1 MODELOS DE ESTADO: UMA NECESSÁRIA TRAJETÓRIA NA CONSTRUÇÃO DA NOÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO Elaine Falcão Silveira1 RESUMO A importância de se retomar os modelos de Estado, sua conformação política, sócioeconômica e jurídica, se impõe porque é nesse contexto que determinada atividade ganha relevância na sociedade e é erigida como serviço público. A pesquisa busca alcançar tais pressupostos com o fim de relacionar esses modelos estatais e o seu papel de prestador de serviços públicos na sociedade. Torna-se imprescindível o estudo do surgimento da noção, bem como da sua teorização, a fim de se caracterizar os seus elementos informadores, principalmente na Escola francesa. Consolidadas essas noções preliminares, o enfoque será dado na doutrina clássica e atual brasileira para se investigar a recepção da doutrina francesa de serviço público. Confirmadas as premissas lançadas e a análise das mutações do instituto sofridas pelas crises da concepção do Estado, busca-se uma configuração atual da noção do serviço público na doutrina pátria. PALAVRAS CHAVE: modelos de Estado; direitos fundamentais; reforma administrativa; serviço público. INTRODUÇÃO A importância de se retomar os modelos do Estado, seus limites de atuação na sociedade, bem como as concepções que o informam como um ente histórico, jurídico, cultural, ideológico e sócioeconômico, se impõe como pressuposto para um repensar da noção do serviço público. Sabe-se que é esse contexto que faz com que o Estado eleja determinada atividade como serviço público e positive na sua ordem jurídica a sua conformação, de modo a justificar a sua atuação na sociedade como prestador de tal atividade. 1 Acadêmica de Direito das Faculdades Integradas do Brasil – Unibrasil, orientada pela Profa. Ms. Adriana da Costa Ricardo Schier. 2 1 ESTADO MÍNIMO E SERVIÇO PÚBLICO Compreender a forma pela qual cada modelo de Estado2 consagra o serviço público,3 no âmbito político bem como jurídico, impõe como requisito fundamental um enfoque a partir da compreensão do Estado de Direito. Isso porque, embora não se ignore as organizações políticas antigas,4 tampouco, o oferecimento de alguns serviços essenciais desde a Antigüidade, na época da Roma Republicana,5 considera-se que somente com o advento do Estado Liberal foram lançados os instrumentos políticos e jurídicos à compreensão e desenvolvimento da noção de serviço público ora adotada. Para tanto, não se pretende o esgotamento da Teoria do Estado, mas sim fornecer uma moldura ou pano de fundo para a monografia, que no âmbito deste capítulo restringe-se ao serviço público prestado como atividade Estatal em cada modelo de Estado que se pretende analisar. Afinal, “cada povo diz o que é serviço público em seu sistema jurídico. A qualificação de uma dada atividade como serviço público reflete ao plano da concepção do Estado sobre o seu papel. É o plano da escolha política, que pode estar fixada na Constituição do país, na lei, na jurisprudência e nos costumes vigentes em um tempo histórico.”6 2 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, [2003?]. p. 89. 3 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 628; JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 487. 4 GUGLIELMI, Gilles J.; KOUBI, Geneviève. Droit de service public. 2. ed. Paris: Montchrestien, 2007. p. 21. 5 Idem. 6 GROTTI, Dinorá Adelaide Mussetti. O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 87. No mesmo sentido afirma Raquel Dias da SILVEIRA que “o caráter cambiante da noção de serviço público está, pois, diretamente relacionado à sua identificação com os interesses definidos como públicos pelo Estado, em determinado momento econômico, histórico e social.” SILVEIRA, Raquel Dias da. O repensar da noção de serviço público sob o paradigma da realidade brasileira.In: FERRAZ, Luciano; MOTTA, Fabrício. (Coords.). Direito público moderno. Homenagem ao Professor Paulo Neves de Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 97117; p.100. Cármen Lúcia Antunes ROCHA também expõe: “o que é serviço público cada povo o diz em seu sistema jurídico, que é onde se definem as atividades como tal consideradas.” ROCHA, Cármen Lúcia Antunes Rocha. Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 507. Ressalta Odete MEDAUAR que, “saber quando e por que uma atividade é considerada serviço público remete ao plano da concepção política dominante, que pode estar fixada na Constituição do país, na lei e na tradição.” MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 314. 3 Sob o prisma histórico no qual foi desencadeado o movimento político que culminou no Estado Liberal, tem-se a insegurança causada pela falta de previsibilidade decorrentes das ações arbitrárias do monarca. Como bem aponta Jorge Reis NOVAIS, tratava-se de um contexto “em que o entendimento dos conceitos de soberania e jus politiae impeliam o monarca ao livre desenvolvimento dos seus desígnios e à intromissão em todas as esferas da vida social e privada.”7 Desse cenário, no qual a falta de liberdade era um problema diante da realidade Estatal, emergiu como resposta uma reação política e cultural da classe burguesa que culminou nas revoluções liberais, que consistiram “em instrumento de luta política da burguesia contra o Estado absolutista centralizador e os resquícios feudais e estamentais.”8 A classe em ascensão, embora favorecida com a política mercantilista,9 não dispunha de uma esfera de liberdade em face do monarca, e assim, passou a defender um espaço privado de direitos e a conseqüente racionalização do Estado, como bem pondera Jorge Reis NOVAIS. 10 O processo político desencadeado pela burguesia, que até então era a classe dominada, despertou o povo ao fazer suas reivindicações. A burguesia generalizou suas ideias como hegemônicas e apresentou seu projeto político “doutrinariamente como ideais comuns a todos os componentes do corpo social.”11 A classe burguesa forneceu o substrato sociológico ao Estado de Direito, com fundamento na necessidade de um Estado racional, que previsse uma esfera 7 NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma Teoria do Estado de Direito: do Estado Liberal ao Estado Social e Democrático de Direito. Coimbra: Coimbra, 1987. p. 30. 8 SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado: novos paradigmas em face da Globalização. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 192. 9 Para José Paschoal ROSSETTI, “O comércio internacional transformou-se nesse período em um dos mais poderosos instrumentos da política econômica. Os Estados ambicionavam o poder e quando não possuíam metais preciosos deveriam recorrer ao comércio como meio para acumulá-los: o excesso das exportações sobre as importações deveria ser recebido não em mercadorias, mas em lingotes de ouro e prata. A essas práticas econômicas atribuiu-se a denominação geral de mercantilismo.” ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à Economia. 15. ed. São Paulo: Atlas, 1993. p. 98. 10 NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 31. 11 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 43. Para Clèmerson Merlin CLÈVE “por trás da formulação e defesa dos direitos formais, aparece uma certa teoria do Estado, que defende a participação popular nos negócios públicos; que reclama a democracia (formal) contra a autocracia.” CLÈVE, Clèmerson Merlin. Temas de Direito Constitucional. São Paulo: Acadêmica, 1993. p. 123. 4 privada de direitos indisponíveis, mediante uma limitação jurídica, como contraponto ao ancien regime. Esse movimento político-cultural, teorizado supostamente em nome de toda a sociedade, no contexto do ideário da Revolução Francesa,12 importou no paradigma do Estado Liberal, assente na racionalização voltada à esfera assecuratória de liberdades e direitos fundamentais do homem. Acerca da sua realização histórica.13 O Estado liberal correspondeu ao triunfo da ideologia burguesa, uma vez que passou a garantir um núcleo de direitos fundamentais interpretados “à luz dos valores supremos da iniciativa privada, da segurança da propriedade e das exigências de calculabilidade requeridas pelo funcionamento do sistema capitalista”.14 Nesse sentido, a limitação do Estado foi operada para o fim de garantir os direitos e as liberdades públicas, nos moldes da expectativa burguesa, que finalmente consagrava um espaço de autonomia em face do Estado. 15 Cabe ressaltar, ainda, que esses direitos, concebidos hodiernamente como de 1.ª dimensão,16 no âmbito do Estado Liberal, são os entendidos como “direitos do homem individual, isolado e abstracto, tais como a liberdade de consciência, a liberdade pessoal, a inviolabilidade do domicílio, o sigilo de correspondência, a propriedade privada.”17 É nesse contexto que a adjetivação liberal do Estado de direito encontrou fundamento: na tradução dos interesses da classe burguesa dominante bem como em decorrência desses, na teoria clássica liberal que previa a separação entre o Estado e a economia. Assim, com Adam SMITH, acreditava-se que “o bem-estar 12 Jorge MIRANDA considera que o ”ponto culminante de viragem é a Revolução Francesa (1789 – 1799).” MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 44. 13 Ibidem, p. 47. 14 NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 68. 15 Ibidem, p. 74. 16 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 46. 17 NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 74. 5 coletivo seria conseguido pela capacidade empresarial dos detentores dos meios de produção e não através da interferência estatal no meio econômico.”18 Nesse sentido, Vital MOREIRA, ao se referir ao modelo clássico liberal pondera que O crescimento da economia e o maior bem-estar da sociedade assentam no livre empreendimento privado, na auto-determinação individual, na procura da maior vantagem, na defesa do interesse pessoal. É do livre desenvolvimento das faculdades pessoais, movidas pelo interesse (: pelo lucro), por parte de todos e de cada um dos membros de uma 19 sociedade, que resulta automaticamente a máxima vantagem do conjunto da sociedade. Convém, contudo, salientar que essa ideal separação do Estado e da Economia não se aperfeiçoou, na prática, de forma absoluta, somente na medida em que satisfazia os interesses da burguesia, eis que algumas atividades não lhe aprouveram. Como decorrência desse sistema liberal, Adam SMITH, “propôs, aliás, que o orçamento do Estado fosse apenas para a manutenção de serviços públicos indispensáveis.”20 Observa-se dessa assertiva que desde Adam SMITH já se reconhecia uma esfera de serviços públicos exclusivos do Estado, mesmo que fosse mínima. Inferese daí que a prestação desses serviços públicos, pelo Estado, naquele modelo Liberal, detém um caráter residual, na medida em que são úteis aos interesses dominantes e quando não lucrativas aos empresários da iniciativa privada. De qualquer forma, a atividade de serviço público é reduzida na medida em que prevalece a proteção do espaço da iniciativa privada. Situação essa bem evidenciada com Adam SMITH, que ao discorrer sobre as funções do Estado, impõe limites na sua intervenção na já consagrada iniciativa privada.21 como se vê: (...) de acordo com o sistema da liberdade natural o soberano tem somente três funções a desempenhar: em primeiro lugar, proteger, tanto quanto possível, cada um dos membros da sociedade da injustiça ou da opressão de qualquer outro membro, isto é, estabelecer uma rigorosa administração da justiça; e, em terceiro lugar, criar e manter certos serviços 18 19 38. 