Compreensão de Sentenças com Vestígios de SN e de Elemento-QU no Agramatismo Arabie Bezri Hermont UFRJ/1999 COMPREENSÃO DE SENTENÇAS COM VESTÍGIOS DE SN E DE ELEMENTOQU NO AGRAMATISMO Arabie Bezri Hermont Dissertação submetida ao Departamento de Lingüística da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre. Aprovada por: Prof. ______________________________ - Orientador Doutor Celso Vieira Novaes, UFRJ Profª ______________________________ Doutora Cláudia Nívea Roncaratti, UFF Profª Profª Prof ______________________________ Doutora Márcia Maria Damaso Vieira, UFRJ ______________________________ Doutora Mariluci Novaes, UFF ______________________________ Doutor Mário Eduardo Toscano Martelotta, UFRJ COMPREENSÃO DE SENTENÇAS COM VESTÍGIOS DE SN E DE ELEMENTOQU NO AGRAMATISMO Arabie Bezri Hermont Dissertação de Mestrado em Lingüística apresentada à Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientador: Celso Vieira Novaes Rio de Janeiro 1999 Hermont, Arabie Bezri. Compreensão de sentenças com vestígios de SN e de Elementos-QU no agramatismo / Arabie Bezri Hermont. Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 1999, xi, 160p. il. Dissertação – Universidade Federal do Rio de Janeiro, FL. 1. Afasiologia Lingüística. 2. Sintaxe. 3. Tese (Mestr.UFRJ/FL). I. Título. SINOPSE: Desempenho de paciente afásico agramático em testes de compreensão de sentenças geradas por movimento discutido à luz da teoria Gerativa e explicado por estratégias cognitivas extra-lingüísticas em contraposição a propostas de caráter estritamente lingüístico. Dedico este trabalho ao meu esposo, Danilo, que, de maneira indireta, mas muitas vezes decisiva, sempre esteve me apoiando. AGRADECIMENTOS Ao Professor Celso Vieira Novaes, por ter despertado, em mim, o interesse em neurolingüística, pela orientação cuidadosa deste trabalho e por ter estabelecido comigo uma relação compreensiva e de amizade. Ao amigo Ricardo Joseh Lima, pelas várias sugestões de textos, pelos debates e pela ajuda na realização desta dissertação. Aos demais professores do curso de mestrado da Faculdade de Letras/UFRJ por terem, de alguma forma, colaborado para o meu crescimento intelectual, em especial, Marília Facó, Miriam Lemle e Vera Paredes. À bolsista Alessandra Faria, pelo auxílio na procura pelo paciente “ideal” e na aplicação de testes. Às fonoaudiólogas Mônica, Albertina e Gabriela da ABBR e à fonoaudióloga Cláudia Drumond do Instituto de Neurologia Deolindo Couto, por terem cedido espaço e tempo para a elaboração dos testes. Às pacientes ML e I, que nem perceberam o quanto aprendi com elas... Ao meu pai, Taysir Anis Bezri, que, hoje, do andar de cima, deve estar torcendo por mim. À minha mãe, Antonieta Bezri, por ter me estimulado em toda a minha vida escolar. Às minhas irmãs, Anice e Amira, pelo apoio constante. À agência de fomento CAPES, pela concessão da bolsa de estudos que viabilizou a realização deste trabalho. SUMÁRIO LISTA DE GRÁFICOS ...................................................................................................... ix LISTA DE TABELAS.........................................................................................................x LISTA DE ANEXOS...........................................................................................................xi INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 1 1.FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: A RELAÇÃO DA LINGUAGEM COM O CÉREBRO E COM A MENTE.. ................................................................................ ....4 1.1 Linguagem e Cérebro.................................................................................................4 1.2. Modularidade da Mente, do Sistema Lingüístico e do Componente Sintático .................................................................................................................... 13 1.3 Afasiologia Lingüística e a Teoria Gerativa............................................................... 20 1.3.1. Teoria da Regência e Ligação.....................................................................................23 1.3.2. Conhecimento de vestígios de SN e de elemento-QU por parte do indivíduo normal...................................................................................................................................25 2. CARACTERIZAÇÃO DO AFÁSICO AGRAMÁTICO............................................33 2.1. A Produção do Indivíduo Afásico Agramático.........................................................33 2.2 Compreensão do Indivíduo Afásico Agramático.......................................................39 2.2.1. A Hipótese do Apagamento de Vestígios e o Princípio Default.................................43 2.2.2 A Revisão da Hipótese de Apagamento de Vestígios (RTDH) e Explicações Sintáticas para o Déficit de Compreensão.............................................................................................48 2.2.3. Algumas propostas de Grodzinsky a Hickok et al. ................................................... 54 2.3. Estabelecendo o Objetivo para a Pesquisa ................................................................ 60 3 METODOLOGIA............................................................................................................ 62 3.1 A amostra ...................................................................................................................... 62 3.2 Tipos de Testes.............................................................................................................. 69 3.2.1. Teste de Correspondência Sentença-Gravura............................................................. 70 3.2.2 Teste de Julgamento de Verdade ................................................................................. 76 3.2.3. Teste de Anagrama .................................................................................................... 79 3.3 Como Interpretar os Resultados ................................................................................. 82 4. RESULTADOS DOS TESTES E DISCUSSÃO GERAL........................................... 87 4.1 Resultados dos Testes Aplicados na Paciente I .......................................................... 87 4.1.1 Resultados do Teste de Correspondência Sentença-Gravura ...................................... 88 4.1.2. Resultados do Teste de Julgamento de Verdade ....................................................... 93 4.1.3. Resultados do Teste Anagrama .................................................................................. 94 4.2. Comparação dos Resultados Obtidos no Teste de Correspondência SentençaGravura e de Anagrama .................................................................................................... 97 4.3. Comparação dos Resultados Obtidos nos Testes da Paciente I com os de Grodzinsky (1995b) e de Hickok et al. (1993) ............................................................... 100 4.4. Discussão Geral dos Resultados .............................................................................. 106 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 111 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 116 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Um afásico de Broca ......................................................................................67 Gráfico 2 –Um afásico de Wernicke .................................................................................67 Gráfico 3 – A paciente I: afásica de Broca .......................................................................68 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Resultados do teste de Correspondência Sentença-Gravura.........................88 Tabela 2. Resultados do teste de Anagrama ....................................................................94 Tabela 3. Resultados do teste de Correspondência Sentença-Gravura e Resultados do teste de Anagrama .............................................................................................................98 Tabela 4. Resultados do teste de Anagrama realizado pelos Pacientes de Grodzinsky (1995b) ...............................................................................................................................101 Tabela 5. Resultados dos Testes realizados pelos pacientes de Grodzinsky (1995b) comparados aos da Paciente I .........................................................................................102 Tabela 6. Resultados dos Testes realizados pelo Paciente de Hickok et al. (1993) comparados aos da Paciente I ........................................................................................ 105 LISTA DE ANEXOS Anexo 1. Sistema Nervoso ...............................................................................................120 Anexo 2. Exemplos de quadros apresentados nos testes de Correspondência SentençaGravura .............................................................................................................................122 Anexo 3. Exemplo de quadro apresentado nos testes de Julgamento de Verdade......133 Anexo 4. Exemplo de quadro apresentado nos testes de Anagrama...........................135 Anexo 5. Comparação dos resultados obtidos nos testes de Hickok et al. com as previsões do Teste Binomial ........................................................................................... 137 Anexo 6. Teste Binomial para um universo de 20 sentenças ........................................138 Anexo 7. Sentenças investigadas nos três testes e desempenho da Paciente I.............139 INTRODUÇÃO É cada vez mais crescente o interesse por déficits cognitivos, particularmente os lingüísticos, provenientes de lesão cerebral. Pesquisas que se preocupam com assuntos dessa natureza pertencem a um estudo denominado afasiologia lingüística que, por sua vez, insere-se em uma ciência de domínio maior, chamada neurolingüística. A neurolingüística surge de uma unificação entre a ciência do cérebro e o estudo do comportamento (ou da mente) no qual se inclui a lingüística. Várias investigações já foram realizadas sob a perspectiva do quadro teórico gerativista. Tal teoria assume que o conhecimento lingüístico pode ser mais bem explicado levando-se em conta a natureza da mente e aponta a existência de um conhecimento inato, que é a Gramática Universal. Um outro pressuposto no qual o gerativismo baseia-se é o de que a mente é composta por módulos. Cada módulo possui princípios específicos, sendo a linguagem um deles. A modularidade estende-se também à linguagem. Um de seus módulos é a sintaxe. Dentro dos fenômenos sintáticos mais estudados, destaca-se o estudo sobre as categorias vazias e, dentre elas, os vestígios de SN e de elemento-QU, que vêm a ser categorias não realizadas foneticamente originadas pelo movimento de um SN ou de um elemento-QU, respectivamente, de uma determinada posição para outra posição. Várias pesquisas visam a observar como tais vestígios são representados na gramática do indivíduo com lesão seletiva no lobo frontal do hemisfério esquerdo do cérebro1. Nesta dissertação, será dada ênfase ao déficit de compreensão de sentenças com vestígios de SN e de elemento-QU em afasia agramática. 1 Eventualmente, a linguagem pode estar representada na parte direita do cérebro. Dentre os vários pesquisadores sobre o assunto, destacamos Grodzinsky (1990, 1995b) e Hickok, Zurif e Canseco-Gonzalez (1993). As abordagens de ambos os autores assemelham-se em alguns pontos. Primeiramente, por concordarem que a perda da sintaxe, por parte dos afásicos agramáticos, não é total, mas sim seletiva, ou seja, há perda sistemática de alguns componentes sintáticos. Em segundo lugar, esses autores também concordam que a descrição mais adequada para explicar o déficit de compreensão do afásico com a lesão mencionada diz respeito ao cancelamento, no plano mental, dos vestígios de SN e de elemento-QU. Por fim, os pesquisadores ainda assemelham-se por já terem desenvolvido estudos que envolvem exclusivamente a compreensão de sentenças geradas por movimento por parte desses pacientes. Mas os autores contrapõem-se por sugerirem explicações distintas para o desempenho do afásico agramático em tarefas de compreensão de tais sentenças. Grodzinsky (op. cit.) declara que o indivíduo afásico agramático, ao lidar com a compreensão de sentenças com vestígios, utiliza-se de estratégias cognitivas extra-lingüísticas para compensar o déficit lingüístico. Já Hickok et al. (op. cit.) explicam o desempenho dos pacientes com a lesão seletiva já apontada sem fazer uso da proposta de atuação de estratégias cognitivas extra-lingüísticas. A explicação desses autores diz respeito a fatos estritamente sintáticos. Este trabalho pretende confrontar as duas propostas apresentadas no parágrafo anterior para o desempenho de indivíduos afásicos agramáticos em tarefas de compreensão de sentenças com vestígios de SN e de elemento-QU, propiciando um debate sobre o assunto. Para tanto, faremos um estudo de caso de uma pessoa com afasia agramática, ou seja, com lesão na área de Broca e adjacências. Além de confrontarmos as propostas de Grodzinsky (1990, 1995b) com as de Hickok et al. (1993) a fim de verificar qual delas é a mais coerente com os dados obtidos, vamos adaptar, para os nossos interesses, os testes realizados pelos autores, com o objetivo de constatar se há diferença na obtenção de resultados no que diz respeito à natureza do teste (ou seja, se um teste possibilita resultados diferentes em relação ao outro). Esta dissertação está dividida em cinco capítulos. O capítulo 1 visa a dar um embasamento sobre as relações cérebro e linguagem e mente e linguagem, no qual veremos como os estudos sobre a localização da linguagem no cérebro ocorreram, além de concepções sobre modularidade da mente e da linguagem. Ainda apresentaremos as bases epistemológicas do quadro teórico gerativista, englobando noções da Teoria da Regência e Ligação (CHOMSKY, 1981) e apontando os conceitos sobre vestígios de SN e de elemento-QU. O capítulo 2 pretende caracterizar o indivíduo afásico agramático, explicitando seu comportamento em tarefas de compreensão de sentenças geradas por movimento. Nele, portanto, serão apresentadas as abordagens de Grodzinsky (1990, 1995b) e de Hickok et al. (1993). O capítulo 3 será destinado a apresentar a metodologia usada na nossa pesquisa, incluindo a descrição da pessoa afásica agramática investigada neste estudo, os tipos de testes e a forma de interpretar os resultados. O capítulo 4 demonstrará os resultados obtidos da aplicação dos testes na paciente e realizará uma discussão a esse respeito. Por fim, no capítulo 5, faremos as considerações finais. 1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: A RELAÇÃO DA LINGUAGEM COM O CÉREBRO E COM A MENTE Este capítulo tem a finalidade de descrever as relações entre linguagem e cérebro e entre linguagem e mente. Tais abordagens constituem a base para o entendimento do estudo sobre o déficit lingüístico originado por lesão cerebral. Para tanto, trataremos, na primeira seção, da localização da linguagem no cérebro. Na seção seguinte, apontaremos a relação entre mente e linguagem, em que uma concepção modular para a mente e para a linguagem será privilegiada e designada como norteadora de todo o estudo aqui proposto. Na terceira seção, abordaremos noções gerais sobre o quadro teórico embasador do nosso trabalho, a saber o gerativismo, além de mencionarmos alguns conceitos básicos sobre a Teoria da Regência e Ligação, detendo-nos nas categorias vazias que interessam ao presente estudo: os vestígios de SN e de elemento-QU. 1.1. Linguagem e Cérebro Esta seção apresenta um breve histórico sobre a identificação da linguagem no cérebro. Em seguida, indica alguns recursos tecnológicos que, aliados às noções mais modernas de caráter lingüístico, proporcionam-nos confirmações e novas descobertas sobre a localização da linguagem no cérebro, quais sejam, ERP, PET, Spect, dentre outros. O interesse sobre a base neural da linguagem é bastante antigo. O recorte que faremos para iniciar o estudo científico da relação entre linguagem e cérebro data do fim século XVIII. Nesta época, Franz Joseph Gall, um médico e neuroanatomista, destacou-se porque apresentou a proposta de que diferentes regiões do córtex cerebral deveriam ser responsáveis por funções específicas. O cérebro não atuaria como um órgão unitário. Ao contrário, seria um conjunto de vários órgãos, cada um controlando uma faculdade mental específica. Dentro deste contexto, Gall desenvolveu um estudo o qual foi denominado “frenologia”: consistia de uma base anatômica que apontava o caráter de uma pessoa em suas mais variadas faculdades, espiritual, intelectual, emocional, moral, dentre outras. Cada uma destas faculdades correspondia a uma atividade de uma parte específica do cérebro (mais precisamente os lobos frontal, parietal, occipital e temporal). O tamanho da área cerebral também determinava o potencial de desenvolvimento de uma faculdade de uma pessoa. Desta forma, os frenologistas apalpavam as cabeças dos indivíduos e indicavamlhes suas maiores e menores habilidades. Em 1861, Pierre Paul Broca – um neurologista francês –, ao examinar o cérebro de um paciente após sua morte, conclui que a habilidade para a produção lingüística estava localizada na base da terceira circunvolução do lobo frontal do hemisfério esquerdo cerebral. Explicando um pouco mais sobre a descoberta: o paciente de Broca – chamado Leborgne – foi internado aos 37 anos. Sua fala consistia basicamente de uma sílaba – TAN. Falava, ainda, algumas palavras isoladas, sem articular frases completas. Entretanto, este indivíduo aparentemente entendia o que lhe era dito. Após vinte anos de internamento, Leborgne morre e Broca examina-lhe o cérebro verificando, então, uma lesão na área já designada. Broca chega à conclusão que tal região é a responsável pela produção da linguagem através do seguinte raciocínio: Leborgne não tinha deficiência com a comunicação nãolingüística e, sim, com a lingüística. Dentro da comunicação lingüística, o paciente era capaz de compreender o que as pessoas lhe diziam. A função deficiente de Leborgne era a de produção da linguagem. Então, Broca associou a área lesionada à dificuldade apresentada pelo paciente e passou a designar, para a base da terceira circunvolução do lobo frontal do hemisfério esquerdo do cérebro, a responsabilidade pela faculdade de produção da linguagem. Esta região, hoje, é conhecida como “área de Broca”. Em 1865, Broca apresentou oito casos de pacientes com comportamentos similares, em que todos tinham lesão na área destinada à faculdade da produção da linguagem. Desta forma, Broca comprovou a localização da linguagem no hemisfério esquerdo. Esta descoberta, aliás, é um embrião para outra: a de que os hemisférios cerebrais não atuam da mesma forma, ou seja, são assimétricos. O segundo avanço que diz respeito à localização biológica da linguagem deve-se ao neurologista alemão Carl Wernicke que, em 1874, publicou um artigo “O Complexo Sintomático da Afasia: Um estudo psicológico sobre Base Anatômica” (KANDEL, 1997, p.10). Este artigo apresentava um novo tipo de afasia, relacionado ao distúrbio de compreensão e não ao de produção, conforme aquele apontado por Broca. Wernicke descreveu alguns casos de pacientes que tinham dificuldade de compreender a fala, até mesmo o que eles próprios diziam, mas não apresentavam restrições na expressão da linguagem: mantinham padrões entoacionais normais em suas falas, mesmo que não houvesse sequer uma informação com nexo. Quando um dos pacientes morreu, seu cérebro foi examinado e o neurologista constatou uma ruptura na região do primeiro giro temporal à esquerda, que, mais tarde, ficou conhecida como “área de Wernicke”. (Veja anexo 1) Desta maneira, Wernicke sugere que somente as funções mentais mais simples, como a percepção e a atividade motora, seriam mais especificamente localizadas nas áreas do córtex. As funções mentais mais complexas, no entanto, seriam o resultado de interconexões entre várias áreas funcionais. Esta noção foi denominada “processamento distribuído”. Dentro deste contexto, Wernicke introduziu a idéia do fluxo de informação e da interrupção desse fluxo em decorrência de uma lesão. Em seguida, a partir dessa noção, Wernicke sugere um novo tipo de afasia, que foi comprovada clinicamente tempos depois. É a afasia de condução, decorrente de lesão nas vias de fibras que interconectam as áreas responsáveis pelas atividades receptivas e motoras. Caracteriza-se pelo uso incorreto das palavras (parafasia). Os pacientes com esta síndrome podem ouvir, ver e não têm dificuldade para falar. Mas não conseguem falar corretamente, omitem partes de determinadas palavras ou as substituem por sons errôneos. Constatamos, então, que a produção da linguagem pode ser alterada se houver lesão na área de Broca – resultando em afasia de Broca2. Já a compreensão da linguagem é comprometida se a lesão for na área de Wernicke e, se o comprometimento cerebral for na via que conecta a área de Broca à área de Wernicke, configura-se a afasia de condução, em que constituintes da linguagem são omitidos ou incorretamente empregados. A forma como Wernicke passou a abordar o estudo sobre afasia foi de grande importância e, em 1885, foi publicado, por Lichtheim, um diagrama sobre o fluxo da informação que também visava à descrição das afasias estudadas sob o modelo conexionista (conforme foram denominadas as propostas de Wernicke). O diagrama aponta o seguinte3: 2 Verificaremos, ainda no decorrer deste trabalho, que mais tarde ficou conhecido que o afásico de Broca também apresenta problemas específicos de compreensão. Gostaríamos, entretanto, de assinalar que o déficit na compreensão é distinto daquele apresentado por um afásico de Wernicke. 3 Extraído de Caplan (1987, p.56). B 4 M (1) 5 m 6 3 A (2) 7 a em que “M” corresponde à área de Broca, portanto, responsável pela produção da linguagem; “A” diz respeito à área de Wernicke, logo, ligado à recepção; e “B” é relacionado à área onde estão os conceitos. O “m” diz respeito à palavra falada, e o “a”, ao material fonético ouvido. O fluxo da informação ocorre, de acordo com este diagrama, da seguinte forma: ao ouvir uma palavra, o aparelho auditivo manda a informação até chegar na área de Wernicke, região em que ocorrerá a recepção de tal palavra. A conexão entre a área de Wernicke e de Broca se dá por meio de um conjunto de fibras denominado fascículo arqueado. Há, na área de Wernicke, segundo a concepção conexionista, memória dos sinais auditivos das palavras e, na área de Broca, há memória para a articulação das palavras. Desta forma, a fala é ouvida, compreendida, produzida e articulada. No diagrama de Lichtheim, o terceiro centro, denominado conceptual, seria uma área onde as representações lingüísticas poderiam chegar da área de Wernicke e partir para a área de Broca. Após a explicitação do fluxo da informação neste diagrama, podemos proceder à demonstração dos tipos de afasia. Se houver comprometimento em 1, há afasia de Broca. Se a lesão for em 2, há a afasia de Wernicke. Ocorrendo rompimento do fluxo em 3, dá-se a afasia de condução, em que se interpreta a informação, mas é impossível a repetição desta por parte do afásico. Se ocorre ruptura do fluxo em 4, a afasia é denominada motora transcortical, obtendo-se uma produção da linguagem similar à da afasia de Broca, sendo a repetição normal. Se o problema é em 5, há lesão motora subcortical: o distúrbio é na articulação. Acontecendo um comprometimento do fluxo em 6, teremos a afasia sensóriotranscortical, que manifesta dificuldade de compreensão, sendo o centro conceptual afetado. A repetição, no entanto, não é afetada. Por fim, se o problema é em 7, ocorre a lesão sensório-subcortical, cuja conseqüência é a surdez4. Benson e Geschwind (1971 apud CAPLAN, 1983, p.74) refizeram a classificação realizada por Lichtheim, sem alterar fundamentalmente as descrições das síndromes ou a relação das síndromes com as áreas do cérebro. Mas adicionaram três tipos de afasia àqueles mencionados por Lichtheim: afasia anômica, em que o indivíduo tem uma grande dificuldade em nomear objetos; isolamento da área da fala, em que o paciente pode repetir, mas não fala nem compreende a linguagem; e afasia global, na qual todas as modalidades da habilidade lingüística estão gravemente comprometidas. A despeito das várias reelaborações no estudo da relação entre linguagem, afasia e cérebro, recentes pesquisas neuropsicológicas e de imageamento comparando a habilidade lingüística em pessoas normais e em indivíduos afásicos indicam que tal modelo pode ser simplista em diversos aspectos. O principal deles é a importância dada às áreas de Broca e de Wernicke para designar que um indivíduo com lesão tem dificuldades de expressar-se e de compreender, respectivamente. Na verdade, as áreas lesionadas costumam ser muito maiores5. 4 Vale dizer que comprometimentos em 5 e em 7 não são considerados afasias – são dificuldades de articular e de ouvir, respectivamente. 5 Esta noção é interessante para o nosso trabalho, pois não encontramos pacientes com afasia de Broca com lesão localizada somente na área específica para essa síndrome. Até agora, verificamos que, desde a segunda metade do século XIX, sabe-se que a habilidade da linguagem é o resultado da interação de algumas áreas do cérebro; em princípio, a afasia é um distúrbio de linguagem causado por lesão em áreas cerebrais específicas para a faculdade lingüística; e há tipos distintos de afasia. Além disso, Broca e Wernicke podem ser considerados os precursores no estudo científico que diz respeito à localização da linguagem no cérebro e que estuda os distúrbios de linguagem. Outras pesquisas sobre a relação entre estrutura neural e a natureza da linguagem foram desenvolvidas, bem como técnicas de estudo associadas às abordagens mais sofisticadas sobre o assunto. Com o avanço tecnológico, tornou-se possível conhecer bastante sobre a localização lingüística no cérebro. Por exemplo, em 1950, Wilder Penfield (KANDEL, 1995, p.13), em uma cirurgia cerebral para correção de epilepsia, estava em busca de áreas que produzissem distúrbios de linguagem utilizando pequenos eletrodos para estimular o córtex de pacientes. Penfield desejava assegurar que a cirurgia não iria comprometer as habilidades lingüísticas dos pacientes. O médico confirmou que as áreas para linguagem são realmente aquelas descritas por Broca e Wernicke, baseado em declarações de seus pacientes os quais ficaram todo o tempo da cirurgia acordados (a cirurgia foi realizada sob anestesia local). Portanto, mesmo que as afasias de Broca e de Wernicke não impliquem lesões localizadas especificamente nas áreas respectivas, conforme já apontamos, recursos tecnológicos são capazes de confirmar que tais regiões estão relacionadas predominantemente à expressão e à recepção da linguagem. Alguns recursos tecnológicos possibilitam a comprovação de antigas descobertas (como a citada no parágrafo anterior) e a realização de novas descobertas. Por exemplo, dentro da habilidade de compreensão da linguagem, é possível medir a atividade cerebral e observar quando regiões responsáveis por algumas características lingüísticas – por exemplo, a sintática – estão atuando. E mais: alguns aparelhos já conseguem verificar áreas responsáveis por tipos diferentes de estruturas sintáticas. Este auxílio tecnológico permite, por conseguinte, um maior aprofundamento no estudo lingüístico relacionado à sua base neural. Vejamos algumas evidências. Uma das técnicas usadas diz respeito ao ERP (event-related potentials, em português, potencial de evento relacionado ao cérebro) que é a gravação de atividades elétricas de células individuais ou de grupos de células mediante a apresentação de estímulos. Neville e co-pesquisadores (apud FROMKIN, 1997, p.16) demonstraram, por meio de resultados de ERP, que a compreensão da linguagem é decomposta em subsistemas separados, incluindo sistemas distintos para processamento semântico e sintático. Experimentos de compreensão de sentenças bem-formadas sintaticamente e anômalas semanticamente resultaram em tempo e em distribuição de efeitos distintos em relação a testes de compreensão de sentenças com desvios sintáticos. A conclusão foi a de que os processos semânticos e sintáticos são subsistemas distintos dentro da faculdade da compreensão da linguagem. Podemos citar ainda um outro experimento que fez uso do PET para a localização neural em indivíduos que foram submetidos a tarefas de compreensão de sentenças com estruturas sintáticas diferentes. O PET (positron emission tomography, em português, tomografia de emissão de pósitron) é uma técnica de imageamento que permite a visualização de alterações localizadas do fluxo sangüíneo cerebral e do metabolismo que acompanham atividades mentais, como leitura, fala, audição, interpretação. É um dos recursos mais utilizados em experimentos relacionados à linguagem. Stromswold et al. (1996, p.452) realizaram testes de julgamento de sentenças em que o PET media o fluxo sangüíneo em regiões no cérebro quando os sujeitos tinham que apontar se uma sentença era possível de existir no que diz respeito à semântica (ou seja, se a sentença fazia sentido ou não). Havia sentenças mais complexas (entendidas como sentenças com relativas encaixadas ao centro, do tipo “O suco que a criança derramou manchou o tapete”) e havia sentenças menos complexas (entendidas como sentenças com relativas encaixadas à direita como, por exemplo, “A criança derramou o suco que manchou o tapete6). O fluxo de sangue na área de Broca era maior quando as pessoas submetidas ao teste julgavam as sentenças mais complexas sintaticamente do que quando julgavam as menos complexas. Ou seja, o experimento oferece-nos uma evidência de que regiões distintas da área de Broca são ativadas para diferentes estruturas sintáticas de uma sentença. Há ainda outros recursos que auxiliam nas pesquisas neurolingüísticas e, mais especificamente, em afasiologia lingüística, como o Spect, que é uma tomografia computadorizada de emissão de um único próton, e o escaneamento metabólico que mede o metabolismo de partes do cérebro humano. Vimos, mediante os experimentos mencionados, que o uso de recursos tecnológicos permite-nos entender um pouco mais sobre a habilidade de compreensão da linguagem e mais: a habilidade de compreensão de estruturas sintáticas. Dentro deste contexto, devemos mencionar que, por muito tempo, perdurou-se a idéia de que o indivíduo com afasia de Broca tinha a produção danificada e compreensão intacta. No início dos anos 70, novos estudos, como, por exemplo, o de Caramazza e Zurif (1976 apud GRODZINSKY, 1990), impulsionados pela pobreza do output dos afásicos de 6 Exemplos extraídos de Stromswold et al. (Brain and Language, v.52, 1996, p. 456) e traduzidos para a língua portuguesa. Broca e embasados na teoria lingüística gerativa7, começaram a verificar a compreensão de estruturas sintáticas por parte destes indivíduos. O resultado revelou comprometimento sintático em compreensão por parte de indivíduos com afasia de Broca. É um primeiro avanço para a reformulação do perfil do afásico de Broca. Este, além de grande dificuldade em expressar a língua, tem, em alguns casos, dificuldade também em compreendê-la. Além disso, Zurif (1998, p.183) indica que a área cortical relativa a esta síndrome deve-se referir a uma região mais ampla que a base da terceira circunvolução frontal. Ele relata que áreas adjacentes e mais profundas estão também envolvidas na afasia de Broca. Logo, o segundo avanço: a área lesionada que origina a afasia de Broca passa também por uma novo redimensionamento: é mais ampla do que se imaginava anteriormente. 