Programa de mestrado profissional em psicanálise, saúde e

Propaganda
UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM
PSICANÁLISE, SAÚDE E SOCIEDADE
LILIAN FAERTES NASCIMENTO
HUMANIZAÇÃO NO AMBIENTE HOSPITALAR À LUZ DA PSICANÁLISE
RIO DE JANEIRO
2013
LILIAN FAERTES NASCIMENTO
HUMANIZAÇÃO NO AMBIENTE HOSPITALAR À LUZ DA PSICANÁLISE
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós- graduação – Strictu sensu – Mestrado
Profissional em Psicanálise, Saúde e
Sociedade da Universidade Veiga de
Almeida, como parte dos requisitos para
obtenção do título de Mestre em
Psicanálise, Saúde e Sociedade. Linha de
Pesquisa: Subjetividade nas Práticas das
Ciências da Saúde.
ORIENTADORA: Profª Drª MARIA DA GLÓRIA SCHWAB SADALA
RIO DE JANEIRO
2013
DIRETORIA DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSU
E DE PESQUISA
Rua Ibituruna, 108 – Maracanã
20271-020 – Rio de Janeiro – RJ
Tel.: (21) 2574-8871 - (21) 2574-8922
FOLHA DE APROVAÇÃO
LILIAN FAERTES NASCIMENTO
HUMANIZAÇÃO NO AMBIENTE HOSPITALAR À LUZ DA PSICANÁLISE
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós- graduação – Strictu sensu – Mestrado
Profissional em Psicanálise, Saúde e
Sociedade da Universidade Veiga de
Almeida, como parte dos requisitos para
obtenção do título de Mestre em
Psicanálise, Saúde e Sociedade. Linha de
Pesquisa: Subjetividade nas Práticas das
Ciências da Saúde.
Aprovado em ___ de ________ de 2013.
Banca examinadora
___________________________________
Profª Drª Maria da Glória Schwab Sadala
Universidade Veiga de Almeida
___________________________________
Profª Drª Sonia Borges
Universidade Veiga de Almeida
___________________________________
Prof. Dr. Ademir Batista da Cunha
Universidade Federal Fluminense
À minha amada família.
AGRADECIMENTOS
Às minhas, infinitamente amadas, filhas, luzes de minha vida e razão absoluta
de tudo que construí até aqui.
Ao meu marido, companheiro de toda uma vida, que, através do próprio
exemplo, sempre me impulsionou no caminho do progresso nos estudos e na
busca de aprimoramento profissional.
Ao meu querido e saudoso pai, cuja tenacidade impressionante me ensinou a
sempre seguir em frente e jamais desistir de meus projetos.
À minha querida mãe, brava guerreira, que com sua tolerância soube
compreender minhas ausências decorrentes do mergulho nos meus estudos e
na escrita.
Ao meu grande companheiro Cauê, fiel cãozinho e escudeiro, cuja serena e
incondicional presença foi determinante para a minha perseverança.
Às minhas irmãs, pelo amor e apoio incondicional.
Às minhas grandes companheiras de mestrado, Andrea e Margareth, cujo
incentivo mútuo foi um grande motivador durante o mestrado.
Ao Instituto Nacional de Cardiologia que apostou no aprimoramento de políticas
de humanização no atendimento.
Aos meus companheiros do serviço de saúde mental do Instituto, pelo apoio e
motivação para a busca de novos conhecimentos.
Um agradecimento especial à minha orientadora, Profª Drª Glória Sadala,
grande mestra e incentivadora dos meus estudos.
Por fim, a todos que aqui não foram mencionados, mas que direta ou
indiretamente, contribuíram para o êxito desta jornada.
“Todos os dias, quando acordo,
vou correndo tirar a poeira da palavra amor”.
(Clarice Lispector)
.
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo constituir-se em uma contribuição teórica da
psicanálise para os profissionais de saúde, a fim de que possam entender a
importância da transferência na adesão ao tratamento dos pacientes que se
encontram em situação de internação hospitalar. A presente pesquisa aborda o
fenômeno da transferência como instrumento nas ações da política de
humanização, uma vez que este permite aprofundar a análise da relação
profissional e paciente, ressaltando a importância da singularidade. A
transferência atravessa todas as relações humanas e, por esta razão, entendese que ela esteja também operando nas relações que se estabelecem durante
a internação, podendo influir diretamente na condução e na adesão ao
tratamento. As formulações fundamentais sobre o conceito de transferência
realizadas no campo da psicanálise são apresentadas, considerando-se
especialmente as concepções teóricas de Sigmund Freud e Jacques Lacan. A
pesquisa ainda apresenta uma breve revisão das políticas públicas de saúde
no Brasil até a implantação da Política Nacional de Humanização.
Palavras-chave: humanização, transferência, psicanálise.
ABSTRACT
This work aims to establish a theoretical contribution of psychoanalysis to
health professionals, in order to understand the importance of transference for
the adherence of patients to treatment during hospitalization. This research
approaches the transference phenomenon as an instrument of actions of
humanization policies, once it allows a deeper analysis of the relationship
between professional and patient, emphasizing the importance of singularity.
Transference crosses all human relations and for this reason it is understood
that it is also operating in the relations that are established during hospital stay,
which can directly influence treatment driving and the adherence to it. The
fundamental formulations about the concept of transference conducted in the
field of psychoanalysis are represented, considering especially the theoretical
conceptions of Sigmund Freud and Jacques Lacan. The research also presents
a brief review of brazilian public health until the implementation of the National
Humanization Policy.
Key-words: humanization, transference, psychoanalysis.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 01 -
Fachada do INC em 1977 .......................................................... 19
Figura 02 -
Fachada do INC em 2013 .......................................................... 19
Figura 03 -
Artérias coronárias ..................................................................... 29
Figura 04 -
Cateterismo cardíaco ................................................................. 29
Figura 05 -
Válvulas cardíacas ..................................................................... 35
Figura 06 -
Grupo de pré-operatório infantil ................................................. 53
Figura 07 -
Grupo de pré-operatório infantil ................................................. 53
Figura 08 -
Questionário Anexo B ................................................................ 55
Figura 09 -
Questionário Anexo B ................................................................ 55
Figura 10 -
Questionário Anexo B ................................................................ 55
Figura 11 -
Questionário Anexo B ................................................................ 55
Figura 12 -
Questionário Anexo B ................................................................ 56
Figura 13 -
Questionário Anexo C ................................................................ 58
Figura 14 -
Questionário Anexo C ................................................................ 59
Figura 15 -
Questionário Anexo C ................................................................ 59
Figura 16 -
Questionário Anexo C ................................................................ 59
Figura 17 -
Programa de Tratamento do Tabagismo.................................... 62
Figura 18 -
Programa de Tratamento do Tabagismo.................................... 62
Figura 19 -
Programa de Tratamento do Tabagismo.................................... 62
Figura 20 -
Grupo de pré-operatório ............................................................ 63
Figura 21 -
Grupo de pré-operatório ............................................................ 63
Figura 22 -
Grupo de pré-operatório ............................................................ 63
Figura 23 -
Capa do manual do Paciente .................................................... 65
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CAP
Comunidade Ampliada de Pesquisa
CIA
Comunicação inter-atrial
CIPA
Interna de Prevenção de Acidentes
CNS
Conferência nacional de Saúde
GTH
Grupo de Trabalho de Humanização
INC
Instituto Nacional de Cardiologia
PNH
Política Nacional de Humanização
SUS
Sistema Único de Saúde
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 12
2 UMA UNIDADE DE CARDIOLOGIA NA REDE PÚBLICA DE SAÚDE....... 17
2.1 O Instituto, sua história e organização hospitalar ...................................... 17
2.2 Adoecimento mental e cardiopatias ........................................................... 22
2.3 O paciente cardiopata ................................................................................ 28
3 A POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO E A HUMANIZAÇÃO NO
AMBIENTE HOSPITALAR.......................................................................... 38
3.1 Breve histórico das Políticas Públicas de Saúde no Brasil......................... 38
3.2 A construção do Sistema Único de Saúde ................................................ 40
3.3 A humanização no atendimento e a Política Nacional de Humanização ... 43
3.4 A Política Nacional de Humanização ......................................................... 46
3.5 A Política Nacional e Humanização no Instituto ........................................ 51
4 A TRANSFERÊNCIA COMO INSTRUMENTO PARA A POLÍTICA DE
HUMANIZAÇÃO.......................................................................................... 68
4.1 Um pouco de história ................................................................................. 70
4.2 O inconsciente: breve percurso sobre o seu conceito ............................... 73
4.3 A Transferência .......................................................................................... 78
5 CONCLUSÃO .............................................................................................. 87
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................... 89
7 ANEXOS ...................................................................................................... 95
8 APÊNDICE ................................................................................................ 110
12
1 INTRODUÇÃO
Minha formação como psiquiatra, trabalhando também com portadores
de doenças clínicas desde cedo, me ofereceu diversas oportunidades de me
defrontar com a doença mental em suas mais variadas entidades nosológicas e
em diferentes graus de gravidade e prognóstico. Proporcionou-me conhecer
um pouco do funcionamento do sistema público de saúde.
Acreditando na forma globalizante de visualizar o ser humano, não
dissociada em corpo e mente, em 1987 fui trabalhar em um hospital de
Cardiologia da rede pública, hoje uma unidade de alta complexidade, logo no
início da proposta de implantação do Serviço de Saúde Mental nesta
Instituição. A princípio minha atividade como psiquiatra era voltada para
atendimento de pedidos de pareceres e interconsultas. Esse trabalho se
desenvolveu, na medida em que o hospital foi se tornando predominantemente
cirúrgico,
em
uma
rotina
sistematizada
de
avaliação,
preparo
e
acompanhamento de pacientes encaminhados para cirurgias cardíacas, essas
envolvendo os diversos grupos de cardiopatias, entre elas as coronarianas,
valvulares e lesões congênitas do coração.
Além de ter participado da construção do serviço de saúde mental do
Instituto e de responder por sua coordenação atualmente, tive a grata
oportunidade de me engajar, desde 2004, como representante do Instituto, na
Política Nacional de Humanização do Ministério da Saúde, voltada para as
práticas do Sistema Único de Saúde.
Para que fosse possível atender a demanda sempre crescente, a equipe
de saúde mental foi sendo acrescida de novos profissionais, entre psicólogos e
psiquiatras, organizando-se finalmente como um serviço de saúde mental,
adquirindo dentro do hospital um espaço próprio onde ocorrem também as
reuniões de equipe e discussões de casos. A equipe trabalha integrada com as
outras categorias funcionais, participando das reuniões clínicas nos diversos
departamentos e apostando na importância da interdisciplinaridade como a
melhor forma de aprimorar a assistência. Esta forma de trabalhar foi
determinante para a busca do mestrado profissional interdisciplinar.