20 21 ROSSETTI, José Paschoal. Op. cit., p. 337. MOREIRA, Vital. A Ordem Jurídica do Capitalismo. 3. ed. Coimbra: Centelho, 1978, p. Ibidem, p. 337. Ibidem, p. 153. 6 públicos e certas instituições públicas, que jamais sejam susceptíveis de interessarem 22 qualquer indivíduo, ou um pequeno número de indivíduos na sua criação. Bem por isso, inicialmente as prestações do Estado Liberal são somente aquelas indispensáveis ao desenvolvimento da sociedade, fora do âmbito da possibilidade de exploração econômica, tais como infraestruturas, vias férreas e pontes. 23 Essas atividades, embora interessantes à classe burguesa no que tangia ao incremento dos seus negócios, necessitavam de grandes investimentos e, por isso, a sua atribuição ao Estado. Tal ideia fundamenta-se em Eros Roberto GRAU, que afirmou “Em outros termos, não existiria o capitalismo sem que o Estado cumprisse a sua parte, desenvolvendo vigorosa atividade econômica, no campo dos serviços públicos. O Estado desempenha, marcadamente, função de integração capitalista como prestador de transporte público de carga – aí a constituição do sistema de transporte ferroviário e, após, marítimo.”24 Ainda, quanto à prestação de serviços pelo Poder Público no Estado Liberal, Alexandre Santos de ARAGÃO, pondera que, como o fim das corporações de ofício, o Estado teve que se organizar com um certo aparato com o fim de suplementar as atividades prestadas por esses grupos intermédios.25 Veja-se, por exemplo, o papel que a Igreja desempenhava até o advento do Estado Liberal. Com efeito, suas ações estavam voltadas aos miseráveis, cuidando e atenuando o sofrimento. Estavam direcionados para aqueles que não dispunham de recursos, e as incursões revelavam a carência de atividades públicas. Essas ações voltavam-se à prevenção de doenças e compreendiam até operações de esvaziamento de pântanos, local considerado como foco de diversas doenças à época. Visava-se, também, insuflar o senso coletivo da necessária higienização. 26 22 Idem. NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 55. É o que mais tarde fundamenta a lógica do princípio da subsidiariedade. GABARDO, Emerson. O jardim e a praça: para além do bem e do mal. Disponível em: <http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/1884/19053/1/TESE_Emerson_Gabardo_Correta.pdf>. Acesso em: 05/06/2009. 24 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 24. 25 ARAGÃO, Alexandre Santos. Direitos dos Serviços Públicos. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 33-34. 26 GUGLIELMI, Gilles J.; KOUBI, Geneviève. Op. cit., p. 27. 23 7 Com a expropriação pelo Estado dessas prestações em face do interesse burguês pela negação de qualquer tipo de organização privada, Alexandre Santos de ARAGÃO, comentando autores da época, ilustra a preocupação que admitia, mesmo no contexto da liberalização da economia, a atuação do Poder Público naqueles casos em que se tinha como desagradável a presença dos pobres, bem porque considerava-se que essa situação de falta de higiene favorecia o contágio de doenças.27 Note-se que a preocupação era com o perigo social que representava o risco de doenças, por isso a “drenagem dos pântanos, a abertura de canais, favorecendo a prevenção de epidemias”,28 assunto que incomodava os burgueses e por isso, “proteger a saúde das camadas mais pobres, modificar-lhes os hábitos de higiene, passa a ser um objetivo nacional, pois simultaneamente se estaria lutando contra a miséria que ameaça a ordem pública.”29 Nesse sistema liberal, em que o Estado tinha como função principal a proteção dos direitos de liberdade e só podia intervir na economia em caráter residual, nas demandas que não geravam lucros ou, ainda, nas atividades até então tomadas como assistencialistas, havia a necessidade de uma técnica que limitasse juridicamente os seus poderes e funções. Essa ideia se concretiza através da teoria da tripartição do poder. Bem por isso, “a filosofia política do liberalismo, preconizada por Locke, Montesquieu e Kant, cuidava que, decompondo a soberania na pluralidade dos poderes, salvaria a liberdade.”30 Essa doutrina previa a repartição do poder31 e tinha como técnica- 27 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit., p. 34. DALLARI, Sueli Gandolfi. Políticas de Estado e políticas de governo: o caso da saúde pública. In: BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas Públicas reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 243-264; p. 249. 29 Ibidem, p. 250. 30 BONAVIDES, Paulo. Do Estado..., p. 45. 31 Para Clèmerson Merlin CLÉVE “A proposta do Estado Constitucional era de limitar o poder político, mantendo-o concentrado. E isso ocorreria da seguinte forma. Primeiro, tratava-se de organizar o político de tal modo que o poder se encarregasse de controlar o próprio poder. Aqui, sustenta-se o núcleo da teorização conducente à separação dos poderes. Depois, deslocando a soberania das mãos do monarca para as mãos do povo ou da nação. (...) O que a doutrina liberal clássica pretende chamar de separação de poderes, todavia, não poderia consistir numa estratégia de partição de algo, por natureza uno e indivisível. (...) A separação de poderes corresponde a uma separação de poderes corresponde a uma divisão de tarefas estatais, de atividades entre distintos órgãos, e aí sim, autônomos órgãos assim denominados de poderes.” CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do Poder Executivo no Estado Contemporâneo e na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 26. 28 8 organizativa a tripartição de poderes, sendo que a cada um caberia uma função própria, que correspondia aos órgãos do Executivo, Legislativo e Judiciário. Claro está que essa divisão de poderes fazia parte de uma filosofia que visava pulverizar o poder que estava nas mãos do monarca,32 como técnica de organização indispensável à proteção dos direitos liberais.33 Na vertente da política liberal, a separação dos poderes representou muito mais que a pulverização do poder, pois embora formalmente correspondesse a um equilíbrio de forças, acabou por concretizar a ascensão da classe burguesa, agora no aparelho do Estado, notadamente no Poder Legislativo. Esse domínio foi possível pelo esquema do voto censitário. Nesse sentido, bem ilustrou Jorge Reis NOVAIS que “a divisão de poderes do Estado de Direito liberal não reflecte um equilíbrio abstracto e neutral, antes traduzindo o predomínio do <<poder supremo>> (...), ou seja, do corpo legislativo e, sobretudo, da força social que progressivamente o hegemoniza – a burguesia.”34 Por essas razões, José Joaquim Gomes CANOTILHO expõe que o Estado liberal permitiu “a ascensão da burguesia através da influência parlamentar.”35 Vale ressaltar, que “ao fazer coincidir a regra do acesso dos particulares às funções políticas com o esquema censitário, o constitucionalismo ratificava, sob a forma jurídica, um status conquistado economicamente.”36 (grifos do autor.) 32 De acordo com José Afonso da SILVA, tratou-se “como se vê, de uma forma de organização jurídica das manifestações do Poder” Isso porque, “vale dizer, portanto, que o poder político, uno, indivisível e indelegável, se desdobra e se compõe de várias funções, fato que permite falar em distinção das funções, que fundamentalmente são três: a legislativa, a executiva e a jurisdicional. (...) A divisão de poderes consiste em confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes, que tomam os nomes das respectivas funções, menos o Judiciário (órgão ou poder legislativo, órgão ou poder executivo e órgão ou poder judiciário). Se as funções forem exercidas por um órgão apenas, tem-se concentração de poderes.“ (grifos do autor.) SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 108-109. Já para Dalmo de Abreu DALLARI “embora seja clássica a expressão separação de poderes, que alguns autores desvirtuam para divisão de poderes, é ponto pacífico que o poder do Estado é uno e indivisível. É normal e necessário que haja muitos órgãos exercendo o poder soberano do Estado, mas a unidade do poder não se quebra por tal circunstância. Outro aspecto importante a considerar é que existe uma relação muito estreita entre as ideias de poder e de função do Estado, havendo mesmo quem sustente que é totalmente inadequado falar-se numa separação de poderes, quando o que existe de fato é apenas uma distribuição de funções.” (grifos do autor.) DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 181. 33 NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 83. 34 NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 86. 35 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. cit., p.109. 36 Ibidem, p. 110. 9 Para completar o quadro de hegemonia burguesa, na perspectiva da estrutura do Estado Liberal exsurge o princípio da legalidade, elemento fundamental para consagrar a fórmula do Estado de Direito. Isso porque, sem o cumprimento das leis, não há como se falar em segurança jurídica, na qual assentou a comunidade liberal37, ideia central para o desenvolvimento do capitalismo. Nesse ambiente, surge no Liberalismo, a ideia de Constituição. Nos moldes liberais, a Lei fundamental foi concebida especialmente para o fim da limitação do Estado, mediante a regulação do poder, por isso era dirigida ao Poder Público. A sociedade dependia, ainda, de uma legislação infraconstitucional, por isso Clèmerson Merlin CLÈVE pontua que “A Constituição não passava de juridicização da política tal como compreendida pela burguesia. A Constituição era do Estado. A sociedade seria regida por outra sorte de domínio normativo, especialmente o direito privado elaborado a partir da noção de autonomia da vontade.“ 38 Sobre o tema, pontua Paulo Ricardo SCHIER quanto a estrutura da Constituição no Estado Liberal que (...) o referente da Constituição é o Estado (...); - o telos é fundamentalmente a racionalização e limitação do poder; - a força normativa da constituição traduz-se na sua pretensão de regular juridicamente o estatuto organizatório dos órgãos do Estado separado da sociedade (dualismo Estado-sociedade); - estrutura essencialmente negativa, pois (i) conforma a sociedade negativamente através do estabelecimento de limites ao poder estatal e (ii) consagra direitos, liberdades e garantias essencialmente concebidos como direitos de defesa (direitos negativos) do cidadão perante o Estado (o cidadão apenas pode 39 exigir abstenção do Estado; excepcionalmente pode exigir intervenção). (grifos do autor.) Veja-se que, nesse contexto, não se atribuía à Constituição a função de concretizar os direitos fundamentais – ao contrário, numa perspectiva abstencionista, a Carta Magna impunha ao Estado um non facere para manter a esfera de liberdade e autonomia do indivíduo. Os direitos fundamentais aparecem tão somente em uma perspectiva de defesa.40 Tanto assim, que a preocupação com a garantia jurídica da liberdade e igualdade estava presente na mentalidade burguesa. Note-se que foi a partir da 37 MIRANDA, Jorge. Op. cit., p. 215. CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 18. 