o que cede espaço para a aplicação analógica da norma a situações atuais, antes não pensadas. - A lacuna existente na legislação não pode servir como obstáculo para o reconhecimento de um direito.207 Ao contrário entende o Tribunal de Minas Gerais: Direito de Família - Ação de reconhecimento de UNIÃO homoafetiva - Impossibilidade Jurídica do Pedido - Art. 266 §3º da CF - Precedentes Jurisprudenciais - Pretensão de concessão de pensão previdenciária por morte - Possibilidade. A possibilidade jurídica do pedido, no que se refere ao reconhecimento de UNIÃO estável entre PESSOAS do mesmo SEXO, não se confunde com a possibilidade jurídica da concessão de pensão previdenciária. O reconhecimento da UNIÃO homoafetiva não é supedâneo para o requerimento de pensão por morte, na medida em que o primeiro se baliza nos ditames da legislação aplicável ao Direito de Família, e que o segundo transita no campo do Direito Previdenciário, que tem por missão precípua a defesa da pessoa humana, garantindo-lhe a subsistência ou a de seus dependentes. Não há falar-se em confronto do art. 226 §3º da CF com o Princípio da Igualdade previsto pelo art. 5º caput, pois consoante preleciona Alexandre de Moraes; “o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos de Direito de Família - Ação de reconhecimento de UNIÃO homoafetiva - Impossibilidade Jurídica do Pedido - Art. 266 §3º da CF - Precedentes Jurisprudenciais - Pretensão de concessão de pensão previdenciária por morte - Possibilidade. A possibilidade jurídica do pedido, no que se 207 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível n. 1.0024.06.9303246/001(1). Relatora: Heloisa Combat, 22 de maio de 2007. Disponível em: <http://www.tj.mg.gov.br>. Acesso em 10 ago. 2008. 68 refere ao reconhecimento de UNIÃO estável entre PESSOAS do mesmo SEXO, não se confunde com a possibilidade jurídica da concessão de pensão previdenciária. O reconhecimento da UNIÃO homoafetiva não é supedâneo para o requerimento de pensão por morte, na medida em que o primeiro se baliza nos ditames da legislação aplicável ao Direito de Família, e que o segundo transita no campo do Direito Previdenciário, que tem por missão precípua a defesa da pessoa humana, garantindo-lhe a subsistência ou a de seus dependentes. Não há falar-se em confronto do art. 226 §3º da CF com o Princípio da Igualdade previsto pelo art. 5º caput, pois consoante preleciona Alexandre de Moraes; ' o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça...”208 O Tribunal do Rio Grande do Sul também tem apreciado questões quanto ao reconhecimento da união homoafetiva, sem equipará-la a nenhuma outra entidade familiar, apoiando-se nos princípios constitucionais, mas tal reconhecimento por si só, ainda não é adotado pela falta de amparo legal. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre dois homens de forma pública e ininterrupta pelo período de nove anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetuou através dos séculos, não podendo o judiciário se olvidar de prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de gêneros. E, antes disso, é o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do direito à vida, 208 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível n. 1.0024.08.0828155/001(1). Relator: Dárcio Lopardi Mendes, 25 de setembro de 2008. Disponível em: <http://www.tj.mg.gov.br>. Acesso em 10 ago. 2008. 69 bem como viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. AUSÊNCIA DE REGRAMENTO ESPECÍFICO. UTILIZAÇÃO DE ANALOGIA E DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO. A ausência de lei específica sobre o tema não implica ausência de direito, pois existem mecanismos para suprir as lacunas legais, aplicando-se aos casos concretos a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, em consonância com os preceitos constitucionais (art. 4ºda LICC). 209 Nesse mesmo sentido: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre duas mulheres de forma pública e ininterrupta pelo período de 16 anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetua através dos séculos, não mais podendo o Judiciário se olvidar de emprestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos direitos humanos por ser forma de privação do direito à vida, violando os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade.210 As relações entre pessoas do mesmo sexo são de interesse da sociedade, pois esta se funda em um Estado Democrático de Direito. Maria Berenice Dias211 afirma: RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n. 70012836755. Relatora: Maria Berenice Dias, 05 de dezembro de 2005. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em 10 ago. 2008. 