Primeira parte do curso – Estrutura sintáticas (Chomsky, 1957

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Primeira parte do curso – Estrutura sintáticas (Chomsky, 1957)
1) Sobre a independência da gramática
O que é língua para Chomsky nesta obra? “[É] um conjunto (finito ou infinito) de
sentenças, cada sentença sendo finita em extensão e construída a partir de um conjunto
finito de elementos” (p. 17)
Qual é o objetivo fundamental da análise linguística de uma língua L? É distinguir as
sequências gramaticais de L das agramaticais, que não pertencem a L. De fato, encontrar
a gramática da língua L, que é o mecanismo que gera todas as sequências gramaticais de
L e nenhuma sequência agramatical.
Como testar se uma gramática é adequada ou não? Consultando as intuições de um falante
nativo a respeito se sentenças geráveis pelo mecanismo postulado.
Mas o que é ser de fato gramatical na língua L? A primeira coisa que Chomsky ressalta é
que o conjunto de frases ou sequências gramaticais não pode ser o conjunto de enunciados
de um determinado corpus, por maior que ele seja. Isso porque qualquer falante nativo
tem condições de julgar se uma sequência é aceitável ou não (pertencente ou não à língua
L) mesmo que nunca a tenha ouvido – ou seja, mesmo que a sentença não pertença ao
corpus em questão, que será necessariamente finito e acidental.
Um outro ponto importante é que a noção de gramatical “não pode ser confundida com
as noções ‘dotado de sentido’ ou ‘significativo’ em qualquer sentido semântico”. Aqui
aparece o famoso exemplo de Chomsky: colorless green ideas sleep furiously – que é
uma frase gramatical para qualquer falante de inglês, ainda que aparentemente desprovida
de sentido. Compare-se com furiously sleep ideas green colorless – que é agramatical,
mas usa os mesmos itens.
Tampouco se pode dizer que uma sequência é gramatical na língua L por conta de algum
alto nível de aproximação estatística de L. Veja-se que as duas sequências acima jamais
ocorreram em inglês, e, ainda assim, uma é gramatical e a outra não para os falantes
nativos. Chomsky comenta que, na frase colorless green ideas sleep furiously, o falante
nativo imporá uma entoação normal, enquanto a sequência agramatical terá entoação
descendente em cada palavra, mostrando que o falante não integra as palavras numa frase.
Ele também conseguirá se lembrar da frase gramatical muito mais facilmente do que da
sequência agramatical.
Conclusão: “a gramática é autônoma e independente do significado e (...) modelos
probabilísticos não fornecem nenhum esclarecimento sobre alguns dos problemas básicos
da estrutura sintática” (p. 23).
2) Uma teoria linguística elementar
Que tipo de mecanismo pode produzir as sentenças gramaticais do inglês? – Essa é a
pergunta que Chomsky coloca no início do terceiro capítulo de seu livro.
“Uma língua é um sistema extremamente intrincado, e parece óbvio que qualquer
tentativa de apresentar diretamente esse conjunto (de sentenças gramaticais) em termos
de sequências gramaticais de fonemas nos levaria a uma gramática tão complexa que seria
praticamente inútil. Por esse motivo (entre outros), a descrição linguística procede em
termos de um sistema de ‘níveis de representação’. Assim, em vez de descrever
diretamente a estrutura fonêmica das sentenças, o linguista estabelece elementos de ‘nível
superior’ tais como os morfemas, e descreve, de um lado, a estrutura morfêmica das
sentenças, e, de outro, a estrutura fonêmica dos morfemas” (p. 25).
Vamos então considerar a estrutura morfêmica das sentenças. Que tipo de gramática
geraria as sequências gramaticais de morfemas (considerando-se como morfema também
as palavras no sentido tradicional pré-teórico) do inglês (e só elas)?
Condição 1 – a gramática tem que ser finita – não pode, portanto, ser uma lista de todas
as sequências de morfemas.
Chomsky aqui faz uma crítica à gramática de estados finitos. O que é uma gramática de
estados finitos?