13
Quanto à dinâmica de funcionamento do serviço, a equipe tem sempre
em mente a magnitude do significado do papel das emoções na participação e
na evolução das cardiopatias. Daí o atendimento a estes pacientes ter como
premissa básica, oferecer uma escuta voltada para sua vida pessoal, sua interrelação com a doença e de como está sendo vivenciado o momento de
enfrentar a internação e a cirurgia, situação essa, habitualmente acompanhada
de fantasias, dúvidas e temores, uma vez que envolve o órgão a que se atribui
não só o papel de centro da vida, mas também o de centro de nossos
sentimentos.
Ao atendimento individual, imprescindível no que se refere à
singularidade de cada paciente e de sua forma única e pessoal de vivenciar a
doença e a internação, foram sendo introduzidas diversas modalidades de
atendimentos em grupo voltados para os pacientes internados e para algumas
condições ambulatoriais.
Quanto aos pacientes internados, o serviço atende a adultos e crianças,
para
tratamento
cirúrgico
ou
clínico,
distribuindo-se
nos
diversos
departamentos, tentando manter os membros da equipe fixos nos mesmos, a
fim de que possam dar continuidade aos atendimentos instituídos e manter
preservada a relação terapêutica.
Na cirurgia cardíaca, o trabalho desenvolve-se basicamente em duas
etapas: o preparo pré-operatório e o acompanhamento pós-operatório.
Quando possível, e de acordo com a demanda, o preparo pré-operatório
é feito individualmente e, independentemente disso, os pacientes participam
voluntariamente
do
grupo
de
preparo
pré-operatório,
que
acontece
regularmente toda semana, em um espaço denominado sala de convivência,
uma das grandes conquistas do grupo de trabalho de humanização no hospital,
onde os pacientes podem interagir, conversar, jogar, ver televisão e receber
visitas, entre outras atividades, inclusive grupais e interdisciplinares. Na medida
em que o grupo vai se desenvolvendo e pelas técnicas com as quais é
conduzido, percebe-se que os pacientes ficam cada vez mais à vontade para
se colocarem.
Nestes grupos de pré-operatório, os pacientes têm a possibilidade de
manusear equipamentos aos quais estarão ligados quando despertarem da
14
cirurgia, sendo estimulados a colocarem suas dúvidas, medos e fantasias
acerca dos procedimentos pelos quais passarão, bem como se cuidar a partir
daquele momento. Com muita frequência surgem questões sobre sexualidade,
relações familiares, alimentação, risco de vida e possibilidades futuras, entre
outras questões.
Esta modalidade de atendimento em grupo oferece uma oportunidade
especial para o exercício da interdisciplinaridade, uma vez que nele se
encontram diversas categorias funcionais trabalhando em conjunto, na tentativa
de melhor compreender e assistir ao paciente. Esta participação dos diversos
profissionais é permanentemente estimulada, o que facilita e aprimora muito a
comunicação.
São realizados, em espaço e horário próprios, grupos específicos para
os familiares dos pacientes cirúrgicos, para que eles também possam colocar
suas questões.
No pós-operatório, tanto na unidade fechada quanto na enfermaria, os
acompanhamentos são mantidos para aqueles que já vinham sendo
acompanhados, bem como podem ser instituídos para aqueles que venham a
ter indicação neste momento.
O atendimento aos pacientes internados nas enfermarias e em algumas
unidades fechadas se inicia a partir de solicitação de qualquer um dos
membros da equipe de saúde, sendo que por diversas vezes a demanda parte
do próprio paciente ou de um familiar, estabelecendo-seassim a avaliação e o
acompanhamento.
Após
a
avaliação
inicial,
os
pacientes
passam
a
receber
acompanhamento sob a forma de visitas diárias, focalizando especialmente as
ansiedades, fantasias, preocupações e expectativas trazidas por cada um,
buscando-se uma melhor evolução emocional diante das várias etapas
envolvidas no contexto do adoecer. Com frequência, se evidenciam outras
situações de sofrimento, pregressas à internação, que são assistidas, na
medida do possível, durante a hospitalização e que recebem encaminhamento
para prosseguimento ambulatorial.
No serviço voltado para atendimento de crianças e adolescentes, devido
à sua especificidade, foram implementadas práticas próprias que envolvem o
15
atendimento individual aos pacientes, seus pais e acompanhantes, bem como
também trabalhos em grupo. Nesse serviço, os grupos de preparo préoperatório envolvem crianças e familiares que tem a oportunidade de vivenciar
juntos a experiência cirúrgica, com as crianças vestindo-se de cirurgiões e
brincando de operar bonecos preparados para este fim, abrindo a possibilidade
de que possam perceber e expressar através do brincar, os múltiplos
sentimentos envolvidos.
Mais recentemente, foi estabelecido o atendimento regular aos pacientes
que aguardam transplante cardíaco. O atendimento se estabelece tão logo
recebem a indicação de serem transplantados, tendo profissionais da equipe
de saúde mental trabalhando junto com a própria equipe do serviço de
transplante do Instituto.
Além do atendimento voltado para os pacientes internados, são
realizados atendimentos ambulatoriais específicos, voltados para o tratamento
do tabagismo e para aqueles que ingressam no programa de reabilitação.
Face aos frutos decorrentes do trabalho sistematizado da equipe de
saúde mental e de sua participação ativa na dinâmica de funcionamento do
hospital, diversas propostas de aprimoramento do atendimento e refinamento
da comunicação foram incorporadas às demandas do grupo de trabalho de
humanização do Instituto, por serem consideradas bastante identificadas com a
Política Nacional de Humanização, que será mais amplamente discutida nesta
pesquisa. Como assinalado anteriormente, esta política é voltada para a prática
dos preceitos preconizados pelo Sistema Único de Saúde, que apesar de
trabalhar em ações voltadas para o coletivo, tem como enfoque um olhar
totalmente voltado para o paciente em sua singularidade, apontando para a
importância de seus valores próprios, crenças e sua inserção na cultura,
considerando fundamental a valorização de sua forma absolutamente particular
de experimentar o adoecimento e os seus desdobramentos. Este enfoque,
muito identificado com minha maneira de pensar e exercer meu trabalho me
estimulou a pesquisar a questão da humanização à luz da psicanálise, através
de um dos seus principais operadores que é a transferência.
Esta pesquisa tem como eixo norteador a seguinte hipótese: a Política
Nacional de Humanização (PNH) pressupõe o fenômeno da transferência em
16
suas ações, embora sem explicitá-lo, uma vez que esta política surgiu no
campo específico da medicina. A transferência é um conceito formulado no
campo da psicanálise, mas que pode ser utilizado para compreender o que se
passa nas relações profissionais de diferentes práticas.
17
2 Uma Unidade de Cardiologia da Rede Pública de
Saúde
O presente capítulo versa sobre o Instituto Nacional de Cardiologia,
unidade da rede pública de saúde, focalizando sua organização, o corpo de
trabalhadores e sua distribuição, as formas de atendimento, o desenvolvimento
do trabalho até o momento e a integração entre as suas equipes.
Aborda também, os principais grupos de cardiopatias e seus portadores,
ressaltando a relevância de que sejam olhados de forma única e particular
diante da vivência do adoecimento do coração, órgão que, por si só, já guarda
múltiplos significados. Pontua ainda suas correlações com a esfera emocional.
Por fim, faz um percurso sobre a implantação do Serviço de Saúde
Mental do Instituto, falando sobre sua composição e dinâmica de trabalho.
2.1 O INSTITUTO, SUA HISTÓRIA E ORGANIZAÇÃO HOSPITALAR
O Instituto Nacional de Cardiologia (INC) pertence à rede hospitalar
pública federal e é oriundo do antigo Hospital Nossa Senhora das Vitórias,
tendo sido fundado em 1973 com o nome de Hospital de Clínicas de
Laranjeiras, onde funcionava a Casa da Comerciária. Localiza-seem um prédio
de 20 mil metros quadrados no bairro de Laranjeiras, na cidade do Rio de
Janeiro, e oferece serviços diferenciados na investigação diagnóstica e no
tratamento das doenças cardiovasculares
Foi construído verticalmente, em doze pavimentos, aproveitando a
estrutura física de um pensionato, sendo, portanto, uma unidade de construção
adaptada, porém, nem por isso mal instalada.
Tornou-se Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras em maio de
2000, passando a ser considerado em 2004, como o centro de referência em
Doenças Cardiovasculares do Ministério da Saúde. Abraçou a causa de
avançar em estratégias de humanização e respeito aos direitos do paciente.
Devido à sua participação ativa no processo de implantação da Política
Nacional de Humanização, pouco tempo depois, foi escolhido como seu projeto
18
piloto. Posteriormente, passou a chamar-se Instituto Nacional de Cardiologia,
focalizando o seu papel de relevância nacional.
Seu contingente é de, aproximadamente, mil e setecentos trabalhadores.
Destes, muitos são médicos especialistas, tais como cardiologistas clínicos,
cardiologistas pediátricos, hemodinamicistas, cirurgiões cardiovasculares,
anestesistas,
pediatras,
clínicos
intensivistas,
radiologistas,
psiquiatras,
neurologistas, pneumologistas, nefrologistas, hematologistas, entre outros.
Conta com o trabalho imprescindível de diversas categorias profissionais, além
dos médicos e enfermeiros, com psicólogos de múltiplas formações,
assistentes sociais, fisioterapeutas, nutricionistas e terapeutas ocupacionais,
acreditando na importância da interdisciplinaridade.
O Instituto conta com cerca de 150 leitos ativos, entre enfermarias de
adultos e crianças, unidades de terapia intensiva e de pós-operatório, com
projeto de expansão de novos leitos.
Seu organograma mostra, no ápice, a Direção e, ligadas diretamente a
ela, as Coordenações às quais, por sua vez, estão ligados os departamentos e
os serviços.
Apresenta uma coordenação específica de Ensino e Pesquisa e oferece
anualmente vagas para residência médica e estágio, inclusive multiprofissional,
e vem buscando reconhecimento de sua qualidade por meio do processo de
acreditação hospitalar.
A acreditação hospitalar é uma certificação de qualidade que é fornecida
para instituições de saúde baseada em métodos de avaliação periódicos. Estes
consideram padrões previamente definidos, tendo como objetivo garantir a
qualidade da assistência.
“A acreditação propicia um compromisso visível, por parte da
instituição, de melhorar a segurança e a qualidade do cuidado
ao paciente, garantir um ambiente seguro, e trabalhar
constantemente para reduzir os riscos ao paciente e aos
profissionais”.
(CONSÓRCIO
BRASILEIRO
DE
ACREDITAÇÃO, 2005, p.1).
