Apresentação de Teresa Ter-Minassian no seminário FGV-FMI sobre riscos fiscais Rio de Janeiro, 25-26 de Abril, 2013 Roteiro da apresentação O atual sistema brasileiro de controle do endividamento dos estados, numa perspectiva internacional Impacto do sistema sobre o desempenho dos estados durante a ultima década Possíveis riscos para as finanças estaduais Dificuldade de reembolso da dívida pelos estados altamente endividados Espaço para novo endividamento de estados com baixa dívida Recurso ao endividamento externo Empresas estaduais e parcerias publico-privadas (PPPs) Responsabilidades futuras com aposentadorias e pensões Conclusões O sistema brasileiro de controle do endividamento dos estados numa perspectiva internacional Diferentes mecanismos de controle do endividamento subnacional (I) A grande maioria dos países utiliza um o mais sistemas de controle do endividamento subnacional, para assegurar A coerência dos orçamentos subnacionais com a política fiscal nacional no curto prazo A sustentabilidade fiscal subnacional e a ausência de crises de dívida no médio e longo prazo Quatro tipos de controles Autorização pelo governo nacional de operações individuais de endividamento subnacional (controles diretos) Acordos negociados entre os diferentes níveis de governo Regras fiscais Disciplina pelos mercados financeiros Cada sistema tem vantagens e desvantagens Diferentes mecanismos de controle do endividamento subnacional (II) Ambos os mecanismos de controle direto e de acordos negociados abrem espaço para discricionariedade e barganha politica, o que frequentemente leva a indisciplina fiscal (soft budget constraint) e risco moral (moral hazard). Além disso, os controles diretos podem ser inconsistentes com a autonomia constitucional das entidades federativas As condições para eficácia da disciplina de mercado são exigentes e dificilmente cumpridas. Especialmente importantes são ausência de canais de acesso privilegiado dos governos subnacionais ao credito, e uma longa história de não resgates (bailouts) pelo governo central. Por isso, poucos países (p.ex. o Canada e os EEUA) confiam principalmente na disciplina de mercado As regras fiscais subnacionais são utilizadas por muitos países, mas não são uma panaceia. Sua eficácia depende de seu desenho, robustez de sua base legal, qualidade dos sistemas de gestão orçamental dos governos subnacionais e a firmeza em sua aplicação. A evidencia empírica sobre eficácia das regras fiscais é inconclusiva A combinação de sistema de controles varia entre países, refletindo fatores econômicos, institucionais e políticos. Não há uma receita para todos, mas em geral a combinação ótima inclui regras fiscais e medidas para fortalecer a disciplina de mercado O sistema brasileiro: regras fiscais O atual sistema brasileiro inclui regras fiscais e controles diretos A LRF manda a fixação pelo Senado Federal de limites a relação dívida liquida/receita corrente líquida (RCL) de todos os entes da federação. Os limites especificados na Resolução do Senado no. 43 de 2001 são de 200% para estados e 120% para municípios A mesma resolução estabelece outros tetos em relação as RCL para os estados: 11,5% para o serviço da divida 16% para novo endividamento 22%-32% para concessão de garantias 60% para a folha de pessoal Recurso a novo endividamento só é permitido para financiar gasto de investimento (regra de ouro) e quando sejam cumpridos os mencionados tetos A LRF inclui proibição de novos resgates (bailouts) entre diferentes níveis de governo Também inclui exigências de contabilidade padronizada e publicação oportuna de relatórios orçamentais para todos os níveis de governo, e sanções para inadimplências O sistema brasileiro: controles diretos Por além das regras fiscais, quase todos os estados tem que cumprir com os contratos de refinanciamento da divida subnacional de 1997-99 (Lei 9.496) Os contratos preveem a amortização da divida refinanciada mais juros (IGP-DI + 6 a 9%) em 20-30 anos. O