Imaginemos uma máquina que passa por um número finito de estados e, a cada transição
de estado, ela produz um símbolo (uma palavra, por exemplo). A ideia é que, a partir da
primeira palavra (do primeiro estado da máquina), os estados seguintes são limitados a
cada transição, por conta do estado imediatamente anterior. Assim, a cada palavra
escolhida em cada transição (estado), as possibilidades de palavras seguintes são
limitadas por esta palavra. As gramáticas de estados finitos podem produzir infinitas
sentenças se houver, por exemplo, loopings no sistema. Chomsky afirmará que o inglês
não é uma língua de estados finitos.
Por que Chomsky afirma isso? Veja-se que há relações entre itens que se mantêm a longa
distância, com uma sequência arbitrariamente grande entre eles. Isso é muito
problemático para as gramáticas de estados finitos. Por exemplo:
(1) Se S1, então S2 (compare-se com *se S1, ou S2)
(2) O homem que disse que S está chegando hoje (compare-se com *o homem disse
que S estão chegando hoje).
(3) Se ou S1 ou S2, então S3.
Chomsky conclui: “Vimos que uma teoria tão limitada linguisticamente (gramática de
estados finitos) não é adequada; somos forçados a procurar algum outro tipo mais
poderoso de gramática e uma forma mais ‘abstrata’ de teoria linguística. A noção de ‘nível
linguístico de representação’ apresentado no começo desta seção deve ser modificada e
elaborada. Deve haver pelo menos um nível linguístico que não tenha uma estrutura tão
simples. Quer dizer, em algum nível, não será o caso que toda sentença seja representada
simplesmente como uma sequência finita de elementos de algum tipo, gerada da esquerda
para a direita por algum mecanismo elementar” (p. 34).
3) A estrutura sintagmática
Aqui, Chomsky propõe um novo tipo de regra, totalmente fora do modelo de estados
finitos, em que uma regra do tipo X → Y significa “reescreva X como Y”. As regras a
seguir são exemplos desse tipo de regra de reescritura:
(4)
(5)
(6)
(7)
(8)
(9)
S → SN + SV
SN → Art + N
SV → Verbo +SN
Art → o, a
N → homem, bola, etc.
Verbo → chutou, pegou, etc.
Assim, para a sentença “o homem chutou a bola”, temos a seguinte derivação:
(10)
Sentença
SN + SV
Art + N + SV
Art +N + Verbo + SN
O + N + Verbo + SN
O + homem + Verbo + SN
O + homem + chutou + SN
O + homem + chutou + Art + N
O + homem + chutou + a + N
O + homem + chutou + a + bola
A inserção correta do artigo depende de propriedades do N combinado a ele (por exemplo,
se é plural ou singular, se é masculino ou feminino, etc.). O mesmo vale para o verbo em
relação ao SN que o antecede. Assim, as regras que inserem esses itens, deve ter uma
forma tal que incluam o contexto de inserção, como (11) a seguir para “chutou”:
(11)
SNsing + Verbo → SNsing + chutou
Importante: na regra de reescritura, somente um símbolo pode ser substituído por outro,
como ocorre em todas as regras apresentadas até o momento, incluindo (11).
Uma gramática, assim, é um conjunto finito de sequências iniciais (como o símbolo S em
(4)), representado por Σ, e um conjunto finito de fórmulas F do tipo das regras de
reescritura. Acima, vemos um exemplo de gramática na sequência (4)-(9), com a álgebra
[Σ, F], onde a única sequência inicial é S. Uma derivação nessa gramática está
desenvolvida em (10).
Diagramas arbóreos podem descrever as relações de constituência entre os componentes
da sentença, mas são menos informativos do que a sequência em (10) – pois essa inclui a
ordem das aplicações das regras de reescritura. Um mesmo diagrama arbóreo pode ser
construído por ordens diferentes de aplicação das regras.
O que Chomsky deseja mostrar nessa parte do capítulo é que as descrições em termos de
estruturas sintagmáticas, como o que vimos em (9) e (10), são mais poderosas do que as
descrições baseadas em estados finitos.
“No nível da estrutura sintagmática (...) cada sentença da língua é representada por um
conjunto de sequências [por exemplo, (10) acima], e não por uma única sequência, como
acontece no nível dos fonemas, dos morfemas ou das palavras” (p. 43). Apesar de incluir
um conjunto de sequências para cada sentença, Chomsky defende que a estrutura
sintagmática seja considerada como um único nível (como são os níveis morfêmico ou
fonêmico, ainda que com as diferenças apontadas acima).