Sua atividade principal consiste em oferecer assistência em cardiologia
de alta complexidade que inclui prevenção, diagnóstico, tratamento clínico-
19
cirúrgico das afecções cardiovasculares e reabilitação cardíaca. Tornou-se um
centro de referência do Ministério da Saúde para a realização de treinamento,
pesquisa e formulação de políticas de saúde.
O Instituto Nacional de Cardiologia considera como sua Missão:
"Promover a saúde cardiovascular, formar profissionais, desenvolver e
disseminar conhecimentos e tecnologias para o desenvolvimento social e
econômico do país" (INSTITUTO NACIONAL DE CARDIOLOGIA, 2013). Sua
Visão: "Ser referência nacional em atenção cardiovascular, com excelência na
assistência, ensino e pesquisa, desenvolvimento tecnológico e na gestão em
saúde, sendo centro de formulação de políticas para a prevenção e terapia
cardiovascular no país” (idem, ibidem). Tem como seus Valores: “Ética /
Qualidade / Responsabilidade Social /Humanização / Gestão Participativa”
(idem, ibidem).
O Instituto é voltado ao atendimento ambulatorial e de internação para
aqueles pacientes que são encaminhados pela rede pública, portadores de
cardiopatias mais complexas e necessitando de tratamento especializado
através de equipamentos e procedimentos mais elaborados, originários não
sódo Rio de Janeiro, mas também do outros estados.
Por sua estrutura vertical, o Instituto se distribui da seguinte forma: o
ambulatório se localiza no térreo e presta atendimento àqueles pacientes já
matriculados e em acompanhamento no Instituto (Figuras 01 e 02).
20
Na sobreloja funciona a radiologia e o Serviço de Hemodinâmica, onde
são realizados os procedimentos de cateterismo, incluindo a realização de
angioplastias e plastias valvulares, entre outros.
No segundo andar localiza-se a Direção e toda a administração do
hospital, seguida dos métodos complementares, a grande maioria, localizados
acima, no terceiro andar do prédio.
São denominados métodos complementares aqueles que compreendem
os exames para avaliação diagnóstica, de alta tecnologia, que propiciam
orientação para os melhores cursos terapêuticos para cada paciente, entre eles
a ecocardiografia, a cintilografia miocárdica e o teste de esforço, além de
equipamentos para monitoramento e avaliação de Hipertensão Arterial e
arritmias cardíacas.
O quarto andar é ocupado pelo Serviço de Cardiopediatria da Infância e
da Adolescência, onde ficam internados os pacientes menores, com o
acompanhamento de familiares. É distribuído em enfermaria clínica e unidade
de pós-operatório, tendo também repouso para os acompanhantes, auditório e
brinquedoteca ampla e muito bem equipada. Acima, no quinto andar, localizase a Coordenação de Ensino e Pesquisa, com auditório para aulas e ambientes
específicos para pesquisa, inclusive em células-tronco.
A partir daí, subindo, encontram-se os serviços voltados para os
pacientes adultos, entre enfermarias e unidades de terapia intensiva. As
enfermarias, localizadas no sétimo, oitavo e nono andares, são mistas,
acolhendo homens e mulheres, distribuídos de acordo com a patologia principal
da qual o paciente é portador, possuindo cores distintas, o que transforma o
ambiente em mais acolhedor e menos uniforme e facilita ao próprio paciente e
seus familiares a localizar-se melhor enquanto internado.
Durante a internação, eles são acompanhados pela equipe de saúde e
orientados sobre o seu tratamento e suas possibilidades clínicas também por
residentes e estagiários, mantidos em supervisão permanente.
No sexto, décimo e décimo primeiro andares, encontram-se as unidades
fechadas, de tratamento intensivo, onde os pacientes são internados de acordo
com a sua condição clínica ou cirúrgica.
21
Finalmente no décimo segundo andar, encontra-se a biblioteca e um
grande auditório onde ocorrem as sessões clínicas, cursos e os eventos
maiores, incluindo as atividades voltadas para os próprios pacientes, inclusive
aqueles direcionados para a prevenção e o tratamento do tabagismo, entre
outros.
Os pacientes atendidos no Instituto, como já pontuado, recebem o
atendimento simultâneo das diversas categorias funcionais que compõem o
corpo de saúde, contando também com o corpo de trabalhadores
administrativos, aqueles especializados em tecnologia da informação e
profissionais responsáveis pela alimentação, pela vigilância e pela limpeza.
A equipe de saúde procura trabalhar de forma integrada, participando
não só de reuniões para discussão de casos, bem como fazendo atendimentos
em grupo e aos familiares, propondo ainda, através de parcerias, os
encaminhamentos dos pacientes enquanto internados e após a sua alta
hospitalar.
O Instituto preserva um grupo de trabalho de humanização, desde o
início desse movimento a nível federal, que se reúne regularmente, fazendo
parte da câmara técnica de humanização do Ministério da Saúde. O grupo
participa dos processos de trabalho do Instituto, servindo de elemento de
ligação entre a unidade e a equipe que gerencia a política nacional de
humanização, participando das atividades por ela desenvolvidas.
Graças à participação ativa e persistente deste grupo no aprimoramento
do atendimento, várias conquistas foram alcançadas tais como as salas de
convivência para pacientes, com televisão, revistas e jogos, tentando reduzir a
solidão e o isolamento durante a internação. Partiu também deste grupo, o
movimento de conscientização da importância da identificação da equipe de
saúde para cada paciente, permitido que a assistência realmente se transforme
em uma relação individualizada. Mais recentemente, este grupo de trabalho
teve uma conquista há muito tempo almejada: a construção e a distribuição de
um manual de orientação ao paciente internado.
Este manual é entregue ao paciente logo que chega para a internação e
fornece informações próprias à sua permanência no hospital, abrindo-se, a
22
partir daí, o convite para que possam discutir melhor suas questões,
estimulados pelo que vêm contemplado nesse texto.
2.2 ADOECIMENTO MENTAL E CARDIOPATIAS
Ao longo da história, o atendimento ao adoecimento mental passou por
várias fases, marcadas pela rejeição social e pelo isolamento. Em um primeiro
momento, a loucura foi cercada pela superstição e pelas ideias mágicas,
levando a sociedade a abandonar ou a punir seus portadores.
A seguir, o adoecer psíquico passou a ser isolado e agrupado, criandose instituições com esse fim, os asilos, destinados àqueles tidos como
incuráveis que ali eram mantidos afastados e não poderiam mais ameaçar à
sociedade. Esses estabelecimentos não tinham como objetivo a reintegração
desses indivíduos à sociedade ou qualquer outra finalidade terapêutica,
reforçando ainda mais a alienação e a exclusão.
Somente no final do século XVIII, a partir de Phillipe Pinel entre outros
expoentes da psiquiatria francesa, defende-se uma nova concepção de
loucura, que passa então a denominar-se como doença mental.
Mais tarde, com o desenvolvimento da psiquiatria esses conceitos foram
se aprimorando, surgindo hospitais psiquiátricos específicos, onde os doentes
submetiam-se a diversas modalidades de tratamento.
Durante muito tempo a psiquiatria, enquanto especialidade médica, foi
considerada como forma de trabalho “à parte”, isolada, de maneira semelhante
àqueles doentes aos quais se dedicava.
Na medida em que o desenvolvimento científico foi progredindo e
ampliando os recursos diagnósticos e de tratamento, tornou-se cada vez mais
clara a íntima relação corpo-mente, o que fez com que não mais se admitisse a
visão setorizada do indivíduo. Houve uma compreensão maior do ser humano
como uma totalidade, com seus órgãos diretamente relacionados com sua
mente e vice-versa, já se vislumbrando esta inter-relação como determinante
das condições de saúde ou doença do indivíduo.
Esta visão globalizante levou auma maior aproximação entre a
psiquiatria e a medicina, permitindo à primeira ser, finalmente, respeitada
23
enquanto especialidade. O ato de isolar os pacientes perde o sentido e esses
passam a ser considerados doentes como quaisquer outros, passíveis e
merecedores de tratamento.
A partir daí surge o posicionamento, intensificado na década de oitenta,
de
proporcionar
aos
doentes
mentais,
aos
portadores
de
queixas
psicossomáticas e àqueles com sofrimento emocional das mais diversas
formas, um espaço dentro dos hospitais gerais, enfocando-se o cuidado
integral do indivíduo. Isto, porsua vez, gerou um olhar diferenciado para
aqueles que, ao buscarem tratamento para doenças clinicas, apresentassem
também sofrimento emocional, propiciando a eles um acompanhamento
especializado.
Ao longo da história, o enfoque dado ao adoecer foi marcado pelasmais
diversas maneiras de conceituar e abordar as doenças e seus portadores. O
filósofo francês Michel Foucault (1998), em seu livro O Nascimento da Clínica,
aponta para uma mudança radical na forma de lidar com a doença e o doente a
partir do fim do século XVIII e início do XIX.Em sua obra é possível perceber o
desenvolvimento a partir da medicina clássica, baseada na história natural,
para a medicina moderna, baseada em princípios biológicos, onde o saber
médico se estrutura na clínica, em um olhar sobre os sintomas e signos
apresentados pelo corpo doente, de forma individual. Analisa a doença de
forma mais ampla, a partir de uma mudança no discurso médico.
Foucault (ibidem) faz um histórico conceitual acerca do pensamento
médico. Este passa de uma visão meramente nosográfica, no final do século
XIX, para uma visão clínica, através de um olhar voltado para o corpo doente,
para além de vê-lo como um mero portador de doença, de maneira puramente
classificatória, situando a linguagem médica na experiência do que é visto e
percebido. Observa que o enfoque da medicina moderna é na busca do
conhecimento sob o aspecto do olhar e de sua articulação com a linguagem,
utilizada como instrumento daquilo que é percebido ao visualizar o corpo
doente de maneira particular. Focaliza uma nova leitura sob o aspecto do olhar
e de sua articulação com a linguagem no discurso médico. O olhar médico
passa a ser voltado para a observação cuidadosa do doente, para o estudo dos
casos de forma individualizada, o que permite, inclusive, que através dessa
24
medicina moderna o indivíduo entre em contato com uma melhor compreensão
acerca de sua finitude.
Essa rutura da medicina clássica para a moderna enuncia a evolução de
uma medicina restrita a classificar as doenças, para outra onde o foco é cada
caso de forma individual. É neste período que desponta a clínica médica,
determinando
mudanças
fundamentais
no
desenvolvimento
de
novos
conhecimentos, bem como no exercício de novas práticas.