39 SCHIER, Paulo Ricardo. Direito constitucional: anotações nucleares. Curitiba: Juruá, 2008. p. 54-55. 40 SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 46. 38 10 ideia de representação popular no Parlamento que se resolveu o problema da igualdade no Estado liberal, pelo menos do ponto de vista formal. Isso porque, se a lei resulta da vontade geral41 – expressa no Poder Legislativo -, também não haveria de falar-se em arbitrariedades, afinal a lei não era mais “entendida como expressão incondicionada da vontade política do soberano.”42 Por essas razões, fala-se em supremacia da lei,43 que, enquanto representação da vontade geral, limita a atuação do Poder Público na sua atividade (princípio da legalidade estrita)44 e admite a atuação do Judiciário tão-somente na sua aplicação estrita – entendimento calcado nas Escolas Positivistas.45 Não por outro motivo, há quem denomine o Estado liberal de Estado Legislativo, justamente em face da “subordinação do executivo que na vinculação do poder judicial aos comandos da lei.”46 A busca pela segurança jurídica para que o 41 O art. 6.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão estabelece que “a lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou por seus representantes, para a sua formação.” 42 NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 87. 43 Isso porque “na vertente liberal, lei implica separação de poderes e primado dos direitos individuais.” MIRANDA, Jorge. Op. cit., p. 243. 44 Para Jorge MIRANDA “o princípio da legalidade (corolário do império da lei) constituir-seia, assim, como eixo decisivo do Estado Liberal e da específica divisão de poderes que este consagrou, o que proporcionaria a sua ulterior identificação com o próprio conceito de Estado de Direito. Há que verificar, também, que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, trata do princípio da legalidade em relação aos homens no art. 4.º, que diz “tudo o que não está proibido pela lei não pode ser impedido, e ninguém pode ser obrigado a fazer o que ela não ordena.” Ibidem, p. 9394. 45 Para Écio Oto Ramos DUARTE e Susanna POZZOLO, “o modelo de Estado de Direito é constituído em torno do princípio da legalidade, da secularização do jurídico como coisa à parte da justiça, e a conformação hierárquica que transmite validade às normas do sistema. Sob essa leitura, o Estado de Direito vive uma única dimensão legalista. Com o termo “legalista” não se indica simplesmente uma doutrina formalista qualquer de interpretação e de aplicação do direito positivo, mas sim uma ideologia de legalidade que a identifica com a aplicação da lei, com separação de poderes.” DUARTE, Écio Oto Ramos; POZZOLO, Susanna. Neoconstitucionalismo e Positivismo Jurídico. São Paulo: Landy, 2006. p. 104. Já para Jorge Reis NOVAIS, “a absolutização do princípio da legalidade como valor em si e a proclamação incondicional do dever de obediência às leis positivas – que, no fundo, constituem os traços caracterizadores da ideologia do positivismo e formalismo jurídicos – não podem deixar de ser entendidos como cúmplices daquela perversão dos ideais da limitação jurídica do Estado, na medida em que funcionam como objectivamente como instrumentos de legitimação de toda ordem vigente, enquanto ordem jurídica estabelecida.” NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 126-127. Nesse contexto, para Jorge MIRANDA, “a lei tende a dominar todo o ordenamento jurídico estatal e chega a querer-se reduzir a tarefa dos juristas à sua exegese.” MIRANDA, Jorge. Op. cit., p. 243. 46 Para Jorge Reis NOVAIS significa a supremacia do Poder Legislativo em face da “subordinação do executivo quer na vinculação do poder judicial aos comandos da lei.” NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 90. 11 Poder Executivo não fizesse investidas arbitrárias na esfera privada implicou na vinculação de toda a atividade da Administração à lei.47 Decorre daí que o princípio da legalidade vem não só a proteger a esfera privada da ingerência arbitrária do Estado, bem como cria a possibilidade de que os cidadãos venham a participar formalmente do controle, uma vez que “(...) titulares de direitos, possam opô-los ao próprio Estado.”,48 mesmo que inicialmente restringido à esfera do contencioso.49 A estrutura montada nesse período, apresentava-se, como um aparato formal. A burguesia no corpo legislativo,50 mediante a separação de poderes, ao invés de instaurar um equilíbrio entre os poderes,51 mediante um controle recíproco,52 passou a condicionar toda a atividade da Administração Pública, bem como a do Poder Judiciário. Bem por isso, a divisão de poderes no Estado Liberal não foi representativa de “um equilíbrio abstracto e neutral, antes traduzindo o predomínio do poder supremo (...), ou seja, do corpo legislativo e, sobretudo, da força social que progressivamente o hegemoniza – a burguesia.”53 De todo o exposto, não se pode olvidar que o Estado organizado pela lógica liberal tinha por principal função a proteção de direitos fundamentais na perspectiva de defesa e sob a compreensão formalista e é nessa ótica que se pode vislumbrar o alcance da noção de serviço público desde o seu surgimento: tratam-se de atividades residuais do Poder Público que almejavam a implementação de infraestrutura e função de cunho assistencialista. Com o advento do Estado Social o serviço público despontou como principal atividade do poder público, isso porque, nesse projeto, reconheceu uma ampliação 47 Ibidem, p. 92. BACELLAR FILHO. Romeu Felipe. Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 223. 49 Idem. 50 NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 86. 51 De acordo com Lucas Rocha FURTADO “A necessidade de que toda e qualquer atividade desenvolvida pelo Estado esteja sujeita a diferentes níveis ou mecanismos de controle se faz presente desde que se concebeu o Estado de Direito. Nos estudos de Montesquieu sobre a separação (ou distribuição) dos poderes ou funções do Estado, a importância e a necessidade de controle resultam evidentes. De fato, é perfeitamente correto afirmar que a essência da teoria da separação dos poderes se sustenta na ideia de que nenhum poder do Estado deve assumir atribuições que não possam ser, de algum modo, controladas por outro poder.” FURTADO, Lucas Rocha. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p.1050. 52 BACELLAR FILHO. Romeu Felipe. Direito... p. 223. 53 NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 86. 48 12 no rol de direitos fundamentais (admitindo a atuação do poder público na sua realização). Por tal razão, torna-se “positivamente atuante para ensejar o desenvolvimento (não o mero crescimento, mas a elevação do nível cultural e a mudança social) e a realização de justiça social (é dizer, a extinção das injustiças sociais na divisão do produto econômico)”,54 em face das mazelas do capitalismo selvagem do modelo liberal. 2 ESTADO INTERVENCIONISTA E SERVIÇO PÚBLICO A primeira parte deste capítulo teve por objetivo permitir a compreensão dos pressupostos que possibilitaram o surgimento dos serviços públicos no Estado liberal, nesta segunda parte propõe-se um estudo acerca do processo de ampliação na prestação desses serviços à sociedade, socializando o Estado, 55 ou ainda, estatalizando a sociedade.56 A ideal separação entre o Estado e a sociedade, traduzida nas ideias liberais de exaltação do individualismo, da propriedade e da abstenção do Estado, provocou muitas injustiças sociais.57 O impacto do capitalismo liberal foi devastador “à massa anônima dos que não possuem.”58 Por conseqüência, esses excluídos não vislumbravam um mínimo de condições materiais de existência; a situação era de miséria, o estopim para desencadear a crise do Estado Liberal.59 54 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 55. 55 Para Jorge Reis NOVAIS, a reavaliação da caracterização liberal da sociedade, ou seja, a separação do Estado sociedade, se traduz “(...) como intenção de estadualização da sociedade e recíproca socialização do Estado que confere sentido ao novo “Estado social”.” NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 188-189. 56 No mesmo sentido, Norberto BOBBIO entende também “(...) que a este processo de estatalização da sociedade correspondeu um processo inverso mas não menos significativo de socialização do Estado através do desenvolvimento das várias formas de participação nas opções políticas, do crescimento das organizações de massa que exercem direta ou indiretamente algum poder político, donde a expressão “Estado social” pode ser entendida não só no sentido de Estado que permeou a sociedade mas também no sentido de Estado que permeado pela sociedade(...).”BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade: por uma teoria geral da política. 14. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007. p. 51. 57 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 115. 58 BONAVIDES, Paulo. Do Estado... p. 188. 59 Idem. 13 Nesse cenário de opressão e escravidão social60 de vários trabalhadores, sob o manto da liberdade política e da igualdade formal do Estado liberal, prenunciou-se a crise de legitimidade que assolou as bases desse modelo. É que nesse sistema, o Estado se revelou insuficiente, pois não trazia respostas às questões sociais. À luz desses acontecimentos, a crise do Estado liberal foi agravada na I Guerra Mundial, porque, até então, ainda se acreditava na sustentação do modelo liberal de mercado. Nesse sentido, a guerra mundial veio a romper de vez com o paradigma liberal. Concorreu à crise, ainda, o desenvolvimento na Europa das ideologias antiliberais,61 as quais continham na sua essência, resguardadas as suas diferenças, uma intenção de superar a concepção liberal,62 afetando as bases estruturais do Estado de direito. O Estado social emergiu com a proposta de manutenção dos princípios do Estado de Direito.63 Esse modelo de Estado superou a concepção liberal não pelo quadro autoritário ou totalitário, mas sim pela democracia política. Isso porque, se reconheceu “(...) os mecanismos da democracia política, como único quadro capaz de permitir o desenvolvimento de um processo de efetiva socialização do Estado (...).”64 Esse novo modelo surgiu diante das insurgências sociais daqueles que “sofriam as consequências da irracionalidade burguesa”65 diante da liberdade e igualdade formais proclamadas nos ideais liberais. Pode-se afirmar que foi uma resposta à questão da exclusão social do sistema liberal. 