360 edIçÃO 01 • SETEMBRO de 2016 Januario Montone analisa a saúde no Brasil e defende a discussão do modelo assistencial Segurança do paciente deve ser prioridade Saúde em São Paulo O que nos ? aflige Em ano de eleição, veja os desafios para o setor no Estado mais rico do país EDITORIAL Um novo conceito de representatividade A cooperação entre organizações é a chave para se conquistar melhores resultados na busca por interesses comuns. É nisso que a atual gestão da Federação e do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (FEHOESP e SINDHOSP) acredita, por meio da construção de parcerias, especialmente em tempos de crise econômica e pouca atenção do Poder Público em relação a um setor tão importante quanto a saúde. Mesmo com todas as dificuldades, as entidades vêm crescendo em representatividade e importância, ocupando cada vez mais seu espaço como legítimas representantes da categoria. Ao promover parcerias e oferecer soluções para os vários segmentos da saúde, preenchemos as lacunas deixadas pelo governo e cumprimos nosso papel enquanto setor organizado da sociedade. Esta postura propositiva se confirma neste ano, com uma série de novos projetos em prol desse crescimento institucional e da própria categoria. Agora, trazemos a Revista FEHOESP 360, nome que vem consolidar um trabalho que começou há um ano, para a construção de uma comunicação integrada e ao mesmo tempo múltipla, reunindo FEHOESP, SINDHOSP, SINDHOSPRU, SINDJUNDIAÍ, SINDMOGIDASCRUZES, SINDRIBEIRÃO, SINDSUZANO e IEPAS (Instituto de Ensino e Pesquisa na Área da Saúde). A ideia é que a revista leve à categoria análises mais aprofundadas relacionadas à saúde, especialmente no que diz respeito à gestão e às dificuldades enfrentadas pelos nossos representados. Queremos, neste canal que nasce, abrir espaço para suas reivindicações, alertas, demandas e necessidades. E lembrar que a continuação dos debates abertos aqui estará na versão digital da Revista, no aplicativo disponível pra Android e IOS, dando continuidade ao projeto que iniciamos em janeiro de 2015, com o Jornal do SINDHOSP versão digital. Além, é claro, de nossa presença nas mídias digitais: Facebook, Twitter, Instagram, Flickr e Youtube. Acreditamos na inovação do sistema sindical e da saúde, dentro de um processo transparente, que prioriza a vontade coletiva no lugar das necessidades individuais. Desde que assumimos, há mais de três anos, temos perseguido este ideal. E vamos continuar trabalhando por isso, em prol de uma prestação de serviços mais qualificada, e de um setor de saúde fortalecido e eficiente. Os produtos de comunicação, neste sentido, atuam como ferramentas poderosas e são nossos maiores aliados. Boa leitura e não se esqueça de interagir e compartilhar conosco! Yussif Ali Mere Jr Presidente ÍNDICE 05 Líderes do setor parabenizam a primeira edição da revista 06 Confira a agenda de cursos e eventos para setembro 07 O que acontece no setor na sessão de notas 08 Conheça Toledo-PR, destaque pelo seu modelo de gestão na saúde 10 Entrevista exclusiva com Januario Montone 24 Reinserção no mercado de trabalho auxilia portadores de transtornos mentais 26 Conquista: nome social é realidade em estabelecimentos de saúde 28 Luiz Fernando Ferrari Neto fala sobre segurança do paciente CAPA 14 Em ano de eleição, veja os desafios para o setor no Estado mais rico do país PAINEL DO LEITOR ONLINE Consolidação Estando à frente do IEPAS, cuja missão é agregar conhecimento à categoria da saúde, fico imensamente feliz em ver o projeto da Revista FEHOESP 360 vingar. Certamente, o Instituto, enquanto instrumento de fomento à produção de conteúdo, será um agente ativo na consolidação deste novo veículo. José Carlos Barbério, presidente do Instituto de Ensino e Pesquisa na Área da Saúde (IEPAS) União faz a força Parabenizo a iniciativa de consolidar as informações do setor num único veículo de comunicação. Precisávamos de um espaço renovado, que privilegiasse a categoria nas suas reivindicações, com o intuito de estreitar esse relacionamento e nos aproximar cada vez mais dos nossos representados. Espero que este novo veículo contribua para a união da categoria, que é o que de fato nos faz fortes. Roberto Muranaga, presidente do SINDSUZANO e 2º vice-presidente da FEHOESP Mais qualidade para o setor A demanda por informações de qualidade é enorme. Em tempos de mídias sociais e de democratização da informação, em algum momento perdemos a qualificação das notícias, das análises, da profundidade com que temas relevantes são abordados pelos veículos de comunicação. Acredito que a revista dará continuidade aos produtos editoriais que se fundiram, e que sempre trouxeram debates frutíferos para o setor. Ricardo mendes, coordenador do Comitê de Saúde Mental da FEHOESP 360 Confira na edição digital os conteúdos exclusivos da Revista FEHOESP 360 em seu smartphone, tablet ou computador Capa Veja a opinião dos representantes do setor sobre os impactos da falta de financiamento, o acesso aos serviços e o envelhecimento populacional na saúde. Entrevista Ouça trechos da entrevista com ex-secretário municipal de Saúde de São Paulo, Januario Montone. Ele fala sobre judicialização, a importância da prevenção e novas tendências na saúde. s a p #ie CURSOS & EVENTOS Limpeza e desinfecção de superfícies ambientais em serviços de saúde Plano de gerenciamento de resíduos de serviços de saúde 13 de setembro 9h às 17h São Paulo Workshop: aprendendo sobre o cliente para atendê-lo cada vez melhor 5 de outubro 9h às 14h Campinas As mudanças no recurso de glosas com a implantação do padrão TISS 3.02 e as tabelas TUSS 5 de outubro 9h às 17h Ribeirão Preto 19 de setembro 9h às 17h Araçatuba Como desenvolver suas competências emocionais 20 de setembro 9h às 17h Suzano Gerenciamento financeiro na área da saúde 17 de outubro 9h às 17h Assis Faça o cliente curtir o seu atendimento 22 de setembro 9h às 17h Presidente Prudente Formação e aperfeiçoamento das lideranças em gestão e planejamento estratégico 21 de setembro 9h às 17h Sorocaba Como auditar as contas médico-hospitalares enviadas aos convênios de forma prática e eficaz 21 de setembro Das 9h às 17h São Paulo #AgendaCompleta www.iepas.org.br 06 *As datas podem estar sujeitas a alterações NOTAS Setor se reúne no Rio para debater lei 13.287/16 Em maio deste ano, foi publicada a lei 13.287/16 que acrescenta um novo dispositivo à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O texto afasta grávidas e lactantes de locais de trabalho considerados insalubres. Apenas em São Paulo e na categoria de enfermeiros, há 68.530 profissionais dos quais 87% são mulheres, segundo dados do Dieese. Profissionais da saúde reuniram-se, no Rio de Janeiro, em 28 de julho, para discutir medidas que possam reduzir o impacto financeiro e social que a lei acarreta. Participaram da audiência pública representantes da Federação Brasileira de Hospitais (FBH), da Associação de Hospitais do Estado do Rio de Janeiro (Aherj), da Confederação Nacional de Saúde (CNS), da Federação de Hospitais e Estabelecimento do Rio (Feherj) e o presidente da FEHOESP, Yussif Ali Mere Jr. Os profissionais defenderam a alteração da lei. O secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde, Valdirlei Castagna, disse que o debate deveria ter sido feito antes da aprovação da 13.287/16. A presidente da Federação Nacional dos Enfermeiros, Solange Caetano, acredita na formulação consensual de um novo projeto de lei que diminua o prejuízo para as trabalhadoras da área da saúde. O juiz Vitor Moreira, especialista em direito médico hospitalar, disse que a lei é inconstitucional, já que faz distinção de gênero. Ele também considera a lei inaplicável e alerta para a preocupação de um aumento na admissão de mais homens que mulheres em idade fértil. No mês de setembro outra audiência sobre o tema deve ser realizada. Divulgação Divulgação Yussif Ali Mere Jr participou dos debates, no Rio Profissionais defenderam a alteração da lei Game ajuda pacientes nos EUA O famigerado Pokémon Go, game lançado recentemente no Brasil e que é uma febre mundial, está servindo para ajudar pacientes infantis nos EUA. O C.S. Mott Children’s Hospital, de Michigan, apresentou a novidade às crianças e conseguiu com que elas saíssem do leito e interagissem entre si. Para JJ Bouchard, gerente de Mídia Digital do hospital, a mobilidade de pacientes que ficam muito tempo internados é fundamental para a recuperação. A interatividade também ajuda a construir um ambiente mais alegre e humano, especialmente para as crianças. "É uma forma divertida de incentivar a mobilidade dos pacientes", disse Bouchard. O Pokémon GO, lançado primeiro nos EUA em julho deste ano, tem recebido inúmeras críticas acerca da dependência tecnológica que jogos interativos causam, principalmente entre os jovens. A experiência norte-americana, no entanto, mostra que o uso adequado da tecnologia é muito bem-vindo. 