serviço da divida em excesso do teto de 13-15% da receita liquida real (RLR) é automaticamente adicionado ao estoque residual da divida a amortizar O pagamento do serviço da divida é garantido pelo acesso a conta única dos governos contratantes, inclusive para sequestrar desde transferências da União até receitas próprias de impostos Pleitos para novo endividamento só podem ser autorizados pelo Tesouro quando o estado tiver cumpridos com ambos os contratos e as regras antes mencionadas Endividamento externo precisa autorização especifica do Senado Federal Avaliação do sistema, numa perspectiva internacional Elementos positivos Bailout de 1997-99 reduziu risco moral ao incluir Sólida base legal (contratos de refinanciamento) Condicionalidade (Programas de ajuste fiscal, PAFs) Eficazes sanções para inadimplência (retenção de transferências e até receitas próprias) Fortalecimento institucional através da introdução de regras fiscais, proibição de novos resgates, e requisitos de transparência das contas publicas dos estados Elementos negativos Os tetos para ambos o estoque da dívida e o novo endividamento são fixados em níveis elevados Também, não incluem dívidas de curto prazo e responsabilidades contingentes (por além de garantias explícitas) A fórmula para determinação da taxa de juros sobre dívida refinanciada não tem relação com o custo do refinanciamento para o Tesouro A diferencia entre o custo da dívida refinanciada para os estados e a taxa SELIC foi negativa (implicando subsídios para os estados) durante a maioria do período, mas tornou-se positiva nos últimos dois anos O Tesouro tem importante margem de discricionariedade em aceitar mudanças no plano de ajuste e em autorizar novo endividamento subnacional, e não publica os critérios utilizados na avaliação dos pleitos Impacto do sistema sobre o desempenho financeiro dos estados na ultima década Impacto sobre as finanças estaduais consolidadas Em geral, o impacto do sistema de controles da dívida subnacional adotado a partir de 1997 foi positivo A combinação da necessidade de servir a dívida refinanciada e de limites a novo endividamento tem levado os estados a gerar superávits primários durante a maioria da ultima década, complementando o ajuste fiscal da União. No entanto, os superávits mostram tendência a baixa nos últimos anos A divida estadual consolidada tem baixado significativamente desde 2002 até 2011. No entanto, o nível mais baixo atingido (perto de 10% do PIB) continua bastante alto na comparação com outros países avançados e emergentes A União tem permitido significativo recurso dos estados a novo endividamento desde 2009 A recrudescência da guerra fiscal e as rigidezes nas despesas correntes tem levado o ajuste fiscal dos estados a ser feito principalmente a custo dos investimentos, que ficaram abaixo de 1 % do PIB na maioria da ultima década, agudizando o déficit de infraestrutura do pais Superávit primário consolidado dos estados 1,2 1 0,8 Superavit primario dos estados em porcentagem do PIB 0,6 0,4 0,2 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 0 Divida liquida consolidada dos estados 20 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0 Divida estadual em porcentagem do PIB Investimentos estaduais 1,4 1,2 1 0,8 Investimentos estaduais em porcentagem do PIB 0,6 0,4 0,2 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 0 Importantes diferenças nos desempenhos dos estados Além disso, o desempenho tem variado significativamente entre estados, refletindo diferenças em, entre outros: os desequilíbrios iniciais as condições dos contratos de refinanciamento (principalmente a taxa de juro aplicável) a evolução das bases tributarias, o uso de incentivos fiscais, e as políticas de gasto Consequentemente há estados (principalmente nas regiões Norte e Nordeste) com dívidas relativamente baixas, e outros (incluídos os estados com maior peso econômico) com dívidas altas (mas de 100% das RCLs) A relação dívida liquida/RCL em diferentes