66 Esse Estado assumiu a promoção da igualdade material com o propósito de reduzir concretamente as diferenças sociais e econômicas, que a esta altura, 60 Ibidem, p. 29. Pode-se citar entre as principais experiências a Itália fascista, a Alemanha nacionalsocialista e a Revolução Russa. Idem. 62 Ibidem, p. 188. 63 Mário Lúcio Quintão SOARES acrescenta que Heller preconizou a “superação do Estado de direito formal para o Estado social de direito como alternativa única para se evitar a ditadura.” SOARES, Mário Lúcio Quintão. Op. cit., p. 204. 64 NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 202. 65 Ibidem, p. 192. 66 Ibidem, p. 193. 61 14 debilitavam a dignidade humana.67 Por essa razão, passou a intervir na sociedade para assegurar condições mínimas de existência digna dos cidadãos. Ocorreu que essas incursões, em contraponto às omissões do Estado liberal, passaram a significar aos cidadãos “direitos a uma ação positiva do Estado”,68 tais como a prestação de bens, serviços e infraestrutura indispensáveis à concretização dos direitos fundamentais.69 Esse modelo social impõe à Administração Pública um objeto, uma tarefa ou fim:70 de um lado assegura um direito subjetivo dos cidadãos a prestações materiais, e de outro, implica um dever objetivo atribuído ao sujeito Estado em prestá-los. Como se vê, tratou-se de uma aproximação “global”71 entre o Estado e a sociedade, de forma que a questão da justiça social passou a ser problema do Estado. Assim, diante da necessidade de instituir uma ordem jurídica materialmente justa, de distribuição do produto social, o Estado passou a intervir na esfera econômica.72 Sob o prisma histórico, as primeiras declarações que inauguraram esse modelo foram as Constituições mexicana de 1917, Russa de 1918 73 e a de Weimar de 1919,74 bem como a da Polônia e Iugoslávia de 1921.75 Essas novas exigências no âmbito econômico, que surgiram principalmente no pós-guerra76 e foram recepcionadas pelas Constituições, são aquelas que dizem respeito ao incremento de políticas econômicas destinadas à redistribuição da riqueza,77 bem como a intervenção direta do Estado na produção de bens essenciais. Neste sentido, “o Estado passa a atuar como agente econômico, substituindo os particulares e tomando a si a tarefa de desenvolver atividades 67 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público: em busca de uma dogmática constitucional transformadora à luz do direito fundamental à efetivação da constituição. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 212. 68 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 433. 69 NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 194. 70 SANTIAGO, José Maria Rodríguez de. La administración del Estado social. Madrid: Marcial Pons Ediciones Jurídicas y Sociales, 2007. p. 18. 71 NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 194. 72 Idem. 73 CUNHA JÚNIOR. Dirley da. Controle... p. 212. 74 SOARES, Mário Lúcio Quintão. Op. cit., p. 205. 75 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. 14. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 82. 76 MOREIRA, Vital. Op. cit., p. 178. 77 NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 196. 15 reputadas importantes ao crescimento: surgem as empresas estatais.”78 (grifos do autor), como superação da ordem econômica liberal. Cabe ressalvar que no desenvolvimento dessas novas funções, o Estado mesmo aprendido uma postura ativa de implementação de políticas públicas, na busca de uma justiça social, manteve o sistema capitalista.79 Isso ocorreu porque embora se tenha exigido uma intervenção intensa na sociedade, esse modelo de Estado manteve protegida a esfera de iniciativa privada.80 Em contraponto à ideia liberal de segurança jurídica, compreendida como uma limitação às investidas do Estado na sociedade,81 também coube ao Estado, nesta nova dimensão de direitos fundamentais, a promoção de prestações culturais. Nesse sentido, José Joaquim Gomes CANOTILHO, bem pontuou que “a criação dos pressupostos concretos do direito à cultura e ensino (pressupostos materiais da igualdade de oportunidades) é condição ineliminável de uma real liberdade de formação de desenvolvimento da personalidade.” 82 O Estado assumiu prestações, reconhecendo o direito à educação, à cultura, ao ensino, ao desporto, 83 dentre outros, com o fim especial de promover a emancipação dos cidadãos e o acesso às fontes culturais nacionais. Pode-se indicar, também, o incentivo à pesquisa e à capacitação tecnológica. Diante da exigência de socialização do Estado,84 esses direitos fundamentais proclamados tiveram como correspondência direta as prestações materiais. Toda essa mudança da perspectiva liberal para a social ocorreu porque se percebeu que sem a prestação desses serviços aos cidadãos, de nada adiantaria a proclamação de direitos fundamentais.85 Pode-se afirmar, então, que o Estado social surgiu para concretizar a dimensão material dos princípios da igualdade e liberdade, ultrapassando a 78 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos… p. 55. GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p. 43. 80 MEDAUAR,Odete. Direito... p. 28. 81 Elaine Rosseti BEHRING e Ivanete BOSCHETTI pontuam que a sociedade burguesa era “uma sociedade fundada no mérito de cada um em potenciar as suas capacidades supostamente naturais.” (grifos das autoras.) BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política social: fundamentos e história. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2007. p. 60. 82 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. cit., p. 349. 83 Idem. 84 NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 201. 85 NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 194. 79 16 perspectiva formal, até então proclamada. Essas transformações na ordem econômica, cultural e social, consagraram um sistema indispensável à dignificação da sociedade. 86 Quanto à abrangência desses direitos econômicos, culturais e sociais, que além dos direitos às ações positivas do Estado,87 traduzem novas liberdades negativas, tais como as que Ingo Wolfgang SARLET chama de “liberdades sociais, do que dão conta os exemplos da liberdade de sindicalização, do direito de greve, bem como do reconhecimento de direitos fundamentais aos trabalhadores, tais como o direito a férias e ao repouso semanal remunerado, a garantia de um salário mínimo, a limitação da jornada de trabalho.”88 Não há de se olvidar que desde há muito a preocupação com a questão social do trabalho esteve presente. Nesse sentido, o decreto de 25 de fevereiro de 1848, na II República Francesa, impunha ao governo “garantir a existência do trabalhador através do trabalho, o Governo se compromete a garantir um trabalho a todos os cidadãos.”89 No entanto, muito haveria de vir até a consagração de uma efetiva mudança social. Esses direitos estavam direcionados a uma parcela da população, aos necessitados e ainda, essa concessão de trabalho só foi ofertada na medida dos limites do Estado, por meio de obras públicas.90 O que indica que se tratava tãosomente de uma tentativa tímida, destinada à contenção de insurgências sociais. Quanto à questão do seguro social, o reconhecimento de que determinadas condições geravam incapacidade laborativa, tais como a velhice, a enfermidade e o desemprego, bem como de que diante destas situações haveria de ter uma proteção por parte do Estado, só ocorreu em 1883, na Alemanha. 91 Há que se referir, ainda, que “(...) alguns autores franceses consideram que o marco de emergência desse modelo de Estado-providência é o ano de 1898, com 86 Ibidem, p. 196. ALEXY, Robert. Op. cit., p. 433. 88 SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 48. 89 HERRERA, Carlos Miguel. Estado, Constituição e direitos sociais. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira; SARMENTO, Daniel (Coords.). Direitos Sociais. Fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2008. p. 7. 90 Ibidem, p. 11-12. 91 BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Op. cit., p. 64. 87 17 a aprovação da primeira lei cobrindo os acidentes de trabalho (...), que estabelece a proteção social obrigatória aos trabalhadores, sob responsabilidade estatal.”92 Sem negar essas primeiras políticas sociais surgidas há muito, como já se referiu antes, tem-se que somente com o advento da Constituição do México, em 1917, houve a inclusão na Carta Constitucional dos direitos do trabalho e dos relativos à sua proteção. Neste sentido, condensou-se no art. 123 o salário mínimo, a jornada legal de trabalho de oito horas, o direito de associação, o direito de greve, a participação dos trabalhadores nos lucros da empresa, a responsabilidade patronal nos acidentes de trabalho, bem como o estabelecimento de Juntas de conciliação para regular os conflitos e a indenização em casos de dispensa.93 Observe-se que a Constituição mexicana, ao prever tais direitos, coloca-os em contrapartida à limitação da propriedade privada. Pode-se concluir, então, que “(...) não há direitos sociais, como projeto de realização de uma ordem social diferente, sem uma limitação correlata do direito da propriedade.”94 Na Constituição de Weimar, de 1919, verifica-se a consagração de direitos a determinados grupos tomados por desprotegidos na sociedade: “(...) família, juventude, menores, mães, funcionários (...).”95 Para eles, consagrou-se “(...) o reconhecimento de direitos à educação e moradia.”,96 bem como direitos considerados econômicos e aos trabalhadores.97 Vale ressaltar, na Constituição de Weimar, “que o art. 151, com seu proclamado objetivo de garantir uma existência humana digna (“eine menschenwürdigen Dasein”), consagrava uma concepção material da justiça que (e condiciona) os chamados direitos capitalistas de propriedade, contrato e livre empresa.”98 A Constituição de Weimar, pela sua sistematização e reconhecimento dos direitos fundamentais, foi considerada a Constituição paradigma para os demais Estados, inclusive o brasileiro.99 Por isso, “(...) representou inquestionável modelo de 92 Ibidem, p. 66. HERRERA, Carlos Miguel. Op. cit., p. 16. 94 Ibidem, p. 14. 95 Ibidem, p. 16. 96 Idem. 97 Idem. 98 Ibidem, p. 17. 99 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle... p. 213. 