1.2. Modularidade da Mente, do Sistema Lingüístico e do Componente Sintático Apontamos, na seção anterior, que afasia é um distúrbio no sistema lingüístico causado por lesões em áreas cerebrais específicas para a faculdade da linguagem. Neste momento, podemos acrescentar: afasia é conseqüência de áreas lesionadas no cérebro, que, no nível mental, estão ligadas aos princípios de natureza lingüística. Ou seja, estamos admitindo que existe lugar para a linguagem tanto no cérebro, quanto na mente, sendo o cérebro a parte física e a mente a parte abstrata. Ambos estão ligados ao comportamento lingüístico de um indivíduo. Designando a existência das duas partes, não estamos afirmando que, necessariamente, há correspondência biunívoca de uma parte com a outra. Vários estudos sobre afasia são focalizados sob a perspectiva da modularidade da mente. De fato, há evidências de que a mente humana é organizada em diferentes módulos 7 O gerativismo será mais bem explicado na seção 1.3. cognitivos com princípios específicos: ou seja, cada uma destas faculdades mentais seria responsável por tipos distintos da competência humana. Um exemplo sobre a modularidade mental é demonstrado no clássico texto de Curtiss (1981). Três pessoas foram examinadas no que diz respeito às habilidades de cognição lingüística (englobando aí as capacidades relacionadas à morfologia - uso de plural, por exemplo - e à sintaxe - uso de formas auxiliares, operações com relativizadores, pronominalização). Também foram examinadas as habilidades lexicais e semânticas (que seriam as habilidades de adquirir vocabulário e de atribuição de sentido), além de outras habilidades cognitivas não lingüísticas, tais como desenho, jogo simbólico, percepção figura e fundo, ações de manipulação incluindo encaixamento e construção de estruturas hierárquicas, seqüência lógico-temporal, memória a curto prazo, dentre outras. O primeiro caso trata da menina Genie que, desde os 20 meses até os 13 anos de idade, ficou isolada do mundo, não tendo recebido, assim, nenhum input lingüístico. Depois desta fase, entrou em contato com a língua e passou a desenvolver uma linguagem dotada de habilidades lexicais e semânticas. Mas a menina não fazia uma boa elaboração morfológica de sua pronúncia (não usando plural ou marcadores possessivos, por exemplo) e nem usava, de forma genérica, recursos sintáticos, (como relativização, pronominalização ou movimento de constituintes do tipo inversão sujeito-auxiliar em sentenças interrogativas). Portanto, as habilidades morfológicas e sintáticas eram ruins. Seu desempenho nos testes de habilidades cognitivas não-lingüísticas foi considerado satisfatório, exceto para os testes de memória a curto prazo. Já nos dois outros casos apresentados no texto, Anthony e Marta, indivíduos com retardamento mental, o processo era inverso. Sempre estiveram expostos à língua. Suas falas eram dotadas de recursos morfológicos e sintáticos, no entanto completamente ou bastante isentas de sentido. Os dois pacientes tinham, portanto, as habilidades para morfologia e sintaxe bem desenvolvidas, mas as habilidades semântica e lexical eram comprometidas. Além disso, Anthony e Marta apresentavam um desempenho ruim no que diz respeito às habilidades de cognição não-lingüística, exceto para os testes que investigavam a capacidade de memória a curto prazo. Através destes exemplos, Curtiss chega a duas principais conclusões. Primeiramente, todos os indivíduos investigados apresentam dissociações entre as habilidades relacionadas à morfologia e à sintaxe, de um lado, e as habilidades semânticas e conceituais, por outro lado. Em segundo lugar, as habilidades morfológicas e sintáticas também parecem estar dissociadas das atividades de manipulação de ações nos testes realizados. Desta forma, evidenciam-se alguns aspectos da mente separados em módulos e independentes entre si. Uma abordagem clássica que diz respeito à modularidade da mente é a proposta por Fodor (1983). Este autor faz uso, inicialmente, da analogia que pode haver entre mente e computador, ou seja, a mente seria um manipulador de símbolos, cuja função é fazer com que estes símbolos (que, em outras palavras, correspondem a uma determinada informação) cheguem a um sistema central com uma linguagem que seja inteligível a este último. Fodor (op. cit.) resguarda a diferença evidente entre computadores e mentes, à medida em que mentes estão sempre trocando informações com seus meios e, como tal, têm estrutura psicológica constituída por mecanismos que funcionam para mediar trocas. Segundo Fodor (op. cit.), os sistemas centrais corresponderiam a processos mentais hierarquicamente mais elevados, a saber: pensamento, resolução de problemas, memória, raciocínio, julgamento, consciência, humor, dentre outros. Eles teriam acesso às informações advindas de sistemas de input (que processam a informação, conforme veremos a seguir) e, posteriormente, verificam as melhores hipóteses no que diz respeito ao mundo real. Conforme aponta o autor, os processos mentais mais elevados hierarquicamente são completamente inconscientes e pouco se sabe sobre suas operações. Fodor (op. cit.) ainda assinala que os sistemas de input (que são os processos mentais mais baixos hierarquicamente) são modulares e operam com o objetivo de fornecer informações ao sistema central. Para o autor, existem seis tipos de input – o auditivo, o visual, o paladar, o tato, o olfato (portanto, os cinco sentidos) e a linguagem – e há nove aspectos que os caracterizam. O primeiro aspecto é que os sistemas de input são de domínio específico, ou seja, dedicam-se a uma área e somente a ela. Um exemplo mencionado pelo autor (p.48): a percepção de vacas é diferente da percepção de sentenças. A primeira deve ser mediada por processos que atuam em domínios perceptuais diferentes daquele domínio que percebe uma sentença. Ou seja, quando se percebe uma ‘vaca’, há um domínio organizado que fala sobre objetos visíveis. Mas a percepção de sentenças sugere que há computações que permitem reconhecer sentenças que estão intimamente ligadas a um complexo de caracteres bastante específicos. A operação de sistemas de input é obrigatória. Um indivíduo não pode olhar um gato e ver um cachorro, nem ouvir uma fala como um barulho, mesmo se quisesse. Existem, portanto, mecanismos automáticos que são obrigatoriamente aplicados. E porque são obrigatórios, o processamento é rápido: a informação é “salvada” e o tempo é economizado; somente depois é que se decide a respeito do desenvolvimento da informação. Fodor (op. cit.) acentua que a identificação de sentenças é um dos processos psicológicos mais rápidos (em contraste, por exemplo, com a solução de problemas no sistema central, que é lento). Outro aspecto mencionado é o fato de o acesso central estar limitado às representações mentais que sistemas de input computam8. Isto é, a estrutura da mente somente permite que o sistema central tenha acesso às informações advindas do output dos sistemas de input. A consciência, por exemplo, não tem acesso ao que ocorre no módulo lingüístico. Se o sistema central não tem acesso à computação dos interníveis de representação dos sistemas de input, estes não têm acesso aos fatos que outros sistemas conhecem. Restringem-se à sua informação. Esta característica do sistema de input denomina-se encapsulamento informacional. Um exemplo, citado por Fodor (op. cit., p.66), diz respeito à ilusão de ótica das retas de Muller-Lyre9: duas retas têm o mesmo tamanho, mas, devido à ilusão de ótica, nosso sistema visual continua “vendo” uma reta maior do que a outra, mesmo que nossa consciência saiba da equivalência de tamanhos. Uma ilustração: Os analisadores de input oferecem outputs superficiais aos sistemas centrais. Esta característica aponta-nos que o que é importante é o resultado final oferecido pelos sistemas de input. Fodor (op. cit.) assinala que, por exemplo, na compreensão de uma dada sentença, há a descoberta de cada item lexical, mas não implica que operações inferenciais apliquem 8 Em Grodzinsky (1990, p. 133), este aspecto é denominado impenetrabilidade cognitiva. Interessante notar que este mesmo exemplo foi utilizado por Grodzinsky (1990, p.133) na exemplificação da impenetrabilidade cognitiva. Realmente o experimento consegue explicar as duas características – impenetrabilidade cognitiva e encapsulamento informacional. A consciência não consegue atuar na computação do sistema visual: só vai ter acesso ao resultado deste. Ao mesmo tempo, o sistema visual dispõe somente de informações internas, não tem acesso às informações externas, por exemplo, da consciência. As retas de Muller-Lyre, portanto, são adequadas na explicação de ambos aspectos porque fazem parte de um único processo. 9 em representações internas da pronúncia. O produto dos sistemas de input, então, diz respeito a uma representação distinta daquelas que atuam dentro do próprio sistema de input. Os sistemas de input são associados ainda, no cérebro, a uma estrutura neural fixa e exibem características e padrões específicos de perda (por exemplo, a afasia que constitui comprometimento padronizado de funcionamento em circuitos específicos dos sistemas de input). Por último, é citada a ontogenia dos sistemas de input que diz respeito a seqüências por que tais sistemas passam, partindo de um ponto comum que é inato. Em suma, para Fodor (op. cit.), a mente é modular10 e pressupõe uma relação entre o sistema cognitivo central e os sistemas de input. O componente lingüístico é um sistema de input e sua principal característica é o encapsulamento informacional. Neste contexto, é interessante apontarmos a concepção de Chomsky (1986, p.15, n.10) em que há uma declaração de que é uma visão muito estreita considerar o “módulo da linguagem” como um sistema de input da forma como faz Fodor (op. cit.). Chomsky (op. cit.) propõe a suplementação do quadro com um sistema de output, em que tanto este quanto o sistema de input teriam acesso a um sistema fixo de conhecimento, onde estaria a linguagem. Assim como há a hipótese de modularidade da mente, há a hipótese de modularidade do componente lingüístico, em que módulos distintos para sintaxe, fonologia, 10 Embora Gall – citado na seção 1.1 – tenha procurado averiguar mecanismos psicológicos associando-os diretamente à estrutura cerebral e mesmo que tenha apontado locais no cérebro responsáveis por faculdades de natureza bastante abstrata e complexa, o núcleo de sua tese destaca-se porque indica que um domínio psicológico serve a uma capacidade diferente daquelas designadas a outros domínios. Fodor (op. cit., p.21) chama os estudos de Gall de “faculdades verticais” dos quais destaca quatro noções importantes: as faculdades psicológicas são de domínio específico, são geneticamente determinadas, são associadas a estruturas neurais fixas e são autônomas computacionalmente. Desta forma, Gall parece ter sido o precursor da noção de modularidade da mente, mesmo que não tenha designado seu trabalho sob a forma pela qual tratamos o assunto nesta seção. léxico são concebidos. As idéias relativas ao encapsulamento informacional, à impenetrabilidade cognitiva e ao domínio específico determinados para a modularidade da mente também seriam pertinentes para a modularidade da linguagem. A afasia exibe evidências para a modularidade da mente e mais: para a modularidade da linguagem. Primeiramente, porque, quando o sistema lingüístico é afetado, nem sempre são comprometidos outros sistemas cognitivos. Em segundo lugar, porque pode-se obter o comprometimento de um aspecto da linguagem (sintaxe, léxico, fonologia) sem abalar o outro. O fenômeno que estamos estudando – afasia agramática (lesão na área de Broca e adjacências) – demonstra que o indivíduo com esta síndrome tem a sintaxe comprometida, sem, necessariamente, alteração nos outros níveis da linguagem. Neste momento, consideramos importante abordar a possibilidade de o componente sintático também ser modular, pois este é um assunto de grande interesse para nosso trabalho. Para tanto, utilizaremos o raciocínio desenvolvido por Grodzinsky (1996). O autor usou uma sentença do tipo11 “John se gosta” e duas agramaticais do tipo “*John pediu a Sue para tocar ele mesmo” e “*Qual homem acredita que Mary gosta dele mesmo?”. Justificou a agramaticalidade das duas sentenças devido ao fato de haver uma violação do princípio da localidade12 em que os pronomes recíprocos “ele mesmo” e “dele mesmo” deveriam estar próximos aos respectivos antecedentes “John” e “Qual homem”, conforme ocorreu na primeira sentença em que o reflexivo “se” está próximo ao antecedente “John”. Mas, em seguida, Grodzinsky (op. cit.) cita duas sentenças, em que uma é gramatical mesmo com pronome recíproco longe do antecedente (como em “Qual homem Mary acredita que gosta dele mesmo?”) e uma é agramatical mesmo com o pronome recíproco 11 12 Apresentaremos os exemplos Grodzinsky (1996) traduzidos para a língua portuguesa. O conceito de localidade traduz-se formalmente, na Teoria Gerativa, como categoria de regência. próximo ao antecedente (como em “*Qual homem Mary acredita que gosta dela mesma?”). Mediante tais exemplos, Grodzinsky (op. cit.) observa que, além do requisito da localidade, atuaria também, no módulo sintático, e de forma independente, uma regra de movimento que possibilitaria a troca de posição dos constituintes. Para melhor explicar o raciocínio, o autor lança mão das estruturas subjacentes (estruturas anteriores ao movimento) de “Qual homem Mary acredita que gosta dele mesmo” que é “Mary acredita que [qual homem] gosta dele mesmo” e da sentença agramatical “*Qual homem acredita que Mary gosta dele mesmo?” que é “*[Qual homem] acredita que Mary gosta dele mesmo”. O princípio da localidade foi, portanto, respeitado e violado, respectivamente, já na sua estrutura subjacente. A regra de movimento de constituinte, portanto, atuaria de forma autônoma em relação ao princípio da localidade. Grodzinsky (op. cit.) assinala que princípios gramaticais atuam de forma independente um em relação ao outro confirmando a hipótese da modularidade interna à sintaxe. 1.3. Afasiologia Lingüística e Teoria Gerativa Designamos neurolingüística como a área que investiga a localização da linguagem no cérebro e afasiologia lingüística como um ramo da neurolingüística que tem um campo mais restrito: preocupa-se com a forma como a linguagem é afetada por uma doença ou lesão e seu estudo baseia-se, fundamentalmente, na relação da linguagem comprometida por uma lesão cerebral com a linguagem normal. A abordagem deste trabalho insere-se em afasiologia lingüística e sempre estará atada ao estudo sobre restrições neurológicas embasadas em uma teoria de conhecimento da linguagem. O quadro teórico que fundamenta essa dissertação diz respeito à teoria gerativa que descreve e explica a gramática como uma parte do sistema cognitivo do homem. Pressupõe também que, além de modular, o conhecimento da linguagem seja inconsciente e inato. O conhecimento lingüístico inconsciente é justificado pelo fato de um falante nativo de uma língua ser capaz de indicar se uma sentença está ou não de acordo com os padrões estruturais de uma sentença. Este falante também é capaz de produzir uma sentença de forma que as outras pessoas vão compreendê-lo. Entretanto, o indivíduo não tem consciência das regras para formar e interpretar sentenças. Um fato interessante que nos leva à adoção da hipótese de o conhecimento de uma língua ser considerado inato deve-se à observação de que uma criança, com aproximadamente um ano e meio, consegue produzir estruturas de duas a três palavras e, por volta de um ano após, já é capaz de produzir sentenças com alto grau de complexidade. Logo, este é um processo que ocorre rapidamente, além de ser uniforme: acontece desta forma com todas as crianças, de modo geral, sem que elas tenham noção explícita das regras gramaticais. Ou seja, a criança já tem um conhecimento lingüístico internalizado. A este conhecimento inconsciente e lingüisticamente internalizado, a gramática gerativa designa o nome de “competência”. Isto é, o falante nativo de uma língua tem, no nível mental, dispositivos que possibilitam inúmeras combinações a fim de formar palavras, sintagmas, sentenças. Mas o real uso da linguagem, por parte desta pessoa, somente seleciona algumas combinações. Com isso, queremos declarar que o que realmente um falante produz ou entende em termos lingüísticos, em uma ocasião concreta, é denominado “desempenho”. A competência é o conhecimento lingüístico de um falante e o desempenho, o uso real que esse falante faz desse conhecimento. Assim, somos conduzidos a pensar que a teoria da gramática é regida pelo critério da universalidade, no sentido de que há princípios gerais que explicam a organização das línguas naturais. O gerativismo aponta-nos a Gramática Universal (GU) que corresponde às propriedades essenciais que constituem a base de todas as línguas humanas e é determinada por uma faculdade inata, codificada biologicamente. Mas, se a Gramática Universal estabelece que há princípios universais, indica também que há parâmetros a serem escolhidos. Desta forma, as várias línguas ou as Gramáticas Particulares são constituídas a partir da fixação de parâmetros. Um parâmetro, por exemplo, é o núcleo do sintagma à esquerda ou à direita. A língua portuguesa fixou esse parâmetro à esquerda, daí, em o sintagma “a bolsa da moça”, o núcleo “bolsa” está à esquerda e não à direita. Apoiado nestes pressupostos teóricos, o modelo do gerativismo estuda o sistema lingüístico em todas as propriedades estruturais. E com base na abordagem dos aspectos estruturais da gramática é que investigaremos o(s) componente(s) lingüístico(s) comprometido(s) no indivíduo afásico agramático; no caso, os vestígios de SN e de elemento-QU13. Dentro deste contexto, podemos apontar a importância de pesquisas com afásicos agramáticos, pois delas podem ser retirados dados para o entendimento da gramática de um indivíduo normal. Isto se deve ao fato de que, se um componente lingüístico do falante for danificado, o papel do lingüista deve ser o de estudar a relação entre o item lingüístico comprometido e aquele intacto na linguagem e, por conseguinte, aprender sobre a estrutura 13 Desta forma, estaremos eliminando as concepções conexionistas, que procuram identificar o lugar preciso do conhecimento lingüístico no cérebro, sem a preocupação em conhecer a natureza da linguagem inicialmente. Não levaremos em consideração ainda os modelos de processamento, pois, neste trabalho, não serão privilegiados os estudos sobre os canais pelos quais a linguagem passa. Antes, daremos ênfase às propriedades estruturais do sistema lingüístico. interna da gramática do indivíduo normal. Assim, a teoria cognitiva relacionada ao sistema lingüístico e o estudo sobre distúrbios da linguagem auxiliam-se mutuamente, pois a primeira dá aparato teórico e sustentação para procedimentos de pesquisas sobre os déficits e o segundo demonstra particularidades na estrutura interna da gramática de um indivíduo normal. 1.3.1. Teoria da Regência e Ligação O quadro teórico gerativista apresentou, desde Chomsky (1957) – quando surgiu-, várias versões. A Teoria da Regência e Ligação (CHOMSKY, 1981) é uma delas. Tal teoria aponta-nos que, na Gramática Universal, há vários componentes, a saber: o componente de base, onde encontram-se o léxico e o componente categorial, a estrutura profunda, o componente transformacional e a estrutura superficial. Além disso, há a forma lógica e a forma fonética que interpretam a estrutura superficial. Tais componentes organizam-se da seguinte forma: Léxico Componente categorial Estrutura –P Mova-α Estrutura-S FF FL No léxico, estão as entradas lexicais determinadas pelas características semânticas, sintáticas, morfológicas e fonológicas. O léxico e o componente categorial produzem a estrutura profunda (Estrutura-P), onde os itens de uma sentença são ordenados sem que haja a atuação da regra de movimento. O componente transformacional (que é uma regra sintática – chamada também de mova-α -) desloca um constituinte de sua posição originária na estrutura profunda para a posição que ocupa na estrutura superficial (Estrutura-S), que, por sua vez, é a estrutura que reflete a real ordem dos elementos na superfície. A forma fonética (FF) e a forma lógica (FL) interpretam a Estrutura-S no que diz respeito à fonética e à semântica. Ou seja, a primeira é o resultado de regras fonéticas que atuam na Estrutura-S e a segunda é o resultado da averiguação do significado dessa mesma estrutura. A Teoria da Regência e Ligação (TRL) é a versão da teoria gerativa que fundamentou grande parte dos trabalhos em afasiologia lingüística desenvolvidos nos últimos anos, inclusive aqueles nos quais estamos embasando o nosso estudo: Grodzinsky (1990, 1995b) e Hickok et al. (1993)14. 1.3.2. Conhecimento de vestígios de SN e de elemento-QU por parte do indivíduo normal Esta seção tem a finalidade de explicitar o que são vestígios de SN e vestígios de elemento-QU. O estudo sobre o conhecimento dessas categorias vazias por parte do indivíduo normal é imprescindível para o entendimento do cancelamento, no nível mental, dos vestígios de SN e de elemento-QU por parte de um afásico agramático. As categorias são consideradas vazias quando não são realizadas foneticamente e compreendem os vestígios de SN, os vestígios de elemento-QU, o pro e o PRO. Vamos definir e exemplificar as duas primeiras categorias vazias já que são o foco do nosso estudo. Os vestígios de SN dizem respeito a um elemento foneticamente nulo existente na posição vaga constituída pelo movimento de um SN. Por exemplo, em “O homem foi 14 Salientamos, entretanto, que a versão atual da Teoria Gerativa é o Minimalismo. Como os autores nos quais baseamos nosso estudo ainda trabalham apoiados na TRL, vamos deter-nos nesta. empurrado pelo menino”, “o homem” movimentou-se da posição de complemento do verbo “empurrar” para a posição de Esp (especificador) do SF (sintagma flexional), conforme podemos observar no diagrama seguinte: (1) SF Esp F’ O homem F SV V SN Foi empurrado v Os vestígios de elemento-QU são categorias vazias que surgem do deslocamento de uma expressão QU da sua posição originária dentro da sentença (SF) para a posição do especificador de SC (sintagma complementizador)15. Um exemplo: (2) C Esp que livro SF Esp F’ F SV V SN +3ªps +pas Maria 15 comprou v Sintagma complementizador é uma projeção de um complementizador, o qual pode ser as palavras “que”, “para” e “se”. Para explicarmos um pouco mais sobre vestígios de SN e de elemento-QU, devemos esclarecer o que vêm a ser estrutura argumental, designação de papel temático e filtro de caso. A estrutura argumental é relacionada ao número de “participantes envolvidos em uma atividade ou estado expresso pelo predicado” (HAEGEMAN, 1991, p.35). Ou seja, para um verbo do tipo “empurrar”, temos dois argumentos: aquele que vai desencadear a ação de empurrar e aquele que vai sofrer a ação de ser empurrado. O primeiro denomina-se argumento externo; o segundo, argumento interno. Na sentença “O menino empurrou o velho”, “o menino” é o argumento externo e “o velho”, o argumento interno. Vale dizer que, se um falante nativo da língua sabe o que significa “empurrar”, ele, com certeza, sabe quantos argumentos (e quais) estão envolvidos nessa ação. Vimos então que estrutura argumental está ligada à estrutura sintática dos predicados de uma sentença. A relação semântica de um verbo com seus argumentos diz respeito aos papéis temáticos (ou papéis Θ). O verbo vai marcar tematicamente seus argumentos. Alguns papéis temáticos são aqui citados: (a) agente: aquele que inicia intencionalmente ou realiza a ação expressa pelo predicado; (b) tema (ou paciente): a pessoa ou coisa que está submetida ou é deslocada pela ação expressa pelo predicado; (c) experienciador: é a entidade que experiencia algum estado psicológico expresso pelo predicado; (d) instrumento: é o meio pelo qual algo se realiza (HAEGEMAN, 1991, p. 42; RADFORD, 1997, p. 163). Por exemplo, em “A menina fotografa a enfermeira”, temos “a menina” como a entidade que realiza a ação de fotografar a enfermeira, logo, é o agente. Já “a enfermeira” submete-se à ação expressa pelo predicado, que é a de ser fotografada, então é o tema. Observando a sentença “A menina admira a moça”, verificamos que “a menina” não está realizando uma ação, antes está experimentando um estado de admirar, logo é o experienciador. Já “a moça” submete-se a essa admiração, por isso é o tema. Depreendemos, então, que diferentes verbos têm, em sua estrutura argumental, demandas diferentes de designação temática. Verbos que têm em sua estrutura temática o papel temático de agente são denominados agentivos. Existem ainda os verbos psicológicos que são aqueles que têm um argumento com papel temático de experienciador. Esses verbos podem ser divididos em dois grupos: aqueles que têm o experienciador na posição de sujeito e um tema na posição de objeto (verbos do tipo temer) e aqueles que têm o tema na posição de sujeito e experienciador na posição de objeto (verbos do tipo assustar) (CANÇADO, 1997). Baseando-nos em uma abordagem de Jackendoff (1987 apud GRODZINSKY, 1995b, p.32) indicamos que este autor formula a seguinte hipótese: há uma hierarquia universal entre os papéis temáticos. A Hierarquia Temática organizaria os papéis temáticos da seguinte forma: 1º lugar: agente; 2º lugar: experienciador, instrumento, etc.; 3º lugar: tema. Em seguida, é declarada uma Condição da Hierarquia Temática: “O by-phrase da passiva deve estar mais alto na Hierarquia Temática que o sujeito derivado” (op. cit., p.483). O by-phrase da sentença “O menino foi empurrado pelo velho” é “pelo velho” e o sujeito derivado é “O menino”. É importante citarmos, nesse contexto, o Critério Theta que aponta que, a cada argumento, é designado um e somente um papel temático e, a cada papel temático, é designado um e somente um argumento. De igual importância faz-se a menção à Teoria do Caso que aborda algumas propriedades que dizem respeito a SN’s explícitos e sua relação com a designação de caso. O Filtro de Caso indica que todo SN explícito deve ter um caso. O caso nominativo é atribuído a todo SN na posição de sujeito de orações finitas e o caso acusativo é designado a todo SN na posição de objeto de verbo transitivo, de sujeito de oração não-finita e de complemento de preposição. Vale dizer que somente verbos transitivos na forma finita e preposições são os designadores de caso acusativo. Vejamos um exemplo: em “O menino empurrou o homem”, o verbo “empurrar” está na sua