07 GESTÃO Atenção à saúde básica: a lição de Toledo Cidade do Paraná é referência no atendimento Por Rebeca A atenção básica ou primária em saúde é conhecida como a "porta de entrada" dos usuários no sistema de saúde. Seu objetivo é orientar sobre a prevenção de doenças, solucionar problemas simples e direcionar os mais graves para níveis de atendimento superiores. A atenção básica funciona como filtro de organização do fluxo de serviços nas redes de saúde. No Brasil, há diversos programas governamentais relacionados à atenção básica, sendo um deles a Estratégia de Saúde da Família (ESF), que leva serviços multidisciplinares às comunidades por meio das Unidades Básicas de Saúde (UBSs). Consultas, exames, vacinas, radiografias e outros procedimentos são disponibilizados aos usuários nas UBSs. Na prática, tudo isso ainda funciona pouco. Mas toda regra tem sua exceção. A cidade de Toledo, no Paraná, com aproximadamente 130 mil habitantes, vem se tornando destaque por seu modelo de gestão na saúde. Desde 2014 o município atua com o Modelo de Atenção às Condições Crônicas (MACC), idealizado pelo médico sanitarista e consultor em saúde pública, Eugênio Vilaça Mendes, e implantado em duas UBSs: nos bairros São Francisco e Europa. “Um dos objetivos da criação do novo plano de atendimento é incentivar a mudança no modelo de atenção à saúde para atender adequadamente os portadores de condições crônicas”, explica Mendes. “A proposta é acolher de uma forma abrangente a saúde de hipertensos, diabéticos, crianças menores de dois anos e gestantes classificados com alto risco na atenção secundária. Uma equipe multiprofissional é colocada à disposição desses pacientes, enquanto os profissionais da atenção básica permanecem com os atendimentos dos pacientes classificados como de baixo ou médio riscos.” Em geral, durante o atendimento inicial, ao primeiro sinal de doença, o paciente é encaminhado para um mé- 08 Salgado dico especialista. Mas muitos desses casos poderiam ser tratados na atenção básica. De acordo com o médico, é possível reduzir a fila de consultas com especialistas sem aumentar o número de profissionais. Mas, para isso, é preciso mudar a forma de encaminhamento. Casos mais brandos de doenças crônicas, como hipertensão, também podem ficar na rede primária, segundo Mendes. Apenas os mais graves devem ser repassados para atendimento especializado. Os encaminhamentos sistematizados por protocolos, sugere Mendes, devem dividir os pacientes com a mesma doença em grupos, de acordo com o risco oferecido pela enfermidade, em níveis de um (menos grave) a três (mais grave). Apenas os doentes nível dois e três devem ser encaminhados para especialistas. Os de nível um (aproximadamente 75% dos enfermos) irão receber atendimento na atenção básica. "O sistema atual, fragmentado, ainda não responde às necessidades. Ele precisa ser substituído por uma rede de atenção primária integrada." Segundo o médico, mesmo com o subfinanciamento do SUS, a estratégia de saúde da família melhorou a vida das pessoas em Toledo. “Essa é a forma mais virtuosa de organização, pois reduz a mortalidade infantil, promove equidade no acesso, e traz bons resultados até fora da área da saúde, por exemplo, aumentando índices de escolaridade entre as crianças atendidas.” Quando um paciente de risco é atendido na UBS ele recebe um formulário que explica sua condição. Esse documento é levado para o atendimento dos especialistas e retorna preenchido para que os profissionais da ESF possam realizar o acompanhamento da saúde do indivíduo. Ao retornar para a unidade de saúde, o paciente é acompanhado periodicamente pelos profissionais da Estratégia de Saúde da Família e do Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF). Com isso, acabam passando por uma Divulgação Bruno Magalhães Carlos Rodrigues UPA oferece novo modelo assistencial Denise Campos, secretária de Saúde de Toledo equipe multidisciplinar formada por enfermeiros, farmacêuticos, psicólogos, nutricionistas, além dos agentes comunitários e demais técnicos da UBS. Dados mais recentes da Nota Técnica do Ministério da Saúde, lançados no mês de maio, apontaram Toledo como a maior cobertura de atenção básica do país, com 60,07%. Já em Estratégia de Saúde da Família, o número é de 34%. A Secretaria Municipal de Saúde fala em 70,41% e 40,88%, respectivamente. Números justificados pela abertura de mais duas UBSs. “As pessoas vão até a unidade e mesmo que tenha vaga para fazer o agendamento, querem ser atendidas no ato, receber a receita e ser liberadas. Com isso, elas acabam indo até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA), onde precisam aguardar, pois não se trata de casos de urgência ou emergência”, pontua a secretária de Saúde de Toledo, Denise Campos. “Embora a UPA não seja um local para atender os pacientes de bai- Eugênio Vilaça Mendes, idealizador do MACC xa complexidade, ela acaba desempenhando essa função. A questão é comportamental e o desafio é fazer com que o paciente crie um vínculo com a UBS ou a ESF de seu bairro. Incentivá -lo a buscar atendimento nesses locais e não na UPA. Se essa mudança fosse fácil não teríamos UPAs lotadas em todo o país”. Para a secretária, o modelo da ESF foi implantado com o intuito de amenizar o “gargalo da saúde”, mas é preciso de tempo para que a população possa se acostumar com as mudanças. Ela afirma que as unidades executam os trabalhos de busca ativa dos pacientes. “Pessoas hipertensas e com diabetes precisam estar em tratamento constante. Como cuidam mais da saúde, evitam buscar atendimento na UPA se não são casos de urgência ou emergência. Nosso desafio é fazer com que o paciente tenha a unidade como primeira referência, com equipamentos e recursos humanos.” Ao todo, atuam no MACC em Toledo 23 equipes. Para atingir 100% de cobertura é preciso ter 49. “Para atingirmos essa meta precisamos de mais quatro ou cinco anos. Para 49 equipes, precisamos de 49 médicos, 49 enfermeiros, ou seja, mais profissionais para compor o quadro. Isso gera impacto na folha de pagamento e também exige estrutura física. Nossa cidade é pequena, mas o orçamento também é", finaliza Denise Campos. 09 ENTREVISTA O futuro precisa ser pensado agora Januario Montone analisa a saúde no Brasil e defende a rediscussão de modelos para a melhoria do setor Por eleni C om o Brasil ainda esperando a recuperação de sua economia, uma extensa lista de problemas fica à espera de solução. Na área da saúde não é diferente. O SUS mantém suas deficiências e se vê diante de uma sobrecarga. Ainda há muitas questões de gestão, problemas de remuneração para os prestadores de serviço e a regulação do setor está longe de ser a ideal. 