93 18 avanço constitucional na evolução histórica dos direitos de segunda dimensão, fonte do Estado de bem-estar social na Alemanha e, posteriormente no Brasil.”100 Pode-se afirmar, então, que dado o alcance desses direitos sociais, esses importaram um alargamento das funções do Estado, bem como o crescimento da atividade administrativa101. É nesse momento que o serviço público passa a ser a principal atividade do Estado, voltada à concretização de direitos fundamentais.102 Demonstra-se, nesse modelo, uma mudança na conformação da lógica existente entre o público e o privado na ordem liberal. Como demonstra Romeu Felipe BACELLAR FILHO, “No Estado Social, a relação entre o público e o privado inverte-se: ao superdimensionamento do espaço privado sobrepor-se-á a hipertrofia do público que tende a se esgotar no Estado.”,103 dada a sua importância nesse contexto. Ocorreu, assim, uma relativização entre os setores público e privado. É que como explica Paulo Ricardo SCHIER “(...) Tem-se aí, em certa medida, uma atividade tão intensa que, em alguns setores, o Direito Privado passa a se “socializar” ou “publicizar”, (...) nada mais era do que o reflexo de um redimensionamento dos direitos fundamentais.”104 Nessa viragem, o Estado passou a organizar todo um aparato com o fim de prestar os serviços públicos condicionados à promoção dos direitos fundamentais e, “com isso a máquina administrativa cresceu em quantidade e complexidade.”105 Por isso se fala em alargamento dos fins do Estado, bem como do crescimento da função administrativa.106 Convém salientar, nesse contexto, a importância da atividade atribuída ao Estado como responsável pela efetivação dos direitos fundamentais, pois de acordo com Adriana da Costa Ricardo SCHIER A atuação positiva do Estado legitima-se, neste contexto, na medida em que se atribuiu a ele a função de garantir a todos as mínimas condições de sobrevivência, o que se tinha mostrado impossível na conjuntura do Estado Liberal. O serviço público, nesta dimensão, 100 Idem. MIRANDA, Jorge. Op. cit., p. 50. 102 Marçal JUSTEN FILHO define a atividade de serviço público como “um instrumento de satisfação direta e imediata, dos direitos fundamentais.” JUSTEN FILHO, Marçal. Curso... p. 487. 103 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Op. cit., p.173. 104 SCHIER, Paulo Ricardo. Direito... p..46. 105 MEDAUAR, Odete. Direito... p. 28. 106 MIRANDA, Jorge. Op. cit., p. 50. 101 19 desponta como direito fundamental direcionado à concretização do princípio da dignidade 107 humana. Nessa perspectiva, pode-se afirmar com escopo nessa autora, que o serviço público é uma garantia fundamental, posto que essencial à concretização dos direitos fundamentais. No Estado Social, essa atividade administrativa do Estado está correlacionada de forma absoluta à concretização da dignidade dos seus cidadãos. A partir da socialização do Estado, é o princípio da dignidade da pessoa humana que legitima esse Estado a determinadas ingerências na sociedade. 108 É sob esse prisma que o Estado Social mantém a estrutura central do Estado de Direito, tomando-se a liberdade como limite estatal e ao mesmo tempo a intervenção para a concretização da liberdade. Isso significa a interação nesse modelo dos direitos fundamentais de 1.ª dimensão com os direitos fundamentais sociais de 2.ª dimensão. A lógica é que “a garantia dos direitos fundamentais e a tutela da autonomia individual – fulcro do Estado de Direito – exigem tanto a ausência de invasões ilegítimas das esferas individuais quanto a promoção positiva da liberdade.” 109 É que se entende que o cidadão tem que ter condições para exercer a sua liberdade, e é nesse sentido que se toma a promoção de direitos fundamentais mediante a prestação de serviços públicos pelo Estado. Na prática, significa que para que o cidadão possa ter escolhas nos limites da sua liberdade, precisa ter um mínimo de condições dignas que o permitam se desenvolver na sociedade. Nesse sentido é o entendimento de Agustín GORDILLO, para quem o Estado social é Estado de Bem-estar A diferença básica entre a concepção clássica do liberalismo e a do Estado de Bem-Estar é que, enquanto naquela se trata tão-somente de colocar barreiras ao Estado, esquecendo-se de fixar-lhe também obrigações positivas, aqui, sem deixar de manter as barreiras, se lhe agregam finalidades e tarefas às quais antes não se sentia obrigado. A identidade básica entre o Estado de Direito e o Estado de Bem-Estar, por sua vez, reside em que o segundo o 107 SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Administração Pública: apontamentos sobre os modelos de gestão e tendências atuas. In: GUIMARÃES, Edgar (Coord.). Cenários do direito administrativo: estudos em homenagem ao Professor Romeu Felipe Bacellar Filho. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 21-56; p. 35-36. 108 NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 210. 109 Ibidem, p. 211. 20 toma e mantém do primeiro o respeito aos direitos individuais e é sobre esta base que 110 constrói seus próprios princípios (...). Conclui-se, então, com José Joaquim CANOTILHO, que no Estado social há “uma relação indissociável entre direitos econômicos, sociais e culturais e direitos, liberdades e garantias. Se os direitos econômicos, sociais e culturais pressupõem a “liberdade”, também os direitos, liberdades e garantias estão ligados a referentes econômicos, sociais e culturais.”111 Como se vê, a proteção dos direitos fundamentais manteve-se, como no Estado Liberal, como telos do Estado Social. Contudo, “a própria ideia dos direitos fundamentais sofreu sensível deslocamento.”,112 pois para além dos direitos clássicos conquistados no Estado liberal, agregou-se ainda prestações positivas à concretização da dignidade da pessoa humana.113 Para tanto, o Estado reorganizou a sua estrutura para o fim de dar operatividade à nova dimensão social dos direitos fundamentais. Isso para atender a necessidade de se conformar aos “(...) novos papéis do Estado e aqueles postulados (provenientes ainda do liberalismo), já incluídos entre as conquistas civilizatórias: a sujeição do Estado ao direito; o respeito aos direitos individuais, e a contenção do poder, especialmente, por meio da técnica da separação, agora com nova roupagem.”114 Com a democracia política, foi possível a preservação do princípio da separação de poderes inaugurado no Estado Liberal, que passou a se “reconduzir definitivamente a um plano técnico-organizatório de divisão racionalizada e integrada de funções visando evitar a concentração, o excesso ou o exercício arbitrário do Poder.”115 As novas tarefas do Estado criadas pela demanda da sociedade implicaram a necessidade de diferentes mecanismos de controles dessas atividades. 116 Dentre 110 GORDILLO, Agustín. Princípios Gerais de Direito Público. Trad. Marco Aurélio Greco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. p. 74. 111 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. cit., p. 480. 112 CLÉVE, Clèmerson Merlin. Atividade... p. 34. 113 NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 213. 114 CLÉVE, Clèmerson Merlin. Atividade... p. 39. 115 NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 214. 116 FURTADO, Lucas Rocha. Op. cit., p. 1051. 21 esses, o controle judicial tem importância especial117 na sindicabilidade dos direitos em face da Administração no que tange aos limites demarcados pelo princípio da legalidade e quanto à sua conformação com os princípios constitucionais.118 Ademais, a lei foi instrumentalizada para o fim de se adequar às intervenções do Estado social. Isso porque, “destruída a crença liberal na pretensa consubstancialidade entre lei e direitos fundamentais, havia que preservar estes das eventuais violações actuadas pela função legislativa.” 119 Nesse sentido, também “a fiscalização judicial ou jurisdicional da constitucionalidade afirma-se, então, progressivamente, como verdadeiro <coroamento do Estado de Direito>(...).”120 Verifica-se, então, a mudança do “Estado legislativo de Direito para Estado Constitucional de Direito, consolidando a passagem da Lei e do Princípio da Legalidade para a periferia do sistema jurídico e o trânsito da Constituição e do Princípio da Constitucionalidade para o centro de todo o sistema.”121 Contudo, não há de se olvidar que é no âmbito do Poder Executivo que se operaram as principais mudanças. A Administração, diante dos seus novos papéis e funções,122 passou a ser uma Administração prestadora de serviços essenciais à coletividade. Despontou, assim como uma Administração autônoma, “como função imbuída da mesma intenção de realização da ideia material de direito que caracterizava as funções legislativa e judicial.”123 O Executivo ressurge no modelo social como o órgão competente à concretização de direitos fundamentais mediante o oferecimento de serviços públicos à sua coletividade. As transformações pelas quais passaram o Estado, que assumiu novos papéis diante do redimensionamento dos direitos fundamentais, fomentaram uma ampliação das prestações, bem como um “enriquecimento das funções e crescente tecnização das atividades.”124 117 Ibidem, p. 1050. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2008. p. 574. 119 NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 219. 120 Idem. 121 CUNHA JÚNIOR, Dirley. Controle... p. 10. 122 MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em Evolução. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 126. 123 NOVAIS, Jorge. Op. cit., p. 222. 124 MEDAUAR, Odete. O Direito... p. 128. 118 22 Verifica-se que a Administração se tornou fundamental à coletividade, no sentido que se toma a prestação de serviço público como essencial à satisfação dos direitos fundamentais sociais, bem como de redistribuição de riquezas.125 3 ESTADO CONTEMPORÂNEO E SERVIÇO PÚBLICO A intervenção do Estado, na vigência do modelo social, deu-se em vários setores da sociedade e da economia. A “máquina administrativa cresceu em quantidade e complexidade.”,126 inaugurando novo entorno às relações econômicas e sociais da sociedade. Esse específico modo de atuar do Estado sofreu várias críticas, como bem demonstra Dinorá Adelaide Mussetti GROTTI, “(...) generalizou-se a convicção de que o Estado se tornou grande demais e é notória a sua incapacidade; alarmante a ineficiência econômica de setor público; mínima a qualidade dos serviços; e o cidadão tornou-se cativo e sufocado pelo próprio Estado (...).”127 Assim principalmente pode-se diante afirmar, da “(...) que mediante amplitude e esse “senso profundidade das comum”,128 mudanças experimentadas na segunda metade do século – e muito especialmente desde o desencadeamento da terceira revolução industrial nos anos 70.”,129 as ideias da chamada crise do Estado Social se tornaram um consenso. Na abordagem de Diogo de Figueiredo MOREIRA Neto, “É inegável que o atual modelo de Estado, colhido nesse processo de mudança acelerada, regendo os destinos de sociedades cada vez mais conscientes de seus interesses e da 125 OLIVEIRA, Odília Ferreira da Luz. Situação jurídica do usuário de serviço público. Revista de Direito Administrativo, [S.l.], a. XVII, n. 69, p. 55-77, jan./mar. 1984. p. 59. 126 MEDAUAR, Odete. Direito... p. 28. 127 GROTTI, Dinorá Adelaide Mussetti. Teoria dos serviços públicos e sua transformação. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito Administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 39-71; p. 43. 