“O que caracteriza esta reforma é que a reequilibração da
medicina em torno da clínica é correlata de um ensino teórico
ampliado. No momento em que se define uma experiência
prática feita a partir do próprio doente, insiste-se na
necessidade deligar o saber particular a um sistema geral de
conhecimentos’’. (FOUCAULT,1998, p.80).
O surgimento da medicina clínica, portanto, aponta para mudanças nas
dimensões fundamentais do saber. Ao passar a conduzir-se para o foco no
doente de maneira individual, propicia-se ao mesmo que esse possa ser visto
para além da doença da qual é portador. Esse olhar clínico passa a dirigir-se
para o conjunto de sinais e sintomas (para o indivíduo enquanto doente),
transformando o que é percebido em linguagem. Enfim, o que é percebido
através do exercício da clínica, vai muito além, propiciando, que possam ser
vistos os significados do que é percebido, na relação que se estabelece com o
doente.
Desse modo, a medicina deixa de ser meramente morfológica,
permitindo, através da linguagem, que sejam descortinados os significantes
daquilo que é percebido por meio de um novo olhar da medicina. A medicina
moderna, tal como Foucault (1998) conceitua, se baseia num olhar médico,
numa observação de sintomas e signos, com capacidade para intervir e decidir
sobre os encaminhamentos a serem propostos para o doente.
“A formação do método clínico está ligado à emergência do
olhar do médico nocampo dos signose dos sintomas. O
reconhecimento de seus direitos constituintes acarreta o
desaparecimento de sua distinção absoluta e o postulado que
doravante o significante (signo e sintoma) será inteiramente
transparente ao significado que aparece, sem ocultação ou
resíduo, em sua própria realidade e que o ser do significado - o
25
coração da doença - se esgotará inteiramente na sintaxe
inteligível do significante’’. (FOUCAULT, 1998, p.102-103).
O pensamento de Foucault (ibidem), especialmente na obra O
Nascimento da Clínica, se constitui em instrumento de imensa valia para
aqueles que pensam acerca dos processos de aprimoramento na humanização
do atendimento, porque ajuda a refletir sobre o papel que o profissional de
saúde deve desempenhar junto às políticas de saúde na contemporaneidade.
Portanto, é possível verificar que o conceito de integralidade do ser
humano vem se aprimorando ao longo dos anos e se dirigindo para a
identificação da importância da valorização do sujeito, enquanto singular,
diante de sua história, crenças e vivências pessoais. Reforça por sua vez,
ainda mais, os fundamentos defendidos pelas políticas de humanização,
focalizando o doente em vez da doença de forma generalizada.
Muito se caminhou e avançou, até que fosse possibilitado àquele que
portasse qualquer transtorno psíquico ser tratado em condições de igualdade,
juntamente com doentes portadores de outras entidades clinicas. Diversas
barreiras precisaram ser ultrapassadas para que quadros de comorbidades
clínicas, incluindo-se aqui as doenças cardíacas e psiquátricas pudessem ter
acesso equalitário em hospitais clínicos. Daí todo o movimento criado por
profissionais de saúde mental para que fossem instituídos serviços com
especialistas nessa área em hospitais gerais, inaugurando uma nova
abordagem ao doente de modo mais amplo.
Em relação às cardiopatias, ao longo do tempo, elas tenderam a ser
direta ou indiretamente relacionadas às condições psíquicas.
Para Aristóteles, médico e filósofo, o coração seria o centro das
emoções humanas.
Essa ideia foi modificada por Hipócrates, considerado o pai da medicina
por lidar com a doença em termos científicos, ao eleger o cérebro como o
centro das funções mentais e suas patologias.
No caso de coronariopatas e cardiopatas, de forma geral, poderia se
dizer que o “coração aristotélico” teria ainda sua atualização representativa,
uma vez que até hoje a dor no peito é, com frequência, relacionada pelos seus
portadores a situações emocionalmente dolorosas e que envolvem casos de
26
perdas e eventos inesperados. São frequentes os quadros depressivos e
ansiosos nesses pacientes. Somente em meados do século XX as síndromes
depressivas começam a ser melhor delineadas. E conforme nos diz Cordás
(2002):
“De fato, o homem sempre sofreu de depressão, talvez a mais
íntima, a mais familiar de todas as doenças mentais. (...) Já
muitos séculos antes de teorias etiopatológicas em Psiquiatria
e das primeiras tentativas nosológicas, o ser humano sofria, e
por vezes, desistia de continuar existindo em função da dor que
dilacerava sua alma”. (idem, ibidem, p.13).
Sigmund Freud, em 1917, publica sua obra Luto e Melancolia,
relacionando elementos causais para determinados estados psíquicos. Aponta
as diferenças entre o luto e a melancolia, focalizando em ambos o sentimento
de perda de interesse pelo mundo que cerca o indivíduo. No luto, a perda do
objeto seria real, enquanto na melancolia esta não representaria perdas reais,
mas sim representações de perda de objetos amorosos.
É importante que nos detenhamos um pouco nessas formulações
freudianas, relacionando-as aos pacientes envolvidos neste trabalho. Ao
adoecer, a vivência de perda da saúde (importante objeto amoroso) com a qual
o indivíduo comumente se defronta, é somada à vivência de perda de controle
sobre seu corpo (através de métodos investigativos invasivos, cirurgia,
restrição dietética e prescrições medicamentosas). E ainda, à sensação de
perda de seu controle na vida social, familiar e profissional (com a internação, e
a consequente interrupção da vida profissional e da rotina familiar). Acrescentase a isso a presença frequente de sentimentos de impotência de diversas
proporções diante dessas vivências, sendo possível correlacioná-las às
condições favoráveis para o desencadeamento de sintomas ansiosos e
depressivos que podem instalar-se, desde quadros leves a severos de
ansiedade e depressão.
A
partir
da
instalação
da
cardiopatia,
do
diagnóstico
e
dos
encaminhamentos terapêuticos, o paciente pode adquirir uma visão negativa
de si mesmo, de suas experiências atuais e do futuro, necessitando de
acompanhamentopela equipede saúde mental.
27
Além disso, como parte do tratamento das cardiopatias, incluem-se o
uso de medicamentos, mudança de hábitos (dieta, exercícios, etc.), até a
realização de procedimentos invasivos e de alta complexidade, assim como
cirurgias, submetendo-se estes pacientes a diversas situações estressantes
que favorecem o aparecimento ou a acentuação de transtornos na esfera
psíquica.
A
literatura
aponta
para
diversas
manifestações
emocionais
apresentadas por pacientes portadores de cardiopatias agudas ou crônicas, em
acompanhamento clínicoou cirúrgico, envolvendo várias estruturas e funções
do coração. Por isso a importância de oferecer a estes pacientes um
atendimento especializado, com uma escuta voltada para estas situações
cruciais em suas vidas.
No que se refere às coronariopatias, a doença arterial coronariana é
atualmente a principal causa de morte em todo o mundo. Sabe-se que estaria
frequentemente relacionada à existência de um tipo de personalidade prémórbida e que a ansiedade e a depressão estão intimamente associadas a ela,
apresentando elevada prevalência e sendo um determinante de evolução
negativa nesse contexto, de forma independente dos fatores de risco
tradicionais.
A depressão tem sido também implicada como um importante fator de
risco de morbidade no pós-operatório de cirurgia de revascularização do
miocárdio, tanto imediato quanto tardio. No estudo de Blumenthal (2003), foi
demonstrado um aumento de duas vezes da mortalidade pós-operatória em
pacientes com depressão moderada a grave. Mallik et.al. (2005) demonstraram
uma associação interdependente entre depressão no pré-operatório e falta de
benefícios funcionais seis meses após a cirurgia de revascularização. Os
resultados desses estudos sugerem a necessidade de identificar e manejar
adequadamente os pacientes com depressão, monitorando-a e tratando-a
quando necessário.
Por sua complexidade, as cirurgias cardíacas, entre elas a de
revascularização, tem riscos inerentes, como complicações infecciosas,
hemorrágicas, do ritmo cardíaco, dentre outras. Estas podem influenciar
negativamente o humor do paciente, que já pode se encontrar deprimido pela
28
própria doença, pela internação, pela cirurgia e processos pós-operatórios,
como a internação em unidade de tratamento intensivo. Devido a isso, torna-se
imperativa a abordagem precoce das queixas emocionais nestes pacientes,
com o objetivo de impedir que as mesmas causem impacto negativo no
tratamento e no prognóstico.
Vale assinalar a contribuição fundamental da política de humanização
para o aprimoramento deste atendimento, voltado para as condições psíquicas,
bem como para as possíveis intercorrências clínicas enfrentadas pelos
pacientes neste percurso.
2.3 O PACIENTE CARDIOPATA
O papel do coração diante de sua função vital para o ser humano vem
carregado de simbologia e, para ilustrar isso, existem diversos ditos populares
que traduzem a correlação direta que se costuma fazer entre ele e os
sentimentos. Expressões como “Estou com o coração pequenino”, “Você mora
bem aqui, do lado esquerdo do peito”, “Estou dizendo isso, do fundo do meu
coração”, “Ele tem um grande coração”, entre outras, traduzem estes
sentimentos.
“A cardiologia é o ramo da medicina que se defronta com o
adoecer de um órgão do corpo cuja representação para a
maioria dos homens, de todas as culturas e em todas as
épocas, é muito mais extensa do que aquela que a ciência
reconhece e lhe atribui. Para além do prescrito pelo discurso
científico objetivo sobre suas funções, o coração ainda é a
fonte da vida, das emoçõesmais profundas, do amor e do ódio”.
(GOMES, 2003, p.5)
Na rotina diária de atendimento a estes pacientes não é incomum,
deparar-se com as condições de desamparo enorme em que muitos se
encontram, pelas mudanças, às vezes de grande porte, com que se defrontam
a partir do seu adoecimento físico, da internação e da grande quantidade de
procedimentos, inclusive os invasivos, a que são submetidos.
Para que o universo do cardiopata seja melhor entendido, torna-se
importante tecer algumas considerações sobre as doenças cardíacas
29
abordadas e as suas possíveis correlações com os aspectos psíquicos
envolvidos em cada uma delas. Entre os principais grupos de patologias
atendidas no Instituto estão as coronariopatias, valvulopatias, cardiopatias
congênitas, miocardiopatias, a hipertensão arterial e as arritmias cardíacas.
Além da assistência a estas patologias, existem especificidades voltadas para
o programa de transplante cardíaco, aonde a equipe de saúde mental também
vem se dedicando a atender.
Meu foco de trabalho no hospital é a doença coronariana, a qualdecorre
de um comprometimento das artérias coronárias que são as responsáveis pelo
suprimento de sangue e oxigênio para o músculo cardíaco (denominado
miocárdio). Isso acontece devido a três mecanismos básicos que podem ser
isolados ou associados. Podendo ocorrer por obstrução das artérias envolvidas
devido a arteriosclerose, por episódios de espasmos ou presença de coágulos
intra-coronarianos, fatores esses, que podem ocasionar lesões transitórias ou
definitivas ao coração (vide figuras 03 e 04).