forma finita e, por isso, é permitida a designação de caso acusativo ao SN explícito “o homem”. Já a explicação para a atribuição de caso acusativo ao SN explícito “o homem” em “O homem foi empurrado pelo menino” é diferente. Para entendermos como se dá tal atribuição, devemos passar às sentenças geradas por movimento de SN, retornando ao objetivo central desta subseção que é o de melhor conhecer os vestígios de SN (além dos vestígios de elemento-QU). O movimento de SN atua em dois tipos de sentenças: as com alçamento e as passivas. Vamos deter-nos nas sentenças passivas por serem as estruturas, dentre outras, investigadas em nossa pesquisa. Por exemplo, na última sentença citada, o SN “O homem” não recebe caso de “empurrado”, pois este verbo está no particípio passado (forma nãofinita) e não atribui caso acusativo. “O homem” movimenta-se da posição de objeto para a posição do especificador do SF para receber caso, deixando vestígio na posição originária, conforme demonstrado no diagrama (1). Tal vestígio fica co-indexado ao elemento movido e lhe atribui papel temático, dando conseqüência ao estabelecimento da cadeia temática. O Princípio de Projeção - que aponta que as representações de cada nível sintático advêm do léxico e que tais representações respeitam as propriedades de subcategorização dos itens lexicais – é que garante a existência dos vestígios. Ou seja, se uma determinada posição é preenchida por um SN, então ela deve ter sempre as propriedades de um SN, mesmo se não for foneticamente realizada. Um outro tipo de vestígio de SN relaciona-se com a Hipótese do Sujeito Interno ao SV16. Essa hipótese propõe que os sujeitos são gerados no especificador do SV e que são, posteriormente, levantados para a posição de especificador do SF. A sentença “O menino empurrou o velho” tem a seguinte configuração: (3) SF Esp F’ O menino F SV Esp V V +3ªps + pas v empurrou SN o velho O SN, ao movimentar-se, deixa também um vestígio na posição do especificador do SV. Logo, até mesmo em sentenças na voz ativa há vestígios de SN. Passemos, agora, aos vestígios de elemento-QU. Eles ocorrem em sentenças com interrogativos, como já exemplificado em (2), e em sentenças com relativos. Para uma sentença relativa de sujeito do tipo (que está em itálico) “A menina que empurrou a mulher 16 A Hipótese do Sujeito Interno ao SV é posterior à TRL. Apontamos tal hipótese porque tanto Grodzinsky (1995 b) quanto Hickok et al. (1993) adotam-na em suas propostas. Estes autores remetem o leitor aos seguintes estudos que abordam o assunto: Kuroda, 1986, Kitagawa, 1986, Fukui & Speas, 1986, Koopman & Sportiche, 1988, Burton & Grimshaw, 1992, entre outros. é loira”, obteríamos a seguinte árvore, em que o movimento do elemento-QU ocorre do especificador do SF para o especificador do SC, deixando um vestígio na posição anterior. (4) SC Esp SF que Esp F’ F v SV V SN empurrou a mulher O elemento-QU ficaria coindexado ao SN “a menina” como em: “A menina i que i vi empurrou a mulher é loira”17. Já para a sentença relativa de objeto (que está em itálico): “A menina que a mulher empurrou é loira”, o elemento-QU movimenta-se da posição de complemento do SV para a posição do especificador do SC deixando um vestígio na posição anterior. (5) SC Esp que SF Esp F’ F SV V a mulher empurrou O elemento-QU ficaria coindexado ao SN “a menina” como em: 17 O índice i corresponde ao SN “a menina” e vi ao vestígio deste SN. SN v “A menina i que i a mulher empurrou vi é loira”18. Temos ainda dois tipos de sentenças conhecidas como clivadas de sujeito e clivadas de objeto (cujos exemplos são respectivamente: “É a menina que empurrou a mulher” e “É a menina que a mulher empurrou”) que apresentam os mesmos tipos de movimento designados nos diagramas (4) e (5) respectivamente, portanto, apresentam vestígios de elemento-QU. Resumindo: Neste capítulo, vimos que as descobertas de Broca e de Wernicke foram importantes para o estudo da relação entre cérebro e linguagem. O primeiro apontou que a produção da linguagem ocorre na terceira circunvolução do lobo frontal do hemisfério esquerdo do cérebro. O segundo assinalou que a região do primeiro giro temporal à esquerda é a responsável pela compreensão da linguagem. Tomando como base os estudos de Wernicke, Lichtheim propôs um modelo com a enumeração de vários tipos de afasia. Este modelo, ao longo dos anos, passou por inúmeras reformulações. Atualmente, contamos com vários recursos tecnológicos, tais como o PET, ERP, Spect, no auxílio para a localização da linguagem no cérebro. Estudamos, ainda, as noções de Fodor (op. cit.) para a concepção de modularidade da mente, em que os aspectos “domínio específico”, “impenetrabilidade cognitiva” e “encapsulamento informacional”, dentre outros, caracterizam o módulo lingüístico, considerado um sistema de input. Vimos, como exemplificação, evidências para a adoção da concepção da modularidade da mente, da linguagem e do componente sintático. Apresentamos as noções gerais que caracterizam o quadro teórico gerativista, que embasa a presente dissertação, a saber: a Gramática é parte integrante do sistema cognitivo do homem, é inconsciente, é inata e é modular. Vimos alguns apontamentos sobre a TRL – incluindo os vários componentes da gramática. 18 Idem. Demonstramos, ainda, o que vêm a ser vestígios de SN e vestígios de elemento-QU, explicando sua origem e apresentando-os em diagramas: em sentenças na voz ativa (diagrama 3), na voz passiva (diagrama 1), relativas e clivadas de sujeito (diagrama 4), relativas e clivadas de objeto (diagrama 5). 2. CARACTERIZAÇÃO DO AFÁSICO AGRAMÁTICO Este capítulo pretende apresentar aspectos gerais sobre a afasia agramática, que, segundo Grodzinsky (1990, p.37) “is a set of pathological phenomena that tend to cluster in individuals who have suffered physical damage in Broca’s area and its surroundings.”19 Na seção 2.1, demonstraremos alguns estudos que tratam da produção lingüística do afásico agramático e, na seção 2.2, vamos apresentar algumas pesquisas que tratam da compreensão por parte deste indivíduo, sendo que, neste caso, vamos nos ater à compreensão de sentenças com vestígios de SN e de elemento-QU, norteando a abordagem com as propostas de Grodzinsky (1990, 1995b) e de Hickok et al. (1993). 2.1. A Produção do Indivíduo Afásico Agramático Pick (apud FROMKIN, 1997, p.15), em 1913, foi o primeiro a designar o termo “agramatismo” como um tipo específico de desordem afásica. Ele assinalou que, dentre os afásicos, destacavam-se alguns pacientes que apresentavam comportamentos similares entre si e distintos dos demais pela dificuldade na produção lingüística de formativos gramaticais e lexicais. Pick observou que, a despeito do distúrbio verificado, os pacientes em questão pareciam ter consciência do significado da fala antes mesmo de ser verbalizada. 19 A tradução: “Afasia agramática é um conjunto de fenômenos patológicos que tende a ocorrer em indivíduos que sofreram dano físico na área de Broca e em suas adjacências”. Posteriormente, várias pesquisas procuraram investigar tal comportamento, evidenciando que indivíduos afásicos agramáticos cancelam, no plano mental, palavras de classe funcional e flexões, mas apresentam, de forma geral, uma produção intacta de palavras lexicais. Há um uso sistemático de verbos na sua forma não-finita e de palavras ou expressões estereotipadas. Normalmente, tais pessoas têm uma produção lingüística pouco (ou nada) fluente, apresentando baixa velocidade e dificuldades para repetir. Neste contexto, podemos afirmar que agramatismo, nos seus estudos originais, era designado como um problema exclusivo de produção de fala. A partir da década de 70 é que vários trabalhos constataram que indivíduos afásicos agramáticos também apresentavam déficits seletivos de compreensão. Esse assunto será mais bem detalhado na seção 2.2. Vamos, por ora, deter-nos na revisão dos principais artigos que abordam a produção do afásico agramático. Um estudo que antecedeu aos trabalhos que centram a análise na acepção de que o agramatismo é um déficit sintático – abordagem mais aceita nos dias de hoje (conforme ainda veremos) - é o de Kean (1979) que realizou uma análise fonológica a respeito dos elementos lingüísticos retidos e aqueles afetados na fala do afásico agramático. A fala desse indivíduo está, segundo a autora, relacionada à diferença existente entre palavras fonológicas e clíticos20. A distinção entre palavras fonológicas (ou não-clíticos) e clíticos é realizada tomando como base as fronteiras de palavra de uma estrutura sintática. Onde houver fronteira de palavra, insere-se #, que é uma representação adotada por uma convenção universal, segundo Kean. Quando obtemos algo do tipo #_#, _ significa que não 20 Kean (op. cit., p. 77, nota 10)) aponta que o conceito por ela usado sobre clíticos não tem precedentes na teoria lingüística, a exemplo de Klosek, que por sua vez declara que o seu conceito de palavra fonológica não tem precedente na teoria lingüística. Desta forma, o que não é um componente de uma palavra fonológica é um clítico e vice-versa. há fronteira de palavras em seu interior e, por isso, é tido como palavra fonológica. Todos os outros formativos na sentença são clíticos. Observando o exemplo dado por Kean (op.cit., p.72) “the boys played on the bank”21, verificamos que “boy”, “play”, “bank” são palavras fonológicas e “the”, “s”, “d”, “on”, “the” são clíticos22. Com base em tal distinção e na observação da produção lingüística do afásico agramático, Kean (op. cit., p.79) declara que os itens que normalmente são retidos na fala deste indivíduo são as palavras fonológicas e aqueles afetados são clíticos. Kean (op. cit.) acredita que, desta forma, realiza uma análise correta da caracterização do agramático: considera que o foco fonológico é o único nível capaz de realizar uma separação apropriada e sistemática dos itens tipicamente afetados e retidos na fala desse indivíduo. Um dos argumentos que a autora indica contra a abordagem sintática para a descrição da fala do afásico agramático é que há preposições que tendem a ser afetadas, ao passo que outras não. Não há, portanto, possibilidade de apontarem-se os itens lingüísticos perdidos ou intactos sob a abordagem de estrutura sintática, conforme assinala Kean. Grodzinsky (1990) opõe-se a Kean, não só porque realizou uma descrição do comportamento do afásico agramático em termos estritamente sintáticos, como também avançou em relação à análise desta autora, pois a abordagem sintática englobava um fenômeno comumente observado na fala do paciente agramático: a substituição errônea de sons. Devemos acrescentar que os aspectos indicados em Grodzinsky (1990) são reformulações de Grodzinsky (1984) que já tratavam do mesmo assunto. 21 A tradução: “Os garotos brincam no banco”. Em inglês, devido a uma regra de reajustamento, as fronteiras à direita e à esquerda de preposições monossilábicas são apagadas (Kean, op. cit., p.77). 22 Grodzinsky (1990, p.61) propõe que na representação da estrutura-S do afásico agramático: “(a) Os terminais não lexicais são apagados e (b) preposições são apagadas”. Em relação ao primeiro aspecto, Grodzinsky (op. cit.) assinala que determinados traços do tipo concordância – pessoa, gênero e número – são apagados na representação gramatical do afásico. O autor acrescenta que, se uma palavra é bem-formada sem a flexão, ela aparece na fala do afásico agramático dessa forma, ou seja, sem ser flexionada. Um exemplo: em inglês, o verbo write (escrever), na terceira pessoa do singular no tempo presente é writes. Sem a flexão, a palavra existe, logo na fala do afásico agramático ela poderá aparecer sem a flexão. Entretanto, se para existir uma palavra for necessária a flexão, esta existirá, mesmo que não seja a correta. Pode, neste caso, ocorrer uma substituição errada do elemento flexional. Em hebraico, por exemplo, a raiz de uma palavra é constituída por consoantes e necessita da inserção de vogais para ser entendida. A fala do afásico agramático, portanto, está relacionada ao tipo de palavra e não ao tipo de língua. Grodzinsky assinala também que há omissões de preposições, determinantes, auxiliares e complementizadores na fala do afásico agramático. Em relação às preposições, o autor aponta que aquelas que são apagadas na gramática do afásico (op. cit., p.61) são as preposições regidas, sendo as outras retidas. Uma preposição regida é uma preposição subcategorizada, núcleo de SP em verbo transitivo direto e indireto. Em Grodzinsky (1995 a), há uma nova perspectiva para a caracterização do afásico agramático. Segundo ele, algumas categorias funcionais parecem estar preservadas no agramatismo. Um exemplo da preservação de categoria funcional é derivado de Lonzi e Luzzatti (1993), em que fica evidenciado o movimento do verbo em direção às categorias funcionais em sentenças do italiano e do francês. Lonzi e Luzzatti (op. cit.) partem da Hipótese da Divisão da Flexão (POLLOCK, 1989)23 e demonstram que os afásicos agramáticos pesquisados têm a habilidade de mover verbos em torno de advérbios. Em sentenças com verbos na forma não-finita, tanto a língua italiana quanto a francesa permitem que o advérbio localize-se antes e após tais verbos. Mas, em estruturas com verbos na forma finita, o advérbio deve sempre encontrar-se após o verbo, mesmo que aquele seja gerado anteriormente a este. Lonzi e Luzzatti (op. cit.) realizaram um experimento no qual os pacientes tinham que ordenar constituintes. A previsão é que, se se encontrasse unicamente a ordem “verbo na forma finita + advérbio”, o déficit sintático não envolveria problemas com a categoria funcional “Flexão”, porque “Flexão” é o lugar de aterrissagem de verbos. Logo a estrutura básica da sentença estaria preservada. Foi exatamente a este resultado a que os autores chegaram, proporcionando um refinamento dos estudos sobre a habilidade sintática dos afásicos agramáticos24. Uma caracterização do afásico agramático mais recente é realizada por Friedman e Grodzinsky (1997), que examinaram a produção lingüística25 de uma paciente estudando a morfologia flexional verbal. Os autores observaram que a flexão de concordância (verbal, 23 Pollock (1989) sugeriu a Hipótese da Divisão da Flexão. Ao invés de um único núcleo para o sintagma flexional, há dois núcleos separados – o de tempo e o de concordância – cada um projetando sintagmas separadamente: o tempo está dentro de um sintagma de tempo - ST - e a concordância está dentro do sintagma de concordância – SConc. Pollock (op. cit.) aponta que o sintagma de tempo é hierarquicamente mais alto que o sintagma de concordância. 24 Os autores também pesquisaram a ordem “verbo + pas (uma das partículas de negação) em francês” – aliás única ordem possível. Os resultados demonstraram habilidade intacta para localização do verbo em torno de tal partícula. 25 Devemos acrescentar que, em Friedman e Grodzinsky (1997), foram realizadas também tarefas de compreensão e de julgamento de gramaticalidade. A compreensão afásica será mais bem detalhada na próxima seção e julgamento de gramaticalidade não será abordado nesta dissertação. Portanto, vamos, neste momento, enfocar somente as principais caracterizações do afásico agramático relacionadas à produção. adjetival e nominal – gênero, número e pessoa-) estava intacta. Entretanto, encontraram resultados apontando que a flexão para tempo estava afetada. Friedman e Grodzinsky (op. cit.) fizeram uma previsão: se um nó na descrição estrutural de uma sentença for danificado, todos os nós acima deste também estarão comprometidos. Realmente, os pesquisadores encontraram todas as estruturas localizadas acima do nó designado para a Flexão de Tempo danificadas: a paciente apresentou problemas com palavras de interrogação QU, complementizadores e estruturas de encaixamento (esse comportamento deve-se ao fato de tais elementos estarem localizados em posição mais alta hierarquicamente que o sistema flexional de tempo – no nó C); houve substituições de tempo ou omissões erradas no que diz respeito às palavras cópulas (a explicação deve-se à localização destes constituintes no nó da flexão de tempo danificado); ocorreram problemas com a ordem de palavras, que foram de dois tipos: o primeiro deles relaciona-se à omissão de pronome sujeito (os autores explicam que as omissões de sujeito devem-se ao nó de flexão de tempo afetado que não é capaz de “checar”26 caso nominativo para o sujeito) e o segundo corresponde à dificuldade de ordenar palavras cópula e de negação (isso ocorreu porque a área danificada acima do nó de flexão de tempo impede que o afásico agramático ordene os constituintes de uma sentença de forma correta). Com base em suas hipóteses, Friedman e Grodzinsky (op. cit.) assinalam ainda que há vários subgrupos de agramáticos apresentando déficits distintos e apontam três identificáveis. Um subgrupo teria comportamento similar ao da paciente examinada por estes pesquisadores: com o nó designado para a flexão de tempo danificado, obtendo um desempenho ruim no que diz respeito a todas as estruturas localizadas acima dele. O 26 A expressão “checar” é própria da versão atual da Teoria Gerativa – o Minimalismo – e equivale, na Teoria da Regência e Ligação, a “atribuir caso”. segundo subgrupo seria denominado de “mais suave” em que menos erros seriam observados na fala, pois teria o nó C afetado e todos os outros abaixo dele intactos. O terceiro seria considerado “mais severo”, em que mais erros na produção lingüística seriam verificados, porque o corte estaria no nó destinado à flexão de concordância – mais abaixo-, logo tudo o que estiver localizado acima estaria danificado. 2.2. Compreensão do Indivíduo Afásico Agramático Esta seção apresenta alguns estudos sobre a compreensão de sentenças com vestígios de SN e de elemento-QU por parte do indivíduo afásico agramático. Dentre eles, são destacados Grodzinsky (1990, 1995b) e Hickok et al. (1993), dos quais retiraremos os objetivos para o nosso estudo. Até a década de 70, a compreensão por parte de afásicos de Broca não era caracterizada de forma sistemática e, sim, com base em conversas informais. Médicos e pesquisadores da área conversavam e, como aparentemente esses pacientes entendiam o que lhes era dito, a impressão que se tinha era a de que não havia comprometimento na compreensão. O que se sabia sobre a compreensão do afásico restringia-se à discriminação auditiva e à interpretação do significado da palavra. Entretanto, alguns estudos experimentais mais controlados começaram a ser realizados na década de 70. Zurif (1998, p. 182) assinala que os estudos sobre a compreensão de afásicos de Broca surgiram apoiados na teoria gerativa. O raciocínio era o seguinte: se havia um problema de produção e a competência lingüística de um falante corresponde não só à sua produção, provavelmente o déficit deve também estar relacionado à compreensão da linguagem. De fato, pesquisas desta época constataram déficits na compreensão do indivíduo afásico agramático quando esse paciente defrontava-se com determinadas estruturas sintáticas. Um dos primeiros estudos que diz respeito à compreensão por parte de afásicos agramáticos foi o de Caramazza e Zurif (1976 apud GRODZINSKY, 1990 e HICKOK et al., 1993). Através de experimentos com sentenças irreversíveis e reversíveis, Caramazza e Zurif (op. cit.) observaram que o paciente afásico agramático tem problemas na interpretação das segundas, mas compreende bem as primeiras. Sentenças irreversíveis são aquelas do tipo: “A bola que o rapaz está chutando é vermelha” em que há só um candidato a agente, pois há só um SN com a característica [+animado]. Não se podem reverter os papéis temáticos da sentença, porque “A bola” não chutaria “o rapaz”. As sentenças reversíveis são aquelas do tipo: “A garota que a velha está empurrando é loira” em que há dois candidatos a agente, pois os dois são [+ animado]. Não havendo a pista – a qual seria constituída pelo fato de haver um só SN candidato a agente em uma sentença –, é possível, na gramática mental do afásico agramático, a seguinte interpretação da sentença já mencionada: “A velha que a garota está empurrando é loira”. O teste aplicado por Caramazza e Zurif (op. cit.) era o de correspondência sentençagravura em que era lida uma sentença e o paciente tinha que escolher uma gravura, dentre quatro (as quatro estavam em um só quadro), que correspondesse à sentença ouvida. Para as sentenças reversíveis, uma das gravuras correspondia exatamente à sentença pronunciada. A outra tinha inversão de papéis temáticos. As outras duas continham troca de adjetivo e troca do verbo da oração relativa, respectivamente. Grodzinsky (1990) assinala ainda que as gravuras para as sentenças irreversíveis não foram descritas com clareza, mas aponta que seria realmente espantoso se houvesse uma bola chutando um rapaz, pois esta situação não faz sentido. Caramazza e Zurif (op. cit.) concluem que os afásicos agramáticos são incapazes de usar processos algoritmos do tipo sintático. Isto é algo equivalente a uma perda total da sintaxe na gramática desse paciente. Vários trabalhos foram, desde então, desenvolvidos com o intuito de investigar o comportamento de indivíduos afásicos agramáticos em tarefas de compreensão de sentenças reversíveis em que havia vestígios de SN e de elemento-QU. Os pacientes sempre apresentaram um bom desempenho na compreensão de sentenças na forma ativa, relativas de sujeito e clivadas de sujeito, mas um desempenho ruim na interpretação de sentenças, cujos vestígios estão na posição de objeto, como as passivas, relativas de objeto e clivadas de objeto. Há correntes que não vêem o problema como sendo de ordem sintática, por exemplo, Linerbarger, Saffran e Schwartz (1983). Tais autores realizaram um teste de julgamento de gramaticalidade em pacientes que tiveram um desempenho pobre em tarefas de compreensão de sentenças geradas por movimento. No teste de julgamento de gramaticalidade, os pacientes saíram-se muito bem, segundo os pesquisadores. Linebarger et al. (op. cit.) concluíram que o problema de compreensão em afasia agramática não é sintático. Os pacientes teriam dificuldade em mapear posições sintáticas em papéis semânticos. É a chamada “hipótese do mapeamento”. O problema que pode ser levantado em tal abordagem é que os pacientes compreendem bem sentenças relativas de sujeito por exemplo, logo aventa-se a possibilidade de os pacientes conseguirem “mapear posições sintáticas em papéis semânticos” nessas estruturas. Portanto, a abordagem não explica todos os dados. O déficit de compreensão de indivíduos afásicos agramáticos tem sido estudado ainda sob dois ângulos. O primeiro relaciona-se com a investigação sobre a quebra do sistema de processamento do sinal lingüístico. Nesses trabalhos, leva-se em conta o tempo do processamento da linguagem (são as chamadas análises on-line). Zurif et al. (1993) é um exemplo de estudos desta natureza. Tais autores realizaram um experimento visando à investigação da habilidade de pacientes afásicos de Broca e de Wernicke na compreensão de sentenças com vestígios de elemento-QU em posição de sujeito. O resultado indicou que os primeiros indivíduos não realizam análise sintática em tempo normal, ocorrendo o oposto com os segundos. Conforme já mencionamos no capítulo 1, nosso estudo não abrangerá pesquisas dessa natureza. O segundo ângulo diz respeito ao estudo do déficit de compreensão em afasia agramática em que propriedades estruturais da linguagem são o alvo da investigação. Este tipo de abordagem vem despertando, cada vez mais, o interesse de pesquisadores. Dentro deste contexto, podemos destacar duas principais propostas que estudam a compreensão de sentenças geradas por movimento por parte de indivíduos afásicos agramáticos como sendo um déficit estrutural e sintático: Grodzinsky (1990, 1995b) e Hickok et al. (1993). Vale acrescentar que de tais abordagens é que retiraremos os objetivos para a nossa pesquisa, os quais serão apontados na seção 2.3. Escolhemos essas duas abordagens porque tratam de um “diálogo” entre os autores sobre o problema de compreensão do afásico agramático, sendo que Grodzinsky (op. cit.) propõe explicações sintáticas e de natureza extra-lingüística para o déficit e Hickok et al. (op. cit.) sugerem explicações de caráter estritamente sintático. A seguir, explicitaremos cada uma delas com mais detalhes. 2.2.1. A Hipótese do Apagamento de Vestígios e o Princípio Default Grodzinsky (1990), ao contrário de Caramazza e Zurif (1976), assinala que o déficit de compreensão do afásico agramático é seletivo, ou seja, há fatores sintáticos específicos que distinguem as sentenças com as quais esses pacientes têm problemas daquelas que eles conseguem interpretar corretamente – no caso do nosso estudo, o fator sintático específico diz respeito aos vestígios de SN e de elemento-QU em posição de objeto. Para explicar o déficit, Grodzinsky (op. cit.) indica a Hipótese de Apagamento de Vestígios (em inglês, Trace-Deletion Hypothesis, cuja sigla é TDH), que assinala que todos os vestígios são apagados na estrutura-S da gramática mental do afásico agramático27. Este indivíduo então utilizaria o Princípio Default, que é uma estratégia não lingüística de atribuição de papel temático (op. cit., p.97): “If a lexical NP has no theta-role (that is, it is in a nonthematic position), assign it the theta-role that is canonically associated with the position it occupies, unless this assignment is blocked. In this case assign it a role from the next lower level in the Thematic Hierarchy”.28 29 27 Devemos lembrar que esse trabalho foi baseado na TRL, em que se fazem presentes as estruturas profunda e superficial, além de regras de transformação, responsáveis por sentenças geradas por movimento. 28 A tradução: Se um SN lexical não tem papel temático (ou seja, está em uma posição não temática), designase a ele (SN) o papel temático que é canonicamente associado à posição que ele (SN) ocupa, a não ser que tal designação seja bloqueada. Neste caso, designa-se ao SN um papel do próximo nível mais baixo na Hierarquia Temática”. 29 O trecho: “a não ser que tal designação seja bloqueada. Neste caso, designa-se ao SN um papel do próximo nível mais baixo na Hierarquia Temática” foi acrescentado ao Princípio Default depois que Grodzinsky (op. cit.), em experimentos, constatou que, para um SN do tipo ‘o livro’, em “O livro foi coberto pela revista”, há a característica [- animado], logo não seria designado o papel temático de ‘agente’ para tal SN, porque haveria bloqueio feito pelo traço. A estratégia designaria o papel temático de ‘instrumento’, que tem a característica [animado] e é mais baixo na Hierarquia Temática que o papel temático de ‘agente’. Não relataremos os experimentos com verbos não-agentivos (aqueles que não têm ‘agente’ em sua grade temática) porque, em testes com sentenças com tais verbos na forma passiva, o desempenho obtido pelos afásicos agramáticos foi na chance e a explicação é a mesma dada para aqueles com verbos agentivos. É por esta razão que esses verbos não fazem parte do nosso trabalho. As definições da TDH e do Princípio Default baseiam-se em pesquisas anteriores (como, por exemplo, GRODZINSKY, 1989) resumidas em Grodzinsky, 1990, em que o desempenho dos afásicos agramáticos em tarefas de compreensão de sentenças geradas por movimento foi testado. O autor demonstra como são representadas as sentenças na forma passiva, ativa, relativa de objeto, relativa de sujeito, clivada de objeto e clivada de sujeito na gramática mental do afásico agramático. Vamos denominar de E a designação estrutural de papel temático e de D a designação realizada pelo Princípio Default, a exemplo do autor (op. cit., p. 84-85)30 (vale dizer que * significa apagamento de vestígios): 1) [a garota] foi empurrada * [pelo rapaz] agente (D) agente (E) 2) [a garota] empurrou [o rapaz] agente (E) tema (E) 3) [a garota] que [o rapaz] está empurrando * é alta agente (D) agente (E) 4) [a garota] que * está empurrando [o rapaz] é alta agente (D) tema (E) 5) é [a garota] que [o rapaz] está empurrando* agente (D) agente (E) 6) é [a garota] que * está empurrando [o rapaz] agente (D) tema (E) O desempenho dos pacientes em testes de compreensão com as sentenças pares foi acima da chance. Isto é, os afásicos agramáticos testados compreenderam consistentemente 30 As sentenças foram extraídas de Grodzinsky (1990, p. 84 - 85) e traduzidas para a língua portuguesa. tais estruturas. Já nas sentenças ímpares, estes indivíduos estiveram no nível da chance, ou seja, eles tentaram adivinhar a resposta e acertaram por volta de 50%. Grodzinsky (op. cit.) explicou o desempenho acima da chance: a sentença na forma ativa não é gerada por movimento31 e, nas sentenças relativas de sujeito e clivadas de sujeito, há extração de SN da posição de sujeito para uma outra posição de sujeito. Então, para as sentenças ativas, segundo Grodzinsky (op. cit.), a designação de papel temático feita por um indivíduo com gramática comprometida seria idêntica à realizada por um indivíduo normal: seria uma designação estrutural. Para as sentenças relativas de sujeito e clivadas de sujeito, mesmo que os vestígios estejam ausentes na gramática mental do indivíduo afásico, há coincidência de designação de papel temático em relação àquela realizada por um indivíduo com a gramática intacta. Ou seja, este designaria o papel temático de agente para o primeiro SN estruturalmente, aquele designaria também o papel temático de agente para o primeiro SN, mas via estratégia Default. O desempenho no nível da chance em tarefas de compreensão de sentenças passivas, relativas de objeto e clivadas de objeto deve-se, como já apontado, ao apagamento de vestígios na gramática mental do paciente e à atribuição de papel temático via Princípio Default, segundo a proposta de Grodzinsky (op. cit.). O afásico agramático, com os vestígios de SN ou de elemento-QU cancelados no nível mental, não consegue designar papel temático para o constituinte movido, não estabelecendo a cadeia temática. Utilizam o Princípio Default, desencadeando a designação de papel temático de agente para o primeiro SN da sentença (obedecendo à ordem canônica SVO em que sujeito normalmente é agente), já que ele está em posição não temática e não recebeu papel temático do vestígio. Entretanto, para o by-phrase, a designação de papel temático de agente é feita 31 Em Grodzinsky (1990), ainda não há adoção da Hipótese do Sujeito Interno ao SV. estruturalmente, seja pelo afásico agramático, seja pelo indivíduo com gramática intacta. Dessa forma, ocorre, na gramática mental do sujeito com lesão cerebral seletiva, um conflito, pois existem dois SN’s cujos papéis temáticos são agentes. O afásico agramático tenta adivinhar a resposta correta e acerta por volta de 50% das sentenças apresentadas. Dando seqüência, Grodzinsky (op. cit.) indaga se o Princípio Default é realmente sensível às propriedades temáticas do verbo. A fim de responder a tal pergunta, o autor estende seus dados, referindo-se a Grodzinsky et al. (1988 apud GRODZINSKY, 1990). Neste trabalho, o desempenho dos afásicos agramáticos em tarefas de compreensão com verbos agentivos e verbos psicológicos, dentre outros32, tanto na forma ativa quanto na passiva, foi investigado. O objetivo era o de constatar como é a atuação do Princípio Default em verbos com grade temática sem papel temático de agente, no caso com verbos psicológicos: um exemplo na forma ativa - “O homem admira a mulher” - e na passiva - “A mulher é admirada pelo homem”33. Grodzinsky et al.