128 Para Atilio BORON “A criação de um “senso comum” neoliberal, de uma nova sensibilidade e de uma nova mentalidade que penetraram muito profundamente no chão das crenças populares (...).”com o único e exclusivo interesse de “(...) produzir uma duradoura lavagem cerebral que permita a aplicação aceita das políticas promovidas pelos capitalistas.” BORON, Atilio A. Os “novos Leviatãs” e a polis democrática: neoliberalismo, decomposição estatal e decadência da democracia na América Latina. In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo (Orgs.). Pós-neoliberalismo II: que Estado para que democracia? Petrópolis: Vozes, 1999. p. 7-67; p. 10. 129 Idem. 23 importância de garanti-los, e demandantes de serviços e organizadas para exigi-los, tornou-se uma instituição em crise.”130 (grifos do autor.) Nesse influxo de ideias, o cenário se alterou substancialmente. A partir da obra de Claus OFFE, é possível identificar fatos que foram determinantes para fazer eclodir a crise do Estado Social. Cita o autor como preponderante o excesso de expectativas voltadas ao Estado diante do extenso rol de direitos sociais e democráticos e a incapacidade do Poder Público para suprir essas demandas. Ele identifica assim a crise de legitimidade e governabilidade desse modelo de Estado.131 Diante dessa situação em que se encontrava o Estado, tido como grande, caro ineficiente e fraco,132 tomou-se como pressuposto a incapacidade estatal de satisfazer as demandas sociais. Por essas razões, “o novo papel do Estado passou a ser vigorosamente questionado.”133 Assinala Dinorá Adelaide Mussetti GROTTI, que “Criou-se a consciência generalizada de que deve haver um enxugamento da máquina estatal e a devolução de atividades à iniciativa social, ou seja, deve-se devolver ao cidadão e à sociedade seu protagonismo, sua iniciativa e, no fundo, sua liberdade de escolha do prestador de serviço.”134 Passou-se, então, à busca de soluções para a crise do Estado social, que teve a sua origem atribuída ao amplo conjunto de direitos prestacionais e protetivos dos cidadãos. Ao mesmo tempo houve uma “convergência, entre as diversas correntes do pensamento econômico, de que o sistema econômico mundial enfrenta uma crise.”,135 era a crise do sistema capitalista136. Para Eros Roberto GRAU, a crise do capitalismo se deu porque “O comprometimento, a partir dos anos setenta do século XX, dos níveis necessários de lucros das empresas e o desencadeamento de processos inflacionários que 130 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 19. 131 OFFE, Claus. Problemas estruturais do estado capitalista. Trad. Bárbara Freitag. Rio de Janeiro: Tempo Universitário, 1984. p. 82. 132 FURTADO, Lucas Rocha. Op. cit., p. 33. 133 GRAU. Eros Roberto. Op. cit., p. 44. 134 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Teoria... p. 44. 135 ARANTES, Aldo. O FMI e a nova dependência brasileira. São Paulo: Alfa Omega, 2002. p. 42. 136 Idem. 24 inevitavelmente conduziriam a uma crise generalizada das economias de mercado (...).”137 A questão emergente era identificar saídas para a crise, pois, cada vez mais se tornava necessária a adoção de medidas de contenção para superá-la. Nesse contexto, entendia-se que a crise que assolava o Estado residia, “(...) essencialmente, nas demandas excessivas dos trabalhadores e no excessivo papel do Estado na economia e propõem a política neoliberal de menos Estado e mais mercado.”138 Nesse contexto pregava-se que o intervencionismo estatal era a razão da crise fiscal do Estado, além de fator desestimulante para o investimento do capital.139 “Sob esse ponto de vista, a solução da crise consiste em reconstruir o mercado, a competição e o individualismo.”140 Fazia-se acreditar que as soluções se pautavam na eliminação da atuação estatal, bem como o enxugamento das funções atinentes às funções sociais.141 Aliás, propunham-se programas públicos assistencialistas direcionados aos comprovadamente indigentes.142 Dessa forma, verifica-se que essas ideias rechaçavam os “direitos sociais e a obrigação da sociedade de garanti-los através da ação estatal.”143 Para Ana Cláudia FINGER a crise do Estado Social, “(...) surgiu basicamente com os ventos da ideologia do Estado Neoliberal.”144 Para ela, essa crise foi estimulada com o advento das críticas a esse modelo de Estado, disseminadas pela onda do neoliberalismo. A ideologia neoliberal surge, desse modo, como alternativa, que se impõe, distinta do liberalismo clássico,145 Essa política não defendia a total abstenção do 137 GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p. 47. ARANTES, Aldo. Op. cit., p. 48. 139 LAURELL, Asa Cristina. Avançando em direção ao passado: a política social do neoliberalismo. In: _____ (Org.). Estado e políticas sociais no liberalismo. Trad. Rodrigo Léon Contrera. São Paulo: Cortez, 1995. p. 151-178; p. 162. 140 Idem. 141 Idem. 142 Ibidem, p. 163. 143 Idem. 144 FINGER, Ana Cláudia. Serviço Público: Um Instrumento de Concretização de Direitos Fundamentais. A&C Revista de Direito Administrativo e Constitucional, Belo Horizonte, a. 3, n. 12, p. 141-165, abr./jun. 2003. p. 157. 145 NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 229-230. 138 25 Estado, mas sim a “(...) retirada do Estado da atividade econômica, mas sua presença nas demais esferas da atividade econômica, como garantidor da acumulação capitalista.”146 Resta claro que a questão central está na manutenção do capitalismo. E se verifica que esse valor é incompatível com as políticas de solidariedade e justiça social adotadas pelo Estado social. O curioso é que como se viu, essas políticas só emergiram em face das mazelas do próprio capitalismo selvagem. Perry ANDERSON afirmou que a corrente neoliberal “foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar.”147 Há que se ressaltar, ainda, que para esse autor a concepção neoliberal representou “um ataque apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciadas como uma ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também política.”148 O pensamento neoliberal foi uma crítica à política da redistribuição social, ao Keynesianismo que dominou o período anterior de desenvolvimento. 149 Ressalte-se que essa política foi considerada como entrave ao sistema de acúmulo de capital, “(...) ou seja, a intervenção anticíclica e a redistribuição social, as quais haviam tão desastrosamente deformado o curso normal de acumulação e do livre mercado.” 150 Nesse sentido, Aldo ARANTES cita HAYEK como um dos principais precursores dessa ideia que se opunha à justiça social e ao solidarismo, em especial à redistribuição de renda: Frederick Hayek, um dos teóricos mais importantes do neoliberalismo, combatia a intervenção do Estado na economia e pregava a completa liberdade do capital. Considerava ser necessário recorrer às forças espontâneas da sociedade, ao mercado, e, o menos possível, à coerção, ao Estado. Falando em igualdade formal e igualdade substantiva, o autor afirmava que não cabe ao Estado promover uma igualdade substantiva, porque isso afetaria o Estado de Direito e a liberdade individual. Com isto, o autor expressa, de forma clara, a posição dos neoliberais contrários à intervenção do Estado para reduzir as 151 diferenças sociais. 146 ARANTES, Aldo. Op. cit., p. 49. ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In.: SADER, Emir; GENTILI, Pablo (Orgs.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. p. 9-23; p. 9. 148 Idem. 149 ARANTES, Aldo. Op. cit., p. 48. 150 ANDERSON, Perry. Op. cit., p. 11. 151 ARANTES, Aldo. Op. cit., p. 48. 147 26 Para os neoliberais, as razões do déficit estatal “(...) estavam localizados no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira mais geral, do movimento operário, que havia corroído as bases de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários e com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais.”152 Diante dessas razões, assistiu-se ao que Pierre BOURDIEU chamou de (...) „retorno ao individualismo‟, espécie de profecia auto-realizante que tende a destruir os fundamentos filosóficos do welfare state e, em particular, a noção de responsabilidade coletiva (nos acidentes de trabalho, na doença ou na miséria), essa conquista fundamental do pensamento social (e sociológico). O retorno ao indivíduo é também o que permite “acusar a vítima”, única responsável por sua infelicidade, e lhe pregar a “auto-ajuda”, tudo 153 isso sob o pretexto da necessidade incansavelmente de diminuir os encargos (...). Não por outra razão entende-se que essa volta ao individualismo era imprescindível à eliminação do princípio da solidariedade, bem como da ideia de coletividade. É justamente esse entendimento que afasta a possibilidade de se universalizar os direitos sociais. Conseqüentemente operou-se uma involução no sentido que propõe Perry ANDERSON, “Estamos saindo do século XX, mas para entrar no século XIX, ressuscitando o Estado assistencialista.”154 O pensamento neoliberal, presente no ambiente acadêmico desde a década de 40, só ganhou força diante da recessão provocada pela crise econômica do capitalismo, generalizada pela combinação das “baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação.”155 quando se percebeu que uma das saídas da crise era “(...) mais mercado e menos Estado.”156 Na prática, essa política foi implementada pela primeira vez na Inglaterra, com o governo da Margareth Thatcher, em 1979, e, depois, nos Estados Unidos, com a chegada ao poder de Ronald Reagan, em 1980.157 Ressalte-se que “um trabalho constante foi feito, associando intelectuais, jornalistas, homens de negócio, para impor como óbvia uma visão neoliberal que, no 152 ANDERSON, Perry. Op. cit., p. 10. BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 16. 154 LAURELL, Asa Cristina. Op. cit., p. 175 155 ANDERSON, Perry. Op. cit., p. 10. 156 ARANTES, Aldo. Op. cit., p. 49. 157 ANDERSON, Perry. Op. cit., p. 11. 153 27 essencial, reveste com racionalizações econômicas os pressupostos mais clássicos do pensamento conservador de todos os tempos e de todos os países.” 158 É com a globalização que se dá a hegemonia da ideologia neoliberal, que para além da consagração dessas ideias na maioria dos países do mundo, foi também adotada por organizações internacionais, tais como, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio (OMC) 159. Nesse sentido, Michel CHOSSUDOVSKI alertou que, Desde o começo dos anos 80, os programas de “estabilização macroeconômica” e de “ajuste estrutural” impostos pelo FMI e pelo Banco Mundial aos países em desenvolvimento (como condição para renegociação da dívida externa) têm elevado centenas de milhões de pessoas ao empobrecimento (...). O mesmo cardápio de austeridade orçamentária, desvalorização, liberalização do comércio e privatizações é aplicado simultaneamente em mais de cem países devedores. Estes perdem a soberania econômica e o controle sobre a 160 política monetária e fiscal. Acerca da deficiência política dos governantes em face das recomendações neoliberais, apontou Pierre BOURDIEU, que Emparedados pelo economismo estreito e de curto alcance da visão-de-mundo-FMI, que também faz (e fará) tantos relações Norte-Sul, todos esses semi-habilitados em matéria de economia evitam, evidentemente, levar em conta os custos reais, a curto e sobretudo a longo prazo, da miséria material e moral que é a única conseqüência certa da Realpolitik economicamente legitimada: delinqüência, criminalidade, alcoolismo, acidentes de trânsito, etc. Mais uma vez, a mão direita, obcecada com a questão do equilíbrio financeiro, ignora o que faz a mão esquerda, confrontada com as conseqüências sociais freqüentemente muito 161 dispendiosas das “economias orçamentárias. (grifos do autor.) A tese que se impunha era a do caminho único, ou seja, “(...) o neoliberalismo se apresenta sob as aparências da inevitabilidade.” 