Chomsky apresenta então uma extensão do uso das regras de reescritura para a descrição
morfofonêmica da língua. Assim, alguns exemplos de aplicação dessa ideia podem ser
encontrados em:
(12)
(i) walk → /wɔk/
(ii) take + passado → /tuk/
(iii) /...D/ + passado → /...D/ + /ɪd/ (em que D = /t/ ou /d/)
(iv) passado → /d/
(v) take → /teyk/
etc.
Importante: será preciso haver uma ordem entre as regras. Assim, por exemplo, (ii) tem
que se aplicar antes de (iii) e (v), para que o resultado gerado não seja /teykt/.
Pode-se pensar uma aplicação das regras de reescritura all the way down, do nível mais
abstrato das estruturas sintagmáticas ao nível morfofonêmico. Isso pode causar a sensação
de que a própria ideia de se postular uma separação entre níveis – por exemplo o
sintagmático e o morfofonêmico – é arbitrária, mas a questão é que os tipos de regras são
de fato distintos: nas regras sintagmáticas um único símbolo é reescrito em outros, mas
nas regras em (12) não é isso que acontece. Além disso, há diferença de níveis entre as
regras em (12), e isso não acontece com as regras em, por exemplo, (9).
4) Limitações da descrição
O que Chomsky tenta mostrar neste capítulo são as limitações de uma teoria baseada
exclusivamente em estruturas sintagmáticas para descrever uma língua natural.
Particularmente, a ideia é que mesmo que ela seja capaz de descrevê-la, a gramática
construída será extremamente complexa, ad hoc e pouco reveladora.
“A única maneira de testar a adequação de nosso aparato atual é tentar aplica-lo
diretamente à descrição do inglês. Tão logo consideramos qualquer sentença que vá além
do tipo mais simples e, em particular, tentamos definir algum tipo de ordem entre as regras
que produzem tais sentenças, descobrimos que há inúmeras dificuldades e complicações”
(p. 48). Mas a demonstração disso é extensa demais (e já fora feita em sua tese de
doutorado) e Chomsky vai adotar um outro caminho, mostrando que há melhorias
consideráveis da descrição do inglês se o modelo de gramática não ficar reduzido a [Σ,
F].
Alguns exemplos:
a) Coordenação: Z + X + W e Z + Y + W; como chegamos a Z + X e Y + W? Por
exemplo: (i) a cena – do filme – foi em Chicago; (ii) a cena – da peça – foi em
Chicago. E: a cena – do filme e da peça – foi em Chicago. Os X e Y devem ser
constituintes sintáticos, e devem ser do mesmo tipo sintático: *a cena – do filme
e que eu escrevi – foi em Chicago.
- Uma regra de coordenação como a seguinte simplifica enormemente (em relação
a uma gramática do tipo [Σ, F]) a descrição do processo de coordenação: “Se S1
e S2 são sentenças gramaticais, e S1 difere de S2 apenas pelo fato de S1 possuir
X onde S2 possui Y, e X e Y forem constituintes do mesmo tipo em S1 e em S2,
respectivamente, então S3 é uma sentença, em que S3 é o resultado da substituição
de X por X + and + Y em S1” (p. 51).
É importante ressaltar que esse tipo de regra não pode pertencer à gramática [Σ, F]. Qual
é o problema? É que a regra não só vê a forma real de S1 e S2, mas também sua estrutura
de constituintes. As regras de reescritura só veem seus constituintes imediatos, não veem
a história da derivação.
b) Chosmky faz um tratamento interessante dos morfemas de tempo e aspecto nos
verbos do inglês usando uma combinação de regras de reescritura do tipo que
vimos antes e três regras diferentes do desenho das regras sintagmáticas, como
era a regra de coordenação acima. Uma dessas regras ficou conhecida como “pulo
do afixo” na literatura, pois inverte a ordem de afixo e v na estrutura sintagmática
da sentença e introduz uma fronteira de palavra após o afixo. A famosa regra é:
“Seja Af qualquer um dos afixos: -passado, -S, -, -en, -ing. Seja v qualquer M
(modal) ou V, ou have ou be. Então: Af + v → v + Af#, em que # é interpretado
como fronteira de palavra” (p. 55).