10 Em entrevista à Revista FEHOESP 360, Januario Montone, consultor na área de saúde e ex-secretário municipal de Saúde de São Paulo (20072012), com mais de 20 anos de atuação no setor público, analisa esses e outros temas e defende a rediscussão de modelos e políticas públicas, com a participação de representantes dos setores público e privado. Para ele, outra questão importante, não só na trindade saúde, mas para toda a sociedade, é a preparação para o aumento da longevidade da população. Confira: Revista FEHOESP 360: Com a crise econômica e o número alto de cidadãos que não podem mais manter um plano de saúde, há uma preocupação de sobrecarga no SUS. Quais as perspectivas para este cenário? Januario Montone: Não tão boas. O SUS já está sobrecarregado e essa sobrecarga diminuirá ainda mais a qualidade do atendimento. Embora a Constituição determine que o sistema de saúde público seja organizado para atender toda a população – até quem tem plano de saúde –, na prática isso não acontece. Mas há um dado positivo: pessoas acostumadas ao setor privado, com acolhimento mais rápido e profissional, tendem a fazer pressão por melhorias. 360: O mundo já debate há algum tempo a sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde. O que precisa mudar no SUS? JM: Muitas mudanças precisam ser feitas, mas para fazer a sua reorganização, é necessário manter duas condições indispensáveis para os usuários: o direito de acesso à saúde e a proibição de exclusão de doenças na cobertura dos planos. A partir daí, é preciso analisar os modelos. Enquanto na saúde privada o modelo de atenção não é preventivo, mas curativo, autorreferido e de livre escolha, no público o modelo de atenção é adequado, com foco na prevenção e atenção básica, mas é muito fragmentado com a linha de cuidado, já que o financiamento e o gerenciamento passam por município, Estado e União. 360: Um dos caminhos para a melhoria de todo o sistema passa pela parceria cada vez maior entre o público e o privado? JM: Sim. Cada vez mais tem havido interesse nessa parceria. O setor público é muito dividido e depende da linha político-administrativa de cada gestão que assume os governos. Mas é preciso lembrar que em grande medida os serviços do SUS já são prestados pelo setor privado. A maioria dos leitos, apoio ao diagnóstico e terapia é contratada junto à rede privada. O exemplo mais clássico é a hemodiálise: 90% dos atendimentos são feitos por clínicas particulares contratadas. O que precisa mudar ao longo do tempo é essa relação da saúde suplementar ser apenas um prestador de serviços do setor público, passando a ser mais integrado e realmente parceiro. Uma iniciativa com esse perfil começou a ter andamento com a criação da lei das Organizações Sociais (OSs), em 1998. A partir daí surgiram dezenas de exemplos de sucesso. No caso de São Paulo, metade da rede pública é gerida por OSs, com esses equipamentos municipais sendo gerenciadas por instituições como os hospitais Sírio-Libanês e Albert Einstein, santas casas, Santa Marcelina, entre outros. O que também acontece em todo o país. Esse mecanismo só não cresceu mais por causa da insegurança jurídica motivada por uma ação de inconstitucionalidade proposta em 1998 pelo PT e pelo PDT. A realidade, no entanto, é mais forte que a ideologia, já que administrações do PT adotam hoje o modelo. 360: Como o senhor avalia a atuação dos hospitais em relação à promoção da saúde e prevenção de doenças? JM: No setor público, temos o modelo de OSs. Nele, teoricamente, as atividades de prevenção e acompanhamento são feitas pelo programa Saúde da Família, nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs), Assistência Médica Ambulatorial (AMAs) e Centros de Atenção Psicossocial (CAPs). Mas há problemas: os casos que deveriam ir para as AMAs e UBS para receber atenção e acompanhamento preventivo são atendidos em prontos-socorros e hospitais. Com isso, além de as pessoas não participarem tanto dos programas de prevenção quanto deveriam, ocasionam falta de leitos para as pessoas que precisam fazer cirurgias eletivas. 11 ENTREVISTA 360: Os hospitais particulares estão mais avançados nessa questão? JM: Os hospitais privados avançaram, mas ainda têm uma barreira: o modelo de pagamento. Enquanto no sistema público existem amarras e problemas de governança e financiamento, o setor privado tem excelência de funcionamento e de gestão, mas um modelo de saúde ainda em evolução do ponto de vista da sustentabilidade financeira. O hospital só é remunerado quando o paciente demanda um serviço de saúde. 360: Qual modelo de pagamento seria o ideal? JM: O grande desafio hoje é encontrar outras fórmulas de remunerar o provedor de serviços de saúde. Para a construção de um sistema, é preciso que a forma de remuneração seja a mais adequada para cada caso. O de performance, por exemplo, depende de um banco de dados e uma capacidade de BI (business intelligence) para definir os indicadores e metas nos quais ele é baseado, e essa estrutura não existe no Brasil todo. O de contrato fechado é outra opção, quando as partes reúnem-se para chegar a um acordo. É preciso, portanto, regionalizar e esse papel de discutir e trazer recursos técnicos para defini-los é da agência reguladora. 360: A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), ao longo de seu histórico, transformou-se. Como o senhor avalia o papel do órgão regulador hoje? JM: O primeiro papel da ANS foi o de definidora das leis. Hoje, ela tem a função de regulação do mercado, embora exista a tendência de ela se tornar também um Procon. A agência definiu várias regras para o setor, como regulamentação de contratos, mas poderia estar se debruçando sobre questões muito mais amplas, como regulação de todo o mercado, inclusive dos prestadores, que não querem ser regula- Os hospitais particulares avançaram muito na prevenção, mas ainda têm a barreira do modelo de pagamento" dos, mas deveriam. A ANS só não está atuando nesse tema porque os governos mais recentes não acreditam no modelo de agências reguladoras, pois não creem na atuação do mercado, e sim na do Estado. Outra barreira para atuação da ANS são as multas, que são comunicadas via Diário Oficial, quando esse processo poderia ser feito via um sistema integrado com as operadoras para agilizar o trabalho. Quando a agência amplia a cobertura de doenças e também o rol de procedimentos, promove avanços, mas é preciso ter 12 cuidado com situações externas que podem atrapalhar. A judicialização, por exemplo, afeta o setor privado e o público. Ela deriva da visão do Estado provedor, que tudo provem, independentemente de qualquer coisa. O O governo fez desoneração da linha branca, então por que não fazer para a área da saúde também?" papel de regular as relações de saúde é do Estado, por meio de seus órgãos reguladores: o SUS e a ANS, que regula o sistema privado. Só que a regulação pública no Brasil sofre um descrédito e um intervencionismo que começa no Congresso Nacional e vai para a Justiça. Com isso, passa-se a exigir até o que a lei proíbe. 360: Um estudo elaborado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), sob encomenda da FEHOESP, mostrou que nos últimos cinco anos a arrecadação de impostos federais cresceu. Como o senhor vê esse cenário de arrecadação e quais medidas poderiam ser pensadas para o setor? JM: Exceto para os setores que o governo elegeu para fazer benesses fiscais e tributárias, todos os demais sofreram ao longo desses anos. Houve uma política deliberada de incentivo ao consumo pela carga tributária e os setores mais organizados foram os mais atingidos. Fizeram desoneração para a linha branca para incentivar o consumo desses produtos. Então po- deriam fazer uma desoneração para a área da saúde. Outra coisa que deve ser discutida é a renúncia fiscal da União na área da saúde. Em 2015, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), esse total foi de R$ 25 bilhões, com filantropia, imposto de renda pessoa física e jurídica, algumas linhas de medicamento subsidiadas e farmácia popular. Esse valor corresponde a cerca de 30% do que o governo federal investe em saúde. Para discutir esse assunto, seria preciso pensar em uma maneira de dividir melhor o bolo. Não sou a favor de acabar com a renúncia fiscal, mas ela tem que ficar visível. (Acesse o estudo completo FEHOESP-IBPT no site: www.fehoesp.com.br) 360: Estamos preparados para lidar com o envelhecimento em nossa sociedade? Qual o cenário que se desenha? JM: Hoje temos um cenário de caos, começando pela Previdência Social. Corremos o risco de não pagar as aposentadorias nos próximos anos. Mas a questão é bem maior. Há uma bomba-relógio prestes a explodir, já que a pirâmide etária está se invertendo, com cada vez mais idosos. Com essa transformação e com cada vez mais mudanças nas relações de trabalho pelo avanço da tecnologia, haverá uma alteração drástica na forma como as pessoas vão ganhar a vida. Todo esse panorama está longe das nossas discussões atuais, mas esse caos também pode ser uma janela de oportunidades. Por exemplo: pensar na prevenção, em serviços e negócios para atender melhor essa população. 