162 Assim, “Foi armando-se da matemática (e do poder da mídia) que o neoliberalismo se tornou a forma suprema da sociodicéia conservadora que se anunciava, há 30 anos, sob o nome de „fim das ideologias‟, ou, mais recentemente, de „fim da história‟.” 163 158 BOURDIEU, Pierre. Op. cit., p. 43. ARANTES, Aldo. Op. cit., p. 50. 160 CHOSSUDOVSK, Michel. A globalização da pobreza: impactos do FMI e do Banco Mundial. Trad. Marylene Pinto Michael. São Paulo: Moderna, 1999. p. 26. 161 BOURDIEU, Pierre. Op. cit., p. 14 162 Ibidem, p. 44. 163 Ibidem, p. 50. 159 28 Isso porque, sem embargo do que mostra Adriana da Costa Ricardo SCHIER, ao invés de se (...) reestruturar o Estado para que pudesse vir a ser uma instituição que efetivamente assegurasse os mínimos direitos capazes de garantir a sobrevivência digna dos cidadãos, preferiu-se, mais uma vez na história, conceder tal tarefa ao mercado, à iniciativa privada. Optou-se, então, pela diminuição do Estado em relação ao atendimento de demandas sociais. Contudo, sem embargo de seu enfraquecimento em relação às preocupações sociais, o Estado torna-se mais “forte” em outros aspectos, sendo altamente repressivo com os movimentos sociais e estando sempre pronto a garantir o livre mercado, salvando, se 164 necessário for, instituições privadas. Por essas razões, “a participação direta do Estado na prestação de serviços públicos e exploração de várias atividades econômicas sofreu um refluxo a partir da década de oitenta do século passado”,165 sob a suposta “razão do elevado déficit fiscal decorrente de anos de investimentos estatais não lucrativos (...).”166 No Brasil, as ideias neoliberais inspiraram a reforma do Estado na década de 90, conforme se depreende de Luiz Carlos Bresser PEREIRA, que ao discorrer acerca do tema, aponta que assim como as demais reformas dessa natureza, respondeu ao grande aumento do tamanho do Estado que implicou em sua transformação em um Estado Social; ao tomar a administração pública ou a organização do Estado mais eficiente, legitimou os grandes serviços sociais de educação, saúde, previdência e assistência social que a partir de dois marcos – a Revolução de 1930 e a transição democrática de 1985 – resultaram na transformação do regime político de oligárquico-liberal brasileiro em regime democrático social. (...) Essa inadequação aumentara muito quando, a partir da transição democrática de 1984, as despesas sociais crescem extraordinariamente e o Estado brasileiro assume a forma de um Estado Social. A partir dessa transformação, uma reforma gerencial se impunha, e seu 167 início se tornara uma questão de tempo. Foi nesse contexto que, conforme acentuado por Celso Antônio Bandeira de MELLO, o Brasil se retrai “(...) das preocupações sociais e abraça uma política econômica que é um projeto de reforma antinômico aos valores que presidiram a Constituição-Cidadã, a Constituição de 1988.”168 164 SCHIER, Adriana. Administração... p. 43. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit., p. 43. 166 Idem. 167 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Os primeiros passos da reforma gerencial do Estado de 1995. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp.> Acesso em: 26 jul 2009. 168 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Privatização e serviços públicos. Revista Trimestral de Direito Público, [S.l.], n. 22, p. 174-180, [1990?] p. 177. 165 29 A transformação pela qual passou o Estado diminuiu significativamente o seu papel perante a sociedade. Sustenta Asa Cristina LAURELL que “a retração do Estado e a cessão de espaços ao capital privado ocorre tanto na esfera econômica como na do bem-estar social.”169 Por certo a reforma impôs o desmonte do Estado social, isso porque a estratégia – neoliberal - adotada era incompatível com a concepção de Estado prestador. Quanto à estrutura do Estado, Luiz Carlos Bresser PEREIRA afirma que essas reformas são essenciais ao seu fortalecimento. Nesse campo, entende que “A organização e macro-estrutura adequadas ao Estado forte e democrático tornam-se concretas quando as entidades estatais realizam apenas as funções que lhe são próprias, descentralizando suas atividades não-exclusivas, especialmente os serviços sociais e científicos que presta (...).”170 Essas ideias foram tomadas num sentido de se operar uma flexibilização quanto ao modo de Administração, passando-se assim de uma Administração burocrática para uma Administração gerencial. Conforme destacou Adriana da Costa Ricardo SCHIER, No Brasil, as ideias neoliberais ganham juridicidade com a edição de uma série de leis e de emendas constitucionais (destacando-se a Emenda n.º 19/98), que pretendem, em última análise, traçar um novo desenho do Estado e da Administração Pública brasileiros. Retratam, nesta medida, a tentativa de implantação de um Estado neoliberal, que deixa à iniciativa privada o trato das questões sociais, e uma Administração Pública estruturada de forma gerencial, preocupada com o alcance de bons resultados, independentes dos meios 171 utilizados para alcançá-los. Luiz Carlos Bresser PEREIRA entende que a mudança no quadro da Administração Púbica brasileira se operou justamente porque a burocracia guardava relação com a política liberal e a primeira forma de democracia, considerada por ele de democracia de elites. Nesse sentido, assinalou que “Era uma administração pública sem condições de prestar com a necessária eficiência os grandes serviços 169 LAURELL, Asa Cristina. Op. cit. p. 166. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser; PACHECO, Regina Silvia. A reforma do Estado brasileiro e o desenvolvimento. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp.> Acesso em: 26 jul 2009. 171 SCHIER, Adriana da Costa. Administração... p. 44-45. 170 30 sociais e científicos de relevância pública como a educação, os cuidados de saúde e a assistência social.”172 O curioso é que com a reforma gerencial esses mesmos serviços sociais tidos como de relevância pública, perderam o seu investimento pelo Estado a partir do momento que ocorreu uma fuga para o setor privado. Com isso, não se estabeleceu no Brasil nem bem um padrão mínimo desses serviços públicos sociais e já se desincumbiu a Administração Pública da sua prestação. Ou seja, operou-se uma redução de competências diretas do Estado em detrimento da sociedade. Quanto às políticas adotadas, há que se observar que mesmo que se entenda que o neoliberalismo possa ter tido algum sucesso173 em determinados países desenvolvidos, no que tange à detenção da inflação, à recuperação dos lucros, à derrota sindical, à queda da greve, à contenção dos salários e, claro, o aumento da taxa de desemprego,174 não há de se olvidar que esse sucesso estava adstrito à tentativa de “reanimação do capitalismo avançado”,175 numa vertente do mundo globalizado. Isso não significa que seja uma política boa para outros países, notadamente quanto ao Brasil, que não chegou nem sequer a assegurar plenamente aos seus cidadãos os direitos sociais. Principalmente na perspectiva adotada nessa monografia, a de que só é possível a justiça social mediante a redistribuição de riquezas e a conseqüente consagração do princípio da dignidade da pessoa mediante a atuação do Estado na implementação e na devida prestação de serviços públicos aos cidadãos. Ressalta-se que mesmo com todas as políticas favoráveis ao capitalismo, adotadas em detrimento dos cidadãos, a ideologia neoliberal não equilibrou o custo do Estado. É que, segundo Perry ANDERSON, “(...) o peso do Estado de bem-estar não diminuiu muito, apesar de todas as medidas tomadas para conter os gastos sociais.”176 As razões apontadas para que as políticas neoliberais não triunfassem na redução do custo do Estado estão na própria conseqüência das suas medidas no 172 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Op. cit., p. 3. ANDERSON, Perry. Op. cit., p. 14-15. 174 Idem. 175 Idem. 176 Ibidem, p. 16. 173 31 âmbito social. Aponta-se que os custos sociais aumentaram muito diante do desemprego, o que representou uma demanda de bilhões ao Estado, bem como o aumento dos aposentados, com conseqüente aumento nos gastos com pensões pelo Estado.177 Conclui-se na crítica de que essas políticas implicaram desempregos em massa e conseqüente desigualdade social, ou seja, diminuiu-se o investimento social e não os encargos do Estado. Ademais, a política adotada com o fim de restaurar as taxas de lucro no mercado promoveu “uma acelerada redistribuição regressiva da riqueza. Como resultado direto do desemprego ou do subemprego, do arrocho salarial e de medidas fiscais regressivas, o neoliberalismo provoca então um processo maciço de empobrecimento e uma crescente polarização da sociedade entre ricos e pobres”.178 Daí entender-se no presente trabalho essas políticas como um retrocesso, ou seja, o desfinanciamento das instituições públicas dirigidas às questões sociais resultam no agravamento da questão social, que se impõe com urgência na ordem contemporânea. O que se faz constatar pela “(...) „irreversibilidade‟ do Estado de bem-estar.”179 Nesse contexto, compreende-se que os serviços públicos encontram o seu fundamento no Estado Democrático de direito, que se legitima pela soberania popular. Não dá para olvidar que na prática “(...) não tem sido possível desmantelar as instituições sociais básicas, (...)”180 e isso se dá em razão do sufrágio.181 Sobre a relação entre globalização e o neoliberalismo, Eduardo Teixeira SILVEIRA sustenta: (...) é preciso ter claro que há uma nítida vinculação (francamente ideológica) entre globalização e neoliberalismo, que não são necessariamente indissociáveis. (...) ressaltamos que no grau de desenvolvimento tecnológico em que a sociedade se encontra, em que as comunicações entre o mundo são momentâneas, o fenômeno da globalização é realmente inevitável, mas não o que está por trás dela, tal como vem sendo apresentada. Ou seja, há que se salientar que as iniqüidades já mencionadas que a mundialização vem provocando, ocorrem tão-somente pelo fato de existir uma ideologia fulcrada na 177 Ibidem, p. 18. LAURELL, Asa Cristina. Op. cit., p. 166. 179 Ibidem, p. 165. 180 Ibidem, p. 164. 