A doença apresenta-se basicamente de duas maneiras: através da
angina de peito e do infarto agudo do miocárdio.
Na angina de peito, o quadro se manifesta através de episódios de dor
precordial importante, necessitando de uso regular de medicamentos e controle
constante dos fatores de risco, para evitar as crises e a evolução da doença.
30
O infarto agudo do miocárdio também é decorrente de uma alteração no
suprimento do músculo cardíaco, mas ao contrário da anterior, se origina de
comprometimento agudo e prolongado nesse suprimento, levando a dor
intensa e lesão permanente da região atingida.
Na maioria dos casosos quadros se manifestam com sintomatologia
importante e típica, embora em alguns os sintomas possam ser leves e até
imperceptíveis, detectados somente em episódios dolorosos posteriores.
Tal como na angina, os pacientes que sofreram infarto necessitam se
manter sob cuidado permanente para evitar novos episódios, que podem se
constituir realmente em maior risco para suas vidas.
Essa doença já foi amplamente avaliada quanto à sua correlação com
fatores emocionais, estes atualmente considerados tão significativos quanto os
demais fatores de risco tais como: fumo, hipertensão, hipercolesterolemia e
diabetes, entre outros. Inúmeras variáveis psíquicas estariam presentes no
adoecimento físico, como sentimentos de ansiedade, medo, raiva e
competitividade podendo estar envolvidos nesse processo.
O paciente com potencial para desenvolver a doença coronariana seria,
especialmente, aquele investido de sentimentos de responsabilidade excessiva
e apresentaria um tipo de comportamento que teria valor preditivo para o
desenvolvimento da doença e suascomplicações.
Os autores Rosenman & Friedman (1974) formularam, há mais de 20
anos, uma classificação de personalidades onde desenvolveram o conceito de
comportamento tipo A, conceituação essa interessante de se tecer breves
comentários.
Segundo esses autores, as características típicas do comportamento
tipo
A
incluiriam
agressividade,
competitividade,
ambição,
inquietude,
direcionamento para o sucesso, impaciência e devoção ao trabalho. Além
disso, seriam aqueles que lutariam vigorosamente na perseguição de uma
meta e apresentariam um subjetivo senso de urgência e tendência à
hostilidade,
habitualmente
acompanhados
de
discurso
e
gesticulação
compatíveis com esses sentimentos. Para ilustrar isto, seguem alguns
exemplos de falas de pacientes obtidas em atendimentos no Instituto:
31
“Eu não posso ficar (internado) doutora. Tenho um contrato urgente para
fechar”.
“Eu já percebi tudo. Já entendi porque estamos aqui. Somos nós os
para-raios”.
“De tudo; nós é que temos que dar conta de tudo... Nós somos iguais...”
“Imagine se o senhor não estivesse aqui hoje, hein? Ia ficar com isso
guardado e ia passar mal”.
“Deixar de controlar tudo é que é o problema!”
“Eu também sou jeitoso, só que agora dependo de filho para pegar
escada, mulher para pegar coisas para mim...”.
Pontua-se, no entanto, que como o comprometimento coronariano se
constitui essencialmente em uma doença multifatorial, a ausência dessas
características comportamentais típicas não excluiria, em absoluto, a
possibilidade de a pessoa vir a apresentar a doença.
Ao contrário de outras, a doença coronariana acomete o paciente de
forma súbita e, muitas vezes, sem manifestações prévias importantes,
atingindo pessoas frequentemente em pleno desenvolvimento de suas
atividades físicas e intelectuais, representando com isso, um duro golpe no
narcisismo, obrigando-as a se defrontar de maneira abrupta e dolorosa com a
falibilidade
de
seu
corpo.
Trazendo
com
isso
a
possibilidade
de
desestabilização de sua estruturação egóica e o surgimento de quadros
agudos de sofrimento na esfera psíquica.
O narcisismo se constitui em um importante conceito para a psicanálise,
cujo termo se origina do mito grego de Narciso, que por rejeitar a jovem que
tanto o desejava, recebeu como castigo apaixonar-se por sua própria imagem,
culminando por afogar-se buscando alcançá-la. “Por referência ao mito de
Narciso, é o amor pela imagem de si mesmo” (LAPLANCHE & PONTALIS,
2001, p.287).
Sob o olhar psicanalítico, o narcisismo se constitui em uma maneira
particular de relação com a sexualidade, não representando necessariamente
uma situação patológica, mas também funcionando como um protetor do
32
psiquismo. Representaria na realidade um movimento necessário entre o
autoerotismo e o amor objetal.
Sigmund Freud publicou em 1914b o texto Sobre o narcisismo: uma
introdução, no qual discute as origens do narcisismo, distinguindo dois tipos: o
primário e o secundário.
O narcisismo primário se constituiria em uma fase autoerótica,
representando um primeiro movimento de satisfação libidinal, aonde o bebê
busca satisfação no próprio corpo, não tendo ainda uma percepçãode sua
diferenciação real do mundo. No narcisismo secundário, o bebê já consegue
diferenciar seu corpo do mundo externo, já ocorrendo um investimento libidinal
parcial dirigido para a mãe e seu seio que vai evoluindo para fazer-se amar
pelo outro. Segundo Freud (ibidem):
“(...) presumimos que ambos os tipos de escolha objetal
estão abertos a cada indivíduo, embora ele possa mostrar
preferência por um ou por outro. Dizemos que um ser
humano tem originalmente dois objetos sexuais - ele próprio
e a mulher que cuida dele - e ao fazê-lo estamos postulando
a existência de um narcisismo primário em todos, o qual, em
alguns casos, pode manifestar-se de forma dominante em
sua escolha objetal”. (idem, ibidem, p.104).
O narcisismo seria, portanto, decisivo para determinar como a
pessoalidaria com o próprio corpo e nas relações com o outro, bem como com
o surgimento de doenças, especialmente as crônicas, com as quais deverá
conviver para toda a vida.
O medo experimentado diante da dor intensa e o iminente risco de vida
tornam-se, para alguns, insuportável, remetendo-os a recorrer a mecanismos
defensivos, entre eles, a negação, complicando ainda mais as suas condições
como doente.
Para ilustrar o que foi relatado, serão utilizados alguns exemplos de
pacientes que foram acompanhados, utilizando nomes fictícios para os
mesmos.
Cito como exemplo típico desse processo o caso de Pedro, que, após o
aparecimento da doença coronariana, que inclusive necessitou procedimento
cirúrgico precoce, passou a comportar-se como um adolescente, com um
33
discurso
voltado
para
atividades
atléticas
e
esportivas,
rejeitando
compromissos e se recusando a seguir as prescrições oferecidas para o seu
caso.
Lembro também as condições psíquicas de João, extremamente
exigente consigo, em suas posições profissionais, que vivenciou seu primeiro
episódio de infarto, no próprio ambiente de trabalho, em um período em que
experimentava conflitos importantes relacionados às posições de poder e que,
após o aparecimento da doença, passou a apresentar sentimentos de
impotência e de enorme dependência, sentindo-se incapaz para prover a
família e sair desacompanhado, embora não tenha recebido nenhuma restrição
médica para tal.
Além disso, considero interessante mencionar a história de Paulo,
demonstrada durante as sessões, aonde foram evidenciados seus sentimentos
de hostilidade e manifestações de raiva, frutos prováveis das sérias privações e
frustrações experimentadas na infância e adolescência, deslocados, na vida
adulta, para a esfera conjugal, que explodiram após o surgimento da doença.
Tem-se também, a história de Clara que, demonstrou no começo do
tratamento, a formação reativa como o seu principal mecanismo defensivo,
numa franca tentativa de proteger-se da raiva e de sentimentos hostis
decorrentes de inúmeras perdas e privações precoces, experimentadas ainda
na sua vida adulta. Apresentava-se, no início, sempre amparada por uma
bengala, com excessiva solicitude e descuido com sua aparência.
Ao longo do acompanhamento, estes pacientes puderam encontrar, a
partir da fala, algumas origens inconscientes de seus comportamentos
podendo, apesar da doença, reconstruir projetos pessoais.
Seria interessante tecer algumas considerações sobre os mecanismos
de defesa. Tal como o nome indica, estes se constituem em processos
inconscientes, através dos quais o eu (ego) busca proteção contra sensações
de ansiedade, ameaça e desprazer oriundos do mundo interno ou externo. A
concepção da utilização de defesas com o propósito de manter afastados
perigos inconscientes foi detectada por Sigmund Freud já no início de sua obra,
sendo
progressivamente
identificadas
pela
psicanálise
e
amplamente
estudadas por Anna Freud (1946) em seu livro O ego e os mecanismos de
34
defesa. São diversos os mecanismos de defesa que o inconsciente pode lançar
mão, entre eles a formação reativa mencionada anteriormente. Segundo Ana
Freud (1946):
“A palavra defesa que empreguei tão livremente nos três
capítulos anteriores é a mais antiga representante do ponto de
vista dinâmico na teoria psicanalítica. Surge pela primeira vez
em 1894 no estudo de Freud The Defennce Neurophycosis,
sendo empregada aí e em muitos de seus trabalhos
subsequentes (The Aetiology of Hysteria, Further Remarks on
the Defences on the Neuro-Psycoses), para descrever a luta do
Ego contra idéias ou afetos dolorosos ou insuportáveis”. (idem,
ibidem, p.36).
A formação reativa se constitui como um processo psíquico que se
caracteriza pela adoção de atitudes opostas a um desejo que tenha sido
recalcado. Utiliza-se de impulsos opostos aos impulsos indesejáveis, eróticos
ou agressivos, preservando estes impulsos longe do consciente. Desta forma,
este mecanismo se manifesta através de atitudes opostas aos impulsos
originais. Para ilustrar este mecanismo de defesa, pode-se utilizar como
exemplo, um indivíduo que diante de uma situação que desencadearia nele
impulsos agressivos, este os substitui por atitudes passivas e cordiais
mantendo recalcados os impulsos indesejáveis originais.
Entre as cardiopatias congênitas encontra-se a comunicação inter-atrial
(conhecida pela abreviatura de CIA), resultante do não fechamento de uma
abertura fetal ligando os dois átrios, as duas cavidades superiores do coração,
que normalmente deveria fechar-se espontaneamente com o nascimento. Seus
aspectos clínicos não costumam ser expressivos e só raramente, lactentes
apresentam sintomas. O defeito é habitualmente bem tolerado, frequentemente
só se manifestando clinicamente na vida adulta, com queixas de fadiga e falta
de ar após exercício. É considerada a doença cardiológica congênita mais
comum.