360: Como o senhor vê os avanços para a saúde no Brasil nos próximos anos? JM: Quando surge um avanço tecnológico, não há como lutar contra. Eles vêm para melhorar a qualidade de vida e reduzir custos. Os aplicativos, por exemplo, podem ser usados para monitoramento da saúde e ajudar no bem-estar. A telemedicina pode ajudar a resolver um problema do crescimento das especialidades em detrimento das generalidades médicas. Ainda mais num país de dimensões continentais como o nosso, em que é muito difícil que todos os especialistas cheguem a locais remotos. Os provedores de serviços de baixo custo são uma outra tendência importante que, inclusive, deveria ser usada para baratear os sistemas de saúde, pois eles estão fazendo basicamente consultas e exames. Não estão avançando além disso, mas logo outras áreas devem aderir, com pequenas cirurgias eletivas e de baixo risco, principalmente em grandes cidades. Vão competir com os grandes hospitais nesse segmento e o mercado vai ter que se readaptar ou se associar a eles. O que não pode O envelhecimento da população precisa ser discutido agora, pois o cenário é de caos" é eles serem vendidos como planos de saúde. Pois eles não são. É preciso ter muito clara essa diferenciação para não criar um problema maior. Mas é avançando e regulando essas novas tecnologias que poderemos contribuir para melhoras na saúde. 13 ? Saúde em São Paulo: o que nos aflige Por Fabiane P esquisas de opinião pública revelam que a saúde é o principal desafio social do país. Em um ano eleitoral, o momento pelo qual passa o Brasil, com crises política e econômica, aumento da inflação e do desemprego e aperto no cinto das contas públicas, mostra o quanto desafiador será para os candidatos às prefeituras municipais dar prioridade à saúde em suas pautas nas eleições de outubro. E a população quer mesmo saber quais são essas propostas. Fato comprovado pela pesquisa realizada no primeiro semestre deste ano pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que mostrou que embora o principal problema para os brasileiros, em 2016, seja a corrupção, as melhorias na área da saúde são a prioridade para de Sá e Ricardo Balego o ano. O setor ocupa a liderança nesse ranking com 36%, seguido pela inflação (31%), corrupção (26%), emprego (26%) e educação (23%). Para os especialistas, a saúde brasileira chegou ao limite de sua ineficiência, causada pela desarticulação entre os sistemas público e privado de atendimento. A Constituição de 1988 dotou o país de um serviço “único” e gratuito, o SUS, que permanece cronicamente subfinanciado. Dos gastos totais com a saúde, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a maior parte (55%) cabe ao sistema privado, pago por famílias e empresas, e não pelo Estado. Mais de 48 milhões de pessoas escapam das filas do Sistema Único de Saúde (SUS) por meio dos planos privados, que consumiram R$ 143,9 bilhões em pagamentos 15 CAPA de mensalidades e receitas próprias. É mais do que os R$ 92,6 bilhões destinados pelo governo federal ao atendimento de mais de 155 milhões de brasileiros. Em 2014, a despesa total do SUS, incluindo gastos dos Estados e municípios, foi R$ 359 bilhões. Na média mundial, a proporção é exatamente a oposta: 57,6% dos gastos com saúde são arcados por governos, contra 42,3% pagos pelos cidadãos. E quando o assunto é o investimento por pessoa os valores também são díspares. O SUS gastou R$ 1.098,75 per capita, em 2014. No mesmo ano, a saúde suplementar gastou R$ 2.150 por beneficiário. A atuação do Brasil, segundo os dados mais recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS), está abaixo da média das Américas, cujo investimento per capita do setor público em saúde, em 2013, foi de US$ 1.816 – enquanto no Brasil, naquele ano, foi de US$ 523 (cerca de 70% menor). A saúde é uma das atividades econômicas mais importantes no mundo, representando no Brasil mais de 9% do produto interno bruto (PIB), segundo estatísticas da OMS. O setor também é responsável por gerar um grande volume de empregos diretos. Em 2015, segundo pesquisa encomendada pela FEHOESP ao Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), o setor empregava 2.035.880 funcionários. Desses, 33,73% (686.764) estavam no Estado de São Paulo. Mas, apesar de sua representatividade econômica, o modelo de financiamento do setor não atende às necessidades do país em vários aspectos. A realidade demonstra que a iniciativa privada, sustentada por investimentos de empresários, que pagam planos de saúde para seus empregados, e pelas pessoas, que bancam seus planos individuais ou familiares, representa o sustentáculo da prática médica de qualidade no Brasil. “Os planos e seguros privados de assistência à saúde são parte da solução, não do problema. Eles pretendem ser parceiros do Estado, em uma parceria na qual haja respeito mútuo, para que se complementem; parceiros cientes de que os negócios têm de ser justos, não podendo resultar em vantagens ou desvantagens para uma só parte”, afirma o presidente da FEHOESP, Yussif Ali Mere Jr. 16 A realidade nacional também é sentida em São Paulo, apesar de o cenário para o Estado ter um panorama melhor e em níveis mais elevados. O orçamento para a saúde aumentou 22,1%, saltando de R$ 18,5 bilhões em 2014, para R$ 22,6 bilhões em 2016. A estrutura da saúde paulista é referência para os demais Estados brasileiros. No entanto, há muito por fazer. Será que os candidatos possuem projetos efetivos que tragam soluções para os problemas que afligem a população? Quais iniciativas preparam para controlar melhor a gestão de um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde do mundo? Para conhecer um pouco mais como anda a área da saúde no Estado de São Paulo, a reportagem da FEHOESP 360 ouviu os representantes do sistema público e privado de algumas das principais cidades de SP, onde há representatividade dos sindicatos filiados à Federação: Bauru, Campinas, Jundiaí, Mogi das Cruzes, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, Santo André, Santos, São José do Rio Preto, São José dos Campos, São Paulo, Sorocaba e Suzano. Gestão em tempos de crise A contínua expansão dos custos na saúde e a dificuldade de os agentes contratantes manterem o benefício exigem criatividade do mercado de saúde suplementar. Em Santo André, a gerente administrativa do Centro de Oncologia do ABC, Dayane Rabello, diz que a redução no número de atendimentos provocada pelo desemprego que afeta a região do ABC paulista trouxe preocupação. “Estamos nos preocupando com a competividade e atentos com a qualidade do atendimento, por isso participamos do Projeto Bússola - uma parceria da FEHOESP com a Organização Nacional de Acreditação (ONA) -, e somos acreditados. O paciente é o que nos garante e nos mantém no mercado.” A gestora do Instituto de Olhos e Otorrino de Bauru (IOB), Martha Godoy, diz que está sentindo a crise apertar mais em 2016. “Já tivemos queda de 15% no atendimento nos últimos meses. Damos descontos maiores para