Para que fique mais claro, façamos uma derivação. Inicialmente, é preciso propor que nas
regras de reescritura exista uma que reescreve o constituinte verbal (excluindo o
complemento) como auxiliar mais verbo, conforme (13) a seguir:
(13)
Verbo → Aux + V
Além disso, há outras regras como (14) e (15), que definem como são expressos os nós
Aux e M:
(14)
(15)
Aux → C(M) (have + -en) (be + -ing) (be + -en)
M → will, can, may, shall, must
A regra (16) diz como devem-se realizar os afixos:
(16)
C→
-S no contexto de SNsing __
- no contexto de SNpl __
-passado
(Note-se que a regra (16), como o pulo do afixo, também viola a gramática com a álgebra
[Σ, F], pois faz menção ao contexto, ao contrário das regras sintagmáticas de reescritura).
Uma sequência para “the man has been reading the book”
The + man + Verbo + the + book
The + man + Aux + V + the + book
The + man + Aux + read + the + book
The + man + C + have + -en + be + -ing + read + the + book
The + man + -S + have + -en + be + -ing + read + the + book
The + man + have + -S # be + -en # read + -ing # the + book
The # man # have + -S # be + -en # read + -ing # the # book – esta última linha é gerada
pela seguinte regra, que estbelece as fronteiras de palavras: “[s]ubstitua + por # exceto no
contexto v – Af. Insira # no início e no final” (p. 55).
Aí aplicam-se regras morfofonêmicas como as que vimos em (12), gerando a sentença
“the man has been reading the book”, em transcrição fonêmica.
A análise de Chomsky para os auxiliares considera que há elementos descontínuos, como
have + -en, e isso não pode ser descrito por uma gramática do tipo [Σ, F]. A análise teria
que ser outra, muitos mais complexa, com pouca capacidade de proceder generalizações
robustas.
c) Relação voz ativa e voz passiva: “Se S1 é uma sentença gramatical da forma SN1
– Aux – V – SN2 então a sequência correspondente da forma SN2 – Aux + be + en – V – by + SN1 também é uma sentença gramatical” (p. 62).
As regras (a), (b) e (c) que discutimos acima são diferentes das regras de reescritura que
vimos anteriormente, pois têm acesso á história da derivação, não somente aos
constituintes imediatos. Essas regras são chamadas de “transformações gramaticais”. De
modo geral uma “transformação T opera sobre uma determinada sequência (...) com uma
certa estrutura de constituintes e a converte em uma nova sequência com uma nova
estrutura de constituintes derivada” (p. 63).
As regras transformacionais devem ser aplicadas seguindo uma determinada ordem –
veja-se que a regra da voz passiva em (c) deve aplicar-se antes das regras (14), (16) e do
pulo do afixo, que de fato são alimentadas por ela.
Algumas transformações são obrigatórias. Por exemplo, o grupo de regras que inclui (16),
o pulo do afixo e a regra de fronteira de palavras é um conjunto de transformações
obrigatórias, sem as quais não há sentença. Mas há transformações opcionais, como a da
voz passiva.
Núcleo da língua: conjunto das sentenças que são produzidas quando aplicamos as
transformações obrigatórias às sequências terminais da gramática [Σ, F]. Sentença
nuclear: “Quando aplicamos somente transformações obrigatórias na geração de uma
determinada sentença, chamamos a sentença resultante de sentença nuclear (kernel)” (p.
67).
Qual será a estrutura da gramática de uma língua natural?
Proposta:
Σ: Sentença:
F: X1 → Y1
:
Xn → Yn
Estrutura sintagmática
T1
:
Tn
Estrutura transformacional
Z1 → W1
:
Zn → Wn
Morfofonêmica
5) Algumas transformações em inglês
Aqui, Chomsky mostra a aplicação de algumas transformações para mostrar as virtudes
do modelo na descrição do inglês.
Negação: a transformação de negação Tneg introduzirá not em Aux depois do segundo
morfema dado pela regra (14) acima. Importante deixar claro que a regra necessariamente
se aplica antes da regra (16), da regra do salto do afixo e da regra que define as fronteiras
de palavras.
Mas o que acontece quando C se reescreve como –S?
Tneg: John – C + n’t – come.
Regra (16): John – -S + n’t – come.
Não há condições para a aplicação da regra do pulo do afixo. É necessário introduzir uma
transformação obrigatória em inglês, dada em (17), que se aplica depois de (16) e da regra
de inserção das fronteiras de palavra #:
(17)
# Af → #do + Af (no exemplo: #S → #do + S)
Ou seja, a regra garante que o afixo vai ser hospedado por um verbo. Uma regra
morfológica vai juntar afixo e negação num só item.