210 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n. 70021908587. Relator: Ricardo Raupp Ruschel, 17de novembro de 2004. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em 10 ago. 2008. 211 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. Porto Alegre: Livraria Advogado, 2000, p. 100. 209 70 Se duas pessoas têm uma vida em comum, cumprindo deveres de mútua assistência, verdadeiro convívio caracterizado por amor e respeito, a identidade meramente biológica de sexos do par não pode impedir que se reconheçam direitos e se imponham obrigações recíprocas. Assim, necessita-se do reconhecimento do Direito das uniões homoafetivas existentes em nossa sociedade e que dia a dia se tornam mais freqüente a busca da tutela jurisdicional. O legislador tem que estar parelho as evoluções da sociedade, nesse entender Maria Berenice Dias212 explica: Enquanto a lei não acompanha a evolução da sociedade, a mudança de mentalidade, a evolução do conceito de moralidade, ninguém, muito menos os juízes, pode, em nome de uma postura preconceituosa ou discriminatória, fechar os olhos a essas novas realidades, tornando-se agentes de grandes injustiças, descabe confundir questões jurídicas com questões de caráter moral ou de conteúdo meramente religioso. Os Tribunais ainda estão engatinhando em relação ao reconhecimento total dos direitos e deveres decorrentes das relações entre pessoas do mesmo sexo. De modo que, a falta de lei específica não pode ser obstáculo à efetivação das uniões homossexuais, cada vez mais freqüentes em nossa sociedade. Devendo estas serem respeitadas e respaldadas pela lei, e na inexistência dessa pelo Judiciário. 212 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. Porto Alegre: Livraria Advogado, 2000, p. 103. 71 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho buscou demonstrar a possibilidade da União Homoafetiva, no ordenamento jurídico brasileiro, baseado no respeito à dignidade da pessoa humana. Com a investigação, constatou-se que o assunto ainda é um tabu para muitos indivíduos, pois vai de encontro a alguns aspectos conservadores existentes em nossa sociedade. Porém, o que não pode é as pessoas que optam pela união homoafetiva ficarem sem amparo legal. Dessa forma, a investigação procurou salientar que o direito ao tratamento igualitário é inerente a pessoa humana, sejam hetero ou homossexuais, com o intuito de demonstrar que não será por falta de legislação que a união entre pessoas do mesmo sexo será indeferida. Ainda, falou-se sobre a pessoa humana, e como esta pessoa é recebida no sistema jurídico. Procurou-se demonstrar que o posicionamento por parte da doutrina e jurisprudência, não reconhecem a União Homoafetiva como entidade familiar. Porém, aqueles que consideram como entidade familiar, sustentam seu posicionamento nos princípios constitucionais e fundamentos da Constituição da República Federativa do Brasil/1988, também utilizam como argumento o elemento igualmente presente nas relações entre pessoas de sexo diferentes, o afeto. Através de uma viagem pela história da família, partindo da pré-história e chegando nos dias atuais, passamos por várias famílias existentes, fundadas e não fundadas no casamento. Finalmente, constataram-se avanços obtidos em relação ao tema, pois no Tribunal do Rio Grande do Sul, questões sobre união entre pessoas do mesmo sexo, a competência para tais demandas é das Varas de Família, também cabe ressaltar que alguns projetos de leis já tramitaram no Congresso Nacional, como o Projeto de Lei nº 1.151/95, elaborado pela Deputada Marta Suplicy, atualmente, a Comissão Especial da Câmara, elaborou um substitutivo do mesmo. 72 Em relação à primeira hipótese, constatou-se que o posicionamento por parte da doutrina e jurisprudência, não reconhecem a União Homoafetiva como entidade familiar. Porém, aqueles que consideram como entidade familiar, sustentam seu posicionamento nos princípios constitucionais e fundamentos da Constituição da República Federativa do Brasil/1988, também utilizam como argumento o elemento igualmente presente nas relações entre pessoas de sexo diferentes, o afeto. Quanto à segunda hipótese, verificou-se divergências doutrinárias, pois para alguns doutrinadores, os princípios constitucionais por si só, através da interpretação sistemática ensejam a aplicação das regras gerais do Direito de Família, na ausência de regra específica. Já para outros doutrinadores, deve-se aplicar as regras pertinentes a União Estável, pois em nada se diferenciam das uniões entre pessoas do mesmo sexo, ambas têm como base o amor. Quanto à terceira hipótese, constatou-se que a inexistência de regulamentação das uniões homossexuais no Brasil, ainda persiste, pois tal assunto confronta pensamentos conservadores, valores e costumes culturais existentes na sociedade, mas já é um grande avanço o Projeto de Lei nº 1.151 /95 da Deputada Marta Suplicy, e seus Substitutivos que tem por objetivo a regulamentação da Uniões Homoafetivas. Todavia, é de real necessidade o reconhecimento legal dos direitos da união advindas de pessoas do mesmo sexo, pois a existência delas é freqüente em nossa sociedade. 