(op.cit.) trabalharam com a tarefa de anagrama que consiste em apresentar, ao indivíduo pesquisado, três fragmentos de uma sentença correspondente a uma gravura (que também era apresentada). O paciente deveria ordenar os fragmentos a fim de que a sentença formada correspondesse ao desenho. O autor afirma que esse tipo de teste permite verificar se a perda sintática é severa. Tal “severidade” corresponderia à impossibilidade de o paciente ordenar corretamente os constituintes de uma sentença. Os resultados foram os seguintes: os pacientes obtiveram desempenho acima da chance para todas as sentenças ativas (tanto com os verbos agentivos quanto com os 32 Mencionaremos somente os resultados de testes de compreensão feitos com os verbos agentivos e psicológicos porque somente eles é que interessam para a nossa dissertação. 33 Os exemplos foram retirados de Grodzinsky (1990, p.89) e traduzidos para a língua portuguesa. psicológicos). Em relação às passivas agentivas, os sujeitos obtiveram o resultado na chance. Por fim, foi constatado que os afásicos agramáticos estiveram abaixo da chance (erros consistentemente que ficam muito abaixo de 50%) para as passivas com verbos psicológicos. Grodzinsky et al. (op. cit.) partem para uma explicação no que diz respeito aos resultados obtidos em tarefas de compreensão de sentenças passivas agentivas e passivas com verbos psicológicos. Para as primeiras, foi evidenciado o conflito entre os dois SN’s da sentença com o mesmo papel temático – agente - , resultando um desempenho na chance, conforme já foi assinalado. Mas, em sentenças passivas com verbos psicológicos, o desempenho esteve abaixo da chance. O autor declara que, para um resultado em que erros foram muito mais constantes do que acertos, provavelmente houve uma designação de papel temático, por parte do afásico agramático, sistematicamente diferente daquela feita por um indivíduo com gramática intacta. Explicando melhor: o primeiro SN tem a característica [+animado], portanto há a permissão para a atribuição de papel temático de agente a este SN. Se esta hipótese for confirmada, na gramática mental do afásico agramático, teremos a seguinte configuração: “[A mulher] é admirada [pelo homem]” agente experienciador Ao passo que, na gramática intacta do indivíduo normal, será: “[A mulher] é admirada [pelo homem]” tema experienciador Ou seja, sequer há ‘agente’ na estrutura temática de um verbo psicológico. O que ocorre, então, é que a designação de “agente”, por parte do afásico agramático, para o primeiro SN na passiva com verbo psicológico vai competir com o “experienciador” do byphrase criando uma discrepância, pois “agente” está em posição superior a “experienciador” na Hierarquia Temática. Daí o pior desempenho dos afásicos agramáticos em tarefas de compreensão de sentenças com verbos psicológicos. Em suma: para Grodzinsky (1990), a previsão de resultados em tarefas de compreensão de determinadas estruturas sintáticas por parte do indivíduo afásico agramático é a seguinte: a) quando não houver movimento de SN ou de elemento-QU e, portanto, não houver vestígios (referindo-se, no caso, às ativas), o desempenho será acima da chance. Se houver movimento de elemento de uma posição de sujeito para outra posição de sujeito (conforme verifica-se nas relativas de sujeito e clivadas de sujeito), o desempenho também será acima da chance. b) Os resultados serão na chance quando os papéis temáticos designados são idênticos ou quando ocupam a mesma posição na Hierarquia Temática (como é o caso de passivas agentivas). c) O desempenho será abaixo da chance quando a designação de papel temático normal e aquela feita pelo afásico são opostas na ordem da Hierarquia Temática (por exemplo, passivas com verbos psicológicos). 2.2.2. A Revisão da Hipótese de Apagamento de Vestígios (RTDH) e Explicações Sintáticas para o Déficit de Compreensão Embora Hickok, Zurif e Canseco-Gonzalez (1993) concordem com Grodzinsky (1990) no que diz respeito à observação de que o déficit do agramático é seletivo, os autores reformulam a TDH proposta por Grodzinsky (1990) e propõem explicações de caráter estritamente sintático para tal déficit. Os autores realizaram experimentos com tarefas de compreensão de sentenças ativas, clivadas de sujeito, passivas, clivadas de objeto e sentenças com relativas de sujeito encaixadas ao centro em que há uma relação entre o sujeito e o predicado (denominada por Hickok et al. (op. cit.) de relação adjetivo-predicado), do tipo “O tigre que segue o leão é alto”. Estes testes foram aplicados em um paciente afásico agramático. O desempenho obtido por este indivíduo nas tarefas de compreensão foi acima da chance para as sentenças ativas e clivadas de sujeito e na ou abaixo da chance para as sentenças passivas, clivadas de objeto e sentenças com relativas de sujeito encaixadas ao centro com relação adjetivopredicado. Mediante tais resultados, os autores propuseram uma Revisão da TDH (em inglês, Revised Trace-Deletion Hypothesis, cuja abreviatura é RTDH). Nessa revisão, inclui-se a adoção da Hipótese do Sujeito Interno ao SV e Hickok et al. (op. cit.) utilizam a Representação de Designação Temática (Thematic Assignment Representation – TAR) e observam o número de SN’s sem designação de papel temático disponíveis em uma sentença para serem interpretados, a fim de fundamentarem sua análise. Para tornar mais clara a proposta de Hickok et al. (op. cit.), vamos remeter-nos a três experimentos desenvolvidos por esses autores. O primeiro experimento constituiu-se no teste de correspondência sentença-gravura34 e as sentenças investigadas foram clivadas de sujeito e clivadas de objeto (a fim de verificar os resultados de pesquisas prévias) e sentenças com relativas de sujeito encaixadas ao centro com relação adjetivo-predicado35 (para estas, somente a relação adjetivo-predicado era invertida nos desenhos. Isto é, para uma sentença do tipo “O cavalo que gosta da vaca é marrom”, a gravura correta continha 34 Testes de correspondência sentença-gravura são os mais usados em experimentos de compreensão em afasia agramática. Tanto Caramazza e Zurif (1976) quanto Grodzinsky (1990) usaram-nos. No caso de Hickok et al. (op. cit.) havia somente duas gravuras: uma que correspondia à sentença lida e outra com as relações temáticas invertidas. 35 Em Hickok (1992), também é investigado o desempenho do agramático em tarefas de compreensão de sentenças com relativas encaixadas com relação adjetivo-predicado, dentre outras estruturas. um cavalo marrom próximo a uma pequena vaca e a incorreta constituía-se de uma vaca marrom próxima a um pequeno cavalo). O objetivo de trabalhar com sentença com relativa de sujeito encaixada ao centro com relação adjetivo-predicado era o de verificar o desempenho do afásico agramático em tarefas de compreensão com uma sentença que a TDH previa não haver problemas, pois é uma sentença ativa com um encaixamento ao centro, logo não haveria designação de papel temático via vestígio e, portanto, não haveria problema de interpretação. O desempenho encontrado, por parte do afásico agramático, é o seguinte: acima da chance para sentenças clivadas de sujeito e desempenho na chance para sentenças clivadas de objeto e aquelas com relação adjetivo-predicado. Uma primeira evidência levanta-se contra a TDH de Grodzinsky (op. cit.). Hickok et al. (op. cit.) partem para o segundo experimento a fim de verificar se há diferença de resultados de compreensão das sentenças testadas no experimento anterior quando há menor carga computacional (menos gravuras a serem observadas) e maior contextualização (os autores alegam que, no teste de correspondência sentença-gravura, o paciente deve criar mentalmente o contexto para que a sentença ouvida faça sentido). Optam, então, pela tarefa de julgamento de verdade, em que o paciente deve simplesmente dizer “sim” ou “não” ao ouvir uma determinada sentença que deve ou não corresponder a uma encenação realizada no momento do teste (a encenação visava a diminuir a descontextualização). Vale dizer que, para cada sentença, foram testadas as duas versões: a correta e a incorreta (nesta, havia inversão de papel temático). Os resultados dos testes de compreensão por parte do paciente afásico agramático, mesmo com a diminuição da carga computacional e da falta de contexto, repetiram-se em relação ao primeiro experimento: desempenho acima da chance para as sentenças clivadas de sujeito e na chance para as clivadas de objeto e sentenças com relativa de sujeito encaixada ao centro com relação adjetivo-predicado. A tarefa de julgamento de verdade permitiu detalhar a compreensão destas sentenças por parte do afásico agramático: o paciente, no que diz respeito às sentenças com relativas de sujeito encaixadas ao centro com relação adjetivo-predicado, teve uma tendência a rejeitar as sentenças verdadeiras e aceitar as falsas. Uma interpretação dada por Hickok et al. (op. cit.) para tal comportamento: o afásico agramático tendeu a associar o adjetivo ao SN da oração encaixada, realizando uma análise errônea. Em relação às sentenças clivadas de objeto, o paciente apresentou uma tendência a rejeitar tanto as sentenças verdadeiras quanto as falsas. Um novo teste de julgamento de verdade com sentenças na forma passiva foi realizado e o mesmo resultado encontrado para sentenças clivadas de objeto foi obtido: o paciente rejeitou tanto as sentenças verdadeiras quanto as falsas. O desempenho foi na chance. Hickok et al. (op. cit.) apontam que os resultados verificados sinalizam para uma falha do sistema gramatical dos afásicos agramáticos em fornecer uma análise para as construções com vestígios. O problema não seria resultante de uma representação conflitante, conforme sustenta a TDH. Hickok et al. (op. cit.) propõem a RTDH que adota a Hipótese do Sujeito Interno ao SV. Com tal concepção, a RTDH afirma que todos os sujeitos gramaticais, inclusive aqueles da sentença na forma ativa, recebem papéis temáticos via vestígio. Evidentemente, até mesmo nas sentenças ativas há apagamento de vestígio. Para melhor explicar as propostas dos autores, vamos usar a sentença “O tigre [perseguiu o leão]”36. Hickok et al. (op. cit.) usam a TAR, que é da forma “verbo (x(y))”em que “x” significa o papel temático designado ao sujeito e “y” o papel temático designado ao objeto. A sentença seria representada na gramática mental do afásico agramático desta forma: “o tigre [* perseguiu o leão]” (p.388) e a TAR seria “persegue (*(leão)) em que o asterisco corresponderia ao apagamento do vestígio. Os autores ainda indicam que, mesmo que a semântica lexical não esteja representada na TAR, o paciente sabe que, por exemplo, na sentença citada, “o leão” foi perseguido e que “o tigre” entrou no input da cadeia. Com tal raciocínio, Hickok et al. (op. cit.) explicam os resultados obtidos nos experimentos: o desempenho acima da chance em sentenças clivadas de sujeito deve-se à hipótese que há somente um SN sem papel temático na sentença para ser compreendido (o SN entra no input, mas não recebe papel temático do verbo), entretanto, o objeto recebe papel temático gramaticalmente. Se o paciente sabe qual é o objeto e se há só um SN à esquerda do verbo disponível para ser interpretado como agente, este indivíduo acerta a tarefa e o desempenho é bom. Vamos, então, à explicação sobre o desempenho na chance que, na pesquisa desenvolvida, diz respeito às passivas e clivadas de objeto. Inicialmente, Hickok et al. (op. cit.) remetem-se a Grimshaw (1990) que admite que o argumento externo de uma passiva não é considerado na estrutura argumental do verbo, ele é considerado um tipo de adjunto. Então, a representação gramatical de uma passiva para um afásico agramático seria (op. cit. p.390): “O tigre foi perseguido * pelo leão”, em que a TAR é: persegue (φ (*)) e de uma clivada de objeto: “Foi o tigre [que o 36 As sentenças aqui citadas para exemplificação foram extraídas de Hickok et al. (op. cit.), p. 386, 389, 390, 391) e traduzidas para a língua portuguesa. leão[*perseguiu]], em que a TAR é: persegue (*(*)). As TAR’s estão completamente sem especificação. Desta forma, há mais de um SN sem designação de papel temático disponível para a interpretação na sentença. Hickok et al. (op. cit.) apontam que o paciente vai tentar adivinhar a designação de papel temático e o resultado é na chance. A fim de defender sua proposta, Hickok et al. (op. cit.) sugerem como seria a representação de uma sentença com relativa de sujeito encaixada ao centro com relação adjetivo-predicado (p.391) na gramática mental do afásico agramático: “O tigre [que [* perseguiu o leão]] [* é alto]”, em que as TAR’s são: persegue (* (leão)) é alto (*). Aqui, o verbo da oração principal tem um papel temático não designado e há, na sentença, dois SN’s que não são tematicamente marcados pelo verbo da oração principal. Há, portanto, mais de um SN para preencher o papel temático não designado. Daí, o desempenho na chance. Mas deve-se observar que, nessas TAR’s, existe um SN – “o leão” – cujo papel temático é designado, permitindo uma interpretação parcial por parte do afásico agramático. Tal SN seria o responsável pela diferença entre as respostas negativas dadas para as sentenças com relativas de sujeito encaixadas ao centro com relação adjetivopredicado, de um lado, e as passivas e clivadas de objeto, de outro. Ou seja, a impossibilidade completa de interpretar uma sentença, como é o caso destas últimas estruturas, dá conseqüência a uma tendência maior para respostas negativas. A proposta da RTDH, como pode-se constatar, visa a dar uma explicação unicamente de caráter sintático para o déficit lingüístico do afásico agramático, ao passo que a TDH pressupõe uma estratégia extra-lingüística – o Princípio Default37. 2.2.3. Algumas respostas de Grodzinsky a Hickok et al. Grodzinsky (1995 b) propõe-se a dar algumas respostas a Hickok et al. (1993) relacionadas à concepção do Sujeito Interno ao SV, à adoção da proposta de Grimshaw (1990 apud HICKOK et al. 1993) para o by-phrase feita por estes autores e às dificuldades apresentadas pelos afásicos agramáticos na compreensão de sentenças com relativa de sujeito encaixada ao centro com relação adjetivo-predicado, ampliando sua discussão com a finalidade de validar a TDH e o Princípio Default. Em Grodzinsky (op. cit.), há a adoção da Hipótese do Sujeito Interno ao SV. Desta forma, Grodzinsky (op. cit.) admite que, nas sentenças ativas, há também vestígios. Os agramáticos diante de sentenças com vestígios na posição de sujeito também não designariam papel temático aos elementos movidos. Mas, com o uso da estratégia Default, haveria uma compensação para o déficit. Ou seja, mesmo não designando gramaticalmente um papel temático ao elemento movido de uma posição para outra também de sujeito, a designação estratégica atribui papel temático de agente ao primeiro SN, coincidindo com a designação realizada na gramática de um indivíduo normal. Já em sentenças com vestígios de SN na posição de objeto, o segundo SN recebe papel temático gramaticalmente e o primeiro estrategicamente. Para uma sentença na forma passiva com verbo agentivo por 37 Conforme podemos verificar, as explicações de Hickok et al. (op. cit.) são claramente de caráter estrutural. Entretanto, não podemos nos abster de assinalar que os autores (p. 388, nota 12) apontam que a RTDH é uma abordagem descritiva dos dados e não necessariamente uma teoria do déficit real. Este, em princípio, poderia limitar-se a um processamento que não está permitindo a ligação de elementos movidos e vestígios na representação agramática. exemplo, na gramática do afásico, encontraríamos duas designações de papel temático de agente, desencadeando, então, a competição e, por conseguinte, um desempenho baseado na adivinhação, com resultado na chance. Novamente Grodzinsky (op. cit.) aborda os resultados obtidos em testes com sentenças nas formas ativa e passiva – com verbos agentivos e psicológicos - com a finalidade de validar o Princípio Default. Os pacientes afásicos agramáticos, em testes de compreensão, obtiveram um desempenho acima da chance para todas as ativas. Em Grodzinsky (1995 b), é a primeira vez que verificamos uma explicação para o bom desempenho dos afásicos em tarefas com sentenças na forma ativa com verbos psicológicos: o paciente agramático designará, ao primeiro SN, o papel temático de agente (já que ele é [+ animado]), mas tal designação é mais alta que o papel temático designado ao objeto na Hierarquia Temática (Grodzinsky (op. cit.) admite, também para as ativas, a Condição de Hierarquia Temática apontada originalmente para as passivas por Jackendoff (op. cit.)). Assim, o paciente com déficit seletivo tem um desempenho acima da chance nesta tarefa. As explicações dadas para o desempenho para as passivas com verbos agentivos e psicológicos equivalem àquelas realizadas na seção 2.2.1. Desta forma, Grodzinsky (op. cit.) indica que, mediante tais resultados, o déficit lingüístico abordado neste trabalho relaciona-se não só à estrutura sintática da sentença (se na forma ativa, se na forma passiva), mas também às propriedades temáticas do predicado (se agentiva, se não agentiva). O desempenho abaixo da chance em sentenças passivas psicológicas (somente investigado por Grodzinsky (op. cit.), e não por Hickok et al.(op. cit.)) só pode ser explicado pela diversidade temática do predicado e pelo movimento sintático. Grodzinsky (op. cit.), por fim, assinala que a abordagem de Hickok et al. (op. cit.) não conseguiria resolver tal impasse, pois a passiva com verbos agentivos e aquelas com verbos psicológicos teriam a mesma representação. Somente com a adoção da hipótese de utilização da estratégia Default na gramática deficiente do afásico agramático é que seria explicado o desempenho desses pacientes38. Outro problema em Hickok et al. (op. cit.) é indicado por Grodzinsky (1995 b): este último autor indica que o by-phrase da passiva tem um papel temático que é especificado pelas propriedades temáticas do predicado e, portanto, entram na estrutura argumental do verbo, contrariando a previsão de Hickok et al. (op. cit.) que propõem que o by-phrase é adjunto, logo não recebe papel temático. Grodzinsky (op. cit.) verifica uma deficiência na hipótese de Hickok et al.(op. cit.): se há designação de papel temático ao objeto oblíquo do by-phrase, a representação gramatical de uma sentença na passiva, para um afásico agramático, coincidirá com aquela realizada para uma sentença na forma ativa. Explicando melhor: na representação da passiva, haverá dois SN’s no input da cadeia, com o sujeito derivado sem a designação de papel temático (devido ao apagamento de vestígios) e com o objeto do by-phrase com o papel temático designado. A ativa terá também dois SN’s no input da cadeia, sem a designação de papel temático para o sujeito mas com o papel temático atribuído ao objeto. Desta forma, as representações seriam equivalentes para ativas e passivas, o que é bastante complicado tendo em vista que uma das características 38 A TDH e o Princípio Default constituem-se a hipótese proposta por Grodzinsky (1990) para explicar o déficit do afásico agramático em tarefas de compreensão de determinadas estruturas sintáticas. Na tentativa de avançar cada vez mais nos estudos, há um refinamento de tal hipótese em Grodzinsky (1995a) em que a TDH passa a referir-se somente a vestígios em posição temática, em oposição a vestígios de cadeias não temáticas (como aqueles originados de movimento de verbo). O Princípio Default passa a atuar somente quando o SN é elemento referencial (aquele que tem referência no mundo, como por exemplo ‘qual’ em ‘Qual menino vai para a escola?’ em que há um menino no meio de um conjunto de meninos). Como elementos referenciais não fazem parte do nosso trabalho, somente mencionamos o estudo a fim de darmos uma maior abrangência sobre o assunto. Havendo maior interesse, consultar também Hickok e Avrutin (1995). marcantes no déficit de compreensão do afásico agramático diz respeito justamente às dificuldades com sentenças cujos elementos movidos têm posição original de objeto. Grodzinsky (op. cit.) responde a Hickok et al. (op. cit.) também no que se refere ao desempenho na chance em tarefas de compreensão de sentenças com relativa de sujeito encaixada ao centro com relação adjetivo-predicado por parte de afásicos agramáticos. Na nota de rodapé nº 3 (op. cit., p. 474-475), Grodzinsky assinala que a dificuldade dos afásicos agramáticos em estabelecer relação de predicação entre um predicado e um sujeito de uma sentença principal com relativa encaixada ao centro não parece estar relacionada às abordagens estruturais sobre o déficit lingüístico desses pacientes. É, antes, uma dificuldade de processamento. Por isso, Grodzinsky (op. cit.) declara que esta é uma abordagem periférica em relação àquela que ele se propõe a estudar: a estrutural. Embora não seja uma resposta a Hickok et al. (op.cit.), consideramos ainda interessante mencionar Balogh & Grodzinsky (1996) que realizaram um experimento (teste de julgamento de verdade) com afásicos de Broca, no qual foi investigada a compreensão de sentenças com verbos psicológicos na forma passiva, dentre outros tipos de estruturas, a fim de comparar resultados com aqueles de pesquisas anteriores. Investigaram-se passivas com verbos psicológicos - em que o SN com a designação de papel temático de experienciador ora era argumento interno (como em “O pirata é assustado pelo monstro”), ora era argumento externo (por exemplo, “O monstro é temido pelo pirata”)39. Os resultados obtidos foram: acima da chance para as primeiras e na chance para as segundas. Mesmo esse resultado sendo comprometedor para a validação do Princípio Default, pois 39 Estas sentenças foram retiradas de Balogh & Grodzinsky (1996, p. 55) e foram traduzidas para a língua portuguesa. Vale dizer que a atribuição de papel temático de experienciador a argumentos interno e externo é mais bem entendida quando observamos as sentenças na sua forma ativa: em “O monstro assusta o pirata”, quem experiencia o estado psicológico de estar assustado é “o pirata”, logo argumento interno. Em “O pirata teme o monstro”, quem experiencia o estado psicológico de temer é “o pirata”, logo o argumento externo. não há sequer um resultado abaixo da chance para as passivas psicológicas e há um desempenho acima da chance para estas mesmas sentenças, os autores não fizeram menção à estratégia Default. Balogh e Grodzinsky (op. cit.) apontam, no entanto, a necessidade de levar-se em conta a identidade temática do argumento externo de uma sentença passiva na versão da TDH. Resumindo: neste capítulo, nós procuramos conceituar o afásico agramático como indivíduo com lesão na área de Broca e adjacências, apresentando problemas na fluência da fala, ausência na produção lingüística de palavras funcionais livres e morfemas de fronteiras. Em seguida, indicamos alguns estudos que estudaram a produção lingüística desse indivíduo. Kean (op. cit.) estabeleceu uma análise fonológica, em que palavras fonológicas eram retidas no agramatismo, mas não os clíticos. Grodzinsky (1990) demonstrou que a flexão na gramática do afásico normalmente só ocorre quando a palavra, por si só, não existe, exigindo elementos de flexão, a qual pode ser feita de forma errada. O autor ainda indicou que somente as preposições regidas é que podem ser apagadas no agramatismo. Grodzinsky (1995 a) assinala que algumas categorias funcionais parecem estar intactas no agramatismo e Lonzi e Luzzatti (op. cit.) evidenciam isto através de experimentos em que pacientes afásicos agramáticos mantiveram a habilidade de movimentar verbos em torno de advérbios. Friedman e Grodzinsky (op. cit.) verificaram que o grau de severidade do agramatismo depende do local, na árvore sintática, que foi cortado: quanto mais baixo, maior é a dificuldade lingüística do paciente afásico agramático. Em seguida, procuramos caracterizar a compreensão de sentenças com vestígios de SN e de elemento-QU por parte do afásico agramático. Dentre as abordagens sobre o assunto, destacamos o “diálogo” entre Grodzinsky (1990, 1995 b) e Hickok et al. (1993). Observamos que todos eles consideram o déficit lingüístico do afásico agramático seletivo e apontam ainda que há apagamento de vestígios de SN e de elemento-QU na gramática mental desses pacientes. Grodzinsky (op. cit.), para explicar o déficit sintático do afásico agramático, indica a TDH e o Princípio Default, uma estratégia extra-lingüística. A principal argumentação para a validade desta estratégia concentra-se em resultados de testes de compreensão de sentenças passivas com verbos psicológicos por parte de afásicos agramáticos, em que o desempenho encontrado fica abaixo da chance. Grodzinsky assinala que a proposta de Hickok et al. (op. cit.) não prevê explicações para tal resultado. Aliás, Grodzinsky (op. cit.) assinala que Hickok et al. (op. cit.) também não prevêem explicações convincentes para o desempenho dos afásicos agramáticos em testes de compreensão com sentenças na forma passiva por suprimirem-lhes o by-phrase da estrutura temática do verbo. Em princípio, Grodzinsky (1990) não adotava a Hipótese do Sujeito Interno ao SV. Mudou sua concepção em 1995, indicando que a designação de papel temático feita pela estratégia Default compensa o déficit lingüístico do afásico agramático em sentenças ativas, relativas de sujeito e clivadas de sujeito e desencadeia uma competição em sentenças na forma passiva, relativas de objeto e clivadas de objeto. Hickok et al. (op. cit.), por sua vez, sugerem uma proposta que visa a explicar o déficit lingüístico do afásico agramático somente por hipóteses sintáticas. Para tanto, designam a RTDH (que concebe, em sua origem, a Hipótese do Sujeito Interno ao SV) e a TAR. Declaram que a TDH não consegue explicar o desempenho pobre de pacientes em testes de compreensão com sentenças ativas com relativa de sujeito encaixada ao centro e com relação adjetivo-predicado (problema este que Grodzinsky (1995 b) considera como defeito no processamento da linguagem e não de natureza estrutural). Hickok et al. (op. cit.) realizaram testes de correspondência sentença-gravura e de julgamento de verdade, a fim de verificar se há diferença nos resultados com a aplicação de distintos tipos de testes e os resultados encontrados foram equivalentes em ambos os experimentos. 