quem já é nosso paciente e perdeu o plano por ter ficado desempregado. Nós ajudamos essas pessoas e elas nos auxiliam a manter o quadro de funcionários, sem demissões. Mas não sei se até o fim do ano conseguiremos evitar o fechamento de postos de serviços.” Em Campinas, o coordenador de Regras de Negócios do Hospital Vera Cruz, Flávio Martins, relata dificuldade em receber dos planos. “A saída tem sido levar essas despesas, quando há negativa de pagamento por parte do convênio 17 CAPA (glosa), para o usuário para que ele nos ajude a pressionar o plano a pagar. Nem sempre é certo que vamos receber, mas é uma tentativa já que as operadoras estão jogando para o prestador resolver o problema. Isso tem trazido resultados.” Esta também é a realidade vivida em Santos. De acordo com Sergio Paes de Melo, diretor administrativo-financeiro do Hospital São Lucas, alguns planos de saúde estão com dificuldade para cumprir seus compromissos financeiros, atrasam seus pagamentos e deixam o prestador em situação de risco. “A saúde privada precisa melhor remunerar os hospitais por serviços prestados. O investimento em equipamentos modernos requer, necessariamente, recursos financeiros.” Ele ainda lembra outro fator que afeta a saúde suplementar: os impostos. “Tributos oneram os hospitais que têm uma margem de lucro pequena e que deve ser reinvestida, quando é possível, no próprio estabelecimento.” O prefeito de Mogi das Cruzes, Marco Bertaiolli (PSD), atesta a mesma realidade. “O sistema 18 cada vez mais absorve a demanda que vem de planos de saúde em razão da crise econômica, que está fazendo com que as pessoas não abram mão deste benefício.” De acordo com Cyro Alves de Britto Filho, diretor do Grupo Policlin, que atua em São José dos Campos (SJC) e região, a demanda por serviços de saúde em tempos de crise vem sofrendo uma retração, mesmo se tratando de algo essencial. “Acredito que o prestador de saúde deve aumentar o foco em sua atividade principal, postergar os investimentos não urgentes e melhorar seu planejamento de curto prazo”, sugere. Com isso, a forma como os gestores conduzem seus negócios determina a sobrevivência dos serviços. “Se alguma empresa ainda ‘não se conhece’, em um momento de crise não há como escapar disso. É necessária uma análise profunda da estrutura”, afirma Valéria Pelozo, administradora da clínica Mama Imagem, de São José do Rio Preto. Em meio ao cenário de dificuldades, há quem tenha encontrado novas oportunidades. O Grupo Policlin vem conseguindo melhorias, como a ampliação de suas unidades em SJC, Caçapava e Taubaté. “Sobreviver neste mercado é ter o permanente planejamento, em busca da excelência no atendimento”, ressalta Britto. Migração dos planos de saúde Com a perda de planos de saúde e a migração para convênios mais básicos devido à necessidade redução de custos por parte das empresas, a Clínica Equilibryum, na capital, segundo a diretora Eliane Cukierman, tem recebido os clientes dos prestadores menores que fecharam. “Recebemos mais pessoas e estamos em processo de acreditação. Somos referência. Participamos do Projeto Bússola, no ano passado, e mostramos a nossa qualidade no atendimento aos pacientes. E vamos expandir as unidades”, comenta satisfeita com os rumos do negócio. A crise econômica colocou em xeque problemas estruturais do setor, tornando mais evidente a necessidade de uma gestão mais eficiente de toda a cadeia de atendimento, serviços e produtos médico-hospitalares. Ineficiências antes encobertas pelo crescimento de emprego e renda da população hoje se mostram insustentáveis ante a alta taxa de desemprego. Em junho, o número de beneficiários em planos de assistência médica registrou uma leve queda na comparação com março deste ano: passou de 48,8 milhões para 48,48 milhões. Desse total, 66,18% (32,1 milhões) têm contratos com planos de saúde coletivos empresariais. A queda foi verificada apenas nesse setor, que registrou 32,3 milhões em março. Nas outras modalidades, 19 CAPA o número se manteve: 9,5 milhões em planos individual ou familiar e 6,5 milhões em planos coletivos por adesão. Este cenário pode ficar pior. De acordo com o gerente de Operações Regionais da FEHOESP, Erik von Eye, há um grande nó no sistema de saúde que está se desenhando para os próximos meses. “Muitas empresas que demitiram ofertavam plano coletivo empresarial para os funcionários e seus dependentes. E alguns, por força de acordos ou dissídio coletivo, ainda estão mantendo esses planos aos ex-empregados. Hoje, temos cerca de 11,5 milhões de desempregados, que se não retornarem ao mercado de trabalho nos próximos meses, levando em conta a média da família brasileira de quatro pessoas por família e que 40% dos desempregados possuíam plano de saúde empresarial, isso significa que teremos 16 milhões de vida a mais no SUS. O setor terá capacidade para atender? Hoje já não tem. Isso pode causar uma explosão no sistema público de saúde.” As soluções talvez não sejam tão animadoras, assim. Para o gerente da FEHOESP, passar a atender ao SUS ou ofertar atendimento particular popular são algumas alternativas. “Há uma tendência de crescimento para a modalidade de clínicas e laboratórios com atendimento popular, a preços mais baixos. Os prestadores terão que se adaptar. Terão que buscar um novo modelo de atendimento. Há alguns anos, tivemos um enxugamento no número de operadoras de planos de saúde. Agora, teremos a retração no número de 20 usuários, e, por consequência, da rede credenciada. O prestador de serviços de saúde terá de repensar a forma de ofertar seus serviços, com mais atrativos, com melhoria inclusive da qualidade.” Não há quem discorde que o momento é de repensar o sistema. No entanto, os debates não podem girar somente em torno do problema conjuntural, na opinião do presidente da Federação. Para Yussif, tem que se pensar sob o ponto de vista estrutural. “Os planos populares são mais do que bemvindos. Mas não porque irão desafogar o SUS num momento específico de crise, e nem porque diversificarão as carteiras dos planos de saúde, levando mais possibilidade de lucros ao segmento. Os planos populares são bem-vindos porque representam uma alternativa de acesso à população, especialmente para aquela que não tem condições de pagar por um plano que ofereça cobertura integral. O SUS precisa sim se fortalecer e crescer.” Relação com as operadoras Outro problema enfrentado pelos prestadores na saúde suplementar tem sido a dificuldade de negociação com as operadoras de planos de saúde. Segundo Dayane Rabello, do Centro de Oncologia do ABC, o momento tem sido de atenção e cuidado. “Está todo mundo buscando não fechar no vermelho. Apesar das tentativas da ANS, ainda é muito difícil negociar com os planos de saúde. Acabamos tendo que nos adequar à tabela que eles nos ofertam.” Em Bauru, a situação é a mesma. A solução encontrada pela gestora do IOB foi negociar direto com o usuário. “Estamos em um momento muito difícil, e ir direto ao usuário dos nossos serviços, ofertando descontos, tem sido um bom caminho. Desconto e qualidade nos serviços têm nos ajudado nesse cenário delicado”, afirma Martha Godoy. A atividade prestadora de serviços também encontra dificuldades em Ribeirão Preto. A categoria se queixa, por exemplo, que a Unimed local congelou os honorários pagos, sem respeitar as determinações da ANS sobre contratos e remuneração. A cooperativa detém hoje a maior fatia do mercado de saúde suplementar na região, o que dificulta ainda mais qualquer tipo de negociação com os prestadores. Isso vem inviabilizando, inclusive, o funcionamento de muitas empresas. Em Presidente Prudente, as dificuldades são as mesmas. E isso já acontece há muito tempo, independentemente de crise econômica, como ressalta o diretor do Laboratório Exame, Luiz Ernesto Paschoalin. “Nós vivemos uma crise no setor laboratorial há muito tempo. Nossas fontes pagadoras utilizam tabelas com valores aviltantes. Infelizmente, este problema é nacional e sistêmico.” O empresário também lembra que, mesmo com as ações da ANS, especialmente com a lei 13.003 – que trata da contratualização entre as partes –, as operadoras de planos de saúde persistem em criar obstáculos. Exemplo disso é o médico Carlos Watanabe, que já foi dono de um hospital em Suzano e acabou vendendo-o há nove anos, muito por conta das dificuldades enfrentadas com os baixos valores de remuneração pelos planos de saúde. “Os hospitais pequenos têm, por exemplo, as mesmas obrigações, mas os honorários pagos pelos convênios são muito baixos”, compara. 