73 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ALEXY, Robert. Teoría de Los Derechos Fundamentales. Tradução para o espanhol por Ernesto Garzón Valdés. MADRID: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionais, 2002. BARCELLOS, Ana Paula de. Alguns Parâmetros Normativos Para a Ponderação Constitucional. IN A Nova Interpretação Constitucional. BARROSO, Luís Roberto (org.). Rio de Janeiro, 2003. _________, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Família. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 14ª Tiragem. Rio de Janeiro: Editora Campus,1992. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 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Baurú, São Paulo: Edipro, 2003. 81 ANEXOS ANEXO 1- SUBSTITUTIVO ADOTADO PELA COMISSÃO DO PROJETO DE LEI N.º1.151, DE 1995 ANEXO 2 - PROJETO DE LEI N.º1.151, DE 1995 82 SUBSTITUTIVO ADOTADO PELA COMISSÃO PROJETO DE LEI N.º1.151, DE 1995 Disciplina a parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências. O Congresso Nacional Decreta: Art. 1º. É assegurado a duas pessoas do mesmo sexo o reconhecimento de sua parceria civil registrada, visando à proteção dos direitos à propriedade, à sucessão e aos demais regulados nesta Lei. Art. 2º. A parceria civil registrada constitui-se mediante registro em livro próprio, nos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais na forma que segue. § 1º. Os interessados comparecerão perante os Oficiais de Registro Civil, apresentando os seguintes documentos: I. - declaração de serem solteiros, viúvos, ou divorciados; II. - prova de capacidade civil absoluta, mediante apresentação de certidão de idade ou prova equivalente; III. - instrumento público do contrato de parceria civil. § 2º. Após a lavratura do contrato a parceria civil deve ser registrada em livro próprio no Registro Civil de Pessoas Naturais § 3º. O estado civil dos contratantes não poderá ser alterado na vigência do contrato de parceria civil registrada. Art. 3º. O contrato de parceria registrada será lavrado em Ofício de Notas, sendo livremente pactuado e versando sobre disposições patrimoniais, deveres, impedimentos e obrigações mútuas. § 1º. Somente por disposição expressa no contrato, as regras nele estabelecidas também serão aplicadas retroativamente, caso tenha havido concorrência para formação de patrimônio comum. 83 § 2º. São vedadas quaisquer disposições sobre adoção, tutela ou guarda de crianças ou adolescentes em conjunto, mesmo que sejam filhos de um dos parceiros. Art. 4º. A extinção da parceria registrada ocorrerá: I. pela morte de um dos contratantes; II. - mediante decretação judicial; III. - de forma consensual, homologada pelo juiz. Art. 5º. Qualquer das partes poderá requerer a extinção da parceria registrada: I. - demonstrando a infração contratual em que se fundamenta o pedido; II. - alegando o desinteresse na sua continuidade. Parágrafo único. As partes poderão requerer consensualmente a homologação judicial da extinção de sua parceria registrada. Art. 6º. A sentença que extinguir a parceria registrada conterá a partilha dos bens dos interessados, de acordo com o disposto no contrato. Art. 7º. É nulo de pleno direito o contrato de parceria registrada feito com mais de uma pessoa ou quando houver infração ao § 2o do artigo 2o desta Lei. Parágrafo único. Ocorrendo a infração mencionada no caput, seu autor comete o crime de falsidade ideológica, sujeitando-se às penas do artigo 299o do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Art. 8º. Alteram-se os arts. 29, 33 e 167 da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que passam a vigorar com as seguintes redações: "Art.29. Serão registrados no registro civil de pessoas naturais (...) 84 IX - os contratos de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo. Parágrafo 1o. Serão averbados: (...) g) a sentença que declarar e extinção da parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo. Art. 33. Haverá em cada cartório, os seguintes livros: (...) III - E - de registro de contratos de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo. Art. 167. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos: I - o registro: (...) 35 - dos contratos de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo que versem sobre comunicação patrimonial, nos registros referentes a imóveis ou a direitos reais pertencentes a qualquer das partes, inclusive os adquiridos posteriormente à celebração do contrato. II - a averbação: (...) 14 - das sentenças de separação judicial, de divórcio, de nulidade ou anulação do casamento e de extinção de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo, quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro." Art. 9º. O bem imóvel próprio e comum dos contratantes de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo é impenhorável, nos termos e condições regulados pela lei 8.009, de 29 de março de 1990. Art. 10º. Registrado o contrato de parceria civil de que trata esta Lei, o parceiro será considerado beneficiário do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependente do segurado. 85 Parágrafo único. A extinção do contrato de parceria implica o cancelamento da inscrição a que se refere o caput deste artigo. Art. 11º. O parceiro que comprove a parceria civil registrada será considerado beneficiário da pensão prevista no art. 217, I, da Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Art. 12º. No âmbito da Administração Pública, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal disciplinarão, através de legislação própria, os benefícios providenciarias de seus servidores que mantenham parceria civil registrada com pessoa do mesmo sexo. Art. 13º. São garantidos aos contratantes de parceria civil registrada com pessoa do mesmo sexo, desde a data de sua constituição, os direitos à sucessão, nas seguintes condições: I. - o parceiro sobrevivente terá direitos, desde que não firme novo contrato de parceria civil registrada, ao usufruto da quarta parte dos bens do de cujus, se houver filhos desde; II. - o parceiro sobrevivente terá direito, enquanto não contratar nova parceria civil registrada, ao usufruto da metade dos bens do de cujus, se não houver filhos, embora não sobrevivam ascendentes; III. - na falta de descendentes e ascendentes, o parceiro sobrevivente terá direito à totalidade da herança; IV. - se os bens deixados pelo autor da herança resultar de atividade em que haja a colaboração do parceiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens. Art. 14º. O art. 454 da Lei 3071, de 1º de janeiro de 1916, passa a vigorar acrescido de § 3º, com a redação que se segue, passando o atual § 3ºa § 4º: "Art. 454. (...) § 1º(...) § 2º(...) 86 § 3º Havendo parceria civil registrada com pessoa do mesmo sexo, a esta se dará a curatela. Art. 15º. O art. 113 da Lei 6.815, de agosto de 1980, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 113. (...)VI - ter contrato de parceria civil registrada com pessoa de nacionalidade brasileira." Art. 16º. É reconhecido aos parceiros o direito de composição de rendas para aquisição da casa própria e todos os direitos relativos a planos de saúde e seguro de grupo. Art. 17º. Será admitida aos parceiros a inscrição como dependentes para efeitos de legislação tributária. Art. 18º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 19º. Revogam-se as disposições em contrário. Sala da Comissão, em 10 de dezembro de 1996. Câmara dos Deputados Projeto de lei nº1.151, de 1995 Da Deputada Marta Suplicy (PT-SP) Disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências. O Congresso Nacional Decreta: Art. 1º. É assegurado a duas pessoas do mesmo sexo o reconhecimento de sua união civil, visando a proteção dos direitos à propriedade. 87 Art. 2º. A união civil entre pessoas do mesmo sexo constitui-se mediante registro em livro próprio, nos Cartórios de Registros Civil de Pessoas Naturais. Parágrafo 1º. Os interessados e interessadas comparecerão perante os oficiais de Registro Civil exibindo: - prova de serem solteiros ou solteiras, viúvos ou viúvas, divorciados ou divorciadas; - prova de capacidade civil plena; - instrumento público de contrato de união civil. Parágrafo 2º. O estado civil dos contratantes não poderá ser alterado na vigência do contrato de união civil. Art. 3º. O contrato de união civil será lavrado em Ofício de Notas, sendo livremente pactuado. Deverá versar sobre disposições patrimoniais, deveres, impedimentos e obrigações mútuas. Parágrafo único. Somente por disposição expressa no contrato, as regras nele estabelecidas também serão aplicadas retroativamente, caso tenha havido concorrência para a formação de patrimônio comum. Art. 4º. A extinção da união civil ocorrerá: - pela morte de um dos contratantes; - mediante decretação judicial; Art. 5º. Qualquer das partes poderá requerer a extinção da união civil: - demonstrando a infração contratual em que se fundamenta o pedido; - alegando o desinteresse na sua continuidade; Parágrafo 1o. As partes poderão requerer consensualmente a homologação judicial da extinção da união civil. 