2.3. Estabelecendo o Objetivo para a Pesquisa O objetivo é, mediante os resultados a serem obtidos nos testes de compreensão de sentenças geradas por movimento por parte de uma paciente afásica agramática, confrontar as duas propostas apresentadas para o desempenho de indivíduos afásicos agramáticos – a de Grodzinsky (1990, 1995b) e a de Hickok et al. (1993) - propiciando um debate sobre o assunto. Para estabelecer tal confronto, vamos utilizar os três tipos de testes usados pelos autores – de correspondência sentença-gravura, de julgamento de verdade e de anagrama-, englobando todos os tipos de estruturas sintáticas e de propriedades temáticas usados por eles. Lembramos que vamos partir do mesmo pressuposto no qual Grodzinsky (1990, 1995b) e Hickok et al. (1993) basearam-se: o problema do afásico agramático é com sentenças reversíveis, portanto, somente este tipo de construção será investigada. A seleção da pessoa afásica agramática, os detalhes a respeito dos testes e a forma como interpretamos os resultados alcançados em nossa pesquisa serão mais bem detalhados no capítulo seguinte. 3. METODOLOGIA Este capítulo pretende apresentar a metodologia usada na investigação da compreensão de sentenças geradas por movimento por parte de uma paciente afásica agramática – a paciente I. Na primeira seção, mostraremos quais os critérios usados para a seleção da paciente I. Na segunda seção, demonstraremos os três tipos de testes aplicados nesta pesquisa e, na terceira seção, a forma como interpretamos os dados obtidos. 3.1. Amostra Esta dissertação baseia-se em um estudo de um caso: a paciente I. Ela é uma afásica de Broca: tem uma lesão no lobo frontal e parietal do hemisfério esquerdo. A lesão não atinge a área de Wernicke. Decidimo-nos por fazer um estudo de caso acreditando que a inferência dedutiva (POPPER, 1975) é válida para fins de nossa pesquisa. Ou seja, a partir de um enunciado maior (o de que pessoas com lesão na área de Broca e adjacências são geralmente agramáticas) e de uma consideração inicial (a de que a paciente I tem lesão na área de Broca e adjacências), podemos deduzir que a paciente I é afásica agramática. Podemos também deduzir que a paciente I, sendo agramática, não representa, no nível mental, vestígios de SN e de elemento-QU. A procura por pacientes afásicos de Broca ocorreu no período de junho a dezembro de 1998. No início, tínhamos um grupo com 15 pacientes que foram submetidos a alguns critérios que os definiriam como afásicos agramáticos. Depois de aplicarmos tais critérios, selecionamos somente uma paciente – a paciente I-, que constituiu a nossa única informante. Ela é destra e sofreu AVC (acidente vascular cerebral) em julho de 1995. Na época do teste, tinha 44 anos. Desempenhava duas profissões: era enfermeira (com curso de 2ºgrau) e motorista de ônibus. A paciente I foi selecionada para esta pesquisa a partir de três critérios. O primeiro baseou-se na tomografia computadorizada – que indicava a lesão já mencionada – e no diagnóstico feito por fonoaudiólogas do Instituto de Neurologia Deolindo Couto - UFRJ (onde a paciente recebia tratamentos), que a classificava como sendo afásica de Broca. O segundo critério diz respeito ao diagnóstico por nós realizado através do Boston Diagnostic Examinations of Aphasia (GOODGLASS & KAPLAN, 1972), também conhecido como Teste de Boston. Mediante a gravação da fala da paciente, pudemos observar a escala de severidade de afasia e a escala de características da fala (p. 26)40. Antes de aplicarmos o teste piloto (que mencionaremos adiante), estabelecemos um diálogo com a paciente, gravando a fala para fins de análise. Nesta gravação, havia uma conversa informal, uma descrição – que, no caso, foi da sala na qual estávamos conversando-, uma enumeração – de dias da semana, meses do anos, contagem de 1 a 21 -, e uma narrativa – que, com a paciente I, não foi possível. Verifique, a seguir, uma parte do diálogo estabelecido entre a paciente I e a entrevistadora: Conversa Informal: Entrevistadora: - Queria que você contasse um pouco pra mim, por exemplo, o que você gosta de fazer normalmente? Paciente I: - Eu gosta de... passear. Entrevistadora: - De passear? Paciente I: - É, nada. (Em relação ao “nada”, a paciente declara que sua fala “não sai nada”.) Entrevistadora: - Você gosta de ir aonde? Paciente I: (risada) - Não sai nada. Entrevistadora: - Qual lugar você gosta de ir? 40 Salientamos que faz ainda parte do Teste de Boston o denominado ‘perfil de z-score de sub resultados’, que é composto por testes que medem habilidades secundárias (como musical, de escrita e de leitura). Como tais habilidades não foram de interesse para a nossa pesquisa, não as aplicamos na paciente I. Paciente I: - Eu gosto de ir é (risada). Entrevistadora: - Não está conseguindo falar o lugar? Paciente I: - É. Entrevistadora: - Você gosta de ir na praia? Paciente I: - Gosto. Entrevistadora: - O que você gosta na praia? Paciente I: - Gosto de... passear na praia. Entrevistadora: - Você gosta de tomar sol? Paciente I: - É (risada). Entrevistadora: - E o que você fazia antes do problema que você teve? Paciente I: - Eu tive o derrame. Eu e... é... eu... tive um derrame. Entrevistadora: - Antes de você ter o derrame, você trabalhava? Paciente I: - Tabalhava.(Trabalhava) Entrevistadora: - Você fazia o quê? Paciente I: - Motorista de ônibus. Entrevistadora: - É? Qual linha você trabalhava? Paciente I: - É.... É... É... (indica com o dedo) Entrevistadora: - Botafogo? Paciente I: - Não, não. É... voz não sai... Eu... linha 763. Entrevistadora: - 763. Jacarepaguá? Paciente I: - É. Eu não, (algo ininteligível) eu antes tive, eu não eu tive... (algo ininteligível) Oh, voz não sai, voz não sai, eu tive um São Sé, São José. Eu tabalhava (trabalhava). Entrevistadora: - E agora, o que você faz normalmente durante o dia? Paciente I: - Não, não. Entrevistadora: - Você vê novela? Paciente I: - Não, não. Entrevistadora: - E jornal, você vê? Paciente I: - É. Entrevistadora: - Você viu jornal ontem, você se lembra de alguma notícia? Paciente I: - Não, não. Entrevistadora: - Você vê o Ratinho? Paciente I: - É, é... (risada) Entrevistadora: - Ratinho é bom, né? Paciente I: - É... (risada) Entrevistadora: - Você viu Ratinho ontem? O que que teve no Ratinho ontem? Paciente I: - É o (algo ininteligível) A (risada) voz não sai. Entrevistadora: - Você sabe fazer alguma comida? Paciente I: - Sei. Entrevistadora: - Você sabe fazer arroz? Paciente I: - Não. Entrevistadora: - O que você sabe fazer? Paciente I: (risada) - Não... Descrição Entrevistadora: - Descreve para mim esta sala. Paciente I: - Um, dois, três, quatro. Entrevistadora: - Quatro o quê? Paciente I: - Ventilador. Entrevistadora: - O que é isto aqui? Paciente I: - Parede. Entrevistadora: - E isto aqui? Paciente I: - Padeira (Cadeira). Entrevistadora: - E isto? Paciente I: - Voz não sai. Entrevistadora: - E isto? Paciente I: - Quadro. Entrevistadora: - E isto? Paciente I: - Garrafa. Entrevistadora: - E aquilo lá? Paciente I: - Televisão. Dias da semana Entrevistadora: - Você sabe me falar quais são os dias da semana, I? Paciente I: - Segunda-feira, não, segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado e domingo. Números de 1 a 21 Entrevistadora: - Você sabe contar para mim de 1 a 21? Paciente I: - Sei: um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, quatorze, quinze, dezesseis, dezessete, dezoito, dezenove, vinte, vinte e um. (A paciente realizou a enumeração com velocidade boa). Meses do ano Entrevistadora: - E os meses do ano? Meses: - Março, não, Aibil (para Abril), não, janeiro, fevereiro, março, aibil, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro, dezembro. Narração: A paciente não conseguiu contar nenhuma história. Somente produziu interjeições do tipo “É... é... é” ou “Ai, ai”, além de risadas. (Rio de Janeiro, 22 de outubro de 1998) Com base na observação da fala da paciente, aplicamos o Teste de Boston. A escala de severidade de afasia é caracterizada por notas que variam de 0 a 5. Salientamos que “0” representa nenhuma compreensão ou produção; “1” diz respeito a uma comunicação feita por expressões fragmentadas; “2” corresponde à conversação sobre assuntos familiares com a ajuda do ouvinte; “3” é a nota para o paciente que pode discutir quase todos os problemas do dia-a-dia; “4” ocorre quando há perda na fluência da fala sem limitação das idéias; por fim, “5” corresponde a problemas de fala mínimos. A paciente I foi caracterizada no nível 2. Em relação à escala de características da fala, a paciente I foi observada sob vários aspectos: linha melódica (em que “1” significa linha melódica ausente, “4” é limitada a pequenas frases e expressões estereotipadas e “7” corresponde à fala fluente para uma sentença inteira); tamanho de frase (em que a nota dada corresponde ao número de palavras); agilidade articulatória (em que “1” corresponde à articulação sempre comprometida ou impossível, “4” quer dizer que é normal somente para o uso de palavras e frases familiares e “7” aponta uma articulação nunca comprometida); forma gramatical (em que “1” quer dizer formas gramaticais nunca disponíveis, “4” corresponde à limitação de expressões declarativas e estereotipias e “7” diz respeito a formas gramaticais disponíveis); parafasia – troca ou uso errôneo de fonemas em uma palavra - (em que “1” significa que a parafasia é presente em cada pronúncia, “4” aponta uma parafasia por minuto de conversação e “7” quer dizer ausência de parafasia); acesso lexical (em que “1” é uma fluência sem informação, “4” corresponde à informação proporcional à fluência e “7” uma fala exclusivamente com palavras com informação) e compreensão auditiva (em que “1” significa ausência e “7” aponta para uma normalidade). De acordo com o Teste de Boston, um afásico típico de Broca e um afásico de Wernicke apresentam os seguintes perfis expressos nos dois gráficos respectivamente: Gráfico 1: Um afásico de Broca Linha melódica Tamanho da frase Agilidade Articulatória Forma gramatical Parafasia Acesso lexical Compreensão auditiva 1 2 3 4 5 6 7 A parte hachurada corresponde à nota dada para um indivíduo afásico de Broca de acordo com a escala de características da fala do Teste de Boston Gráfico 2: Um afásico de Wernicke Linha melódica Tamanho da frase Agilidade Articulatória Forma gramatical Parafasia Acesso lexical Compreensão auditiva 1 2 3 4 5 6 7 A parte hachurada corresponde à nota dada para um indivíduo afásico de Wernicke de acordo com a escala de características da fala do Teste de Boston A paciente I, de acordo com o gráfico traçado mediante sua fala, assemelha-se ao padrão determinado para um afásico de Broca. Portanto, a paciente I pode ser considerada afásica de Broca. Gráfico 3: A paciente I: afásica de Broca Linha melódica Tamanho da frase Agilidade Articulatória Forma gramatical Parafasia Acesso lexical Compreensão auditiva 1 2 3 4 5 6 7 A parte hachurada corresponde à nota dada para a paciente I de acordo com a escala de características da fala do Teste de Boston, especificando-a como afásica de Broca Vale salientar que o Teste de Boston foi também realizado por mais dois outros pesquisadores do nosso grupo e, posteriormente, comparados. O gráfico apresentado para a paciente I foi, por conseguinte, produzido por um consenso entre as três opiniões, sendo que não havia nenhuma opinião divergente. Na parte do diálogo em que a conversa informal foi descrita, podemos verificar trechos em que há substituição de flexão (por exemplo, “Eu gosta de... passear”) ou omissão de palavras funcionais, além de uma fala extremamente simplificada, correspondendo ao conceito de afásico agramático exposto no capítulo 2. Por fim, o último critério: a paciente I passou por um teste piloto (teste de correspondência sentença-gravura com 8 sentenças - duas na forma ativa, duas na forma passiva, duas relativas de sujeito e duas relativas de objeto) em que se verificou um desempenho similar àqueles encontrados, de um modo geral, em tarefas de compreensão de sentenças reversíveis aplicadas em pacientes afásicos agramáticos: desempenho acima da chance para as sentenças ativas e relativas de sujeito e na chance para sentenças passivas e relativas de objeto. Logo, além de haver uma classificação da paciente como afásica agramática observando-se sua produção, também houve preocupação com a parte relacionada à compreensão. 3.2. Tipos de Testes A fim de trabalharmos o objetivo desta dissertação, a metodologia consistiu de três tipos de testes comumente utilizados na neuropsicologia da linguagem: o teste de correspondência sentença-gravura, o teste de julgamento de verdade e o teste de anagramas. Os testes foram aplicados nesta ordem mencionada. Em relação ao trabalho desenvolvido, foram testados, para correspondência sentença-gravura e julgamento de verdade, seis tipos de estruturas sintáticas, a saber: ativa (por exemplo, “O velho puxa o garoto”), passiva (“O médico é entrevistado pelo soldado”), relativa de sujeito (“A professora que briga com o aluno tem cabelo castanho”), relativa de objeto (“O médico que o paciente acusa tem cabelo preto”), clivada de sujeito (“É a mulher que enxuga a criança”) e clivada de objeto (“É o menino que a menina persegue”). Como podemos observar, nas sentenças com relativa de sujeito e relativa de objeto encaixadas ao centro, sempre houve uma relação adjetivo-predicado. Para o teste de anagrama, foram testadas somente sentenças na voz ativa e passiva. Os verbos usados nas sentenças ativas e passivas eram constituídos por diferentes estruturas temáticas, ou seja, em sua grade de papéis temáticos, ou os verbos eram <agente, tema> ou <experienciador, tema>. São respectivamente denominados verbos agentivos e verbos psicológicos. A diferença entre agente e experienciador é mostrada por advérbios de intenção ou volição. Por exemplo, numa sentença com verbo psicológico, a agramaticalidade ocorre quando se adiciona advérbio dessa natureza, como em “*Ele admirou-a de propósito”. Já uma sentença com verbo agentivo, há a possibilidade de usarse o advérbio de intenção, tal como em “Ele matou-a de propósito”. Além disso, vamos trabalhar com a distinção entre verbos psicológicos, em que ora o papel temático de experienciador é designado ao argumento externo do verbo (como, por exemplo, “A mãe deseja a filha” em que “a mãe” passa pela experiência de desejar “a filha”- a qual é tema), ora ao argumento interno (como em “O cantor assustou o menino”, em que “o menino” passa pela experiência de ser assustado pelo “cantor”- o qual é tema). 3.2.1. Teste de Correspondência Sentença-Gravura Correspondência sentença-gravura é um teste em que o paciente ouve a sentença e é confrontado com alguns desenhos dentro de um só quadro. No caso da nossa pesquisa, havia três desenhos41 no quadro. A paciente I tinha que escolher o desenho que correspondia à sentença lida. Um dos três desenhos era o correto, ou seja, correspondia à sentença lida. O segundo desenho era incorreto: ele apresentava as relações temáticas invertidas. Por fim, o terceiro desenho nada dizia respeito ao contexto: ele servia apenas de controle para verificarmos se a paciente realmente estava entendendo o que estava sendo 41 Grande parte dos desenhos feitos para os nossos testes foram copiados de modelos cedidos por Grodzinsky ao Departamento de Lingüística da Faculdade de Letras da UFRJ. pedido, pois, se ela apontasse o desenho em questão, provavelmente, não teria compreendido o que era para fazer no teste. Para o teste de correspondência sentença-gravura, foram trabalhados 13 grupos de sentenças. A seguir indicaremo-nos, explicitando, sempre que necessário, peculiaridades para cada um: 1) 10 sentenças ativas com verbos agentivos. 2) 10 sentenças ativas com verbos psicológicos com argumento externo cujo papel temático é experienciador. 3) 10 sentenças ativas com verbos psicológicos com argumento interno cujo papel temático é experienciador. 4) 10 sentenças passivas com verbos agentivos. 5) 10 sentenças passivas com verbos psicológicos com argumento externo cujo papel temático é experienciador. 6) 10 sentenças passivas com verbos psicológicos com argumento interno cujo papel temático é experienciador. 7) 10 sentenças clivadas de sujeito. 8) 10 sentenças clivadas de objeto. Para cada uma das sentenças, houve um desenho correto (com as relações temáticas correspondentes à sentença lida), um desenho incorreto (com as relações temáticas invertidas em relação à sentença lida) e um terceiro desenho que não se relacionava em nada com a sentença. O objetivo, portanto, era o de verificar o desempenho da paciente I em designar papéis temáticos a SN’s e a elementos-QU. É ainda importante apontar que procuramos relacionar papéis temáticos cujos gêneros são iguais, ou seja, usamos masculino com masculino e feminino com feminino, nas sentenças com verbo no particípio passado – no caso, em sentenças na forma passiva -, para que não existissem pistas para a paciente. Por exemplo, em uma sentença do tipo “A menina foi empurrada pelo homem”, a paciente I poderia ter utilizado a indicação da flexão “-ada” para indicar o quadro correto. Em relação às sentenças com verbos psicológicos, fazemos uma ressalva: encontramos uma certa dificuldade em realizar desenhos, em que havia por exemplo uma mãe desejando a filha ou uma menina admirando a moça ou, ainda, uma mãe adorando a criança. Se uma mãe adora uma criança, esta também pode adorar aquela. Em sentenças com verbos agentivos não tínhamos tal problema por ser mais fácil expressar uma ação. Para sairmos deste impasse, utilizamo-nos de dois critérios. O primeiro: o personagem correspondente ao argumento cujo papel temático era experienciador “tinha mais vida” no desenho, ao passo que o personagem correspondente ao argumento com papel temático de tema sempre era desenhado como se não estivesse percebendo o outro personagem. Explicando melhor: para uma sentença do tipo: “A mãe deseja a filha”, a mãe era desenhada sorridente, com braços estendidos em direção à filha, olhando para esta. A criança estava de costas para a mãe, alheia ao desejo desta. Na gravura em que as relações temáticas eram invertidas, para a sentença apontada, a criança era desenhada sorridente, com braços estendidos em direção à mãe, a qual estava de costas, alheia ao desejo da criança. O segundo critério: todos os testes, incluindo portanto aqueles com verbos psicológicos, foram aplicados em duas pessoas normais antes de serem aplicados na paciente I, a saber: uma mulher, 58 anos, com nível de escolaridade até 8ª série, e um homem, 34 anos, com nível superior de escolaridade. Estas duas pessoas acertaram todos os testes. Além disso, todos os testes foram submetidos, exaustivamente, à análise dos pesquisadores do grupo: o professor orientador e dois colegas, ambos envolvidos nos experimentos. Interessante ainda observar que tanto Grodzinsky (1990,1995b) quanto Hickok et al. (1993) utilizaram verbos psicológicos, sendo que, intencionalmente, só o primeiro pesquisador. Hickok et al. (op. cit.) usaram verbos psicológicos porque não queriam desenhar ações em seus testes e, com esse tipo de verbo, tal objetivo seria alcançado. Foram ainda testadas: 9) 10 sentenças com relativas de sujeito encaixadas ao centro com relação adjetivopredicado (daqui para frente vamos denominá-las de relativas de sujeito com relação adjetivo-predicado), em que, no desenho correto, as relações temáticas eram mantidas e, no desenho incorreto, as relações temáticas eram invertidas. Mas, no que diz respeito à relação adjetivo-predicado, não havia inversão. Nos dois quadros, havia a manutenção da relação adjetivo-predicado. Por exemplo, para uma sentença “O menino que puxa o velho é loiro”, no quadro correto, tínhamos um menino loiro puxando um velho. No quadro incorreto, tínhamos um velho puxando um garoto loiro. O objetivo, portanto, era, tal como em relação às outras sentenças mencionadas, verificar a capacidade de designar papel temático por parte da paciente I. 10) 10 sentenças relativas de sujeito com relação adjetivo-predicado, em que houve manutenção de papel temático nos dois desenhos, mas ocorreu inversão da relação adjetivo-predicado nos dois desenhos. Por exemplo, para a mesma sentença citada no item anterior, tínhamos um quadro correto em que um menino loiro puxava um velho e um quadro incorreto em que um menino puxava um velho loiro. O objetivo era o de verificar a capacidade da paciente I em estabelecer relação entre o predicado e o sujeito da sentença principal, conforme foi realizado no experimento de Hickok et al. (op. cit.). 11) 10 sentenças relativas de sujeito com relação adjetivo-predicado, em que havia inversão de papéis temáticos e de relação adjetivo-predicado. Por exemplo, para a sentença mencionada no item 9, tínhamos o quadro correto com um menino loiro puxando um velho e, no incorreto, um velho loiro puxando um menino. O objetivo aqui era o de verificar a habilidade de designar papel temático e de estabelecer relação entre o sujeito da sentença principal e o predicado. Portanto, neste conjunto de sentenças, há uma carga computacional maior. Nós investigamos dois grupos de sentenças com relativas de objeto encaixadas ao centro com relação adjetivo-predicado (doravante denominadas de relativas de objeto com relação adjetivo-predicado ou, simplesmente, relativas de objeto), a saber: 12) 10 sentenças relativas de objeto com relação adjetivo-predicado com a manutenção desta relação nos desenhos, mas com troca de papéis temáticos. O objetivo, portanto, era o de verificar a capacidade do afásico em designar papel temático a elementos movidos. 13) 10 sentenças relativas de objeto com relação adjetivo-predicado, em que 5 foram testadas em quadros com trocas de papel temático e de relação adjetivo-predicado e 5 foram testadas em quadros com manutenção de papel temático e troca da relação adjetivo-predicado. Para as cinco primeiras, a finalidade era a de verificar a habilidade de designação de papel temático, com uma carga computacional maior, que se constituiu pelo acréscimo da tarefa de estabelecer relação adjetivo-predicado. Para as outras, o objetivo era o de verificar a habilidade de estabelecer relação adjetivopredicado. Escolhemos agrupar 5 de cada para não tornarmos o teste ainda maior, pois tínhamos limitação de tempo. Além disso, não era esta a estrutura sintática que definiria a validade das propostas de Grodzinsky (op.cit.) ou de Hickok et al. (op. cit.). No total, obtivemos 130 sentenças que foram testadas em duas seções. Cada quadro apresentado à paciente era no formato de Papel A4, branco, e era dividido em três partes iguais, na vertical. Os desenhos eram expostos aleatoriamente. Os desenhos foram realizados em traços na cor preta e as cores só eram usadas naquelas sentenças com relação adjetivo-predicado em que se faziam necessárias. Alguns quadros podem ser vistos no anexo 2. Os quadros correspondentes às sentenças foram organizados, para a apresentação, aleatoriamente, sendo que procuramos separar aqueles semelhantes na seqüência (às vezes, o terceiro desenho de um quadro – aquele que em nada relacionava-se com sentença lida – era usado, em outro quadro, como o correspondente à sentença lida). Logo, mesmo que os quadros tenham sido colocados ao acaso, houve um determinado direcionamento. O teste de correspondência sentença-gravura foi aplicado em duas seções. A paciente, na primeira seção, já estava acostumada com esse teste devido à experiência com o teste piloto. As duas ou três primeiras sentenças de cada seção sempre faziam parte do piloto (e eram descartadas no momento da verificação dos resultados) e, normalmente, era uma ativa ou clivada de sujeito, portanto, uma estrutura mais fácil em início de teste, quando há tendência ao nervosismo ou há adaptação à tarefa por parte do indivíduo pesquisado. O procedimento foi o seguinte: uma pessoa mostrava o quadro para a paciente e lia em voz alta a sentença que estava escrita no verso. Um outro indivíduo anotava os resultados com discrição a fim de não interferir na resposta da paciente. As sentenças poderiam ser lidas novamente para a paciente I caso esta requisitasse. Vale dizer que procuramos ler todas as sentenças com uma única entonação, a fim de não darmos nenhuma pista e garantir a obtenção de dados confiáveis. Cada seção teve a duração de cerca de 1 hora. Ao termos já aplicado a metade do número de sentenças estipulado para cada seção, perguntávamos à paciente se ela estava cansada. A paciente I sempre mostrou boa disposição e, por isso, pudemos prosseguir o teste em todas as seções. A justificativa para o uso do teste de correspondência sentença-gravura deve-se ao fato de, em primeiro lugar, ser o teste mais comum em experimentos que visam a investigar a compreensão de sentenças geradas por movimento por parte do indivíduo afásico agramático. Em segundo lugar, este teste foi utilizado por Grodzinsky (1989) quando testava sentenças relativas e citado em Grodzinsky (1990) como um teste comum em experimentos em afasiologia lingüística. Por fim, este teste também foi utilizado em Hickok et al. (1993). Como estamos comparando as propostas destes autores e ambos usaram o teste de correspondência sentença-gravura, assim também o fizemos. 3.2.2 – Teste de Julgamento de Verdade Julgamento de verdade é um tipo de teste em que o paciente depara-se com uma gravura com um só desenho e, simultaneamente, é lida uma sentença, que pode corresponder ou negar o desenho exposto. Quando não corresponde é devido ao fato de as relações temáticas estarem invertidas. No nosso experimento, a paciente I deveria apontar se a sentença era verdadeira ou falsa mediante o quadro mostrado. O teste de julgamento de verdade constituiu-se de: 1) 20 sentenças ativas com verbos agentivos. 2) 20 sentenças ativas com verbos psicológicos com argumento externo cujo papel temático é experienciador. 3) 20 sentenças ativas com verbos psicológicos com argumento interno cujo papel temático é experienciador. 4) 20 sentenças passivas com verbos agentivos. 5) 20 sentenças passivas com verbos psicológicos com argumento externo cujo papel temático é experienciador. 6) 20 sentenças passivas com verbos psicológicos com argumento interno cujo papel temático é experienciador. 7) 20 sentenças clivadas de sujeito. 8) 20 sentenças clivadas de objeto. 9) 20 sentenças relativas de sujeito. 10) 20 sentenças relativas de objeto. Conforme podemos verificar, o número de sentenças, para esse teste, foi duplicado porque, para cada gravura, tínhamos duas frases: uma verdadeira e outra falsa. Logo, o total é de 200. Podemos observar também que, devido às características desse teste, em que se usa somente um desenho, não tivemos a necessidade de testar o mesmo número de sentenças relativas de sujeito com relação adjetivo-predicado, tal como no teste de correspondência sentença-gravura. Ou seja, para fazer a distinção “manutenção de papel temático e troca da relação adjetivo-predicado” versus “manutenção da relação adjetivopredicado e troca de papel temático” sempre encontraríamos o mesmo desenho no teste de julgamento de verdade (Veja anexo 3). Algumas colocações feitas para o teste de correspondência sentença-gravura são também pertinentes para o teste de julgamento de verdade: a) as sentenças na forma passiva reuniram gêneros iguais, a fim de eliminar a possibilidade de darmos pistas à paciente I, mediante o sufixo –ada ou –ado, típico de particípio passado; b) todos os desenhos passaram por um controle com pessoas com gramática normal (já mencionadas). Devemos acrescentar que praticamente todas as sentenças usadas no primeiro teste foram repetidas neste segundo, conforme podemos verificar no anexo 7. Cada quadro apresentado à paciente era no formato A4, branco, na horizontal. Os desenhos foram realizados em traços na cor preta e as cores só eram usadas em sentenças com relação adjetivo-predicado em que se faziam necessárias. Os quadros eram organizados de forma aleatória, sempre garantindo que desenhos iguais não se repetissem na seqüência. Logo, houve um direcionamento de tal aleatoriedade. O teste de julgamento de verdade foi aplicado em três seções. Em todas as seções, explicávamos à paciente o procedimento do teste e indicávamos a ela que falasse “verdadeiro” / “falso”, ou “sim”/ “não”, ou mostrar com a mão que “sim” ou “não”, em que o dedo polegar ficasse para cima no primeiro caso e para baixo, no segundo. As duas primeiras sentenças correspondiam a estruturas mais fáceis – uma ativa ou clivada de sujeito – e eram colocadas para que a paciente se familiarizasse com tal teste. No momento da verificação dos resultados, estas foram retiradas. O procedimento deu-se da seguinte forma: uma pessoa mostrava para a paciente e lia a sentença que estava escrita atrás do desenho, em voz alta. Uma outra pessoa anotava a resposta com discrição para não influenciar na resposta da paciente. As sentenças poderiam ser lidas novamente caso a paciente I pedisse. Procuramos ler todas as sentenças com entonação única, a fim de não darmos nenhuma pista para a paciente. Cada seção ocorreu, em média, em 50 minutos. Ao termos já aplicado a metade do número de sentenças estipulado para cada seção, indagávamos se a paciente estava cansada. A paciente I não demonstrou cansaço em momento algum, portanto, a aplicação dos testes sempre obteve continuidade. A justificativa para o uso do teste de julgamento de verdade deve-se ao fato de que este tipo de teste foi utilizado por Hickok et al. (1993). Estes últimos pesquisadores realizaram tal trabalho a fim de comparar resultados obtidos neste teste com aqueles do teste de correspondência sentença-gravura, ou seja, eles tinham como objetivo verificar se a maior e menor quantidade de desenhos influenciavam no resultado final. Repetimos os testes de correspondência sentença-gravura e de julgamento de verdade para verificar se realmente não há diferenças na obtenção de dados. Vale dizer que Hickok et al. (op. cit.), no teste de julgamento de verdade, ao invés de utilizarem gravuras, realizaram encenações. Nós, entretanto, por questões práticas (seria impossível encenarmos dentro dos institutos nos quais procuramos por pacientes, onde não havia espaço físico nem tempo disponível) e não acreditando que iríamos incorrer em pobreza do teste, utilizamos desenhos. 