Ao contrário das manifestações orgânicas, comumente leves na maioria
das vezes e até imperceptíveis em alguns casos, sob o aspecto psíquico,
talvez não devêssemos dizer o mesmo. O fato da pessoa, e a sua respectiva
família, saber-se portadora de uma doença cardíaca, independente de sua
35
severidade ou prognóstico, por si só, pode determinar uma mudança radical no
seudesenvolvimentopsíquico e na sua maneira de se colocar e ser colocado no
mundo, sob as múltiplas esferas, incluindo as sociais, educacionais, afetivas e
profissionais, entre outras. No caso da doença congênita, onde algumas vezes,
sua detecção é feita precocemente, com o paciente ainda bebê ou com pouca
idade, isso tende a adquirir um significado de dimensões importantes, com
chances de realmente comprometer o desenvolvimento psíquico dapessoa em
questão, dando origem a sentimentos de incapacidade e dependência, que são
experimentados também por aqueles que apresentam outras doenças
cardíacas precocemente adquiridas, na infância e adolescência. Esses
sentimentos são habitualmente partilhados pelos familiares, contaminados pela
ideia de fragilidade e sensação de risco iminente, dados os significados do
coração em relação à vida e à morte.
Pode-se brevemente descrever as valvulopatias, como patologias que
acometem as válvulas cardíacas, que são elementos determinantes da direção
do fluxo sanguíneo do coração, podendo ser congênitas ou adquiridas, estas
últimas por sua vez, de origem inflamatória ou degenerativa (vide figura 05).
No atendimento aos portadores de valvulopatias é possível observar,
com certa frequência, o quanto o fato de o indivíduo saber, desde cedo, ser
portador de uma cardiopatia, pode interferir no desenvolvimento de sua vida e
36
de suas escolhas em particular, podendo vir a desempenhar um papel decisivo
na escolaridade, na vida afetiva, profissional e social, estimulando também,
comportamentos de dependência, tendência ao isolamento e perspectivas
empobrecidas de projetos pessoais.
Nesses pacientes pode-se observar o que se costuma chamar de
benefício secundário da doença, onde o paciente monopoliza a família e obtém
concessões não oferecidas aos demais. Em contrapartida, seriam apenas
supostos benefícios, importantes de serem melhores elaborados, pois costuma
lhes custar falta de autonomia, de crescimento pessoal e de sua capacidade
produtiva. O atendimento a estes pacientes às vezes se depara, praticamente
com um “engatinhar”, um “reaprender” a conviver com o diagnóstico, o
tratamento e a sintomatologia de uma doença cardíaca, sem abrir mão de
conquistas pessoais.
As miocardiopatias são doenças que acometem o músculo cardíaco de
formas agudas ou crônicas, determinando uma série de sintomas limitantes,
transitórios ou não, inferindo nos seus portadores as mesmas possibilidades de
desenvolver sofrimento psíquico, tal como os descritos para as demais
cardiopatias, dependendo, inclusive, da sua forma de apresentação e de sua
evolução.
Assim funcionam também as arritmias cardíacas, sendo que nestas o
medo de síncopes com perda de consciência e do risco, às vezes real, de
morte súbita, tornam-se fatores predisponentes ao sofrimento psíquico,
desencadeando com certa frequência, quadros ansiosos e fóbicos.
Quanto à hipertensão arterial, apesar de sua alta incidência na
população adulta, nos deparamos com frequência com a resistência ao seu
tratamento, uma vez que sua sintomatologia é algumas vezes silenciosa, em
contrapartida com os efeitos colaterais dos medicamentos, que podem causar
hipotensão, fraqueza e comprometimento importante na esfera sexual. Além
disso, Luchina (1959) já apontava para a importância de propiciar a estes
pacientes recursos para expressar melhor suas emoções, uma vez que
sentimentos de raiva e ressentimento mal elaborados podem refletir
negativamente no controle da pressão arterial.
37
Devido a tudo que foi dito, torna-se fundamental proporcionar a estes
pacientes condições que possam propiciar a eles a possibilidade de encontrar
mecanismos para lidar com as perdas, buscando recursos para recuperar sua
identidade,
confundida
e
até
perdida
pelo
somatório
dos
golpes
desintegradores do ego, diante do enfrentamento diagnóstico e terapêutico,
muitas vezes instituído em caráter permanente.
Nestes portadores de cardiopatias, especialmente aquelas graves ou
crônicas, a concomitância de vivências significativas de perda, podem estar
presentes, incluindo, além da doença propriamente dita, a aposentadoria, o
comprometimento financeiro e de função sócio-profissional importante, a perda
da função central na família e de papéis na esfera conjugal, bem como as
situações de dependência intensificadas pelo adoecimento.
Contudo, torna-se evidente que o atendimento a estes pacientes precisa
estar norteado por uma escuta orientada por princípios humanizados, atenta a
este momento crítico na vida desses indivíduos, escuta esta relacionada à
Política Nacional de Humanização, que será apresentada a seguir.
38
3 A Política Nacional de Humanização a humanização
no ambiente hospitalar
3.1 BREVE HISTÓRICO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL
A história do Brasil apresenta um longo e complexo período para
organizar-se e assimilar o conceito de que a saúde é um direito de todos. No
Brasil colonial, o processo de adoecer ficava reduzido ao conceito de corpo
como uma máquina comprometida e o cuidado era focalizado na hospitalização
e no isolamento do doente do convívio cotidiano. Não havia ainda
direcionamento para as suas necessidades como indivíduo, vivenciando-se o
adoecer focado na doença e não no doente.
Como nos relata Baptista (2007), as primeiras ações de saúde pública
no mundo se reproduziram também no Brasil colônia e voltaram-se
especialmente para a proteção e saneamento das cidades, principalmente as
portuárias, responsáveis pela comercialização e circulação dos produtos
exportados. Além disso, direcionavam-se essencialmente para o controle e
observação das doenças e doentes, inclusive e principalmente dos ambientes,
e para a construção de conhecimento e adoção de práticas mais eficazes no
controle das moléstias.
A partir de 1903, Oswaldo Cruz coordena a reforma da saúde, propondo
em seguida, um código sanitário que institui a desinfecção, inclusive domiciliar,
o arrasamento de edificações consideradas nocivas à saúde pública, a
notificação permanente dos casos de febre amarela, varíola e peste bubônica e
a atuação sanitária, implementando sua primeira grande estratégia no combate
às doenças, que foi a campanha de vacinação obrigatória.
Nas décadas de 1910 e 1920 tem início uma segunda fase do
movimento sanitarista com Oswaldo Cruz e o enfoque passa a ser no
saneamento rural e no combate às endemias rurais.
Como nos contam Merhy & Queiroz (1993), a corrente médico-sanitária
tornou-se hegemônica na década de 20, organizando-se principalmente nos
grandes centros urbanos, como Rio de Janeiro e São Paulo, entre outros.
39
“No decorrer da década de 20, a corrente médico-sanitária
tornou-se hegemônica, organizando-se principalmente nos
grandes centros urbanos, como Rio de Janeiro, São Paulo,
Belo Horizonte, Recife, entre outros. Dois núcleos foram
especialmente ativos: o paulista, influenciado por Paula Souza
e Borges Vieira (médicos sanitaristas formados pela John
Hopkins University, com bolsas da Fundação Rockfeller), e o
dos "jovens turcos", sanitaristas vinculados ao Departamento
Nacional de Saúde Pública, no Rio de Janeiro, que defendiam
a especialidade na carreira médica na área de saúde pública e
o trabalho integral nas instituições estatais. Estes núcleos
chegaram a organizar cinco congressos durante a década de
20 (os Congressos Brasileiros de Higiene) e tiveram tal
influência no desenvolvimento da política de saúde no Brasil
que sua presença se fez marcante até a reforma administrativa
da década de 60/70, no interior da Secretaria de Saúde do
Estado de São Paulo’’. (MERHY & QUEIROZ, 1993, p.178).
Em torno da década de 30, dá-se início a uma política de proteção ao
trabalhador e à expansão e consolidação de direitos sociais. Várias
modalidades assistenciais são criadas pelo governo, que por sua vez
continuam não includentes e insatisfatórias, dentre elas a ênfase na assistência
médica, o crescimento progressivo do setor privado e a abrangência de
parcelas sociais no sistema previdenciário.
Nas décadas de 1960 e de 1970, múltiplas propostas de saúde foram
apresentadas beneficiando especialmente aos trabalhadores, mas ainda pouco
satisfatórias em sua abrangência e assistência à saúde de forma integral.
“(...) mas, o desafio assumido a partir da década de 1970 pelos
movimentos de mudança dos modelos de atenção e gestão
nas práticas de saúde impunha tanto a redefinição do conceito
de saúde, quanto a recolocação da importância dos atores
implicados no processo de produção de saúde. Falar, portanto,
de saúde pública ou saúde coletiva é falar também do
protagonismo e da autonomia daqueles que, por muito tempo,
se posicionavam como “pacientes” nas práticas de saúde,
sejam os usuários dos serviços em sua paciência diante dos
procedimentos de cuidado, sejam os trabalhadores eles
mesmos, não menos passivos no exercício de seu mandato
social. O que queremos ressaltar é que a força emancipatória
na base do SUS só se sustenta quando tomamos como
inseparáveis o processo de produção de saúde e o processo
de produção de subjetividades protagonistas e autônomas que
se engajam na reprodução e/ou na invenção dos modos de
cuidar e de gerir os processos de trabalho no campo da
saúde”. (BENEVIDES & PASSOS, 2005a, p.566).
40
O movimento da Reforma Sanitária, já na década de 80, propôs
aexpansão da área de assistência médica da previdência, estimulando
discussões que contribuíram para a realização da VII Conferência Nacional de
Saúde (1980), que por sua vez, apresentou como proposta a reformulação da
política de saúde e a formulação do Programa Nacional de Serviços Básicos de
Saúde.
O debate enfocava questões fundamentais, tais como o fato da saúde
ser um direito de todo cidadão, independente de contribuição ou de qualquer
outro critério de discriminação; as ações de saúde deveriam estar integradas
em um único sistema, garantindo o acesso de toda população a todos os
serviços de saúde, seja de cunho preventivo ou curativo; a gestão
administrativa e financeira das ações de saúde deveria ser descentralizada
para estados e municípios cabendo ao Estado a promoção, a participação e o
controle social das ações de saúde.
No ano de 1986, acontece a VIII Conferência Nacional de Saúde (VIII
CNS), um verdadeiro marco histórico da política de saúde brasileira,
envolvendo finalmente técnicos, gestores de saúde e usuários para uma
discussão aberta sobre a reforma do sistema de saúde. Nela pôde-se discutir a
definição de um modelo que garantisse o direito à saúde integral, consagrando
a saúde com um direito de todos e um dever do Estado.