181 Idem. 178 32 desigualdade social comandando a globalização, que sutilmente também quer se 182 apresentar como inevitável, o que não é verdade. Nesse cenário de reforma estrutural e de gestão do Estado, também ocorreu em conseqüência uma crise da noção dos serviços públicos. Isso porque, o Estado devolveu à iniciativa privada algumas atividades tradicionalmente assumidas como tais serviços. Nesse sentido, ressalta Alexandre Santos de ARAGÃO que essa crise dos serviços públicos “iniciada na década de 80 do século passado, ao contrário da primeira, que em seus principais aspectos representou um avanço da esfera pública sobre a privada, se consubstancia em um aumento da atuação da iniciativa privada na economia, com a devolução ao mercado de uma série de atividades que dele foram retiradas ao longo do século passado.”183 Nessa perspectiva, Dinorá Adelaide Mussetti GROTTI, ao se referir sobre as transformações ocorridas na estrutura do Estado, principalmente na deplubicatio constata que a estratégia é a descentralização, com técnicas de privatização e terceirização, visando assim o desmonte desse modelo de Estado e o consequente aumento de governabilidade.184 A crise da noção do serviço público tem correspondência direta com os setores que foram liberalizados nas reformas recentes.185 A questão mais problemática é a de como foram devolvidos à iniciativa privada esses serviços públicos. Daí concluir-se que não foram repassadas como uma atividade privada entendida como antes da publicatio. Isso ocorreu porque, conforme os apontamentos de Odete MEDAUAR, A quebra de monopólios e exclusividades, a transferência de atividades do setor estatal para o setor privado, a flexibilização de normas incidentes sobre atividades não vão acarretar necessariamente a ausência do Estado nessas atividades. Tratando-se de serviços públicos que passam a ser desempenhados por particulares, o Estado jamais se 186 desliga. 182 SILVEIRA, Eduardo Teixeira. Globalização e neoliberalismo: o direito da concorrência entre empresas nacionais e transnacionais. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, n. 40, p. 68-88, jul./dez. 2002. p. 72. 183 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit., p. 243-244. 184 GROTTI, Dinorá Adelaide Mussetti. As agências reguladoras. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br> Acesso em: 25 ago 2009. 185 Idem. 186 MEDAUAR, Odete. O Direito... p. 253. 33 Sob esse influxo de ideias sustenta Alexandre Santos de ARAGÃO que “Os liames de tais atividades com o interesse público continuam a existir; apenas se passou a acreditar que o interesse público seria melhor atendido em regime de mercado e com a maior concorrência possível, preservada, no entanto, uma forte regulação (não mais acompanhada da titularidade estatal e do conseqüente título de concessão).”187 Nesse contexto, ao promover a desestatização de determinados setores, houve um redimensionamento da atuação do Estado, emergindo como agente regulador desses âmbitos de atuação, daí sua intervenção deixa de ser na prestação dos serviços para ser direcionada à atividade de controle, de agências reguladoras. No decorrer da segunda metade dos anos 90, foram criadas essas agências reguladoras setoriais, “dotadas de autonomia e especialização, com a natureza jurídica de autarquias com regime especial.”188 Ressalte-se que de acordo com Dinorá Adelaide Musseti GROTTI, a expressão autarquia especial, foi empregada na Lei n.º 5540, de 28/11/68, com a intenção de ressaltar um grau de autonomia maior e para diferenciá-la em face das demais autarquias.189 A crise hodierna da noção de serviço público se enquadra na problemática dessas mudanças operadas na sua prestação. Isso em razão da relativização dos elementos formal e subjetivo da noção. A questão versa justamente na dificuldade que se impõe de distinguir o serviço público das atividades econômicas. Para Alexandre Santos de ARAGÃO, o centro da crise está no fato de se considerar ou não como serviço público de titularidade estatal essas atividades liberalizadas.190 Para ele, elas deixam de se incluir na noção de serviço público, significando apenas atividades privadas regulamentadas, bem como pela possível exclusão de atividades tidas como essenciais à coesão social.191 O autor ressalva que não basta a essencialidade de uma atividade para que seja qualificada como serviço público, para ele se faz necessário ainda a incapacidade de satisfação na prestação pela iniciativa privada. Como exemplo, cita os alimentos e os 187 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit., p. 244. GROTTI, Dinorá Adelaide Mussetti. As agências... 189 Idem. 190 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit., p. 244. 191 Idem. 188 34 medicamentos como essenciais nessa situação, porque considera que são satisfatoriamente fornecidos pela iniciativa privada.192 O problema reside justamente no regime de exploração dessas atividades. É que, segundo Carlos Ari SUNDFELD, essa reestruturação do Estado operada nos serviços de titularidade estatal produziu uma alteração total no enfoque da noção do serviço público. Atribui a crise da noção de serviço público, em princípio, ao englobamento dos mais distintos serviços, bem como o fato de estar vinculada a um modelo de exploração monopolista, não concorrencial, mediante empresas públicas.193 Entende esse autor que essa crise ocorre porque a realidade se transformou radicalmente, e que diante da complexidade da sua disciplina jurídica “cada serviço estatal, hoje, é objeto de um universo jurídico com peculiaridades muito próprias, não sendo mais viável, explicar tudo globalmente.”194 Sustenta que é preciso identificar analiticamente cada serviço, razão pela qual chega a duvidar da possibilidade de existência de um conceito sintético de serviço público.195 Novamente impõe-se o problema a partir da tendência dos modelos econômicos de exploração de serviços de titularidade estatal, tal como a autorização.196 Ocorre que para o autor não é mais possível a discussão sobre o caráter público ou privado de determinada atividade para determinar o regime jurídico da exploração,197 ressalta que há hoje a necessidade de se verificar qual é a regulação do Estado, bem como ainda sob quais aspectos.198 O autor vai mais longe ainda ao sustentar, aplicando artigo da Lei 9472, de 1997, que há a possibilidade de que um serviço exclusivo, tal como as telecomunicações, de titularidade estatal, seja prestado sob regime privado. Defende essa possibilidade sob a absurda tese de uma desregulação parcial do setor, por meio de lei infraconstitucional.199 192 Idem. SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às Agências Reguladoras. In: _____. Direito Administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 17-38; p. 32. 194 Idem. 195 Idem. 196 Confira-se a respeito ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. São Paulo :Saraiva, 2005. p. 170. 197 SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução... p. 33. 198 Idem. 199 Idem. 193 35 Ora, como se vê, o autor não vislumbra na sua doutrina uma hermenêutica constitucional no que tange aos elementos subjetivo e formal da noção, porque refuta uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico. Sob esse raciocínio entende que tem o legislador infraconstitucional poder para liberalizar ou promover uma desregulamentação parcial de um dado setor de serviços públicos exclusivos do Estado, bem como, disciplinar os serviços públicos quanto ao seu regime de prestação. Não há de se olvidar que a Constituição de 1988 impõe a prestação de serviço público adequado, o que se depreende do seu art. 175, § único, IV, concomitantemente com a Lei n.º 8987, de 1995. Como se vê, resta que só há uma possibilidade decorrente dessa disciplina jurídica: a de que qualquer atividade de serviço público prestada tanto diretamente pelo Estado ou indiretamente pelo particular deve ser no regime jurídico de direito público. CONCLUSÃO Da pesquisa realizada na presente monografia emergem algumas conclusões do presente trabalho. Inicialmente, conclui-se que foi no Estado mínimo que despontou a noção de serviço público. Isso porque, mesmo organizado na ótica liberal - o que implica reconhecer que tinha como função apenas a proteção de direitos fundamentais de defesa -, forneceu o substrato ao desenvolvimento do instituto. Serviço público entendido como atividade estatal dirigida à uma comodidade material e sob regime especial. Embora as principais atividades estivessem no âmbito residual, tal como a de cunho assistencialista e de implementação de infraestruturas, é inobjetável reconhecer nesse período serviços públicos típicos (energia elétrica, saneamento básico, saúde, por exemplo). Não há de se olvidar que foi com o advento do Estado Social que se verificou uma maior intensidade na prestação desses serviços, tanto como resposta às mazelas sociais do capitalismo, como pela consagração de um novo catálogo de direitos fundamentais, chamados de segunda dimensão. Esse modelo ampliou sobremaneira a execução de tais atividades com o fim de concretizar esses novos direitos sociais, culturais e econômicos, bem como o de realizar a justiça social 36 através da (re)distribuição da riqueza. Por essa razão, o Estado assumiu novos papéis e nesse sentido tem-se que a Administração se tornou fundamental à coletividade, tida como garantidora de direitos fundamentais por meio da prestação de serviços públicos. Contudo, com essas novas relações econômicas e sociais, o Estado passou a ser questionado diante do redimensionamento de seu papel. Assim, norteada pelas ideias capitalistas, difundiu-se a suposta incapacidade e ineficiência pública na gestão dos serviços públicos. Era a chamada crise do Estado Social. Sob as ideias neoliberais proclamou-se que a saída para a crise era o enxugamento do aparelho do Estado, devolvendo à iniciativa privada algumas atividades. No Brasil essa política ganhou azo com a Reforma da Administração na década de 1990, operada com o fim de reduzir a prestação de serviços públicos pelo Estado para se equilibrar a crise fiscal, atribuída principalmente ao excesso de demandas sociais. Nesse contexto, O Estado brasileiro promoveu a desestatização de determinados setores, almejando o redimensionamento da atuação do Estado. O poder público assume o papel de agente regulador desses âmbitos de atuação, daí sua intervenção deixa de ser na prestação dos serviços para ser direcionada à atividade de controle, principalmente mediante a função de fiscalização das agências reguladoras. A crise hodierna da noção de serviço público decorreu dessas mudanças operadas na prestação dos serviços. Tem-se, com isso, a relativização dos elementos formal e subjetivo da noção. A questão restou na dificuldade que se impôs na distinção do serviço público das atividades econômicas. Por essa razão, alguns autores propõem que a crise que assolou a noção de serviço público é insuperável, entendimento esse diverso do sustentado nesse artigo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In.: SADER, Emir; GENTILI, Pablo (Orgs.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. 4. ed. 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