3.2.3 – Teste de Anagrama Anagrama, o terceiro tipo de teste aplicado, consiste em mostrar um quadro para a paciente e, em seguida, fornecer-lhe cartões com fragmentos de sentença. Em nosso teste, a paciente I teve que arranjar a sentença a fim de que esta correspondesse ao que estava exposto no quadro. Este teste restringiu-se às sentenças na voz ativa e na voz passiva com verbos psicológicos. Foram trabalhadas: 1) 10 sentenças ativas com verbos psicológicos com argumento externo cujo papel temático é experienciador. 2) 10 sentenças ativas com verbos psicológicos com argumento interno cujo papel temático é experienciador. 3) 10 sentenças passivas com verbos psicológicos com argumento externo cujo papel temático é experienciador. 4) 10 sentenças passivas com verbos psicológicos com argumento interno cujo papel temático é experienciador. No total, obtivemos 40 sentenças. A decisão por trabalharmos somente com essas estruturas sintáticas é que, em primeiro lugar, seria muito difícil dividirmos, por exemplo, uma sentença relativa de sujeito para que o indivíduo pesquisado ordenasse os segmentos. O problema poderia estender-se para uma possível dificuldade apresentada pelo teste e, portanto, não seria observada a designação de papel temático por parte da paciente. Em segundo lugar, nenhum dos pesquisadores realizou tal tarefa. Cada quadro apresentado à paciente era no formato A4, branco, na horizontal. Os desenhos foram realizados em traços na cor preta. Um exemplo pode ser visto no anexo 4. Os quadros foram organizados de forma aleatória. As sentenças utilizadas foram aquelas já usadas nos outros dois testes. Os segmentos de sentenças eram em folha branca, todos do mesmo tamanho: 21 cm X 9 cm. As sentenças na voz ativa foram divididas em três segmentos. Por exemplo, para a sentença “A menina admira a moça”, tínhamos: (segmento 1): a menina; (segmento 2): admira; (segmento 3): a moça. Em nenhum dos segmentos, utilizamos letra maiúscula para não dar, evidentemente, a pista de qual palavra deveria vir primeiro. As sentenças na voz passiva foram divididas em quatro segmentos. Por exemplo: para a sentença “A moça foi admirada pela menina”, tínhamos: (segmento 1): A; (segmento 2): moça; (segmento 3): foi admirada pela; (segmento 4): menina. Aqui, tínhamos a presença do artigo separadamente, pois ele, se viesse junto ao sintagma, poderia determinar o desempenho do afásico na tarefa em questão. Novamente, destacamos a importância de os dois SN’s serem do mesmo gênero, pois, se assim não fossem, o teste estaria fadado ao fracasso devido às pistas que daríamos à paciente I. Salientamos, também, que estamos cientes de que a construção de um sintagma preposicional ocorre com a união da preposição e do SN, no caso, o by-phrase. Como não estamos focalizando a formação de contituintes (e sim a designação de papel temático) e como não intencionávamos aumentar o número de segmentos e, conseqüentemente, a carga computacional, optamos por deixar a “preposição + artigo” (“pela” ou “pelo”) no segundo segmento, tal como fez Grodzinsky (1995, p. 489). O teste de anagrama foi aplicado em duas seções. Nas duas seções, explicávamos à paciente o procedimento do teste e pedíamos a ela que ordenasse os segmentos a fim de formar uma sentença que correspondesse à gravura mostrada. A primeira sentença correspondia a uma estrutura mais fácil – uma ativa com verbo agentivo – e foi usada como uma pequena demonstração do tipo de teste. No momento da verificação dos resultados, ela foi retirada. O procedimento foi da seguinte forma: uma pessoa mostrava para a paciente a gravura e colocava-a em uma mesa. Em seguida, eram colocados os segmentos de forma aleatória também sobre a mesa. Uma outra pessoa anotava a sentença formada pela paciente I, com discrição para não influenciar na resposta. Cada seção durou cerca de 30 minutos. Vale dizer que os mesmos cuidados tomados na realização dos outros dois testes foram observados: a preocupação com os desenhos, os quais envolviam verbos psicológicos, e a aplicação de todas as sentenças em pessoas com gramática normal, já mencionadas. A justificativa para a aplicação do teste de anagrama deve-se ao fato de Grodzinsky (1990,1995b) ter trabalhado com teste desta natureza. O autor acredita que este teste é melhor para detectar se o paciente afásico agramático consegue designar papéis temáticos aos SN’s de uma sentença. Por exemplo, se o indivíduo afásico, ao ordenar segmentos, coloca dois SN’s conjuntamente, há uma possibilidade de que exista uma grande perda sintática. Este tipo de observação não é possível no teste de correspondência sentençagravura, segundo Grodzinsky (op. cit.). É importante, entretanto, enfatizarmos que o paciente afásico, para realizar tal tarefa, deve ter a habilidade da leitura preservada. O teste de anagrama, portanto, foi realizado porque consideramos interessante termos um controle para certificarmo-nos dos resultados encontrados nos testes de correspondência sentença-gravura e de julgamento de verdade em sentenças com verbos psicológicos. Como o teste de anagrama possui a propriedade de medir se o paciente realmente não perdeu a capacidade de discriminar estruturas sintáticas, ele foi escolhido. 3.3. Como Interpretar os Resultados Para interpretarmos o desempenho da paciente I, utilizamo-nos de dois tipos de critérios. O primeiro diz respeito a uma classificação de base estatística que fundamentou o segundo: uma análise de caráter qualitativo, mais ampla e próxima da realidade observada nos resultados dos testes aplicados. A classificação de base estatística e a análise de caráter qualitativo levaram em conta o número de acertos nos testes de compreensão de cada categoria de sentenças por parte da paciente I. Vamos, inicialmente, explicar como foi feita a classificação de base estatística. Tal classificação determinou o desempenho da paciente I em três faixas: acima da chance quando a paciente dava respostas consistentemente corretas; “na chance” quando ela dava respostas corretas na metade das vezes; e “abaixo da chance” quando ela dava respostas erradas consistentemente. A primeira faixa indica que a compreensão da paciente está similar à de um indivíduo normal. As duas outras faixas apontam uma compreensão anormal. Os índices que foram levados em consideração para tal classificação foram baseados na utilização do Teste Binomial e na comparação desse teste com os dados expostos por Grodzinsky (1995b, p.496, apêndice 2) e por Hickok et al. (1993, p.378, 381, 385). O Teste Binomial indica-nos a probabilidade de o resultado de um teste ter sido ao acaso. Observando o total de sentenças para cada categoria, através desse teste, podemos saber se o resultado está acima, na ou abaixo da chance. Se a probabilidade for menor que 0,05 e houver muito mais erros que acertos, o desempenho é classificado abaixo da chance. Se a probabilidade for igual ou maior que 0,05, o desempenho é na chance. Se houver muito mais acertos do que erros e a probabilidade for maior que 0,05, o desempenho é acima da chance. Por exemplo, para cada categoria investigada no teste de correspondência sentençagravura, tínhamos um total de 10 sentenças. Verificando os dados do Teste Binomial para um universo de 10 sentenças, temos: 1 acerto significa uma probabilidade = 0,0097 de acerto 2 acertos significam uma probabilidade = 0,0439 de acerto 3 acertos “ “ “ = 0,1171 “ “ 4 acertos “ “ “ = 0,2050 “ “ 5 acertos “ “ “ = 0,2460 “ “ 6 acertos “ “ “ = 0,2050 “ “ 7 acertos “ “ “ = 0,1171 “ “ 8 acertos “ “ “ = 0,0439 “ “ 9 acertos “ “ “ = 0,0097 “ “ 10 acertos “ “ “ = 0, 0009 “ “ Observando o número de acertos acima, podemos classificar de abaixo da chance o desempenho de uma pessoa que obtém de 1 a 2 acertos em um teste, pois a probabilidade é menor que 0,05 e o número de erros é muito maior que o de acertos. O desempenho é classificado na chance quando o indivíduo acerta de 3 a 7 vezes, porque as probabilidades respectivas são maiores que 0,05. Por fim, o desempenho é classificado acima da chance quando a pessoa acerta de 8 a 10 vezes, pois a probabilidade é menor que 0,05 e o número de acertos é maior que o de erros. Verificamos as porcentagens dos resultados de testes apresentados nos artigos de Grodzinsky (1995b) e de Hickok et al. (1993) e comparamos com a probabilidade prevista pelo Teste Binomial de tais resultados serem ao acaso, detendo-nos, evidentemente, no universo de sentenças investigado por cada autor. Constatamos que, de um modo geral, as classificações realizadas por estes autores enquadravam-se nas previsões do Teste Binomial42. Um exemplo com os dados de Hickok et al. (op. cit.) é dado no anexo 5. Tendo apontado a terminologia usada para classificar os dados e tendo explicado a forma como chegamos a tal classificação, apresentamos o seguinte: nos testes de correspondência sentença-gravura e anagrama, em que o universo para cada estrutura sintática era de 10 sentenças, foi considerado desempenho acima da chance de 80% a 100% de acerto; na chance de 30% a 70% de acerto; e abaixo da chance de 0 a 20% de acerto. Para o teste de julgamento de verdade, em que foram testadas 20 sentenças por cada categoria, foi considerado desempenho acima da chance de 70% a 100% de acerto; na chance de 35% a 65% de acerto; abaixo da chance de 0 a 30% de acerto. Para verificar as 42 Veja Berndt et al. (1996) para maiores explicações sobre Teste Binomial em pesquisas sobre estudos de compreensão de sentenças reversíveis em afasiologia lingüística. probabilidades verificadas pelo Teste Binomial para um experimento com universo de 20 sentenças, verifique anexo 6. Passemos, agora, à explicitação da análise qualitativa dos dados. Ela foi feita a fim de tornar os dados mais significativos dentro do estudo sobre o déficit de compreensão de sentenças geradas por movimento por parte da paciente I. Por exemplo, a despeito de uma classificação na chance no teste de correspondência sentença-gravura, que pode estar entre 30% a 70% de acerto, consideramos que há uma diferença grande entre tais extremos dessa faixa. Ou seja, devemos estar atentos para um desempenho na chance em que houve apenas 30% de acerto verificando a diferença em relação a um desempenho na chance em que houve 70% de acerto (quase acima da chance). Faremos observações quando depararmo-nos com resultados desta natureza, a fim de tornar a análise mais rica e mais próxima da realidade. Resumindo: Este capítulo apresentou a paciente I como afásica agramática e mencionou os critérios que a selecionaram como tal: tomografia computadorizada e diagnóstico fonoaudiológico, análise de sua produção da fala – através do Teste de Boston e aplicação de teste (piloto) de compreensão de sentenças geradas por movimento. Além disso, apontou os três tipos de teste que foram aplicados: correspondência sentençagravura, julgamento de verdade e anagrama. As estruturas sintáticas que foram trabalhadas são: ativa e passiva com verbos agentivos, ativa e passiva com verbos psicológicos, com argumento externo e com argumento interno com papel temático de experienciador, relativas de sujeito (em que se averiguaram a habilidade de designação de papel temático por parte da paciente I e a capacidade de estabelecer relação adjetivo-predicado), relativas de objeto, clivadas de sujeito e clivadas de objeto. Os desempenhos nas várias tarefas foram classificados em acima da chance (considerado um desempenho normal) e na chance e abaixo da chance (ambos os desempenhos anormais). Todo este procedimento foi realizado a fim observarmos a habilidade da paciente I em designar papel temático em sentenças geradas por movimento. Os resultados obtidos em testes com sentenças na forma passiva com verbos psicológicos e testes com sentenças relativas de sujeito em que a relação adjetivo-predicado estava sendo examinada poderiam sugerir que ou a proposta de Grodzinsky (1990, 1995b) ou a de Hickok et al. (1993) é a mais adequada para explicar o déficit do afásico agramático. 4. RESULTADOS DOS TESTES E DISCUSSÃO GERAL Este capítulo pretende apresentar os resultados obtidos na aplicação dos três tipos de testes de compreensão na paciente afásica agramática I, discutindo-os. O objetivo é o de verificar os resultados alcançados relacionando-os à proposta de utilização de uma estratégia cognitiva extra-lingüística para compensar o déficit lingüístico feita por Grodzinsky (1995b). Vamos ainda relacionar os resultados à proposta de uma análise puramente sintática para tal déficit feita por Hickok et al. (1993). Na primeira seção, vamos discutir os dados alcançados pela paciente I em cada tipo de teste, observando os resultados que favorecem a validação das propostas de Grodzinsky (op. cit.) e de Hickok et al. (op. cit.). Na segunda seção, faremos uma comparação dos resultados de cada teste a fim de verificar se há ou não harmonia entre os dados obtidos pela paciente I. Na terceira seção, faremos uma comparação dos nossos resultados com aqueles obtidos em Grodzinsky (op. cit.) e em Hickok et al. (op. cit.), com a finalidade de ampliar a nossa discussão sobre o assunto. Por fim, na quarta seção, faremos uma análise mais generalizada tendo em mente a possibilidade de evidenciarmos a validade do Princípio Default ou não. 4.1. Resultados dos Testes Aplicados na Paciente I Nesta seção, vamos apresentar os resultados para cada tipo de teste, demonstrando as estatísticas e descrevendo-as. (O resultado obtido para cada sentença nos três tipos de testes pode ser visto no anexo 7). Além disso, vamos apontar como foi a realização de cada experimento, procurando sempre relacionar os dados alcançados às propostas de Grodzinsky (1990, 1995b) e de Hickok et al. (1993). 4.1.1. Resultados do Teste de Correspondência Sentença-Gravura Em primeiro lugar, os dados obtidos no teste de correspondência sentença-gravura são apresentados na tabela 1: Tabela 1: Resultados do Teste de Correspondência Sentença-Gravura (Porcentagem de acerto) Tipo de sentença Desempenho da paciente I Ativa com verbo agentivo Passiva com verbo agentivo Ativa com verbo psicológico com experienciador externo Passiva com verbo psicológico com experienciador externo Ativa com verbo psicológico com experienciador interno Passiva com verbo psicológico com experienciador interno Clivada de sujeito Clivada de objeto Relativa de Sujeito (quadros com inversão de papel temático e manutenção da relação adjetivo-predicado) Relativa de Sujeito (quadros com inversão de papel temático e da relação adjetivopredicado) Relativa de Sujeito (quadros com manutenção de papel temático e inversão da relação adjetivo-predicado) Relativa de Objeto (quadros com inversão de papel temático e manutenção da relação adjetivo-predicado) Relativa de Objeto (quadros com inversão de papel temático e da relação adjetivopredicado e quadros com manutenção de papel temático e inversão da relação adjetivo-predicado) 80% 30% 70% Acima da chance Na chance Na chance 50% Na chance 70% Na chance 70% Na chance 80% 60% 80% Acima da chance Na chance Acima da chance 70% Na chance 70% Na chance 50% Na chance 60% Na chance Abaixo da chance = 0 a 20% de acerto Na chance = 30% a 70% de acerto de acerto (Classificações de acordo com o Teste Binomial) Total de sentenças para cada categoria = 10 Acima da chance = 80% a 100% De acordo com a tabela 1, podemos verificar alguns resultados similares e diferentes em relação àqueles obtidos em Grodzinsky (op. cit.) e em Hickok et al. (op. cit.). Inicialmente, vamos verificar as similaridades. Obtivemos um desempenho acima da chance na tarefa de compreensão para as sentenças ativas com verbos agentivos e para as clivadas de sujeito. Estes dados, portanto, vão ao encontro dos resultados de Grodzinsky (1990, 1995b) e dos de Hickok et al. (1993), nos quais foi verificado um bom desempenho dos pacientes em tarefas de compreensão de sentenças da mesma natureza. Encontramos um desempenho na chance para as sentenças clivadas de objeto, para as passivas e para os dois conjuntos de sentenças relativas de objeto. Este resultado também é semelhante àqueles encontrados e previstos por Grodzinsky (op. cit.) e Hickok et al. (op. cit.). Alguns dados, no entanto, foram diferentes daqueles obtidos tanto por Grodzinsky (op. cit.) quanto por Hickok et al. (op. cit.). Vejamos, primeiramente, os resultados que conflitam com os argumentos que validam o Princípio Default proposto por Grodzinsky (op. cit.). A paciente I obteve um desempenho no nível da chance em tarefas de compreensão de sentenças com verbos psicológicos nas formas ativa e passiva. Para Grodzinsky (op. cit.), os dados alcançados para a passiva com verbos dessa natureza deveriam estar abaixo da chance a fim de fundamentar a existência da utilização de uma estratégia cognitiva extra-lingüística por parte do indivíduo afásico agramático. Como verificamos, isto não ocorreu. Uma leitura mais atenta deste conjunto de sentenças com verbos psicológicos permite-nos fazer a seguinte observação: o desempenho da paciente I em tarefas de compreensão de sentenças desta natureza ficou no nível da chance, sendo que há um só resultado que destoa dos outros. É o desempenho de 50% na compreensão de sentenças passivas com verbos psicológicos com o papel temático de experienciador designado ao argumento externo. Tanto as sentenças ativas (com argumento externo e interno com papel temático de experienciador) quanto as passivas com argumento interno com o papel temático de experienciador foram compreendidas pela paciente I em 70%, ou seja, no extremo superior da faixa que caracteriza um desempenho na chance. A ponderação ora realizada afasta os nossos resultados daqueles de Grodzinsky (op. cit.). Dentro do espírito de uma análise que observe tais diferenças, podemos, ainda, depreender, dos resultados obtidos nos testes de compreensão sentença-gravura, mais uma evidência que vai contra a proposta do Princípio Default. Ela diz respeito aos dados alcançados pela paciente I em testes de compreensão de sentenças passivas com verbos agentivos e psicológicos. Apesar de ambos os resultados estarem na chance, observamos que o desempenho na compreensão de sentenças passivas com verbos agentivos esteve pior do que aquele realizado para as sentenças passivas com verbos psicológicos. De acordo com Grodzinsky (op. cit.), o indivíduo afásico teria um desempenho melhor em tarefas de compreensão de sentenças passivas com verbos agentivos do que de sentenças passivas com verbos psicológicos. A explicação é dada pelo autor: no primeiro caso, há, na grade temática, um tema e um agente, nesta ordem. O indivíduo afásico agramático, não conseguindo designar papel semântico ao elemento movido através do vestígio, utilizar-se-ia do Princípio Default indicando ao primeiro SN o papel temático de agente, obedecendo à ordem canônica SVO. Ocorre, então, uma competição entre os dois SN’s cujos papéis temáticos são agente – um designado estrategicamente e o outro, estruturalmente. O paciente, ao ser solicitado a identificar o agente, na metade das vezes aponta um sintagma, na outra metade indica o outro sintagma. Daí uma previsão de acerto de 50%. Já no caso das passivas com verbos psicológicos, na grade temática, haveria um tema e um experienciador, portanto, nenhum agente. O afásico agramático, também não estabelecendo a cadeia temática devido à Hipótese de Apagamento de Vestígios, designaria ao primeiro SN o papel temático de agente, fazendo uso do Princípio Default. Como não há agente na grade temática de verbos psicológicos, os erros em tarefas de compreensão de sentenças passivas com tais verbos são sistemáticos, gerando uma quantidade de erros muito maior do que de acerto. Conforme demonstramos, não foi este o comportamento da paciente I: ela teve um desempenho melhor na compreensão das sentenças passivas com verbos psicológicos do que daquelas com verbos agentivos. Logo, mais uma evidência que dificulta a sustentação do Princípio Default proposto por Grodzinsky (op. cit.). No que diz respeito aos dados alcançados nos testes de compreensão realizados pela paciente I e sua relação com a proposta de Hickok et al. (op. cit.), não podemos assegurar que houve completa sintonia. Os resultados de nossa pesquisa que serviriam para validar a contraposição dos autores em relação à utilização do Princípio Default por parte do afásico agramático não estiveram em conformidade com os dados apresentados em Hickok et al. (op. cit.). A paciente I, nas tarefas de compreensão do conjunto de sentenças relativas de sujeito com relação adjetivo-predicado, apresentou os seguintes desempenhos: (a) acima da chance quando o objetivo era unicamente o de verificar a habilidade em designar papel temático e (b) na chance quando a finalidade era a de examinar a capacidade de estabelecer a relação sujeito-predicado e a habilidade de tanto designar papel temático quanto a de estabelecer a relação sujeito-predicado. Nos testes de Hickok et al. (op. cit.), quando o objetivo era o de averiguar a capacidade de estabelecer relação adjetivo-predicado, os desempenhos estiveram na chance e abaixo da chance. Em princípio, é justamente o desempenho no nível da chance em tarefas de compreensão de sentenças com relativas de sujeito encaixadas ao centro em que se mede a habilidade do afásico agramático em estabelecer relação entre o sujeito e o predicado que Hickok et al. (op. cit.) utilizam como contra-evidência à sustentação do Princípio Default. Isto é, para estes autores, a dificuldade do indivíduo afásico agramático em estabelecer a relação sujeito-predicado em uma sentença ativa com uma sentença relativa intercalando-a é devido à hipótese de que o verbo da oração principal tem um papel temático não designado e há, na sentença, dois SN’s que não são tematicamente marcados pelo verbo da oração principal. Por exemplo, para a sentença A vaca [ que [* segue a ovelha] [* é grande], há mais de um SN para preencher o papel temático não designado pelo verbo da sentença principal – “a vaca” e “a ovelha”. Daí o desempenho no nível da chance. Com este raciocínio, Hickok et al. (op. cit.) não só estariam dando explicações de caráter unicamente lingüístico para o déficit agramático, quanto estariam suprindo a deficiência, por eles apontada, da hipótese de Grodzinsky (op. cit.), que agrega a utilização do Princípio Default. Até este ponto poderíamos concordar com Hickok et al. (op. cit.). Mas, observando os resultados na chance obtidos pela paciente I nos testes de compreensão de sentenças relativas com relação adjetivo-predicado, não podemos concordar categoricamente com Hickok et al. (op. cit.), pois, se o desempenho não foi completamente satisfatório (isto é, 80% a 100%), também não foi completamente ao acaso, porque à semelhança de discussões anteriores, o desempenho da paciente I esteve em 70% quando tinha que estabelecer relação sujeito-predicado nas sentenças em questão – portanto, no extremo superior da faixa que caracteriza a classificação na chance. De um modo geral, a paciente I demonstrou saber designar papel temático e estabelecer relação entre o sujeito e o predicado nas sentenças com relativas encaixadas no centro, mesmo quando se mediam as duas habilidades conjuntamente, com evidente acúmulo de carga computacional. Vale lembrar que, além de os resultados obtidos pela paciente I na tarefa com sentenças relativas com relação adjetivo-predicado não corresponderem a um desempenho efetivamente pobre, Grodzinsky (1995b) oferece uma explicação alternativa em relação à de Hickok et al. (op. cit.): a dificuldade seria de processamento e não um déficit estrutural. Diante dos dados disponíveis até aqui, não podemos indicar qual hipótese – se a de Grodzinsky (op. cit.) ou se a de Hickok et. al. (op. cit.) – explica de forma mais coerente o déficit de compreensão da paciente I. É importante dizer ainda que a paciente I, em nenhum momento, apontou o terceiro quadro – o descontextualizado – como a resposta escolhida. 4.1.2. Resultados do Teste de Julgamento de Verdade Esta subseção seria destinada à demonstração e discussão dos dados obtidos, pela paciente I, nos testes de julgamento de verdade. Entretanto, não vamos apresentá-los porque, conforme podemos observar no anexo 7, a paciente parece não ter entendido a proposta deste teste. A paciente I simplesmente apresentou uma tendência a aceitar as sentenças verdadeiras e rejeitar as falsas. Ela, em todas as seções, de um modo geral, apontou que a sentença era verdadeira para qualquer gravura apresentada. Poderíamos questionar se a adaptação ao teste foi feita corretamente. Acreditamos que sim, pois, além de o teste ter sido explicado usando algumas sentenças mais fáceis – na forma ativa e clivadas de sujeito – que foram descartadas no momento da contagem de erros, nós tivemos três oportunidades de explicar à paciente como era o teste, correspondentes às três seções. Poderíamos ainda levantar a hipótese que a causa dos erros da paciente I deve-se à não obediência à idéia original do teste de julgamento de verdade que era com encenações e não com desenhos. Seria uma especulação. O que nós podemos concluir é que, a despeito de Hickok et al. (op. cit.) terem considerado este tipo de teste mais fácil, definitivamente a paciente I parece não ter entendido a proposta do teste. 4.1.3. Resultados do Teste de Anagrama Passamos, nesta subseção, aos dados obtidos na aplicação do teste de anagrama, que estão apresentados na tabela 2: Tabela 2: Resultados do Teste de Anagrama (Porcentagem de acerto) Tipo de sentença Ativa com verbo psicológico experienciador externo Passiva com verbo psicológico experienciador externo Ativa com verbo psicológico experienciador interno Passiva com verbo psicológico experienciador interno Desempenho da paciente I com 70% Na chance com 40% Na chance com 50% Na chance com 80% Acima da chance Abaixo da chance = 0 a 20% de acerto Na chance = 30% a 70% de acerto de acerto (Classificações de acordo com o Teste Binomial) Total de sentenças para cada categoria = 10 Acima da chance = 80% a 100% Os resultados obtidos pela paciente I no teste de anagrama são distintos daqueles conseguidos por Grodzinsky (1995b) e daqueles previstos pela proposta de Hickok et al. (op. cit.). O desempenho alcançado em teste com sentenças ativas com verbos psicológicos esteve no nível da chance, contrariando as previsões tanto de Grodzinsky (op. cit.) quanto de Hickok et al. (op. cit.). Para estes autores, os afásicos agramáticos demonstram um bom entendimento de sentenças na forma ativa e, ao contrário, a paciente I esteve na chance para os dois conjuntos de sentenças ativas testados. Devemos, contudo, neste aspecto, relativizar o desempenho alcançado pela paciente I em tarefa de compreensão de sentenças ativas com verbos psicológicos com argumento externo com papel temático de experienciador que esteve no extremo superior da faixa que o classificava como sendo na chance: 70%. Conforme já apontamos na análise dos dados do teste de correspondência sentença-gravura, um estudo de caráter mais amplo deve estar atento para tais diferenças. Os dados alcançados pela paciente I nos testes de anagrama com sentenças na forma passiva também apresentaram conflitos em relação aos resultados obtidos em Grodzinsky (1995 b) e previstos por Hickok et al. (1993). No que diz respeito aos últimos autores, o provável desempenho da paciente I em testes de compreensão com sentenças na forma passiva seria na chance. Apesar de a paciente ter tido o desempenho classificado desta forma na compreensão de sentenças passivas com verbos psicológicos com papel temático de experienciador designado ao argumento externo, ela esteve acima da chance quando o teste de compreensão de sentenças passivas com verbos psicológicos com papel temático de experienciador designado ao argumento interno foi aplicado. A proposta de Hickok et al. (op. cit.) não explica tal comportamento, pois, segundo os autores, para o afásico agramático, uma sentença na forma passiva teria mais de um SN sem designação de papel temático, gerando um comportamento de adivinhação, o que não parece ter ocorrido com a paciente I neste último caso. Mas se a hipótese de Hickok et al. (op. cit.), que não é fundamentada em resultados de pesquisas com verbos psicológicos, não prevê explicações para o desempenho da paciente I, a hipótese de Grodzinsky (1995b) é de difícil validação, pois o mau desempenho em compreensão de sentenças passivas com verbos psicológicos é que garantiria a manutenção do Princípio Default. A paciente I não só não apresenta um desempenho abaixo da chance, como parece compreender bem as passivas com verbos psicológicos com papel temático de experienciador designado ao argumento interno. Em relação ao desempenho geral da paciente I no teste de anagrama, é importante ressaltarmos que, a despeito de a paciente I ter tido dificuldade na interpretação das sentenças ativas com verbos psicológicos, ela conseguiu um desempenho razoável na compreensão de sentenças passivas com verbo psicológico com argumento interno cujo papel temático é experienciador. Este dado é importante à medida em que as ativas serviriam de controle para podermos realizar uma análise dos dados obtidos na investigação da compreensão de sentenças passivas com verbos desta natureza. Como a paciente I apresentou um desempenho bom para uma passiva deste tipo, o teste com a sua contraparte ativa não caiu em descrédito. Vale dizer que o teste de anagrama foi possível de ser aplicado na paciente I devido ao fato de esta paciente ter mantido intacta a habilidade de ler. Ela lia os segmentos silenciosamente e ordenava-os. Depois deste procedimento, pedíamos à paciente I que lesse em voz alta a sentença formada para verificar se ela havia, de fato, entendido o que havia formado. Interessante notar que, para algumas sentenças, corretamente arranjadas, a paciente lia substituindo algumas palavras com sinônimos. Ou seja, para uma sentença do tipo “A mãe deseja a filha”, era possível uma leitura de uma sentença corretamente ordenada da seguinte forma: “A mulher deseja a menina”. Tal comportamento, embora ocorresse, não foi freqüente. Apesar de a paciente I não ter obtido consistentemente resultados acima da chance nas tarefas de compreensão de sentenças ativas, ela apresentou a habilidade de ordenar os segmentos de forma correta. Não observamos, de um modo geral, sentenças em que os constituintes eram ordenados fora das posições em que são gerados. 