O relatório oriundo desta conferência foi utilizado como base para a
discussão da reforma da saúde e o Sistema Único de Saúde (SUS) foi
finalmente aprovado pela Constituição Brasileira em 1988, regido por alguns
princípios básicos considerados imprescindíveis para os cuidados em saúde, já
conceituada de forma mais ampla, para além de medidas apenas curativas,
envolvendo medidas preventivas e de saneamento básico, entre outras.
3.2 A CONSTRUÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
O Sistema Único de Saúde (SUS) constitui-se em um sistema público,
administrado pelos governos federal, estaduais e municipais, organizado e
orientado no sentido do interesse coletivoe qualquer pessoa, independente de
qualquer distinção, tem direito a ele.
41
Originou-se de um longo processo de discussão e de crescimento,
envolvendo a sociedade civil, as instituições de ensino e pesquisa e o próprio
Estado, o que gerou o desenvolvimentode um olhar integral diante do conceito
de saúde, com uma abrangência muito maior, determinando a reformulação da
formação e a inclusão de novas práticas profissionais. Incorporou-se o conceito
de qualidade de vida à saúde, antes vista apenas como o estado de ausência
de doença.
“Na verdade, o SUS representa a materialização de uma nova
concepção acerca da saúde em nosso país. Antes a saúde era
entendida como "o Estado de não doença", o que fazia com
que toda lógica girasse em torno da cura de agravos à saúde.
Essa lógica, que significava apenas remediar os efeitos com
menor ênfase nas causas, deu lugar a uma nova noção
centrada na prevenção dos agravos e na promoção da saúde.
Para tanto, a saúde passa ser relacionada com a qualidade de
vida da população, a qual é composta pelo conjunto de bens
que englobam a alimentação, o trabalho, o nível de renda, a
educação, o meio ambiente, o saneamento básico, a vigilância
sanitária e farmacológica, a moradia, o lazer, etc.”. (BRASIL,
2000).
O Sistema Único de Saúde se norteia por princípios básicos que
compreendem a universalidade, a equidade, a integralidade nos serviços e
ações de saúde, a descentralização, a regionalização e a hierarquização da
rede e a participação social ou popular.
A universalidade do acesso às ações e serviços de saúde é considerada
um dos princípios fundamentais da reforma, consistindo na garantia para todos
os cidadãos, do acesso aos serviços de saúde públicos e privados
conveniados, em todos os níveis do sistema. O acesso aos serviços deve ser
garantido por uma rede de serviços hierarquizada, que propicie tecnologia
apropriada para cada nível de necessidade, até o limite que o sistema pode
oferecer. Este princípio significa na realidade, que cabe ao Sistema Único de
Saúde, atender a toda população, seja através dos serviços estatais prestados
pela União, pelos estados e municípios, seja através de serviços privados
conveniados ou contratados com o poder público, enfatizando ainda a ações
preventivas.
42
Quanto ao princípio da integralidade da atenção, este se refere à
garantia do acesso a um conjunto articulado e contínuo de ações e serviços
preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso, em
todos os níveis de complexidade do sistema de saúde, cabendo a este oferecer
ao indivíduo ou à coletividade, as condições de atendimento, de acordo com as
suas necessidades. Através deste princípio, o Estado compromete-se na
garantia a todo e qualquer tipo de atenção à saúde, do mais simples ao mais
complexo, incluindo desde a vacina até o transplante.
O princípio da equidade aponta para a necessidade de se reduzir as
disparidades sociais e regionais existentes em nosso país e que isso deve ser
proporcionado, também, por meio das ações e dos serviços de saúde.
A descentralização, com direção única do sistema, apresenta-se como
um princípio que visa propiciar uma maior democratização do processo
decisório na saúde, sendo vista como uma estratégia para o enfrentamento das
desigualdades regionais e sociais, prevendo a transferência de poder decisório
do governo federal para as outras instâncias de governo, considerando uma
redistribuição das responsabilidades quanto às ações e serviços de saúde
entre os vários níveis de governo. A descentralização possibilita por sua vez, à
população, um maior controle e acompanhamento das ações públicas,
permitindo a esta, a interferência mais efetiva nos processos de formulação das
políticas de saúde. Isto se baseia no pressuposto de que quanto mais perto o
gestor estiver dos problemas de saúde de uma comunidade, maiores serão as
chances de acertar na resolução dos mesmos. Este princípio vai exigir uma
nova formatação na condução e organização dapolítica de saúde.
Quanto ao princípio de regionalização e hierarquização dos serviços de
saúde, este implica na organização de um sistema de referência e contrareferência, incorporando os diversos níveis de complexidade do sistema, sendo
estes o primário, o secundário e o terciário. A partir da descentralização e
dasdiretrizes de regionalização e hierarquização, forma-se uma proposta de
organização e gestão do sistema de saúde bastante diferente dos adotados
anteriormente no Brasil. Esta proposta só se realiza satisfatoriamente através
da integração entre as esferas federal, estadual e municipal degoverno. Isto
está relacionado às atribuições dos gestores estaduais e municipais que são
43
determinantes, através de uniões e parcerias, para garantir a eficiência e a
efetividade do sistema de saúde.
O princípio da participação popular ou social se refere à garantia
constitucional de que a população, através das entidades representativas,
envolvendo os mais diversos setores da sociedade (conselho nacional,
municipais, entre outros), terá o direito de participar dos processos de
construção das políticas de saúde, bem como do controle de sua execução.
Esse princípio ratifica a capacidade de articulação do movimento social no
contexto da formulação de políticas de saúde, levando em conta as reais
necessidades da população.
Muitos avanços em relação à saúde pública no Brasil foram
conquistados a partir da criação do Sistema Único de Saúde, embora seja
necessário avançar para que seus propósitos sejam cada vez mais inclusivos e
amplamente distribuídos para toda a nossa população.
3.3 A HUMANIZAÇÃO NO ATENDIMENTO E A POLÍTICA NACIONAL DE
HUMANIZAÇÃO
Segundo o dicionário Aurélio (HOLANDA, 1986), o termo humanizar tem
entre suas proposições como verbo transitivo, os sinônimos de tornar humano,
dar condições humanas, tornar afável e humanar, o que leva com frequência a
aparecer, em encontros voltados para a humanização na saúde, o que se
estaria buscando ao falar de humanização voltada para seres que já são, na
realidade, humanos.
A humanização sob a ótica do atendimento focalizaria não a
característica enquanto humano dentro do reino animal, ou apenas a qualidade
de vida do ser humano em si de forma genérica, mas sim, lançaria um olhar
para a singularidade de cada ser humano, seu olhar sob a condição de doente,
sua leitura sobre o conceito de saúde, suas crenças e seus valores, para que
seu acompanhamento pudesse ser individualizado, respeitando as diversas
dimensões de sua particular visão subjetiva.
44
“O que designa humanizar? Subentende-se que a prática em
saúde era (des)humanizada ou não era feita por e para
humanos? Tais provocações não raro ainda são feitas,
revelando o estranhamento que o conceito propicia.
Geralmente emprega-se a noção,de “humanização” para a
forma de assistência que valorize a qualidade do cuidado do
ponto vista técnico, associada ao reconhecimento dos direitos
do paciente, de sua subjetividade e referências culturais.
Implica ainda a valorização do profissional e do diálogo intra e
interequipes”. (DESLANDES, 2004, p. 8).
Esta leitura, feita pela política de humanização, chama a atenção para
as suas correlações com a concepção de singularidade e de sujeito para a
psicanálise, sendo este melhor discutido mais adiante.
Conforme consta do HUMANIZA SUS (BRASIL, 2008), documento base
para gestores e trabalhadores do SUS, a humanização é entendida como a
valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de produção de
saúde, usuários, trabalhadores e gestores, considerando de fundamental
importância, o desenvolvimento de uma série de ações voltadas para esse
objetivo. Considera imprescindível a transversalidade e a transdisciplinaridade,
sendo esta, muito mais uma mudança de atitude, do que apenas uma
organização de saberes. Suas diretrizes e dispositivos enfocam elementos
essenciais para a valorização da singularidade do ser humano, tais como o
acolhimento,
ambiência,
clínica
ampliada,
protagonismo,
e
corresponsabilidade, entre outros, conceitos estes, que serão melhor
desenvolvidos ao longo deste capítulo.
“O termo "humanização" vem sendo utilizado com frequência
no âmbito da saúde. As iniciativas identificadas com a
humanização do parto e com o respeito aos direitos
reprodutivos das mulheres vêm, há décadas, participando da
pauta dos movimentos feministas em saúde (...). A legitimidade
da temática ganha novo status quando, em maio de 2000, o
Ministério de Saúde regulamenta o Programa Nacional de
Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) e a
humanização é também incluída na pauta da 11ª Conferência
Nacional de Saúde, realizada em dezembro do mesmo ano. O
PNHAH constitui uma política ministerial bastante singular se
comparada a outras do setor, pois se destina promover uma
nova cultura de atendimento à saúde (MS, 2000) no Brasil. O
objetivo fundamental do PNHAH seria o de aprimorar as
relações entre profissionais, entre usuários/profissionais
(campo das interações face-a-face) e entre hospital e
45
comunidade (campo das interações sócio-comunitárias),
visando à melhoria da qualidade e à eficácia dos serviços
prestados por estas instituições (MS, 2000). Atualmente o
Programa foi substituído por uma perspectiva transversal,
constituindo uma política de assistência e não mais um
programa específico (provisoriamente intitulada "Humaniza
Sus")”. (DESLANDES, 2004, p. 8).
A Política de Humanização baseia-se em processos de transformação
de
antigos
modelos
de
atendimento,
centrados
apenas na
doença,
constituindo-se num outro muito mais abrangente e, consequentemente,
alicerçado sobre novos paradigmas.
“Em 2003, com a Política Nacional de Humanização (PNH), se
intensifica esta aposta na humanização das práticas de gestão
e de atenção (nos modos de gerir e nos modos de cuidar). A
PNH emerge, então, no cenário da reforma sanitária brasileira,
que se constitui pari passu à construção do campo da saúde
coletiva e das experiências de humanização em curso no SUS,
às quais propõem mudanças em seu sentido e forma de
organização. Assim, é importante analisar o SUS como política
pública – haja vista que a PNH é uma política do SUS,
apresentando suas inspirações, conquistas e desafios. Nesta
discussão é que se apresenta a PNH, tomando por referência
sua construção discursiva e metodológica, bem como seus
desafios para a qualificação da produção de saúde”. (PASCHE
& PASSOS, 2008, p.92).
