A Desagradável Aritmética da Dívida

Propaganda
Valor Econômico, 15 de julho de 2015
A Desagradável Aritmética da Dívida
Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli
EPGE-FGV
As premissas adotadas na definição da meta oficial de superávit primário foram
extremamente otimistas. A estabilização da relação dívida bruta/PIB requereria um
superávit de 3% do PIB, mas a meta de 1,2% do PIB para 2015 não será alcançada, e as
dificuldades no Congresso indicam que a de 2016 também não será.
Ao assumir a Fazenda, o ministro Levy, além de descartar as pirotecnias
contábeis de seu antecessor, substituindo-as pela saudável transparência, definiu metas
de superávit primário (sem alquimias) de 1,2% e 2,0% do PIB para 2015 e 2016. Uma
análise das condições necessárias para se chegar a metas tão modestas mostra,
entretanto, que o superávit primário necessário para estabilizar a razão dívida/PIB e
garantir solvência de longo prazo de nossas contas públicas precisará ser mais alto e
próximo de 3% do PIB.
O cálculo do superávit primário requerido para se estabilizar a razão dívida/PIB
do Estado brasileiro – governos federal, estaduais, municipais e Banco Central –, leva
em conta a diferença entre a taxa de juros real incidente sobre a dívida (numerador), e a
taxa de crescimento real do PIB (denominador). Como o Estado possui créditos a
receber – sobretudo dos bancos estatais –, bem como reservas internacionais, a dívida
relevante para o cálculo deveria ser a dívida líquida, correspondente à diferença entre o
volume de títulos públicos emitidos (dívida bruta) e a soma dos créditos com as reservas
internacionais. Em maio, a dívida bruta estava em 62,5% do PIB, e a líquida em 33,6%.
A diferença é composta por reservas internacionais de 20,2% do PIB e créditos –
notadamente contra o BNDES – de 8,7%.
A taxa juros incidente sobre os títulos públicos varia em função do tipo de título
– pré ou pós fixado – e do prazo de maturação. Os títulos pré-fixados e os indexados à
taxa Selic estão custando 4,5% acima do IPCA, ao passo que os títulos de médio prazo
indexados àquele índice em torno de 6,5%. O crescimento do PIB neste ano será
negativo, e a perspectiva para os dois próximos anos é medíocre. Se as condições
adversas atuais de juros altos e crescimento baixo se mantiverem inalteradas, a evolução
da dívida será explosiva.
Mas sob a hipótese otimista de que Levy consiga apoio para levar a cabo os
ajustes, pode-se considerar um ambiente em que o crescimento do PIB venha a se
estabilizar em torno de 2,5% ao ano, bem como a taxa real de juros média incidente
sobre os títulos públicos caia para 4,5% ao ano. Esses são números compatíveis com um
país que não reúne consenso político para adotar reformas microeconômicas estruturais,
mas consegue manter uma razoável responsabilidade macroeconômica, política
abandonada durante a vigência da Nova Matriz Econômica. Sob essas hipóteses
favoráveis, se as reservas e os créditos rendessem a mesma taxa de juros paga pelo
Tesouro, a necessidade de superávit primário seria de apenas 0,7% (= 2% x 33,6%) do
PIB, que é o produto da diferença entre a taxa de juros e a de crescimento (2%)
multiplicada pela dívida líquida como proporção do PIB, 33,6%.
Ocorre que as reservas internacionais e créditos do governo rendem muito
menos do que o Tesouro paga sobre sua dívida. Nos 12 meses completos em maio, a
despesa com juros alcançou 7,9% do PIB, o que significa uma taxa implícita de juros
sobre a dívida líquida de 21,5% (=7,9%/33,6%) ao ano, valor muito superior à taxa
Selic de 13,75% atual. Admitindo-se que, após o desmonte das operações de swap, a
desvalorização nominal da taxa de câmbio acompanhe a diferença entre inflação interna
e a externa, e que a taxa real de juros internacional atualmente negativa torne-se nula,
pode-se vislumbrar, no melhor dos casos, uma taxa de aplicação das reservas igual à
variação do IPCA.
No caso dos demais créditos, a taxa paga pelo BNDES ao Tesouro é a TJLP,
hoje em apenas 5,5% ao ano, ou 3,5% abaixo da inflação. Admitindo-se que Levy
consiga convencer seus colegas a elevar substancialmente a TJLP – hipótese otimista,
pois não se pode esquecer que, dentre os cinco principais cargos econômicos do País
(Presidência, Fazenda, Planejamento, BACEN e BNDES), somente a Fazenda teve
mudança de comando em relação ao primeiro mandato de Dilma –, igualando-a à
variação do IPCA, então o rendimento real recebido pelo Tesouro sobre os créditos e as
reservas deixaria de ser negativo, tornando-se nulo.
Sob as hipóteses algo heroicas acima, a diferença entre a taxa real de juros paga
pelos títulos do Tesouro e a taxa recebida sobre seus créditos e reservas internacionais
tornar-se-ia 4,5%. Assim, o custo das reservas e empréstimos aos bancos oficiais ficaria
em 1,3% (=28,9% x 4,5%) do PIB. Este é o valor a ser somado aos 0,7% do PIB de
superávit primário calculado anteriormente, perfazendo-se 2% do PIB. Trata-se da meta
fixada para 2016. Pode-se perceber quão otimistas foram as premissas adotadas na
definição da meta oficial. Pior, a meta de 1,2% do PIB para 2015 não será alcançada, e a
dificuldade encontrada pelo governo em aprovar os cortes no Congresso indicam que a
meta de 2016 também não o será. Além disso, o desempenho do PIB tem-se mostrado
muito abaixo dos números utilizados no cálculo otimista acima.
Refazendo-se o exercício de futurologia com premissas mais realistas, basta uma
elevação de 0,5% ao ano da taxa de juros real e igual redução da taxa de crescimento do
PIB, para se chegar a um superávit primário requerido de 2,5% do PIB. Com mais
realismo ainda, chega-se a 3% do PIB ou mais. Conclui-se que conta deixada pela Nova
Matriz Econômica é muito maior do que a tentativa recente de justificar as pedaladas de
2014 empreendida pelo ministro do Planejamento parece disposta a reconhecer.
Download