4.2. Comparação dos Resultados Obtidos no Teste de Correspondência SentençaGravura e de Anagrama Esta seção apresenta uma comparação entre os dados obtidos no teste de correspondência sentença-gravura e de anagrama, com o objetivo de verificar se há ou não harmonia entre os resultados, associando-os àqueles previstos e/ou conseguidos por Grodzinsky (1995b) e Hickok et al. (1993). A intenção era a de podermos comparar os dados alcançados no teste de julgamento de verdade também. Isto entretanto não foi possível devido a uma provável distorção dos dados. Os dados em questão são repetidos na tabela 3 para facilitar a leitura: Tabela 3: Resultados do Teste de Correspondência Sentença-Gravura e Resultados do Teste de Anagrama (Porcentagem de acerto) Tipo de sentenças Desempenho da paciente I Desempenho da paciente I Teste de Correspondência Teste de Anagrama Sentença- Gravura Ativa com verbo psicológico 70% Na chance 70% Na chance com experienciador externo Passiva com verbo 50% Na chance 40% Na chance psicológico com experienciador externo Ativa com verbo psicológico 70% Na chance 50% Na chance com experienciador interno Passiva com verbo 70% Na chance 80% Acima da chance psicológico com experienciador interno Abaixo da chance = 0 a 20% de acerto Na chance = 30% a 70% de acerto de acerto (Classificações de acordo com o Teste Binomial) Total de sentenças para cada categoria = 10 Acima da chance = 80% a 100% Estabelecendo a comparação dos resultados obtidos nos dois testes – de correspondência sentença- gravura e de anagrama –, podemos verificar a possibilidade de realização de duas principais conclusões. A primeira relaciona-se com o fato de, nos dois tipos de testes, terem sido observados resultados similares. Ou seja, a paciente I obteve desempenho na chance na compreensão de quase todas as sentenças com verbos psicológicos. Houve também uma harmonia no que diz respeito ao desempenho de compreensão de sentenças ativas com verbos psicológicos com experienciador designado ao argumento externo e de passivas, em que se pode observar uma aproximação dos dados estatísticos. Podemos concluir que os resultados do teste de anagrama realizado pela paciente I “coincidem” com aqueles conseguidos no teste de correspondência sentençagravura. Isto confere credibilidade aos resultados conseguidos em nossa pesquisa de um modo geral. A segunda conclusão diz respeito a uma homogeneidade de desempenho relacionada à compreensão de tipos diferentes de sentenças. A paciente I tendeu a ter uma compreensão razoável das sentenças ativas com verbos psicológicos – 70% de acerto (exceto as ativas com verbos psicológicos com experienciador designado ao argumento interno, que realmente esteve no nível do acaso no teste de anagrama). A mesma homogeneidade de interpretação foi observada para as passivas: a paciente parece ter mais bem compreendido as passivas com verbos psicológicos com papel temático de experienciador designado ao argumento interno do que as passivas com verbos psicológicos com papel temático de experienciador designado ao argumento externo. Da comparação realizada aqui, podemos, com mais segurança, indicar que nem a proposta de Grodzinsky (1990, 1995b) nem a de Hickok et al. (1993) explica os dados. Nenhuma das duas hipóteses indica argumentos que expliquem um desempenho na chance para as sentenças ativas ou um desempenho acima da chance para as sentenças passivas (como ocorre nos dados de compreensão de sentenças passivas com verbos psicológicos com papel temático de experienciador designado ao argumento interno no teste de anagrama). As observações feitas da comparação dos resultados dos dois testes possibilitaram conferir credibilidade ao comportamento da paciente I nos testes de compreensão de sentenças geradas por movimento com verbos psicológicos43. Além disso, indicaram, com uma força maior, contra-evidências para a validação do Princípio Default, o qual é fundamentado por Grodzinsky (op. cit.) em resultados não verificados nos testes realizados pela paciente I. 43 Em NOVAES (1998), há menções a trabalhos nos quais também não foi verificado um pior desempenho na compreensão de sentenças passivas com verbos agentivos em relação à compreensão de sentenças passivas com verbos psicológicos por parte do afásico agramático. 4.3. Comparação dos Resultados Obtidos nos Testes da Paciente I com os de Grodzinsky (1995b) e de Hickok et al. (1993) A fim de tornar a nossa análise mais ampla, neste item, vamos comparar os dados obtidos nos testes de compreensão de sentenças geradas por movimento aplicados na paciente I com aqueles apresentados por Grodzinsky (1995b) e Hickok et al. (1993). A discussão será sempre relacionada às propostas de utilização ou não de uma estratégia cognitiva extra-lingüística para a compensação do déficit lingüístico do afásico agramático. Vamos apresentar, inicialmente, os dados expostos em Grodzinsky (1995b) comparados aos resultados obtidos pela paciente I, para depois demonstrarmos a comparação do desempenho desta paciente com o do paciente de Hickok et al. (1993). Grodzinsky (1995 b) apresenta, no corpo do texto, as médias dos resultados dos testes de compreensão aplicados em quatro pacientes. Antes de mostrá-las, gostaríamos de apontar os dados obtidos por cada um destes pacientes44. A finalidade desta exposição é dupla: (a) demonstrar que Grodzinsky realizou uma análise dos dados observando as semelhanças e as diferenças entre eles e (b) justificar a nossa análise que foi feita da mesma forma. A seguir, os resultados dos testes de compreensão de sentenças ativas e passivas com verbos agentivos e psicológicos realizados pelos pacientes de Grodzinsky (op. cit.). 44 Os dados apresentados neste quadro foram extraídos de Grodzinsky (1995 b), p. 496, apêndice 2. Os dados foram originalmente apresentados sob a forma de porcentagem de erros. Entretanto, para dar uma unidade ao nosso trabalho e facilitar a leitura, apresentamo-nos sob a forma de porcentagem de acertos. Tabela 4: Resultados do Teste de Anagrama realizado pelos Pacientes de Grodzinsky (1995b) (Porcentagem de acerto) Tipo de Desempenho do Desempenho do Desempenho do Desempenho do sentenças paciente 1 paciente 2 paciente 3 paciente 4 Ativa com verbo 100% 85,7% 85,7% 92,9% agentivo Passiva com 28,6% 64,3% 64,3% 85,7% verbo agentivo Ativa com verbo 92,9% 78,1% 85,7% 64,3% psicológico Passiva com 28,6% 28,6% 28,6% 42,9% verbo psicológico Porcentagens em negrito colocadas por nós. Total de sentenças para cada categoria = 14 De um modo geral, os pacientes parecem ter um bom entendimento de sentenças ativas (seja com verbo agentivo, seja com verbo psicológico) e uma compreensão ruim das sentenças passivas (sendo que aquelas com verbos psicológicos são sistematicamente não entendidas). Tais resultados é que fundamentaram a proposta do Princípio Default feita por Grodzinsky (op. cit.), conforme já vimos no capítulo 2. Mas, apesar dessas generalizações, devemos estar atentos para alguns dados individuais (na tabela, em negrito) que não vão ao encontro das próprias propostas de Grodzinsky (op. cit.): o paciente 2 alcança um desempenho na chance em testes de compreensão de ativas com verbos psicológicos e o paciente 4 apresenta um desempenho acima da chance em tarefas de compreensão de sentenças passivas com verbos agentivos. Observando os resultados encontrados nos testes de compreensão de sentenças passivas com verbos psicológicos obtidos pelos pacientes 1, 2 e 3, constatamos que a porcentagem, embora diferente e menor que aquela verificada para as sentenças passivas agentivas, não estão no nível abaixo da chance no Teste Binomial, pois a probabilidade é maior que 0,05. Podemos inferir que Grodzinsky (op. cit.) quis salientar a diferença existente no desempenho de tarefa de compreensão das sentenças passivas com verbo psicológico em relação às passivas com verbo agentivo, realizando uma análise de natureza mais qualitativa. Portanto, Grodzinsky (op. cit.) parece ter considerado pequena a heterogeneidade dos resultados de desempenho do teste de compreensão realizado por seus quatro pacientes para realizar uma média dos dados individuais. Em seguida, apresentamos os dados de Grodzinsky (1995 b) com a média dos resultados dos quatro pacientes ao lado daqueles obtidos nos testes de correspondência sentença-gravura e anagrama realizados pela paciente I45. Tabela 5: Resultados dos Testes realizados pelos Pacientes de Grodzinsky (1995b) comparados aos da Paciente I (Porcentagem de acerto) Tipo de sentenças Pacientes de Grodzinsky – Teste de Anagrama Ativa com verbo 91,07% Acima da agentivo chance Passiva com verbo 60,72% Na chance agentivo Ativa com verbo 80,37% Acima da psicológico chance Passiva com verbo 32,17% Abaixo da psicológico chance Paciente I – Teste Paciente I – Teste de Correspondência de Anagrama Sentença-Gravura 80% Acima da chance 30% Na chance 70% Na chance 60% Na chance 60% Na chance 60% Na chance Testes com pacientes de Grodzinsky: classificações Acima da chance = acertos muito mais freqüentes que erros Na chance = acertos por volta de 50% Abaixo da chance = erros muito mais freqüentes que acertos. Total de sentenças para cada categoria = 14. Testes com paciente I: classificações Acima da chance = 80% a 100% de acerto Na chance = 30% a 70% de acerto Abaixo da chance = 0 a 20% de acerto (Classificações de acordo com o Teste Binomial). Total de sentenças para cada categoria = 10. 45 Os dados dos pacientes de Grodzinsky foram retirados de Grodzinsky (1995 b, p. 491) e eram originalmente apresentados sob a forma de porcentagem de erros. Entretanto, para dar uma unidade ao nosso trabalho e facilitar a leitura, apresentamo-nos sob a forma de porcentagem de acertos. Gostaríamos de acrescentar que, em Grodzinsky (1995b), não foi realizado o teste de correspondência sentença-gravura. Nesta tabela, apresentamos o desempenho obtido da média de porcentagem dos dados alcançados no teste de anagrama de compreensão de sentenças ativas e passivas com verbos agentivos e psicológicos pelos pacientes de Grodzinsky (1995b). Tais resultados são comparados àqueles alcançados pela paciente I em testes de correspondência sentençagravura com sentenças da mesma natureza e de anagrama com somente sentenças ativas e passivas com verbos psicológicos. Para estas últimas sentenças, realizamos uma média dos dados obtidos, portanto não destacamos a diferença no que diz respeito à grade temática do verbo (se o papel temático experienciador é atribuído ao argumento externo ou ao interno). Duas semelhanças entre os resultados alcançados em Grodzinsky (op. cit.) e os dados conseguidos pela paciente I: (a) houve uma compreensão razoável das sentenças ativas (exceto daquelas com verbo psicológico no teste de anagrama realizado pela paciente I) e (b) houve uma má compreensão das passivas de um modo geral. Observamos ainda duas principais diferenças entre os resultados obtidos por Grodzinsky (op. cit.) e aqueles alcançados em nossos experimentos. Ambas podem ser citadas juntamente porque são a base para a formulação do Princípio Default: um baixo desempenho em compreensão de sentenças na forma passiva com verbos agentivos por parte da paciente I em comparação com a média do desempenho dos pacientes de Grodzinsky (op. cit.). Em oposição, a paciente I obteve um desempenho melhor na tarefa de compreensão de sentenças passivas com verbos psicológicos do que os pacientes de Grodzinsky (op. cit.). Ora, não era o pior desempenho em tarefas de compreensão de sentenças na forma passiva com verbos psicológicos em relação ao resultado obtido em testes de compreensão de sentenças passivas com verbos agentivos que fundamentava a estratégia Default? A paciente I apresentou resultados indicando não só um desempenho melhor na interpretação das primeiras sentenças do que das segundas, como também um comportamento inverso àquele apresentado pelos pacientes de Grodzinsky (op. cit.). Encontramos, portanto, evidências que afastam nossos resultados daqueles de Grodzinsky (op. cit.). A seguir, vamos apresentar os dados obtidos nos testes de correspondência sentença-gravura e julgamento de verdade pelo paciente de Hickok et al. (op. cit.)46 e os resultados alcançados no teste de correspondência sentença-gravura pela paciente I. Mencionaremos as sentenças clivadas de sujeito e de objeto, passivas e as relativas de sujeito com relação adjetivo-predicado, sendo que, no que diz respeito a estas últimas, somente apresentaremos aquelas cujo objetivo era o de averiguar unicamente a habilidade da paciente em estabelecer relação entre o predicado e o sujeito da sentença principal. 46 Os dados sobre o paciente foram retirados de Hickok et al. (1993, p. 378, 381, 385). Tabela 6: Resultados dos Testes realizados pelo Paciente de Hickok et. al. (1993) comparados aos da Paciente I (Porcentagem de acerto) Tipo de sentença Clivadas de Sujeito Clivadas de Objeto Paciente de Hickok et al. – Teste de Correspondência Sentença-Gravura 100% Acima da chance 37% Na chance Passivas com verbos agentivos Relativas de Sujeito 33% com relação adjetivo-predicado Paciente de Hickok et al. – Teste de Julgamento de Verdade 88% Acima da chance 35% Abaixo da chance 58% Na chance Abaixo da 30% chance Paciente I – Teste de Correspondência Sentença- Gravura 80% 60% Acima da chance Na chance 30% Na chance Abaixo da 70% chance Na chance Testes com o paciente de Hickok et al.: classificações Acima da chance = acertos muito mais freqüentes que erros Na chance = acertos por volta de 50% Abaixo da chance = erros muito mais freqüentes que acertos. Total de sentenças para cada categoria no teste de correspondência sentença-gravura = 30 e no teste de julgamento de verdade = 40. Testes com a paciente I: classificações Acima da chance = 80% a 100% de acerto Na chance = 30% a 70% de acerto Abaixo da chance = 0 a 20% de acerto (Classificações de acordo com o Teste Binomial) Total de sentenças para cada categoria = 10. Diante da tabela (6), podemos constatar semelhanças entre o resultado obtido na compreensão de sentenças clivadas nos testes de correspondência sentença-gravura e de julgamento de verdade realizados pelo paciente de Hickok et al. (op. cit.) e o desempenho alcançado para estas mesmas sentenças pela paciente I no teste de correspondência sentença-gravura. Uma delas é o bom desempenho na compreensão de clivadas de sujeito, a outra diz respeito ao desempenho pobre em compreensão de sentenças clivadas de objeto. Há também duas diferenças entre os resultados obtidos em Hickok et al. (op. cit.) e aqueles alcançados pela paciente I. A primeira diferença relaciona-se aos desempenhos obtidos por ambos os pacientes na compreensão de sentenças na forma passiva. O paciente de Hickok et al. (op. cit.) saiu-se um pouco melhor que a paciente I. Mas a que realmente destaca-se é a segunda diferença, pois pode comprometer a contraposição de Hickok et al. (op. cit.) em relação Princípio Default. O desempenho da paciente I, mesmo estando no nível da chance na tarefa de compreensão de sentenças relativas de sujeito com relação adjetivo-predicado, esteve consideravelmente melhor que o paciente de Hickok et al. (op.cit.) nesta mesma tarefa. Hickok et al. (op. cit.) utilizam o baixo desempenho de seu paciente na compreensão de sentenças desta natureza para invalidar as propostas de Grodzinsky (1990) e fazem uma sugestão de análise do déficit do agramático de caráter estritamente lingüístico. Entretanto, os dados obtidos pelos dois pacientes estão, cada um, em um extremo da faixa que caracteriza a classificação na chance. A diferença é que podemos aventar a possibilidade de uma compreensão razoável de tais sentenças pela paciente I, ao passo que não podemos fazer o mesmo para o paciente de Hickok et al. (op.cit.). Portanto, apontamos uma evidência que afasta nossos resultados daqueles encontrados na pesquisa dos autores. Esta seção teve como objetivo ampliar nossa discussão sobre o assunto. Conseguimos, portanto, verificar os dados que fundamentaram as propostas de Grodzinsky (op. cit.) e de Hickok et al. (op. cit.), bem como compará-los aos resultados obtidos pela paciente I. 4.4. Discussão Geral dos Resultados Nesta seção, pretendemos fazer uma discussão geral dos dados apresentados nas seções anteriores. Os resultados obtidos pela paciente I em tarefas de compreensão de sentenças geradas por movimento permitiram-nos ratificar observações já presentes na literatura tradicional sobre o assunto: as sentenças com vestígios de SN e de elemento-QU em posição de sujeito são mais facilmente compreendidas por um afásico agramático do que as sentenças com vestígios de SN e de elemento-QU em posição de objeto. Ou seja, de um modo geral, tanto a paciente I quanto os pacientes de Grodzinsky (op. cit.) e de Hickok et al. (op. cit.) demonstraram entender bem sentenças ativas e clivadas de sujeito e mostraram compreender mal sentenças passivas, clivadas de objeto e relativas de objeto. O desempenho alcançado pela paciente I em testes de compreensão de sentenças relativas de sujeito demonstrou que houve uma boa compreensão deste tipo de sentença, ainda que esse desempenho tenha sido classificado como no nível da chance. Salientamos que a forma como realizamos o teste com estas sentenças – com três objetivos distintos (o de verificar a habilidade da paciente em designar papel temático a elementos movidos, o de estabelecer relação entre um sujeito e o predicado em uma sentença com relativa encaixada ao centro e o de tanto designar papel temático a elementos movidos quanto de estabelecer relação adjetivo-predicado) - permitiu-nos indicar com maior segurança que há uma sutil diferença entre a habilidade de designação de papel temático e a capacidade de estabelecer a relação entre o sujeito da sentença principal com seu adjetivo, tendo uma oração encaixada. Contudo, não verificamos uma interpretação tão pobre quanto aquela demonstrada pelo paciente de Hickok et al. (op. cit.) na tarefa de estabelecer relação entre o sujeito e o predicado de uma sentença com relativa encaixada ao centro. Não temos, portanto, evidências tão fortes para a manutenção das propostas de caráter lingüístico e da contraposição ao Princípio Default feita por estes autores. Além disso, devemos sempre lembrar a observação de Grodzinsky (1995b) para o problema de entendimento destas sentenças por parte do afásico agramático: provavelmente é relacionado ao déficit de processamento. Se não podemos apontar as propostas de Hickok et al. (op. cit.) como as melhores, tampouco podemos indicar as de Grodzinsky (op. cit.) como as mais adequadas, pois os dados alcançados pela paciente I na compreensão de sentenças passivas com verbos agentivos e psicológicos apontam o contrário para a validação do Princípio Default. Isto é, a paciente deveria ter apresentado um desempenho pior na compreensão de sentenças passivas com verbos psicológicos do que de sentenças passivas com verbos agentivos. Justamente o oposto é que ocorreu. A validade do Princípio Default parece realmente estar comprometida não pela afirmação das propostas de Hickok et al. (op. cit.), mas devido aos resultados nos testes de compreensão sentença-gravura e anagrama realizados pela paciente I, os quais não são similares aos de Grodzinsky (op. cit.), conforme assinalado. Alia-se a isto, a observação de similaridade entre os nossos resultados e os de Balogh e Grodzinsky (op. cit.) – estes últimos mencionados na seção 2.2.3 – em que houve uma compreensão razoável de sentenças passivas com verbos psicológicos com experienciador designado ao argumento interno e uma compreensão no nível da chance para as passivas com verbos psicológicos com experienciador designado ao argumento externo. Isto é, o desempenho abaixo da chance na compreensão de sentenças passivas com verbos psicológicos que fundamenta a atuação do Princípio Default não foi encontrado nem em nossa pesquisa nem naquela desenvolvida por Balogh e Grodzinsky (op. cit.). O que parece estar sendo evidenciado de nossos resultados e do trabalho desses pesquisadores é uma possível sensibilidade à grade temática do verbo por parte do indivíduo afásico agramático. Embora não tenha sido explicitamente tratada a questão do Princípio Default em Balogh e Grodzinsky (op. cit.), interpretamos que, dos resultados apresentados por esses autores, há contra-evidências à sustentação dessa estratégia extra-lingüística. Esse aspecto, no entanto, não tem sido tratado por Grodzinsky ultimamente. Diante do exposto, podemos apontar que foi realizado o confronto entre a proposta de utilização do Princípio Default para a compensação do déficit agramático de compreensão de sentenças geradas por movimento com a outra que é de contraposição ao uso de tal estratégia, baseada exclusivamente em explicações de caráter lingüístico. O debate foi feito utilizando-se de novos dados, conseguidos na aplicação de testes de compreensão na paciente I. Mas a decisão por uma ou outra proposta não é possível mediante os dados obtidos por nossa pesquisa. A proposta de aplicar os três tipos de teste – correspondência sentença-gravura, julgamento de verdade e anagrama - na paciente I, a fim de verificar semelhanças e diferenças entre os resultados obtidos, não foi completamente satisfeita. Isto porque não pudemos observar tais semelhanças e diferenças nos dados alcançados no confronto de resultados do teste de correspondência sentença-gravura e resultados de teste de julgamento de verdade. Mas, na aplicação do teste de anagrama, conseguimos subsídios para assegurar a análise dos dados conseguidos do teste de correspondência sentença-gravura, pois a paciente I demonstrou ter a estrutura básica da sentença preservada. Ou seja, ela sempre ordenou os segmentos colocando um SN, um verbo, um SN, nesta ordem (quando se tratava de ativas) e um artigo, um SN, um verbo e um SP (quando se tratava de passivas). Resumindo: apresentamos, ao longo deste capítulo, os dados obtidos em diferentes testes de compreensão de sentenças geradas por movimento por parte da paciente I. Os resultados foram sempre relacionados à proposta de utilização do Princípio Default como forma de compensação do déficit lingüístico do afásico agramático feita por Grodzinsky (op. cit.) e à proposta de não uso da estratégia extra-lingüística realizada por Hickok et al. (op. cit.), os quais sugerem explicações de caráter estritamente lingüístico para o déficit. Conseguimos realizar um confronto entre as duas propostas propiciando um debate sobre o assunto. Entretanto, não pudemos apontar qual é a mais adequada para explicar os resultados obtidos pela paciente I. Isto porque não houve coerência destes resultados em relação àqueles que fundamentaram cada uma das propostas apresentadas. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho deteve-se na pesquisa sobre o déficit de compreensão de sentenças reversíveis com vestígios de SN e de elemento-QU por parte de uma paciente considerada afásica agramática. Foi verificado o desempenho da paciente em testes específicos de compreensão de sentenças geradas por movimento e os dados obtidos foram relacionados a duas propostas de explicação para o déficit agramático conflitantes entre si. Uma – a de Grodzinsky (1990, 1995b) – propõe uma estratégia cognitiva extra-lingüística como compensação para a falha do sistema lingüístico do afásico agramático em designar papel temático a SN’s e a elementos-QU movidos de sua posição original. A outra – a de Hickok et al. (1993) – contrapõe-se a Grodzinsky (op. cit.) indicando explicações que se restringem ao módulo lingüístico. O objetivo era o de propiciar um debate sobre o assunto, observando sempre as semelhanças e diferenças entre os resultados obtidos nos testes realizados pela paciente I e os dados que fundamentaram a construção da hipótese de cada autor. No caso de Grodzinsky (op. cit.), um desempenho pobre em testes de compreensão de sentenças passivas com verbos psicológicos era de fundamental importância para a validação do Princípio Default. Já no caso de Hickok et al. (op. cit.), um desempenho ruim em testes de compreensão de sentenças com encaixamento ao centro e uma relação entre o sujeito da oração principal e o predicado era importante para a manutenção da contraposição feita pelos autores à estratégia não lingüística. Para cumprir o objetivo desta pesquisa, realizamos três etapas distintas referentes à metodologia, a saber: escolha da paciente afásica agramática, construção e aplicação de três testes específicos em pesquisas sobre o déficit de compreensão agramática, e determinação de critérios para a interpretação dos resultados. Em relação à paciente, procuramos selecionar aspectos importantes que nos garantissem um perfil adequado. A despeito da discussão sobre a necessidade de pesquisa em grupo de pacientes (GRODZINSKY, 1991), por um lado, e a defesa de estudos individuais em afasia agramática (BADECKER & CARAMAZZA, 1985, MICELI et al., 1989, MARTIN et al. 1989 (apud GRODZINSKY, 1991)), por outro, acreditamos ter feito uma escolha correta e suficiente para fins desta pesquisa. Ou seja, optamos por estudar o comportamento em tarefas de compreensão de uma única paciente relacionando os dados obtidos àqueles presentes na literatura. Foi possível verificar padrões uniformes no desempenho agramático entre os resultados conseguidos pela paciente I e os resultados presentes em Grodzinsky (op. cit.) e Hickok et al. (op. cit.). Preocupando-nos ainda com a polêmica existente na literatura (GRODZINSKY, 1991, CAPLAN, 1991, entre outros) sobre diferenças significantes existentes entre os classificados afásicos agramáticos, procuramos analisar a paciente I observando três critérios. O primeiro dizia respeito à tomografia computadorizada (que indicou a lesão no lobo fronto-parietal esquerdo) aliada ao diagnóstico feito pelas fonoaudiólogas do Instituto de Neurologia Deolindo Couto, as quais classificaram a paciente I como afásica de Broca. O segundo critério correspondia à análise das características da fala e do grau de severidade de afasia da paciente I conseguida através da aplicação do Teste de Boston. A aplicação de um teste piloto configurou-se no terceiro critério. A finalidade era verificar, antes da aplicação dos testes em geral, se a paciente encaixava-se definitivamente no perfil de afásica agramática. Desta forma, acreditamos ter selecionado a paciente afásica agramática para a nossa pesquisa de forma criteriosa, segura e portanto confiável. Em relação aos testes, procuramos aplicar os mais comuns em pesquisas que se preocupam em investigar o déficit de compreensão no agramatismo como sendo um déficit estrutural. Aplicamos os três tipos de testes – o de correspondência sentença-gravura, o de julgamento de verdade e o de anagrama - a fim de verificar semelhanças e diferenças nos resultados obtidos. Testamos ainda todos os tipos de sentenças trabalhados em Grodzinsky (1990, 1995b) e em Hickok et al. (op. cit.) com o objetivo de confrontar nossos resultados com aqueles encontrados pelos autores. Conforme pudemos observar, os resultados do teste de julgamento de verdade não nos possibilitaram realizar o confronto na amplitude que desejávamos. Mas os dados obtidos nos testes de correspondência sentença-gravura e de anagrama permitiram-nos chegar a algumas generalizações. A última etapa referente às nossas decisões metodológicas diz respeito à forma como interpretamos os resultados obtidos pela paciente I nos testes de compreensão de sentenças geradas por movimento. Inicialmente, uma classificação de base estatística foi realizada. Ela baseou-se na utilização do Teste Binomial e possibilitava-nos três tipos de classificação: acima da chance, na chance e abaixo da chance, sendo a primeira um desempenho similar ao de um indivíduo com gramática intacta em tarefas de compreensão de sentenças geradas por movimento e as outras consideradas um desempenho ruim. Mas o que realmente garantiu a discussão dos resultados alcançados pela paciente I em relação aos resultados obtidos em Grodzinsky (op. cit.) e em Hickok et al. (1993) foi a análise de caráter qualitativo, na qual destacamos diferenças de comportamento em uma mesma classificação que nos possibilitaram verificar aspectos significantes e mais próximos da realidade. Mediante todos esses cuidados nas decisões metodológicas e após a aplicação dos testes, encontramos resultados que indicam o que a tradição literária já nos diz. O indivíduo afásico agramático tem um déficit seletivo na compreensão de sentenças com vestígios de SN e de elemento-QU em posição de objeto, tais como passivas, relativas de objeto e clivadas de objeto. Mas se os resultados em nossa pesquisa nos apontaram tal fato, não podemos afirmar qual proposta – se a de Grodzinsky (op. cit.), se a de Hickok et al. (op. cit.) – é a mais adequada para explicar o déficit do afásico agramático. O desempenho da paciente I em testes de compreensão de sentenças passivas com verbos psicológicos e de sentenças ativas com relativas de sujeito encaixadas ao centro com uma relação adjetivo-predicado não foi tão ruim quanto aqueles apresentados pelos pacientes de Grodzinsky (op. cit.) e de Hickok et al. (op. cit.), respectivamente. A discussão sobre a pertinência ou não de uso de uma estratégia cognitiva extralingüística como compensação do déficit lingüístico do afásico agramático mantém-se acesa, embora pareça estar surgindo, dentro dos próprios estudos de Grodzinsky, contraevidências ao Princípio Default. Estas dizem respeito aos resultados obtidos nos testes de compreensão de sentenças passivas com verbos psicológicos em Balogh e Grodzinsky (1996) em que não se observou um desempenho abaixo da chance, conforme encontrou-se em Grodzinsky (op. cit.). Os mesmos resultados alcançados em Balogh e Grodzinsky (op. cit.) foram encontrados em nossa pesquisa. Se por um lado os dois resultados – os de Balogh e Grodzinsky (op. cit.) e os da presente pesquisa – apontam para uma possível eliminação do Princípio Default como uma explicação para o déficit de compreensão do afásico agramático, por outro lado, a sensibilidade, por parte do afásico agramático, para determinadas estruturas temáticas do verbo (derivada dos resultados dos testes de Balogh e Grodzinsky (op. cit.) e dos testes da nossa pesquisa), por si só, não nos permitem descartar a hipótese de utilização de estratégia cognitiva extra-lingüística. Não obstante tenhamos nos detido em um trabalho que privilegiou uma abordagem estrutural sobre o déficit do agramático, acreditamos que mais pesquisas que visem à investigação das representações lingüísticas, levando-se em conta o tempo para a realização de determinadas habilidades, podem trazer maior confiabilidade aos dados usados na explicação sobre o déficit sintático de compreensão do indivíduo afásico agramático. Vale dizer ainda que mais pesquisas com a finalidade de verificar o déficit de compreensão de sentenças geradas por movimento necessitam ser realizadas, incorporando, inclusive, novos horizontes trazidos pelo arcabouço teórico do Minimalismo (CHOMSKY, 1995). 