Polêmica do direito ao esquecimento chega no Brasil Por: Renato

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Polêmica do direito ao esquecimento chega no Brasil
Por: Renato Souza
A imprensa e o Poder Judiciário tem funções parecidas, em busca da verdade, justiça e
da garantia dos direitos e respeito ao cidadão. Mas em alguns momentos a interferência
de um setor no trabalho do outro pode gerar conflitos ou atrapalhar o exercício da
profissão dos integrantes de cada área. Que digam os jornalistas formados e que ouvem
várias vezes da população leiga a indagação: “você se formou em jornalismo? Mas não
precisa mais de diploma”. Mais uma vez o Poder Judiciário brasileiro deve decidir sobre
direitos que podem interferir profundamente no trabalho da imprensa. Após polemizar
na Corte Europeia, o questionador entendimento sobre o direito ao esquecimento chega
nos tribunais brasileiros.
A polêmica do direito ao esquecimento começou quando o cidadão Mario Costeja
González abriu um processo no Tribunal Europeu contra a empresa “Google” e o jornal
“La Vanguardia”. O cidadão queria que um anuncio do Ministério do Trabalho e dos
Assuntos Sociais espanhol fosse desvinculado de seu nome nas buscas do sites Google e
o texto da propaganda fosse retirado do site do jornal. A corte lhe deu razão no caso do
Google e negou o pedido referente ao jornal “La Vanguardia”.
O anuncio divulgava um leilão de imóveis que pertencia a pessoas que deviam impostos
ao governo. O leilão foi realizado para que cidadãos devedores pagassem quitassem
com o órgão de seguridade social, no qual Mario era um dos devedores. A corte
europeia entendeu que o registro do caso nas páginas do Google violava o direito a vida
privada do cidadão em questão. A decisão que não seria estendida aos veículos de
comunicação social provocou polêmica porque os dados e registros da vida privada de
um cidadão vai além do nome e data de nascimento. O temor é que o direito ao
esquecimento sirva como pressuposto para a violação da liberdade de expressão e de
imprensa.
No Brasil
Em 2013 chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) dois processos conta a “Rede
Globo de Comunicações”. Em um dos processos a família de Aida Curi, estuprada e
morta em 1958 por um grupo de jovens alegava que ao relembrar o caso recentemente, a
“TV Globo” trazia de volta angústia e revolta diante do crime. Já o outro processo era
de um dos acusados de participar da Chacina da Candelária, ocorrida no Rio de Janeiro
em 1993. O autor do processo alegava que ao colocar seu nome em uma reportagem
sobre o caso como um dos acusados na época do crime, configurava dano moral, tendo
em vista que ele já havia sido inocentado das acusações em processo transitado em
julgado.
O ministro Luís Felipe Salomão foi relator dos dois recursos especiais que discutiram a
tese no STJ. O caso levanta grande polêmica e causa pela primeira vez a discussão sobre
o direito ao esquecimento no mundo jurídico brasileiro. O Brasil é uma República que
tem como base os direitos elencados na Constituição Federal de 1988. O direito ao
esquecimento causa embates na aplicação de dois direitos, a liberdade de expressão e de
imprensa e o direito a intimidade e a vida privada.
Vamos imaginar a seguinte situação:
Uma pessoa comete um crime. Um homicídio por exemplo. Em seguida várias matérias
em jornais e sites da internet sobre esse fato são publicadas por jornalistas profissionais.
A sociedade passa a saber que essa pessoa é acusada de conduta criminosa. O acusado é
inocentado e entra na justiça para que todas as matérias ou comentários na internet sobre
ela sejam apagados - tendo em vista que ela não é uma pessoa autora de conduta
criminosa. Teria ela direito a apagar todos esses registros, visto que no Brasil existe
pena perpétua prevista em lei? Mas e a liberdade de imprensa, prevista nos artigos 220 a
224 da Constituição Federal ? Isso proibiria que as matérias fossem apagadas. Se
partirmos desse pressuposto qualquer fato da história poderia ser apagado desde que
alguém se sentisse prejudicado. Poderíamos ter que apagar da história todos os atos de
corrupção no Congresso Nacional, pois ele atinge a imagem do parlamento e dos
deputados. Ou esquecer os crimes bárbaros, já que os acusados já cumpriram pena
definida em processo tramitado em julgado.
A Constituição Brasileira é baseada em leis que já existiam na Europa. Iriam então
repetir os juristas brasileiros a mesma decisão da Corte Europeia, ou criariam sua
própria visão sobre o caso. E na internet, seria possível apagar citações e resultados de
buscas sobre determinado individuo inocentado pela justiça ou que já tivesse cumprido
sua pena?