Segundo Chomsky, a abordagem transformacional para a negação é bem mais simples do
que uma abordagem que gerasse as sentenças negativas no núcleo da língua – ou seja, por
meio de regras de reescritura e transformações obrigatórias como o pulo do afixo.
Mas a questão é que, se um aparato mais poderoso como as transformações permite
simplificar não só uma descrição de determinada construção, mas também a de outras
estruturas paralelas, podemos dizer que o aparato não está somente deslocando a
complexidade de lugar. Considere-se então a classe de perguntas com resposta do tipo
“sim ou não”. Como é de conhecimento, há a inversão do auxiliar com o sujeito da frase
da versão declarativa para que a versão interrogativa seja gerada. Suponhamos uma
transformação Tint que se aplica sobre do tipo SN – C – V. Suponhamos que essa regra
intercambia o primeiro e o segundo elementos dessa sequência. É importante que essa
transformação se aplique depois de (16), mas antes da regra do pulo do afixo.
Por exemplo, na sentença have they arrived?
Depois de aplicar-se (16), temos:
(18)
They – - + have – -en – arrive.
Aplica-se Tint:
(19)
- + have – they – -en – arrive.
Aplica-se o pulo do afixo:
(20)
Have + - – they – arrive + -en.
Aplica-se a regra de fronteiras:
(21)
Have + - # they # arrive + -en.
E as regras morfofonêmicas se aplicam para gerar a forma have they arrived em
transcrição fonêmica.
Note-se que para gerar do they arrive, a regra (17) é aplicada após a aplicação de Tint.
(22)
- – they – arrive
- # they # arrive (regra de fronteira de palavras)
do + - # they # arrive (regra de inserção de do)
Note-se que tanto o tipo de subdivisão da sentença quanto a regra de introdução de do são
adotadas pelas transformações de negação e interrogação. Se fôssemos dar conta disso
que regras sintagmáticas somente o aparato seria muito mais pesado, com a postulação
de inúmeras regras distintas para os dois processos, incapaz de captar os aspectos comuns
dos dois.
Outro exemplo interessante, a transformação Tso, que gera, a partir de pares como {John
arrives, I arrive}, coordenações do tipo John arrives and so do I. Simplificando a história,
a regra diz que (23) se converte em (24) e, depois, as mesmas regras que aplicamos para
afixação e inserção de do se aplicam:
(23)
(24)
John – -S – arrive, I – - – arrirve
John – -S – arrive – and – so – - – I
John – arrive + -S – and – so – - – I
John # arrive + -S # and # so # - # I
John # arrive + -S # and # so # do + - # I
Agora falando um pouco de QU. Como geramos o par abaixo usando transformações?
Seria vantajoso abordar esses casos por meio de regras transformacionais? Vamos
assumir que existe uma transformação Tw que opera sobre qualquer sequência da forma
X – SN – Y. A transformação opera é duas etapas: (i) como Tint, inverte a ordem dos dois
primeiros elementos: X – SN – Y → SN – X – Y; (ii) converte SN – X – Y em who – X
– Y se o SN for animado e em what – X – Y se o SN for inanimado.
Agora é preciso impor a condição de que Tw se Tint já tiver se aplicado. Na verdade, Tw
se aplica após Tint mas antes da regra do pulo do afixo.
As passagens para who ate an apple:
(i)
(ii)
(iii)
(iv)
(v)
John – C – eat + an + apple = John – -passado – eat + an + apple
Tint: -passado – John – eat + an + apple
Tw: (a) John – -passado – eat + an + apple; (b) who – -passado – eat + an +
apple
Pulo do afixo: who – eat + -passado # an + apple
Limite de palavra: who # eat + -passado # an # apple
No final: who ate an apple?
As passagens para what did John eat:
(i)
(ii)
(iii)
(iv)
(v)
John – C – eat + an + apple = John – -passado – eat + an + apple
Tint: -passado – John – eat + an + apple
Tw: (a) an + apple – -passado + John + eat; (b) what – -passado + John + eat
Limite de palavras: what # -passado # John # eat
Inserção de do: what # do + -passado # John # eat
No final: what did John eat?