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BADECKER, W., CARAMAZZA, A. On considerations of method and theory governing the use of clinical categories in neurolinguistics and cognitive neuropsychology: The case against agrammatism. Cognition 20, 97-125, 1985. BALOGH, J., GRODZINSKY, Y. Varieties of passives in agrammatic Broca's aphasia: theta-grids, arguments, and referentiality. Brain and Language 55, 54-56, 1996. BERNDT, R. et al. Comprehension of non-reversible sentences in “agrammatism”: a meta-analysis. Cognition 58, 289-308, 1996. CANÇADO, M. Verbos psicológicos do português brasileiro e a análise inacusativa de Belletti & Rizzi: indícios para uma proposta semântica. Delta: v. 13, n. 1, p. 119139, 1997. CAPLAN, D. 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ANEXOS ANEXO 1 SISTEMA NERVOSO Consideramos importante apontar alguns conceitos relativos ao sistema nervoso central, detendo-nos, em geral, nos termos usados no texto. Uma das partes do sistema nervoso central constitui-se nos hemisférios cerebrais. Nestes últimos, fica uma camada rugosa que é o córtex cerebral. O córtex cerebral é dividido em quatro lobos: frontal, parietal, temporal e occipital. A linguagem, que é uma função cognitiva, é localizada no córtex cerebral. Cada lobo apresenta circunvoluções e fissuras. As cristas dessas circunvoluções são denominadas giros e as fissuras entre as circunvoluções são chamadas de sulcos. A área de Broca está localizada no lobo frontal e a área de Wernicke, no lobo temporal. A área de Wernicke comunica-se com a área de Broca através do fascículo arqueado. (Desenhos extraídos de KANDEL, 1997, p. 9, 11) ANEXO 2 EXEMPLOS DE QUADROS APRESENTADOS NOS TESTES DE CORRESPONDÊNCIA SENTENÇA-GRAVURA A seguir, vamos apresentar alguns exemplos dos quadros, contendo as três gravuras, apresentados na aplicação do teste de correspondência sentença-gravura. Vamos dar exemplos para algumas categorias testadas: 1) Ativa agentiva: O homem empurra o menino. (página 124) 2) Passiva agentiva: O homem é agarrado pelo menino. (página 125) 3) Ativa com verbo psicológico com argumento externo com papel temático de experienciador: A mãe deseja a filha. (página 126) 4) Ativa com verbo psicológico com argumento interno com papel temático de experienciador: O cantor assustou o menino. (página 127) 5) Clivada de objeto: É a menina que a enfermeira fotografa. (página 128) 6) Relativa de Sujeito, em que o quadro apresentava gravuras com relações temáticas invertidas: A mulher que enxuga a criança é loira. (página 129) 7) Relativa de Sujeito, em que o quadro apresentava gravuras com inversão da relação adjetivo-predicado: A vaca que persegue a ovelha é pequena. (página 130) 8) Relativa de Sujeito, em que o quadro apresentava gravuras com inversão tanto da relação temática quanto da relação adjetivo-predicado: O coelho que segue o elefante é cinza. (página 131) 9) Relativa de Objeto, em que o quadro apresentava gravuras com relações temáticas invertidas: A mulher que o homem esfaqueia tem cabelo preto. (página 132) Para nossa organização e para facilitar a aplicação do teste, havia uma ficha colada no verso de cada quadro. Um exemplo dessa ficha: Tarefa de Correspondência Sentença-Gravura Ativa com verbo agentivo (9) O homem empurra o menino Ordem de apresentação: _______ ANEXO 3 EXEMPLO DE QUADRO APRESENTADO NOS TESTES DE JULGAMENTO DE VERDADE A seguir, vamos apresentar um exemplo de quadro apresentado na aplicação do teste de julgamento de verdade. A sentença correspondente ao quadro seguinte é: O leão que vê a vaca é grande. Para a mesma gravura era testada um sentença falsa: A vaca que vê o leão é grande. Havia uma ficha colada no verso de cada quadro, para que a pessoa que aplicasse o teste lesse. Um exemplo dessa ficha: Tarefa de Julgamento de Verdade Relativa de Sujeito (9) Sentença verdadeira: O leão que vê a vaca é grande Ordem de apresentação: _______ ANEXO 4 EXEMPLO DE QUADRO APRESENTADO NOS TESTES DE ANAGRAMA A seguir, vamos apresentar um exemplo de quadro apresentado na aplicação do teste de anagrama. A sentença correspondente é: A menina compreende a professora. ANEXO 5 COMPARAÇÃO DOS RESULTADOS OBTIDOS NOS TESTES DE HICKOK ET AL. (1993) COM AS PREVISÕES DO TESTE BINOMIAL No experimento 1 de Hickok et al. (op. cit.), tais autores apontaram um desempenho acima da chance para as sentenças clivadas de sujeito (100% de acerto), um desempenho na chance para as clivadas de objeto (37% de acerto) e um desempenho abaixo da chance para as relativas de sujeito com relação adjetivo-predicado (33% de acerto). O número de sentenças para cada categoria totalizava 30. Observando o Teste Binomial, verificamos que realmente os dados de Hickok et al.(op. cit.) foram classificados corretamente: 37% de acerto no teste de compreensão de sentenças clivadas de objeto correspondem a cerca de 11 sentenças (em um total de 30). Esta marca indica uma probabilidade exatamente igual a 0,05, portanto, no nível da chance, conforme os autores indicaram. Já 33% de acerto no teste de compreensão de sentenças relativas de sujeito com relação adjetivo-predicado correspondem a cerca de 10 sentenças (em um total de 30). Tal índice aponta para uma probabilidade de 0,02, portanto menor que 0,05. Como o número de acertos é pequeno, foi corretamente classificado como desempenho abaixo da chance. Por fim, 100% de acerto no teste de compreensão de sentenças clivadas de sujeito, por si só, nos garantem a classificação de desempenho acima da chance. ANEXO 6 TESTE BINOMIAL PARA UM UNIVERSO DE 20 SENTENÇAS No caso do teste de julgamento de verdade desenvolvido nesta pesquisa, teríamos as classificações acima da chance, na chance e abaixo da chance (em um universo de 20 sentenças em cada categoria de sentenças testada) de acordo com os resultados do Teste Binomial: 1 acerto significa uma probabilidade = 0,00001 de acerto (5%) 2 acertos significam uma probabilidade = 0,00018 de acerto (10%) 3 acertos “ “ “ = 0,00108 “ “ (15%) 4 acertos “ “ “ = 0,00462 “ “ (20%) 5 acertos “ “ “ = 0,01478 “ “ (25%) 6 acertos “ “ “ = 0,03696 “ “ (30%) 7 acertos 8 acertos 9 acertos 10 acertos 11 acertos 12 acertos 13 acertos “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ = 0,07392 = 0,12013 = 0,16017 = 0,17619 = 0,16017 = 0,12013 = 0,07392 “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ (35%) (40%) (45%) (50%) (55%) (60%) (65%) 14 acertos 15 acertos 16 acertos 17 acertos 18 acertos 19 acertos 20 acertos “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ = 0,036964 “ “ (70%) = 0,014785 “ “ (75%) = 0,00462 “ “ (80%) = 0,001087 “ “ (85%) = 0,000181 “ “ (90%) = 0,000019 “ “ (95%) = 0,0000009 “ “ (100%) abaixo da chance p < 0,05 na chance p > 0,05 acima da chance p < 0,05 ANEXO 7 SENTENÇAS INVESTIGADAS NOS TRÊS TESTES E DESEMPENHO DA PACIENTE I A seguir, as sentenças investigadas nos três tipos de testes, com o respectivo desempenho da paciente I: Teste de correspondência sentença-gravura Ativa com verbo agentivo Desemp Passiva com verbo agentivo . 1) O velho puxa o garoto E 1) O médico é entrevistado pelo soldado 2) A mulher enxuga a criança A 2) A mulher é enxugada pela criança 3) O menino agarra o homem E 3) O homem é xingado pelo policial 4) O guarda briga com o A 4) O menino é empurrado pelo menino homem 5) O paciente reclama com o A 5) O menino é espancado pelo médico soldado 6) A menina fotografa a A 6) A menina é fotografada pela enfermeira enfermeira 7) O menino bate no PM A 7) O homem é agarrado pelo menino 8) O médico entrevista o PM A 8) O soldado é censurado pelo menino 9) O homem empurra o A 9) O guarda é ameaçado pelo menino índio 10) O índio ameaça o guarda A 10) O menino é puxado pelo velho Ativa com verbo psicológico Desemp Passiva com verbo psicológico com Arg. Externo com Θ de . com Arg. Externo com Θ de Experienciador Experienciador 1) A mãe deseja a filha A 1) A filha é desejada pela mãe 2) A mãe adora a criança A 2) A criança é adorada pela mãe 3) A menina admira a moça A 3) A moça é admirada pela menina 4) A avó ama a neta E 4) A neta é amada pela avó 5) O menino inveja o guarda A 5) O guarda é invejado pelo Desemp. E E E E A A E E A E Desemp. A A E E A 6) O PM odeia o menino E 7) A aluna compreende a A professora 8) O menino ouve o velho47 E 9) O rapaz vê o velho A 10) A aluna detesta a A professora Desemp. = Desempenho A= acertou menino 6) O menino é odiado pelo PM 7) A professora é compreendida pela menina 8) O velho é ouvido pelo menino 9) O velho é visto pelo rapaz 10) A professora é detestada pela aluna E =Errou E A A E E Ativa com verbo psicológico Desemp Passiva com verbo psicológico com Arg. Interno com Θ de . com Arg. Interno com Θ de Experienciador Experienciador 1) O cantor assustou o menino A 1)O homem foi assustado pelo menino 2) O xerife chateou o homem E 2) O homem foi chateado pelo xerife 3) O fantasma amedrontou o A 3)O homem foi amedrontado homem pelo fantasma 4) O drácula apavorou o menino E 4) O menino foi apavorado pelo drácula 5) O pai entristeceu o filho A 5) O filho foi entristecido pelo pai 6) O guarda angustiou o homem E 6) O homem foi angustiado pelo guarda 7) A filha emocionou a mãe A 7) A mãe foi emocionada pela filha 8) A mãe desanimou a filha A 8) A filha foi desanimada pela mãe 9) O pai aborreceu o filho A 9) O filho foi aborrecido pelo pai 10) O ator irritou o menino A 10) O menino foi irritado pelo ator Clivada de sujeito Desemp Clivada de objeto . 1) É o menino que puxa o velho E 1) É o menino que a menina persegue 2) É a mulher que enxuga a A 2) É a mulher que o homem criança esfaqueia 3) É o homem que agarra o A 3) É o homem que o menino 47 Desem p. A E A A A A A A E E Desem p. E A E Os verbos “ouvir” e “ver”, apesar de em nossa interpretação estar em um limite entre verbos agentivos e verbos psicológicos, foram em nossa pesquisa usados como verbos psicológicos da mesma forma como o fez Grodzinsky (1995b). menino 4) É o homem que empurra o A menino 5) É o guarda que xinga o E menino 6) É o PM que bate no menino A empurra 4) É o índio que o policial ameaça 5) É a criança que a mulher enxuga 6) É o menino que o policial xinga 7) É a enfermeira que a menina fotografa 8) É o homem que o menino agarra 9) É o menino que o policial bate 7) É o menino que persegue a A menina 8) É a mulher que esfaqueia o A homem 9) É o índio que ameaça o A guarda 10) É a menina que fotografa a A 10) É o velho que o menino puxa enfermeira Relativa de Sujeito (inversão Desemp Relativa de Sujeito (inversão da . relação adjetivo-predicado) de Θ) 1) O menino que puxa o velho é E 1) O menino que puxa o velho é loiro loiro 2) A mulher que enxuga a A 2) O coelho que segue o elefante criança é loira é cinza 3) O homem que agarra o A 3) O sapo que gosta do pato é menino tem cabelos castanhos amarelo 4) O homem que empurra o A 4) A mulher que ama a menina é menino tem camisa vermelha loira 5) A menina que persegue o A 5) O menino que empurra o menino é loira homem tem camisa vermelha 6) O menino que xinga o PM é A 6) A vaca que persegue a ovelha loiro é pequena 7) A mulher que esfaqueia o A 7) A onça que olha para o porco é homem tem cabelo preto grande 8) O aluno que briga com a A 8) A mulher que adora a menina professora tem cabelos é loira castanhos 9) O guarda que censura o A 9) O velho que acena para a homem tem cabelos castanhos menina está feliz 10) A menina que fotografa a E 10) O menino que vê a menina enfermeira é loira está com raiva Desemp. = Desempenho A= acertou E =Errou A E A A A A E Desem p. A E E A A E A A A A Relativa de Sujeito (inversão de Θ e da relação adjetivopredicado) 1) A professora que briga com o aluno tem cabelo castanho 2) O policial que ameaça o homem tem cabelo castanho 3) O homem que empurra o menino está usando camisa vermelha 4) O homem que esfaqueia a mulher tem cabelo castanho 5) A menina que está fotografando a enfermeira é loira 6) O sapo que vê o pato é amarelo 7) O coelho que segue o elefante é cinza 8) O leão que gosta da vaca é grande 9) O menino que puxa o velho é loiro 10) A mulher que ama a menina é loira Relativa de Objeto (inversão da relação adjetivo-predicado) Desemp Relativa de Objeto (inversão de Desem . p. Θ) A E A A 1) O menino que o velho puxa é E loiro 2) A mulher que a criança enxuga A é loira 3) O homem que o menino agarra A tem cabelos castanhos 4) O homem que o menino empurra tem camisa vermelha A 5) O menino que o PM xinga é loiro E 6) A menina que o menino persegue é loira E 7) A mulher que o homem esfaqueia tem cabelos pretos A 8) O aluno que a professora briga tem cabelos castanhos A 9) O guarda que o homem censura tem cabelos pretos A 10) A menina que a enfermeira fotografa é loira Desemp Relativa de Objeto (inversão de . Θ e da relação adjetivopredicado) 1) O homem que o menino E 1) O médico que o paciente acusa agarra tem cabelos castanhos tem cabelo preto 2) O menino que a menina E 2) A menina que a enfermeira persegue é loiro fotografa é loira 3) A mulher que o homem A 3) O homem que o menino agarra esfaqueia tem cabelo castanho tem cabelo castanho 4) O homem que o guarda A 4) O PM que o menino está censura tem cabelo castanho batendo tem cabelo castanho 5) A menina que a enfermeira A 5) O PM que o menino censura fotografa é loira tem cabelo preto Desemp. = Desempenho A= acertou E =Errou A E E E E A A Desem p. E A A A E Teste de Julgamento de Verdade Ativa com verbo agentivo 1) O homem prende a menina (V) 2) A menina prende o homem (F) 3) O índio ameaça o guarda (V) 4) O guarda ameaça o índio (F) 5) O guarda xinga o menino (V) 6) O menino xinga o guarda (F) 7) O médico entrevista o PM (V) 8) O PM entrevista o médico (F) 9) O PM espanca o menino (V) 10) O menino espanca o PM (F) 11) A mulher fotografa a menina (V) 12) A menina fotografa a mulher (F) 13) O menino empurra o homem (V) 14) O homem empurra o menino (F) 15) O menino puxa o homem (V) 16) O homem puxa o menino (F) 17) A mulher enxuga a criança (V) 18) A criança enxuga a mulher (F) 19) O menino agarra o velho (V) 20) O velho agarra o menino (F) Desemp Passiva com verbo agentivo . A 1) O índio é ameaçado pelo guarda (V) E 2) O guarda é ameaçado pelo índio (F) A 3) O homem é puxado pelo menino (V) A 4) O menino é puxado pelo homem (F) A 5) A enfermeira é fotografada pela menina (V) E 6) A menina é fotografada pela enfermeira (F) A 7) O homem é empurrado pelo menino (V) A 8) O menino é empurrado pelo homem (F) A 9) O menino é espancado pelo guarda (V) A 10) O guarda é espancado pelo menino (F) A 11) O PM é entrevistado pelo médico (V) E 12) O médico é entrevistado pelo PM (F) A 13) O menino é censurado pelo homem (V) E 14) O homem é censurado pelo menino (F) A 15) O menino é xingado pelo guarda (V) E 16) O guarda é xingado pelo menino (F) A 17) A criança é enxugada pela mulher (V) A 18) A mulher é enxugada pela criança (F) A 19) A menina foi chamada pela mulher (V) E 20) A mulher foi chamada pela menina (F) Desem p. A E A E A A A E A E A E A E A E A E A E (V) = Sentença verdadeira (F) = Sentença Falsa Desemp. = Desempenho A = Acertou E = Errou Ativa com verbo psicológico com Arg. Externo com Θ de Experienciador 1) A mãe deseja a filha (V) 2) A filha deseja a mãe (F) 3) A mãe adora a criança (V) 4) A criança adora a mãe (F) 5) A menina admira a moça (V) 6) A moça admira a menina (F) 7) A avó ama a neta (V) 8) A neta ama a avó (F) 9) O menino inveja o guarda (V) 10) O guarda inveja o menino (F) 11) O PM odeia o menino (V) 12) O menino odeia o PM (F) 13) A aluna compreende a professora (V) 14) A professora compreende a aluna (F) 15) O menino ouve o velho (V) 16) O velho ouve o menino (F) 17) O rapaz vê o velho (V) 18) O velho vê o rapaz (F) 19) A aluna detesta a professora (V) 20) A professora detesta a aluna (F) Ativa com verbo psicológico com Arg. Interno com Θ de Experienciador 1) O cantor assustou o menino (V) 2) O menino assustou o cantor (F) 3) O xerife chateou o homem Desemp Passiva com verbo psicológico . com Arg. Externo com Θ de Experienciador E 1) A filha é desejada pela mãe (V) A 2) A mãe é desejada pela filha (F) A 3) A criança é adorada pela mãe (V) E 4) A mãe é adorada pela criança (F) A 5) A moça é admirada pela menina (V) E 6) A menina é admirada pela moça (F) A 7) A neta é amada pela avó (V) E 8) A avó é amada pela neta (F) A 9) O guarda é invejado pelo menino (V) E 10) O menino é invejado pelo guarda (F) E 11) O menino é odiado pelo PM (V) Desem p. A A E A 12) O PM é odiado pelo menino (F) 13) A professora é compreendida pela aluna (V) E 14) A aluna é compreendida pela professora (F) A 15) O velho é ouvido pelo menino (V) E 16) O menino é ouvido pelo velho (F) A 17) O velho é visto pelo rapaz (V) A 18) O rapaz é visto pelo velho (F) A 19) A professora é detestada pela aluna (V) E 20) A aluna é detestada pela professora (F) Desemp Passiva com verbo psicológico . com Arg. Interno com Θ de Experienciador A 1) O menino foi assustado pelo homem (V) E 2) O homem foi assustado pelo menino (F) A 3) O homem foi chateado pelo xerife E E A E A E A E A A A E A E E E A E Desem p. A E A (V) (V) 4) O homem chateou o xerife E 4) O xerife foi chateado pelo homem E (F) (F) 5) O fantasma amedrontou o A 5) O homem foi amedrontado pelo A homem (V) fantasma (V) 6) O homem amedrontou o E 6) O fantasma foi amedrontado pelo E fantasma (F) homem (F) 7) O drácula apavorou o A 7) O menino foi apavorado pelo A menino (V) drácula (V) 8) O menino apavorou o E 8) O drácula foi apavorado pelo E drácula (F) menino (F) 9) O pai entristeceu o filho A 9) O filho foi entristecido pelo pai A (V) (V) 10) O filho entristeceu o pai E 10) O pai foi entristecido pelo filho E (F) (F) 11) O guarda angustiou o A 11) O homem foi angustiado pelo A homem (V) guarda (V) 12) O homem angustiou o E 12) O guarda foi angustiado pelo A guarda (F) homem (F) 13) A filha emocionou a mãe A 13) A mãe foi emocionada pela filha A (V) (V) 14) A mãe emocionou a filha E 14) A filha foi emocionada pela mãe E (F) (F) 15) A mãe desanimou a filha A 15) A filha foi desanimada pela mãe A (V) (V) 16) A filha desanimou a mãe A 16) A mãe foi desanimada pela filha E (F) (F) 17) O pai aborreceu o filho A 17) O filho foi aborrecido pelo pai A (V) (V) 18) O filho aborreceu o pai E 18) O pai foi aborrecido pelo filho E (F) (F) 19) O ator irritou o menino A 19) O menino foi irritado pelo ator A (V) (V) 20) O menino irritou o ator A 20) O ator foi irritado pelo menino E (F) (F) (V) = Sentença verdadeira (F) = Sentença Falsa Desemp. = Desempenho A = Acertou E = Errou Clivada de Sujeito 1) É o menino que puxa o velho (V) 2) É o velho que puxa o menino (F) 3) É a mulher que enxuga a Desem Clivada de Objeto p A 1) É o homem que o menino puxa (V) E 2) É o menino que o homem puxa (F) A 3) É a menina que a enfermeira Desem p. A E A criança (V) fotografa (V) 4) É a criança que enxuga a E 4) É a enfermeira que a menina E mulher (F) fotografa (F) 5) É o PM que entrevista o A 5) É o homem que o menino A médico (V) empurra (V) 6) É o médico que entrevista o A 6) É o menino que o homem A PM (F) empurra(F) 7) É o homem que agarra o A 7) É o menino que o policial A menino (V) xinga (V) 8) É o menino que agarra o A 8) É o policial que o menino E homem (F) xinga (F) 9) É o homem que empurra o A 9) É a criança que a mulher A menino (V) enxuga (V) 10) É o menino que empurra o E 10) É a mulher que a criança E homem (F) enxuga (F) 11) É o índio que ameaça o A 11) É o médico que o PM A guarda (V) entrevista (V) 12) É o guarda que ameaça o A 12) É o PM que o médico E índio (F) entrevista (F) 13) É a menina que fotografa a A 13) É o menino que a menina A enfermeira (V) persegue (V) 14) É a enfermeira que fotografa a E 14) É a menina que o menino E menina (F) persegue (F) 15) É o menino que persegue a E 15) É o menino que o policial E menina (V) bate (V) 16) É a menina que persegue o A 16) É o policial que o menino A menino (F) bate (F) 17) É a mulher que esfaqueia o A 17) É a menina que a mulher A homem (V) chama (V) 18) É o homem que esfaqueia a A 18) É a mulher que a menina E mulher (F) chama (F) 19) É o PM que bate no menino A 19) É o homem que o menino A (V) agarra (V) 20) É o menino que bate no PM E 20) É o menino que o homem E (F) agarra (F) (V) = Sentença verdadeira (F) = Sentença Falsa Desemp. = Desempenho A = Acertou E = Errou Relativas de sujeito Des Relativas de objeto Des. . 1) A vaca que persegue a ovelha é E 1) O médico que o guarda entrevista A grande (V) tem cabelo preto (V) 2) A ovelha que persegue a vaca é E 2) O guarda que o médico entrevista E grande (F) tem cabelo preto (F) 3) A onça que vê o porco é pequena A 3) O homem que o menino puxa tem A (V) cabelo castanho (V) 4) O porco que vê a vaca é pequeno E 4) O menino que o homem puxa tem A (F) cabelo castanho (F) 5) O sapo que gosta do pato é A 5) O soldado que o menino bate tem A amarelo (V) cabelo preto (V) 6) O pato que gosta do sapo é E 6) O menino que o soldado bate tem E amarelo (F) cabelo preto (F) 7) O coelho que segue o elefante é A 7) O homem que a mulher esfaqueia E cinza (V) tem cabelo preto (V) 8) O elefante que segue o coelho é E 8) A mulher que o homem esfaqueia E cinza (F) tem cabelo preto (F) 9) O leão que vê a vaca é grande (V) A 9) O homem que o menino empurra A está usando camisa vermelha (V) 10) A vaca que vê o leão é grande A 10) O menino que o homem E (F) empurra está usando camisa vermelha (F) 11) A menina que adora a mulher é A 11) A mulher que a menina chama A loira (V) tem cabelo castanho (V) 12) A mulher que adora a menina é E 12) A menina que a mulher chama E loira (F) tem cabelo castanho (F) 13) O menino que puxa o velho é A 13) O médico que o paciente briga A loiro (V) tem cabelo preto (V) 14) O velho que puxa o menino é A 14) O paciente que o médico briga E loiro (F) tem cabelo preto (F) 15) A mulher que ama a menina é A 15) O aluno que a professora xinga A loira (V) tem cabelo castanho (V) 16) A menina que ama a mulher é E 16) A professora que o aluno xinga E loira (F) tem cabelo castanho (F) 17) O velho que acena para a menina A 17) A criança que a mulher enxuga é A está feliz (V) loira (V) 18) A menina que acena para o velho E 18) A mulher que a criança enxuga é E está feliz (F) loira (F) 19) O menino que olha a menina está A 19) O homem que o menino agarra A com raiva (V) tem camisa verde (V) 20) A menina que olha o menino está A 20) O menino que o homem agarra E com raiva (F) tem camisa verde (F) (V) = Sentença verdadeira (F) = Sentença Falsa Des. = Desempenho A = Acertou E = Errou Teste de Anagrama Ativa com verbo psicológico com Arg. Externo com Θ de Experienciador 1) A mãe deseja a filha 2) A mãe adora a criança 3) A menina admira a moça Desemp Passiva com verbo psicológico . com Arg. Externo com Θ de Experienciador E 1) A filha é desejada pela mãe A 2) A criança é adorada pela mãe E 3) A moça é admirada pela menina 4) A avó ama a neta E 4) A neta é amada pela avó 5) O menino inveja o guarda A 5) O guarda é invejado pelo menino 6) O PM odeia o menino A 6) O menino é odiado pelo PM 7) A aluna compreende a A 7) A professora é compreendida professora pela menina 8) O menino ouve o velho A 8) O velho é ouvido pelo menino 9) O rapaz vê o velho A 9) O velho é visto pelo rapaz 10) A aluna detesta a A 10) A professora é detestada professora pela aluna Ativa com verbo psicológico Desemp Passiva com verbo psicológico com Arg. Interno com Θ de . com Arg. Interno com Θ de Experienciador Experienciador 1) O cantor assustou o E 1)O menino foi assustado pelo menino cantor 2) O xerife chateou o homem A 2) O homem foi chateado pelo xerife 3) O fantasma amedrontou o E 3)O homem foi amedrontado homem pelo fantasma 4) O drácula apavorou o A 4) O menino foi apavorado pelo menino drácula 5) O pai entristeceu o filho A 5) O filho foi entristecido pelo pai 6) O guarda angustiou o E 6) O homem foi angustiado pelo homem guarda 7) A filha emocionou a mãe E 7) A mãe foi emocionada pela filha 8) A mãe desanimou a filha A 8) A filha foi desanimada pela mãe 9) O pai aborreceu o filho A 9) O filho foi aborrecido pelo pai 10) O ator irritou o menino E 10) O menino foi irritado pelo ator Desemp. = Desempenho A= acertou E =Errou Desemp. A A E E A A E E E E Desemp. A A E A A A A A E A HERMONT, Arabie Bezri. Compreensão de sentenças com vestígios de SN e de elemento-QU no agramatismo. Orientador: Celso Vieira Novaes. Rio de Janeiro: UFRJ/CLA/FL, 1999. Diss. Esta dissertação apresenta uma abordagem sobre o déficit seletivo na compreensão de sentenças com vestígios em afasia agramática. Para tanto, foram aplicados três tipos de testes próprios em estudos de afasiologia lingüística em uma paciente considerada afásica agramática. Os resultados obtidos foram discutidos à luz de duas propostas que visam a explicar tal déficit, a saber: Grodzinsky (1990, 1995b), que aponta uma hipótese de natureza extra-lingüística, e Hickok, Zurif e Canseco-Gonzalez (1993), que sugerem explicações de caráter estritamente lingüístico. As considerações realizadas no presente estudo contribuem para o enriquecimento no debate sobre o assunto. HERMONT, Arabie Bezri. Compreensão de sentenças com vestígios de SN e de elemento-QU no agramatismo. Orientador: Celso Vieira Novaes. Rio de Janeiro: UFRJ/CLA/FL, 1999. Diss. This dissertation presents an approach about the selective deficit in comprehension of sentences with traces in agrammatic aphasia. In order to do so, three kinds of proper tests in studies of linguistic aphasia were applied in one agrammatic aphasic patient. The results obtained were discussed under two proposals: Grodzinsky’s (1990, 1995b), that indicates an extra linguistic hypothesis, and Hickok, Zurif and Canseco-Gonzalez’s (1993), that suggests a strictly linguistic explanation. The considerations carried out in the present study contribute for the enrichment of the debate about this subject.