Durante palestra no Museu da Imprensa, em Brasília, em maio de 2015, o advogado
Antônio Carlos de Almeida, conhecido como Kakay afirmou que ao defender a atriz
Carolina Dieckman, após sua fotos intimas vazarem na internet, recebeu um pedido de
direito ao esquecimento da atriz. Carolina iria solicitar ao Google que todas as buscas
referentes ao seu nome fosse excluídas da rede social. Logo Kakay percebeu que o
resultado das buscas estaria ligado à própria atividade profissional da atriz, por isso
excluindo as buscas estaria excluindo todo o seu histórico profissional. Logo o direito
ao esquecimento neste caso traria prejuízos severos ao trabalho da artista,
impossibilitando sua aplicação neste caso.
Mas e quanto aos demais cidadãos? O direito ao esquecimento valeria para todos?
Atualmente a lei 12.295, conhecida como Marco Civil da Internet prevê a
responsabilização dos provedores caso mantenham conteúdos ofensivos a honra e a
imagem do indivíduo no ar. No caso de crimes cometidos pela internet é grande a
dificuldade em encontrar seus autores e chegar até o local de onde partiu a publicação.
No caso das redes sociais é preciso colaboração da empresa que gerencia o serviço para
encontrar os acusados. Além de ser retirada de sites de buscas as informações nas quais
o direito ao esquecimento foi deferido teriam de ser retiradas de redes sociais, blogs e
sites de notícias. Além da polêmica da lei faltaria estrutura da polícia e da Justiça
brasileira para cumprir essa decisão.
Veja o artigo 220, inciso 1º da CF:
"Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço
à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo
de comunicação social".
Decisões do STJ
Nos casos citados anteriormente o Superior Tribunal de Justiça (STJ) teve decisões
opostas para cada um. No caso do acusado de ter participado da Chacina da Candelária
e inocentado em seguida o ministro Luiz Felipe Salomão condenou a TV Globo a pagar
R$ 50 mil de indenização por danos morais ao autor da ação. Segundo entendimento do
STJ mesmo deixando claro que o acusado foi inocentado a emissora causou-lhe dano a
imagem por ter citado seu nome. O autor da ação havia tido direito ao esquecimento
concedido e por isso não deveria ter sido citado.
Já no caso de Aida Curi a justiça entendeu que realmente a vítima tem direito ao
esquecimento e é legítimo o pedido da família para que esse direito fosse colocado em
prática. Mas a emissora deu destaque para o crime e não para a vítima ao relembrar o
caso. Mas no caso de um crime que se fez notável pelo nome da vítima caso de Aída
Curi e também, por exemplo, da missionária Doroty Stang ou do jornalista Vladimir
Herzog , o magistrado entendeu que não há outra solução a não ser falar no nome dos
envolvidos.
As decisões das instâncias anteriores afirmaram que a reportagem só mostrou imagens
originais de Aída uma vez, usando sempre de dramatizações. O foco foi, segundo o voto
do ministro, no crime e não na vítima. Sendo assim, não se poderia falar em dano moral.
Salomão também afirmou que, se o tempo se encarregou de tirar o caso da memória do
povo, também fez o trabalho de abrandar seus efeitos sobre a honra e a dignidade dos
familiares. No caso de familiares de vítimas de crimes passados, que só querem
esquecer a dor pela qual passaram em determinado momento da vida, há uma infeliz
constatação: na medida em que o tempo passa e vai se adquirindo um 'direito ao
esquecimento', na contramão, a dor vai diminuindo, de modo que, relembrar o fato
trágico da vida, a depender do tempo transcorrido, embora possa gerar desconforto, não
causa o mesmo abalo de antes.
Caso chega ao STF
A TV Globo e a família de Ainda recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) O
direito ao esquecimento será julgado na corte e regulamentado em todo o País. O
ministro Toffoli, relator, manifestou-se pelo reconhecimento da repercussão geral do
tema. “De um lado, a liberdade de expressão e o direito à informação; de outro, a
dignidade da pessoa humana e vários de seus corolários, como a inviolabilidade da
imagem, da intimidade e da vida privada” afirmou Toffoli. Para o ministro, a
definição pelo STF das questões postas no processo “repercutirá em toda a sociedade,
revelando-se de inegável relevância jurídica e social”.
* Renato Souza é jornalista graduado pelo Instituto Central de Ensino Superior e
Pesquisa (Icesp-DF), estudante de Direito da Universidade de Brasília (UnB) e pósgraduando em Segurança da Informação e Perícia de Crimes Cibernéticos da
Faculdade Upis. Integrou a redação de veículos como o Correio Braziliense e o SBT
Brasília.
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