88 Parágrafo 2º. O pedido judicial de extinção da união civil, de que tratam o inciso II e o parágrafo 1º. deste arquivo, só será admitido após decorridos 2(dois) anos de sua constituição. Art. 6º. A sentença que extinguir a união civil conterá a partilha dos bens dos interessados, de acordo com o disposto no instrumento público. Art. 7º. O registro de constituição ou extinção da união civil será averbado nos assentos de nascimento e casamento das partes. Art. 8º. É crime, de ação penal pública condicionada à representação, manter o contrato de união civil a que se refere esta Lei com mais de uma pessoa, ou infringir o parágrafo 2ºdo artigo 2º. Pena - detenção de 6(seis) meses a 2(dois) anos. Art. 9º. Alteram-se os artigos da Lei No. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que passam a vigorar com as seguintes redações: "Art.29. Serão registrados no registro civil de pessoas naturais (...) IX - os contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo. Parágrafo 1º. Serão averbados: (...) g) a sentença que declarar e extinção da união civil entre pessoas do mesmo sexo. Art. 33. Haverá em cada cartório, os seguintes livros, todos com trezentas folhas cada um: (...) III - B - Auxiliar - de registro de casamento religioso para efeitos civis e contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo. 89 Art. 167. No registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos: I - o registro: (...) 35 - dos contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo que versarem sobre comunicação patrimonial, nos registros referentes a imóveis ou a direitos reais pertencentes a qualquer das partes, inclusive os adquiridos posteriormente à celebração do contrato. II - a averbação: (...) 14 - das sentenças de separação judicial, de divórcio, de nulidade ou anulação do casamento e de extinção de união civil entre pessoas do mesmo sexo, quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro." Art. 10º. O bem imóvel próprio e comum dos contratantes de união civil com pessoa do mesmo sexo é impenhorável, nos termos e condições regulados pela lei 8.009, de 29 de março de 1990. Art. 11. Os artigos 16 e 17 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991 passam a vigorar com a seguinte redação. "Art 16.(...) Parágrafo 3º. Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém, com o segurado ou com a segurada a união estável de acordo com o Parágrafo 3ºdo art. 226 da Constituição Federal, ou união civil com pessoa do mesmo sexo, nos termos da lei. Art 17.(...) Parágrafo 2º. “O cancelamento da inscrição do cônjuge e do companheiro ou companheira do mesmo sexo se processa em face de separação judicial ou divórcio sem direito a alimentos, 90 certidão de anulação de casamento, certidão de óbito ou sentença judicial, transitada em julgado". Art. 12º. Os artigos 217 e 241 da Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990 passam a vigorar com a seguinte redação. "Art 217.(...) c) A companheira ou companheiro designado que comprove união estável com entidade familiar, ou união civil com pessoa do mesmo sexo, nos termos da lei. (...) Art 241.(...) Parágrafo único. Equipara-se ao cônjuge a companheira ou companheiro, que comprove união estável como entidade familiar, ou união civil com pessoa do mesmo sexo, nos termos da lei". Art. 13º. No âmbito da Administração Pública, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal disciplinarão, através de legislação própria, os benefícios previdenciários de seus servidores que mantenham união civil com pessoas do mesmo sexo. Art. 14º. São garantidos aos contratantes de união civil entre pessoas de mesmo sexo, desde a data de sua constituição, os direitos à sucessão regulados pela lei nº 8.971, de 28 de Dezembro de 1994. Art. 15º. Em havendo perda de capacidade civil de qualquer um dos contratantes de união civil entre pessoas do mesmo sexo, terá a outra parte a preferência para exercer a curatela. Art. 16º. O inciso I do art. 113 da Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980 passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 113. (...) 91 I - ter filho, cônjuge, companheira de união civil entre pessoas do mesmo sexo,brasileiro ou brasileira". Art. 17º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação Art. 18º. Revogam-se as disposições em contrário.