O sistema também explica as entoações das sentenças: as interrogativas do tipo sim-não
têm entoação ascendente, mas as com QU (ou WH) têm entoação descendente, como as
declarativas. Suponhamos que a Tint também converta a entoação descendente da
declarativa nuclear na entoação ascendente. Suponhamos, ainda, que Tw faça a mesma
inversão de entoação a sentença à qual foi aplicada. Assim, como ela é aplicada a uma
sentença de entoação ascendente, fará com que a entoação da sentença final seja
descendente, como esperamos.
Há transformações nominalizadoras, como a que converte por exemplo uma sentença do
tipo SN – SV em to + SV ou em –ing + SV. Chomsky também fala da possibilidade de
tratar transformacionalmente a estrutura Art + Adj + N, como se derivada de Art – N –
is – Adj.
Há outras transformações sendo discutidas no capítulo, mas basta-nos o que vimos até
aqui.
6) O poder explicativo da teoria linguística
Ambiguidades fonológicas como em /əneym/ (a name ou an aim) não seria tratável se a
gramática só tivesse um nível, o fonológico. Com o acréscimo do nível morfológico, é
possível caracterizar a ambiguidade da sequência de fonemas. Do mesmo modo, se não
houvesse uma estrutura sintagmática (um nível sintagmático) da forma SN – Verbo – SN
por traz de sentenças distintas como John played tennis e my friend likes music, não seria
possível explicar que, apesar de muito distintas fonológica e morfologicamente, as duas
sentenças são, em certo sentido, compreendidas da mesma maneira.
“Para compreender uma sentença, então, é necessário, primeiramente, reconstruir sua
análise em cada nível linguístico; e podemos testar a adequação de um determinado
conjunto de níveis linguísticos abstratos conferindo se as gramáticas formuladas em
termos desses níveis nos permitem fornecer ou não uma análise satisfatória do que
chamamos de ‘compreender uma sentença’”.
Não podemos dar conta de todos os casos de ambiguidade com somente os níveis
fonológico, morfológico e sintagmático. É preciso, como se verá, também o nível
transformacional.
Vejamos o seguinte exemplo: the shooting of the hunters. Ambiguidade: os caçadores
podem ser tanto sujeitos do ato de atirar, como objetos do ato. No nível sintagmático, há
somente uma estrutura do tipo the – V – -ing – of – SN.
A ideia para resolver o problema é que a expressão é derivada via transformações de duas
estruturas nucleares distintas: the hunters shoot e they shoot the hunters. Ou seja, somente
com o acréscimo do nível transformacional para além do nível sintagmático, podemos
explicar as diferentes interpretações que o SN the shooting of the hunters tem.
Chomsky também mostra casos em que duas sentenças distintas veiculam o mesmo
significado que somente uma sentença nuclear. A maneira de lidar com isso, mais uma
vez, é apelar para a existência de um nível transformacional que gera duas sequências
distintas a partir de uma mesma sequência sintagmática.
7) Sintaxe e semântica
Chomsky critica a ideia de que se possa construir uma gramática apelando-se para o
significado.
1) Não é verdade que dois enunciados são fonemicamente distintos se e somente se
eles diferem no significado: (a) sinônimos absolutos com distintas realizações
fonéticas: ádult x adúlt; (b) itens fonemicamente idênticos com significados
distintos: bank x bank.
2) Não é verdade que os morfemas são os menores elementos portadores de
significado: qual é o significado de to em I want to go, ou de do em did he come?
Do mesmo modo, trechos que não são morfemas, como a sequência gl- em gleam,
glimmer, glow, devem ter algum significado constante entre os itens.
3) Não é verdade que sentenças gramaticais são aquelas que possuem significação
semântica: colorless green ideas sleep furiously.
4) Não é verdade que a relação sujeito-verbo (SN – VP) corresponde ao sentido
estrutural ator-ação: João recebeu uma carta. A briga parou.
5) Não é verdade que a relação verbo-objeto veicule o sentido estrutural açãoobjetivo ou ação-objeto da ação: Eu perdi o trem.
6) Não é verdade que ativa e passiva são sinônimas: Todas as mulheres amam um
homem./Um homem é amado por todas as mulheres.
No entanto, apesar de sua independência, Chomsky não nega que existam
correspondências entre categorias gramaticais e semânticas.
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