grupos de estados Grupo 1: Relação baixa(entre 1 % e 30%) Inclui AM, AP, DF, ES, MT, PA, PB, RN, RR e TO Grupo 2: Relação media (entre 30% e 50%) Inclui AC, BA, CE, MA, PE, PI, RO, SC e SE Grupo 3: Relação médio-alta (entre 50% e 100%) Inclui GO e PR Grupo 4: Relação alta (entre 100% e 200%) Inclui AL, MG, MS, RJ, SP Grupo 5: Relação superior ao limite da LRF RS com divida/RCL de 215% em 2012 Principais riscos para as finanças estaduais Capacidade de reembolso da dívida dos estados mais endividados Simulações indicam que os estados com alta relação dívida/RCL terão dificuldade em reembolsar a União a dívida refinanciada até os próximos 15 anos, porque o serviço necessário para tal reembolso é significativamente superior ao teto previsto na resolução do Senado antes mencionada Além disso, o Tesouro tem autorizado nos últimos anos novo endividamento de estados do grupo 4 antes mencionado, inclusive oferecendo contra garantias. O serviço dessa nova dívida vai capturar parte do espaço para serviço da dívida refinanciada Possíveis abordagens do problema Aumento do teto do serviço da dívida em relação à RCL. Opção pouco realista porque implicaria maior esforço fiscal dos estados em termos de resultado primário Extensão do prazo para reembolso Redução da taxa de juros real e mudança do indexador (IPCA em vez do IGP-DI) Todas as opções apresentam dificuldades legais, por necessitar modificações da LRF (que proíbe novos resgates) e/ou dos contratos de refinanciamento Espaço para novo endividamento dos estados com baixa dívida Os estados nos grupos 1 e 2 antes mencionados tem significativo espaço para novo endividamento Para evitar problemas futuros com a sustentabilidade da dívida desses estados e assegurar um eficaz aproveitamento da sua capacidade de novo endividamento seria importante: O serviço da sua remanescente dívida refinanciada fica bastante abaixo do teto Em principio, recurso a novo endividamento pode ser autorizado pelo Tesouro ate 16% da RCL do estado, sempre que seja cumprido o teto do serviço Condicionar a autorização pelo Tesouro a analises de sustentabilidade da dívida do estado, baseadas em critérios transparentes e padronizados, e incluindo os fatores de risco relevantes para o caso Publicar os resultados dessas analises para fortalecer a disciplina de mercado Evitar acesso a canais privilegiados de credito (p.ex. créditos pelos bancos federais a taxas subsidiadas) ; e Condicionar a aprovação do endividamento também à analise de custos/benefícios dos projetos de investimentos a ser financiados pelo novo endividamento Também seria desejável exigir que os estados recebam boas qualificações de credito por agencias de rating antes de acessar mercados de capitais ou credito bancário Recurso ao endividamento externo (I) O recurso dos estados a endividamento externo, depois de ter baixado monotonamente desde 2002 ate 2009, está crescendo novamente nos últimos anos 1,4 1,2 1 0,8 0,6 0,4 0,2 0 2012 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 Divida externa dos estados em porcentagem do PIB Recurso ao endividamento externo (II) Alguns estados tem utilizados recursos de crédito externo para reembolsar parte da dívida refinanciada, aproveitando as baixas taxas de juros internacionais e a caída dos spreads para Brasil No entanto, recurso a crédito externo denominado em moeda estrangeira envolve riscos cambiais para os estados, cujos ingressos fiscais são denominados em reais No médio prazo, o objetivo para estados com adequada capacidade de endividamento deveria ser a emissão de bônus em Reais suficientemente atrativos para ambos investidores nacionais e estrangeiros O Brasil pode aproveitar de experiências de outros países (p.ex. Estados Unidos e Canada) no desenvolvimento de mercados de capitais para entidades subnacionais Empresas Estaduais e PPPs As empresas estaduais não parecem apresentar atualmente riscos fiscais sistêmicos. Sua dívida consolidada tem baixado de 2,6% do PIB em 2002 para 0,7% em 