21 CAPA Falta de financiamento Como na maioria dos municípios brasileiros, este é o principal problema enfrentado em Suzano, na Grande São Paulo. Existem queixas tanto a respeito da falta de médicos e especialistas nas unidades como o acesso aos mesmos. Atualmente, a população possui apenas a Santa Casa local como opção de hospital, por exemplo. O secretário de Saúde, Eduardo Sélio Mendes Jr., reconhece as dificuldades. “Os recursos são insuficientes para resolver todas as demandas. Isso, somado ao grande índice de desemprego, fez aumentar ainda mais o número de 'susdependentes'. Hoje o que aplicamos em saúde ainda não é suficiente." Na cidade vizinha de Mogi das Cruzes, houve avanços, como a inauguração recente do Hospital Municipal de Mogi das Cruzes e o aumento dos serviços de 34 para 68 unidades. Por outro lado, persiste a questão do financiamento insuficiente. “Há um problema sério que é a diminuição de repasses por parte do governo federal e da própria arrecadação dos municípios, também em razão da crise econômica”, ressalta o prefeito Marco Bertaiolli. Essa situação também é sentida em Campinas. Segundo o secretário de Saúde do município, Carmino Antonio de Souza, o maior desafio é compactibilizar estrutura, ciência e recursos. “Todos os avanços na área da saúde fizeram melhorar os 22 indicadores do setor. O desafio é como vai caber tudo isso dentro da administração pública.” Em Ribeirão Preto, a falta de financiamento virou questão de Justiça. É o caso dos hospitais Santa Casa e Beneficência Portuguesa, que aguardam repasses da prefeitura no valor de R$ 4,6 milhões. A dívida com a Santa Casa é de R$ 2,1 milhões, enquanto a Beneficência aguarda para receber R$ 2,5 milhões. Este último, por exemplo, dedica 60% de suas internações ao SUS. Os problemas vão além em Presidente Prudente. As dificuldades são conhecidas, e a própria administração vem sendo contestada. O secretário de Saúde da cidade, Sérgio Cordeiro, foi condenado recentemente pela Justiça à perda da função por improbidade administrativa. Já em Jundiaí, o Ministério Público Estadual determinou que o Hospital São Vicente (HSVP), referência para toda a região, passe a atender somente casos graves. A decisão, que vale desde o dia 1º de julho, tem como justificativa um relatório apresentado pelo MP há um ano, concluindo que as cidades da região não estavam se empenhando para implantar serviços de urgência e emergência, sobrecarregando o hospital. Hoje, cerca de 70% dos atendimentos no HSVP são de casos com média e baixa complexidades. Com a decisão, serão atendidos apenas casos mais urgentes, ainda assim, somente após encaminhamento – mesmo para os próprios moradores da cidade. Saúde mental Quando o assunto é saúde mental o cenário é alarmante. Os problemas juntam a precarização do SUS como um todo, na opinião do diretor da FEHOESP e coordenador do Comitê de Saúde Mental da Federação, Ricardo Mendes, com as questões inerentes à saúde mental: a não implementação correta da rede de Centros de Atenção Psicossocial (Caps); a deshospitalização sem critérios do paciente acamado; a resistência da oferta de hospitais especializados para os pacientes agudos. O contraponto positivo está na mudança do caráter das residências. “O único sopro de ar fresco parecem ser as residências multiprofissionais e o abandono do modelo dos manicômios, com a oferta real de opções de atenção, em destaque para o tratamento comunitário, que podem oferecer o alento tão desejado e necessário aos portadores de transtornos mentais.” Sorocaba tinha até poucos anos quatro manicômios e o maior número de leitos psiquiátricos por habitante do país. Hoje, é considerada um dos maiores símbolos da reforma psiquiátrica brasileira. A adaptação às novas formas de tratamento ainda é muito lenta e esbarra em problemas políticos e estruturais. A cidade possuiu em atividade o Hospital Psiquiátrico Vera Cruz, com pavilhões que lembram penitenciárias. A unidade tem que fechar até o fim deste ano, prazo para a interdição de todos os manicômios da região, após ter sido firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), pelo Ministério da Saúde, Vigilância Sanitária, Ministério Público Federal e Estadual. Aos poucos, os pacientes estão recebendo alta e sendo encaminhados para as famílias ou para as residências terapêuticas (RTs). Entre 2006 e 2007, o Vera Cruz chegou a registrar 46 mortes uma a cada 15 dias. O hospital ainda possui mais de 450 pacientes internados. Em média, a despesa com manutenção de um paciente no Vera Cruz é de R$ 100 por dia, dos quais R$ 64,42 (64,42%) são custeados pela Prefeitura de Sorocaba – independentemente da procedência do paciente – e a outra parte, R$ 35,58, cabe ao SUS. Segundo Mendes, o processo de deshospitalização dos internados na instituição já custou R$ 36 milhões para a prefeitura, em três anos e meio, e o Estado investiu somente R$ 3,7milhões. O coordenador do Comitê da FEHOESP não concorda com a maneira como está sendo feita a desinstitucionalização dos pacientes. “Há problemas com os pacientes agudos. Muitos pacientes vão para casa, para a rua, ou para residências terapêuticas, mas com esses não pode ser assim. Eles deveriam estar em um hospital especializado, por um período determinado, com a perspectiva da reinserção social. Não consigo entender como o portador de doença mental grave pode se internar em hospital geral, pois ele precisa de cuidados terapêuticos específicos que não têm nesses estabelecimentos”, explica. A solução para o problema de Sorocaba, na opinião do diretor da FEHOESP, seria adiar o TAC, dar tempo para a rede psicossocial ser reestruturada para atender esses pacientes e habilitar as famílias para receber os parentes doentes. “Não deveriam fechar todos os hospitais com pacientes com transtornos mentais. Uma instituição especializada deveria continuar atendendo os que necessitam de internação. Os Caps também precisam de mais investimentos para ter equipes multidisciplinares que atendam satisfatoriamente essa população.” Confira na edição digital o conteúdo extra com mais informações sobre o cenário da saúde no Estado. Ricardo Mendes, coordenador do Comitê de Saúde Mental da FEHOESP 23 SAÚDE MENTAL Precisamos falar sobre inclusão social Reinserção no mercado de trabalho auxilia portadores de transtornos mentais E 24 squizofrenia, transtorno bipolar, depressão e ansiedade. Doenças que muitas vezes incapacitam um indivíduo de realizar tarefas simples do dia a dia. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), até 2020 a depressão será a maior causa de afastamento do trabalho no mundo. No Brasil, a situação necessita de atenção. Pesquisa realizada pela Universidade de Brasília (UnB), em parceria com o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), revela que 48,8% dos trabalhadores que se afastam por mais de 15 dias do trabalho sofrem com algum transtorno mental, sendo a depressão o principal deles. Desde 1997, o Hospital Psiquiátrico Cairbar Schutel, em Araraquara, promove a inclusão social e reinserção de seus pacientes que sofrem de algum transtorno mental (em sua maioria esquizofrenia, transtornos de personalidade, ansiedade e depressão grave) no mercado de trabalho. A iniciativa começou por uma demanda por terapias ocupacionais, que ensinavam atividades práticas, como artesanato e pintura, até montagem e embalagem de peças. Atualmente, circulam pelo hospital psiquiátrico diariamente cerca de 300 pessoas, entre frequentadores de oficinas terapêuticas e internos provisórios. A Casa Cairbar mantém parcerias com empresas da cidade para garantir trabalho, renda e, em algumas situações, recolocação profissional. “Percebemos que o tratamento está aí, no trabalho. A pessoa se vê como produtiva. É uma inclusão social”, conta Nelson Fernandes Jr, diretor-presidente do hospital psiquiátrico. Foi assim que surgiu a parceria com a Lupo, indústria de vestuário, que abriu as portas e apostou nesta ideia. A empresa montou uma unidade fabril dentro do hospital e adequa o trabalho à capacidade laboral do paciente. Atualmente, mais quatro empresas da região aderiram ao projeto chamado Laboterapia. “Os pacientes trocaram suas rotinas tristes de crises e surtos por uma vida com mais felicidade e alegria”, explica Fernandes Jr. “Dentre as alternativas de tratamento, essa foi a que melhor deu resultado. A maior parte dos nossos pacientes passa o dia todo aqui, toma os medicamentos, alimenta-se, ocupa-se com as oficinas e volta para casa à noite.” Para Liliana Aufiero, diretora-presidente da Lupo, a empresa deve zelar pelo bem-estar de seus funcionários e da comunidade. “Temos plena consciência de que pessoas satisfeitas geram resultados positivos. Durante o processo de contratação de trabalhadores diagnosticados com defici- Falta de investimento ência mental grave e severa, fizemos reuniões com os familiares esclarecendo os critérios de contratação, disciplina, benefícios e tudo que é necessário para proporcionar um bom ambiente de trabalho.” A proposta de trabalho é de quatro horas diárias, em duas equipes. Para tal, o paciente deve cumprir com as exigências de seu tratamento, como medicação e terapia. A estabilidade emocional e tratamento contínuo por um ano ininterruptos garantem vaga na fábrica geral da Lupo. “Na reunião com as famílias, houve muita emoção. Eles nunca imaginavam que seus filhos poderiam ser contratados por uma empresa”, conta Liliana. A implantação do projeto Laboterapia é motivo de orgulho para a empresa, por ter sido a pioneira na região. “Cem por cento dos pacientes que hoje trabalham eram reinternos. Ao longo do tempo, com o suporte das oficinas terapêuticas, com o foco no trabalho, deixaram de ser internados”, completa Fernandes Jr. Segundo ele, é fundamental a reinserção social promovida pelo trabalho formal, com carteira assinada, salário e direitos garantidos. Apesar de seu projeto de inclusão, a Casa Cairbar ainda enfrenta dificuldades. Há anos a instituição fecha o mês no vermelho. A unidade hospitalar é referência regional em assistência a pacientes portadores de transtornos mentais. Mas, atualmente, há uma sobrecarga de internação por problemas relacionados à dependência química, depressão e até moradores de rua. Com dificuldades financeiras, o Cairbar Schutel quase fechou as portas em 2012. Em setembro daquele ano, conseguiu um incremento na sua renda mensal por meio de intervenção do Ministério Público Estadual e com a promessa de ajuda ao hospital de municípios da região. “O governo estadual precisa avançar no modelo de saúde permanente, pois os hospitais psiquiátricos não têm condições de promover atividades de atenção integral aos pacientes sem o reconhecimento do serviço e repasses de verba”, analisa Fernandes Jr. “Dizem que não podem atender a demanda de pacientes, e também não autorizam os hospitais psiquiátricos a oferecerem terapia ocupacional.” (Por Rebeca Salgado) 25 LEGISLAÇÃO Nome social ajuda a construir identidade I dentificar-se quando alguém chama seu nome em público é uma situação banal para a maioria das pessoas. Para transexuais e travestis, no entanto, o fato de serem chamados pelo nome que consta no RG pode deixá-los em uma situação difícil, tornando-os alvo de ofensas ou até agressões físicas. Para atender às necessidades dessa população, já existem regras que reconhecem o direito ao uso do nome social – aquele que a pessoa escolhe para usar socialmente, tendo ou não feito cirurgia de mudança de sexo. Uma delas é o decreto federal nº 8.727/2016, que dispõe sobre o uso do Sandra. “O decreto nome social e o reconhecimento da identidade de gênero estipulou prazo de um de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administra- ano para os órgãos públicos adaptarem os registros de ção pública federal, que entrará em vigor em abril de 2017. No âmbito estadual, existe o decreto nº 55.588/2010, seus sistemas de informação. Uma vez implantado no púque dispõe sobre o tratamento nominal das pessoas tran- blico, até por uma questão de paridade e isonomia de tratamento, a norma será estendida ao sexuais e travestis nos órgãos setor privado”, esclarece a promopúblicos do Estado de São Paulo. tora. “Será necessário que os estaDe acordo com a promotora belecimentos adotem cadastros de Justiça, Sandra Maria Silva Hospitais e laboratórios com a inclusão dos documentos Rassi, essas regras têm impacto na área de saúde. “Embora sejam particulares estão atentos de identidade, assinatura e fotos dos pacientes para evitar erros ou louváveis atos com o intuito de e têm feito adaptações no simulação de identidade, princiminimizar preconceitos, essa legislação pode trazer implicações cadastro e no atendimento" palmente nas hipóteses de exames ou procedimentos sujeitos a sigiimportantes na área da saúde, lo, quando a instituição de saúde pois esse decreto disciplina o uso do nome social não apenas no âmbito interno dos órgãos pode responder, civil e criminalmente, por eventual quebra federais, mas, também, para os usuários dos sistemas públi- de segredo sobre as informações.” Eriete Teixeira, superintendente jurídica da FEHOESP, cos e, inclusive, em documentos oficiais”, explica. Os hospitais e laboratórios particulares também preci- explica que os hospitais estão atentos a essa questão. “Já sam ficar alinhados a esse tipo de demanda social, segundo recebemos consultas pontuais sobre o assunto e a orien- 26 tação para nossos representados é que registrem o nome social, acompanhado do nome civil, apenas para controle interno, como observação em fichas, prontuários e demais documentos. Mas, em caso de questionamento, esclareçam que para fins terapêuticos é relevante conhecer a fisiologia do paciente”, afirma. Ela ressalta ainda que “os estabelecimentos devem treinar seus colaboradores para que deem uniformidade ao atendimento das pessoas, independentemente de seu sexo, raça, origem e condição”. De acordo com a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), os laboratórios também estão adotando medidas de identificação que incluem o nome social. Em nota, a entidade explica que os laboratórios devem atender requisitos de segurança do paciente e eles são definidos na RDC 302 e nas normas de acreditação que consiste na dupla identificação da pessoa. “Essa identificação tem como base os dados de registro oficial do paciente, incluindo o nome completo. No entanto, as normas de qualidade têm procurado incluir requisitos que respeitem a expectativa do paciente. Quando ele explicita durante o atendimento ser chamado por nome pelo qual é socialmente conhecido, os laboratórios têm sinalizado na observação do cadastro e/ou na ficha de atendimento. Mas no cadastro, na identificação da amostra e no laudo constarão o nome oficial do paciente.” Identidade Na opinião de ativistas, as regras sobre o nome social representam um avanço significativo. “Uma lei como essa é importante para o reconhecimento de uma luta antiga do movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros). É uma mudança positiva para essa comunidade, que deseja ser um pouco mais respeitada”, afirma Fernando Quaresma, presidente da Associação da Parada do Orgulho LGBT, que promove eventos e debates. O nome social é obtido com uma ação na Justiça e passa a constar no RG. “Para