Andréia Schmidt - Aprende Brasil

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Laços de família
Andréia Schmidt
Psicóloga do Portal
Há algum tempo, família era um conceito muito bem definido na sociedade: pai, mãe, irmãos, avós,
tios e primos. Algumas pessoas questionavam se cunhados e cunhadas realmente pertenciam à
família... Havia uma valorização imensa dos chamados laços de sangue, que se constituíam em
função da descendência direta (pais, filhos e netos) ou do casamento (marido e mulher). Como o
casamento era visto como um laço indissolúvel, esse vínculo não se desfazia, ainda que o casal mal
se cumprimentasse dentro de casa ou mesmo que vivesse uma verdadeira guerra doméstica. Alguns
fatos isolados, porém, eventualmente quebravam essas regras. Por exemplo, viúvos e viúvas se
casavam novamente pessoas que, por motivos excepcionais, separavam-se. Nesses casos, a
reordenação familiar acontecia de maneira natural. No entanto, a sociedade via com uma certa
condescendência a família constituída por um homem (ou mulher) viúvo, sua nova mulher (ou marido)
e os filhos resultantes da nova e da antiga união. Algumas pessoas chegavam a ter pena dos filhos
do primeiro casamento (não é à toa que a figura da madrasta é sempre depreciada nos contos de
fada) e, ainda que fosse aceita, a nova família era vista como uma exceção.
A passagem do tempo e as mudanças decorrentes dos movimentos sociais alteraram essa realidade.
Os laços de parentesco direto ainda são vistos como um poderoso definidor do grupo familiar, mas o
conceito de família tem passado por mudanças significativas. Vamos pensar um pouco sobre fatos
comuns do dia-a-dia. O divórcio, por exemplo, não é um evento incomum na vida de muitas famílias.
As pesquisas mostram que o número de divórcios aumenta ano a ano na sociedade e que o número
de uniões legalizadas diminui, ao passo que as uniões estáveis — em que o casal decide se unir sem
as formalidades legais — crescem de maneira constante. Os casamentos se desfazem por vários
motivos, e o que surge a partir dessas separações é a reorganização da vida das pessoas. Essa
reorganização inclui novos vínculos afetivos para o casal que se separou, a chegada de meio-irmãos
(vindos de casamentos anteriores dos pais), novos avós, tios e primos... E quem pode dizer que
essas pessoas não fazem parte da família?
Nos padrões de vínculos afetivos, essas mudanças exigem uma alteração nos conceitos
convencionais de família. Talvez não apenas nos conceitos formais, que construímos ao longo de
nossas vidas, baseados nas tradições e nos ensinamentos formais aprendidos com os pais e a
religião, mas em nossa aceitação diante da nova realidade. Essa evolução tem sido muito mais lenta
do que o ritmo das mudanças sociais. Prova disso é que até hoje se considera que o divórcio
desestrutura uma família e que, fatalmente, as pessoas (principalmente os filhos) sofrerão traumas
profundos por causa dessas separações. O que se constata, de fato, é que os “traumas” familiares
ocorrem tanto em famílias de pais casados quanto em famílias de pais separados, porque são as
relações afetivas, e não as formais, que estruturam ou desestruturam os indivíduos. Por isso, muitas
crianças criadas em famílias reconstituídas ou mesmo em famílias em que um dos pais permanece
solteiro enquanto o outro constituiu outro casamento são tão saudáveis do ponto de vista psicológico
quanto qualquer outra criança que vive em uma família convencional.
Daí, a importância de se dar espaço para que a criança construa seu próprio conceito com base na
realidade em que vive e não em uma convenção que, muitas vezes, está longe de seu cotidiano e
que pode passar uma falsa idéia de que sua família está errada, ou, pior, de que há algo de errado
com ela. Por isso, é sempre importante lembrar que é o adulto quem auxilia a criança na construção
de seus conceitos, e a escola deve ser um meio social capaz de dar esse suporte para que a criança
possa discutir com naturalidade as mudanças que ocorrem na sociedade, em sua vida e na vida dos
colegas. Construir uma árvore genealógica, portanto, é mais do que simplesmente listar parentes e
ordená-los por sua posição de nascimento. É, antes de tudo, uma forma de a criança reconstituir para
si (e contar para os colegas) os vínculos que se formaram ao longo do tempo para constituir os laços
de sua família.
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