2012. No entanto, análises mais detalhadas poderiam apontar para debilidades que necessitem correções especificas em alguns casos Os estados brasileiros tem feito até agora uso limitado de PPPs. Alguns (p.ex. MG, SP) tem adotado leis próprias em linha com boas práticas internacionais nesta área A lei federal de Parceria Publico-Privada limita os possíveis riscos fiscais de tais parcerias ao permitir garantias e transferências voluntarias federais e a autorização do Tesouro para novo endividamento somente no caso que as despesas anuais dos contratos vigentes nos 10 anos subsequentes não excedam 5% das RCL projetadas para os respectivos exercícios Responsabilidades futuras com aposentadorias e pensões (I) Todos os estados mantém sistemas de previdência próprios (RPPS) em regime de repartição simples; 16 deles tem começado transição para regime de capitalização para novos servidores (a chamada segregação da massa dos servidores) Durante a transição coexistem fundos financeiros (em regime repartição) e fundos previdenciários (capitalização) Alguns dados sobre a situação financeira consolidada dos RPPS estaduais em 2011 (últimos dados disponíveis): 3 milhões de servidores vinculados 1,9 milhões de aposentados e pensionistas Aumentos de 15,9% em aposentados e 9,6% em pensionistas entre 2009 e 2011 Receitas previdenciárias: R$ 34,8 bilhões (com aumento de 20% com respeito a 2009) Despesas previdenciárias: R$ 70,1 bilhões (aumento de 31%) Importante déficit previdenciário, R$ 35,3 bilhões (0,9% do PIB), coberto com receitas de investimentos e transferências dos tesouros estaduais Responsabilidades futuras com aposentadorias e pensões (II) Uma analise (liderada por M. Caetano) do IPEA, com base nos Demonstrativos de Resultado da Avaliação Atuarial (DRAA) submetidos pelos estados ao Ministério da Previdência Social (MPS), indica que os balanços atuariais dos RPPS estaduais variam muito entre estados, dependendo de vários fatores, notadamente: A segregação ou não da massa dos servidores A relação servidores/aposentados e pensionistas O atual nível das alíquotas de contribuições do estado (que variam entre 10% e 28%) e dos servidores (entre 10% e 14%) Os desequilíbrios atuariais estimados para os estados que não segregaram a massa e só mantém fundos financeiros requererão no futuro significativos aumentos de alíquotas, cortes de benefícios, e/o maiores aportes dos Tesouros estaduais Os estados que já segregaram a massa terão crescentes déficits em seus fundos financeiros no médio prazo, mas na maioria projetam equilíbrio nos fundos previdenciários. Estas projeções são vulneráveis a vários riscos macroeconômicos, incluindo rendimentos mais baixos que esperado das aplicações financeiras dos fundos previdenciários Breves conclusões O sistema de controle do endividamento estadual no Brasil inclui regras fiscais e controles diretos Os limites determinados pelas regras parecem demasiado elevados para assegurar a sustentabilidade da dívida estadual no médio a longo prazo. A geração de superávits primários reflete principalmente o serviço da dívida com a União refinanciada em 1998-99 O nível da dívida permanece alto nos estados mais grandes, e parece difícil assegurar seu reembolso nos próximos 15 anos, como previsto pelos contratos de refinanciamento Por outro lado, o acesso a novo endividamento pelos estados com baixa relação divida/RCL é limitado principalmente por decisões do Tesouro, com base em critérios não transparentes. Isto cria risco de “soft budget constraint” O acesso deveria ser condicionado a cuidadosas e transparentes análises de sustentabilidade da dívida de cada estado e dos custos/benefícios dos investimentos a financiar Para moderar o risco cambial, é preciso evitar aumento significativo da dívida externa dos estados A grande maioria dos estados apresenta déficits atuariais em seus RPPS, o que aponta para a necessidade de medidas corretivas, seja do lado das contribuições, seja dos benefícios Obrigada pela atenção!