a travesti e para a pessoa transexual ele existe para conferir um tratamento mais humano”, ressalta Adriana Galvão de Moura Abílio, presidente da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB-SP). “Eles já sofrem por não conseguirem, em sua maioria, acesso ao mercado de trabalho formal. Se não tiverem um acolhimento na área de saúde, fica ainda mais difícil viver”, destaca. (Por Eleni Trindade) 27 ARTIGO Segurança do paciente deve ser prioridade Por Luiz A 28 inda em 2000, a segurança do paciente entrou para a agenda de pesquisadores do mundo todo, e passou a ser internacionalmente reconhecida como uma dimensão da qualidade em saúde. O protagonista neste cenário foi os Estados Unidos, seguido por Inglaterra, Irlanda, Austrália, Canadá, Espanha, França, Nova Zelândia e Suécia. O que deflagrou este movimento foi o lançamento de um estudo, no fim da década de 1990, chamado “Err is Human”, do Institute of Medicine (EUA). A publicação denunciou que os eventos Fernando Ferrari Neto adversos eram a sexta causa de morte naquele país. Reconhecendo a magnitude do problema, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estabeleceu, em 2004, a Aliança Mundial para a Segurança do Paciente, com o propósito de definir e identificar prioridades na área da segurança do paciente e contribuir para uma agenda mundial para a pesquisa no campo. Todos os anos, 200 mil pessoas morrem por causas evitáveis nos hospitais norte-americanos. No Brasil, este número chega a meio milhão de pessoas. A chave para a questão é combater os eventos adversos, ou seja, os erros que podem ser evitados no processo do cuidado. Dados da literatura estimam que 10% dos pacientes internados em hospitais sofram eventos adversos. Em 2013, o empresário norte-americano Joe Kiani fundou o Patient Safety Movement, com o ousado objetivo de zerar as mortes por erros evitáveis nos hospitais dos Estados Unidos até 2020, além de trabalhar por ações em prol de mitigar esses erros ao redor do mundo. Em 2014, o movimento salvou 602 vidas; em 2015, foram salvas 6 mil. Entre as missões, estão unificar os ecossistemas de saúde, identificar os erros e criar ações para enfrentar esses desafios e fazer com que os hospitais façam a adesão do Actionable Patient Safety Solutions (Soluções de Recursos para a Segurança do Paciente). Essas soluções, sob a sigla APSS, estão disponíveis para download no site www.patientsafetymovement.org, e são atualizadas anualmente, acumulando novos desafios por meio do desenvolvimento de um planejamento anual. O desafio número um, como não poderia deixar de ser, é criar uma cultura de segurança do paciente nos ambientes hospitalares. Por meio de um extenso check-list, a instituição pode assegurar que medidas estão sendo implementadas. Na visão do movimento, os profissionais de saúde representam, em si, a mudança que precisamos para alcançar os objetivos. Daí a necessidade de se criar equipes internas que centralizem os mecanismos de controle e a aferição de resultados. No Brasil, a Fundação Brasileira para a Segurança do Paciente segue a mesma linha de atuação, inspirada na iniciativa norte-americana e intimamente ligada a ela. As metas aqui são menos ousadas, mas bastante contundentes: implantar os Núcleos de Segurança do Paciente em 50% dos hospitais brasileiros em cinco anos, e em 100% em dez anos. A fundação brasileira conta com uma rede formada por 90 hospitais, seguradoras de planos de saúde, membros da sociedade civil organizada e instituições acreditadoras. O órgão estima que 7% de nossos pacientes sofram eventos adversos durante internações, sendo 67% desses eventos evitáveis. E ainda alerta para o baixo índice de estabelecimentos com núcleos de segurança do paciente constituídos: de 2013 para cá, ano em que nasceu a exigência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a formação dos núcleos, a aderência foi inferior a 20% dos hospitais. No Sistema Único de Saúde (SUS), a taxa de mortalidade cirúrgica é de 3,7%, índice mais que três vezes maior do que é praticado nos Estados Unidos. Nossa rede particular apresenta taxa menor, de 0,9%. Essa discrepância nos números mostra o quão longo é o caminho a ser percorrido para o processo de unificação de nossos ecossistemas de saúde. Uma das grandes inspirações dos programas de segurança de paciente ao redor do mundo têm sido a experiência da indústria da aviação civil. As grandes catástrofes aéreas chamam a atenção pelo número de vidas envolvidas, mas os índices comprovam que há apenas um óbito para cada oito milhões de decolagens. Acidentes por erro humano em hospitais, por outro lado, correspondem a um acidente com um jato do tipo jumbo por dia nos EUA. “A maneira quase silenciosa como este acidente aeronáutico ocorre a cada 24 horas faz com que o tema segurança do paciente em hospitais precise da atenção de todos imediatamente”. Esta frase foi retirada de um dos textos de alerta feitos pelo Patient Safety Movement. A mensagem é replicada pelo movimento brasileiro, e por outros. Além das pessoas preparadas para modificar a cultura dentro dos hospitais, e das políticas públicas que incentivem a mudança, precisamos de tecnologia para nos auxiliar com a enorme quantidade de dados que podemos coletar. Iniciativa da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo (Saesp) dá mais um passo em direção a esta corrida: o lançamento de um aplicativo para celular destinado ao registro de eventos adversos. O objetivo é incentivar os profissionais a relataram, sob sigilo, ocorrências relacionadas a anestesia antes, durante e após a cirurgias. O Sistema de Relato de Incidentes em Abestsia (SRIA) é resultado de uma parceria da Saesp com o Anesthesia Quality Institute. As informações submetidas ao SRIA são transmitidas para um servidor de forma segura, criptografadas e mantidas sob proteção. A ideia é que os dados permitam, ao longo do tempo, a consolidação de um mapeamento real do cenário de eventos adversos no país, ainda caracterizado pela subnotificação. Promover a qualidade nos estabelecimentos de saúde não é mais optativo. Num cenário em que os altos custos pressionam a capacidade de financiamento dos sistemas, errar torna-se muito caro, e oferecer tratamentos nada resolutivos, também. * Luiz Fernando Ferrari Neto é médico patologista clínico, diretor da FEHOESP, vice-presidente do SINDHOSP e coordenador do Comitê de Laboratórios da Federação 29 CHARGE A Revista FEHOESP 360 é uma publicação da FEHOESP, SINDHOSP, SINDHOSPRU, SINDJUNDIAÍ, SINDMOGIDASCRUZES, SINDRIBEIRÃO, SINDSUZANO e IEPAS Tiragem: 15.500 exemplares Periodicidade: mensal Correspondência: Rua 24 de Maio, 208, 9º andar - Diretoria FEHOESP Presidente - Yussif Ali Mere Junior 1º Vice-Presidente - Marcelo Soares de Camargo Conselheiros Fiscais Efetivos - Antonio 3º Vice-Presidente - Flávio Isaias Rodrigues Carlos de Carvalho, Ricardo Nascimento Teixeira Mendes e João Paulo Bampa da Silveira 1º Diretor Secretário - Rodrigo de Freitas Coordenadora de Comunicação 2º Diretor Secretário - Paulo Fernando Aline Moura Moraes Nicolau Editora responsável 1º Diretor Tesoureiro - Luiz Fernando Fer- Fabiane de Sá (MTB 27806) rari Neto Redação 2º Diretor Tesoureiro - José Carlos Barbério Projeto gráfico/diagramação: Thiago Alexandre Fotografia: Leandro Godoi Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da revista. tos Pessoa, Hugo Alexandre Zanchetta Buani, Danilo Ther Vieira das Neves, Armando De Domenico Junior, Luiza Watanabe Dal Ben, Jorge Eid Filho e Michel Toufik Awad 2º Vice-Presidente - Roberto Muranaga República - São Paulo - SP - 01041-000 [email protected] Eleni Trindade, Rebeca Salgado e Ricardo Balego Diretores Suplente - André Junqueira San- Nóbrega Conselheiros Fiscais Suplentes - Maria Helena Cerávolo Lemos e Fernando Henriques Pinto Junior Delegado Representante junto à CNS efetivo - Yussif Ali Mere Junior Delegado Representante junto à CNS suplente - Marcelo Soares de Camargo