Reafirmando as ideias de Foucault (1998) já apontadas anteriormente
sobre a evolução da visão clínica do doente para além da doença, a proposta
de humanização também se constitui em um novo modelo de atendimento,
recriado a partir de sua forma inovadora de vislumbrar o atendimento com foco
no sujeito e sua singularidade, levando em conta sua cultura e leitura própria
do que está sendo vivenciado por ele. Eis o motivo da importância de seus
instrumentos como elementos de aprimoramento nas relações que se
estabelecem no percurso do cuidado, dando voz e vez ao paciente enquanto
sujeito, para que ele possa ser escutado e realmentese fazer ouvir.
“Mas a redefinição do conceito de humanização deve ganhar
outra amplitude quando estamos implicados na construção de
políticas públicas de saúde. Afinal, de que nos serve este
esforço conceitual se isso não resultar em alteração nas
práticas concretas dos serviços de saúde, na melhoria da
46
qualidade de vida dos usuários e na melhora das condições de
trabalho dos profissionais de saúde? Neste sentido, impõe-se
um outro desafio, o da alteração dos modos de fazer, de
trabalhar, de produzir no campo da saúde. Neste sentido, a
Política de Humanização só se efetiva uma vez que consiga
sintonizar “o que fazer” com o “como fazer”, o conceito com a
prática, o conhecimento com a transformação da realidade”.
(BENEVIDES & PASSOS, 2005b, p.391).
Enfim, o que a Política Nacional de Humanização propõe, sem se afastar
de todo um arcabouço teórico, é fomentar o que ela costuma chamar de
“modos de fazer”, ou seja, propiciar através de práticas, o aprimoramento na
implementação do Sistema Único de Saúde.
3.4 A POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO
O Sistema Único de Saúde, sob uma ótica humanizada, é aquele que
reconhece o indivíduo como cidadão de direitos legítimos, valorizando os
diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde.
A Política Nacional de Humanização existe desde 2003, buscando
qualificar a saúde pública no Brasil e efetivar os princípios do Sistema Único de
Saúde no cotidiano das práticas de atenção e gestão, incentivando trocas
solidárias entre gestores, trabalhadores e usuários.
Para que a Política Nacional de Humanização possa ser melhor
compreendida, torna-se necessário entender a nomenclatura utilizada, que traz
em si a sua conceituação, bem como também os próprios instrumentos para
colocar em práticas suas premissas básicas, que serão elucidados no que
costuma-se chamar de glossário da política de humanização, constante do
HUMANIZA SUS (BRASIL, 2008), que pode ser consultado no anexo A.
A Política Nacional de Humanização considera a gestão e atenção
inseparáveis, com a gestão dos processos de trabalho em interligação
permanente com as práticas de cuidado.
Sua principal meta é, na realidade, contribuir para a construção de novas
práticas gerenciais e de saúde, criando para todos os envolvidos neste
processo, desafios no sentido de superar limites e experimentar novas formas
47
de organização dos serviços e novos modos de produção e circulação do
poder.
“No momento em que se assume a humanização como
aspecto fundamental nas políticas de saúde urge que o
conceito de humanização seja reavaliado e criticado para que
possa efetuar-se como mudança nos modelos de atenção e de
gestão. Tal urgência se configura pela banalização com que o
tema vem sendo tratado, assim como pela fragmentação das
práticas ligadas a programas de humanização. Trata-se de um
mesmo problema em uma dupla inscrição teórico-prática, daí a
necessidade de redefinição do conceito de humanização, bem
como dos modos de construção de uma política pública e
transversal de humanização da/na saúde. Este segundo
aspecto apontou para o debate sobre a dimensão pública das
políticas de saúde em sua relação com o Estado”.
(BENEVIDES & PASSOS, 2005a, p 561).
Respeitando-se as premissas conceituais da Política Nacional de
Humanização, optou-se por eleger a nomenclatura de usuário ao invés de
paciente, justamente por ver o indivíduo de forma muito mais abrangente do
que a palavra paciente, com a conotação passiva que ela possa representar.
“Usuário, Cliente, Paciente: Cliente é a palavra usada para
designar qualquer comprador de um bem ou serviço, incluindo
quem confia sua saúde a um trabalhador da saúde. O termo
incorpora a idéia de poder contratual e de contrato terapêutico
efetuado. Se, nos serviços de saúde, o paciente é aquele que
sofre, conceito reformulado historicamente para aquele que se
submete,
passivamente,
sem
criticar
o
tratamento
recomendado, prefere-se usar o termo cliente, pois implica em
capacidade contratual, poder de decisão e equilíbrio de
direitos. Usuário, isto é, aquele que usa, indica significado mais
abrangente, capaz de envolver tanto o cliente como o
acompanhante do cliente, o familiar do cliente, o trabalhador da
instituição, o gerente da instituição e o gestor do sistema”.
(BRASIL, 2008).
Entre as orientações gerais da Política Nacional de Humanização,
conforme consta no HUMANIZA SUS (BRASIL, 2008), estariam a valorização
da dimensão subjetiva e coletiva em todas as práticas de atenção e gestão no
Sistema Único de Saúde. Isto representaria o fortalecimento do compromisso
com os direitos de cidadania, respeitando-seas necessidades específicas de
48
gênero, étnico-racial, orientação sexual e de demais segmentos específicos da
população.
Encontram-se entre suas orientações gerais: o fortalecimento de
trabalho em equipe multiprofissional, fomentando a transversalidade e a
grupalidade; o apoio à construção de redes cooperativas, solidárias e
comprometidas com a produção de saúde e com a produção de sujeitos; a
construção de autonomia e protagonismo dos sujeitos e coletivos implicados na
rede do Sistema Único de Saúde.
Além destes, seriam também incluídas nas orientações gerais da Política
Nacional de Humanização: a corresponsabilidade desses sujeitos nos
processos de gestão e atenção; o fortalecimento do controle social, com
caráter participativo em todas as instâncias gestoras do Sistema Único de
Saúde; o compromisso com a democratização das relações de trabalho e a
valorização dos trabalhadores da saúde, estimulando processos de educação
permanente e, por fim, a valorização da ambiência, com organização de
espaços de trabalho saudáveis e acolhedores.
A Política Nacional de Humanização (PNH) se estrutura a partir
deprincípios, métodos, diretrizes e dispositivos.
Os princípios seriam traduzidos por aquiloque dispara um determinado
movimento no plano das políticas públicas. Entre eles encontra-se a
transversalidade e a indissociabilidade entre atenção e gestão. A estes
acrescentam-se o protagonismo, a corresponsabilidade e autonomia dos
sujeitos e dos coletivos.
A transversalidade pode ser definida como o aumento do grau de
comunicação intra e intergrupos. Agindo também na transformação dos modos
de relação e de comunicação entre os sujeitos implicados nos processos de
produção de saúde, ampliando as fronteiras dos saberes, dos territórios de
poder e dos modos instituídos na constituição das relações de trabalho.
Quanto
aos
conceitos
de
protagonismo,
corresponsabilidade
e
autonomia dos sujeitos e dos coletivos, estes significam que trabalhar implica
na produção de si e na produção do mundo, das diferentes realidades sociais,
ou seja, econômicas, políticas, institucionais e culturais. Para a política de
humanização, as mudanças na gestão e na atenção conquistam maior
49
efetividade se construídas pela afirmação da autonomia dos sujeitos
envolvidos, que contratam entre si responsabilidades compartilhadas nos
processos de gerir e de cuidar.
O que Política Nacional de Humanização chama de método, é a
condução de um processo ou o seu modo de caminhar, abrangendo os
gestores, trabalhadores e usuários como indispensáveis para a discussão
conjunta na construção ou remodelação de políticas de saúde.
Vale aqui reforçar que ao pensar a saúde desta forma, extrapola-se em
muito o conceito dual de saúde-doença, indo-se muito além, lançando-se um
olhar acima de tudo ao doente em sua singularidade, levando-se em conta
seus valores individuais para enfrentar a doença e as consequências que dela
pode advir em sua vida.
A Política Nacional de Humanização entende como diretrizes, as
orientações gerais de determinada política. Suas diretrizes expressam o
método da inclusão no sentido da clínica ampliada, do acolhimento, da cogestão, da valorização do trabalho e do trabalhador, da defesa dos direitos do
usuário, do fomento das grupalidades, coletivos e redes, e da construção da
memória do Sistema Único de Saúde que dá certo.
“A clínica ampliada considera fundamental ampliar o “objeto de
trabalho” da clínica. Em geral, o objeto de trabalho indica o
encargo, aquilo sobre o que aquela prática se responsabiliza. A
Medicina tradicional se encarrega do tratamento de doenças;
para a clínica ampliada, haveria necessidade de se ampliar
esse objeto, agregando a ele, além das doenças, também
problemas de saúde (situações que ampliam o risco ou
vulnerabilidade das pessoas). A ampliação mais importante,
contudo, seria a consideração de que, em concreto, não há
problema de saúde ou doença sem que estejam encarnadas
em sujeitos, em pessoas. Clínica do sujeito: essa é a principal
ampliação sugerida. Além disso, considera-se essencial a
ampliação também do objetivo ou da finalidade do trabalho
clínico: além de buscar a produção de saúde, por distintos
meios – curativos, preventivos, de reabilitação ou com
cuidados paliativos –, a clínica poderá também contribuir para a
ampliação do grau de autonomia dos usuários. Autonomia
entendida aqui como um conceito relativo, não como a
ausência de qualquer tipo de dependência, mas como uma
ampliação da capacidade do usuário de lidar com sua própria
rede ou sistema de dependências. A idade, a condição
debilitante – hipertensão, diabete, câncer, etc., o contexto
social e cultural, e, até mesmo, a própria subjetividade e a
50
relação de afetos em que cada pessoa inevitavelmente estará
envolvida. A ampliação do grau de autonomia pode ser
avaliada pelo aumento da capacidade dos usuários
compreenderem e atuarem sobre si mesmoe sobre o mundo da
vida. O grau de autonomia se mede pela capacidade de
autocuidado,
de
compreensão
sobre
o
processo
saúde/enfermidade, pela capacidade de usar o poder e de
estabelecer compromisso e contrato com outros. Essa
alteração do “objeto” e do “objetivo” do trabalho clínico exigirá
mudança nos meios de intervenção, sejam eles diagnósticos
ou terapêuticos. Lidar com pessoas, com sua dimensão social
e subjetiva e não somente biológica; esse é um desafio para a
saúde em geral, inclusive para a clínica realizada em hospitais.
Para que o diagnóstico consiga avaliar a vulnerabilidade, a
equipe deverá colher dados e analisar o problema de saúde
encarnado em um sujeito em um contexto específico; para
esse fim, além de utilizar a semiologia tradicional, será
necessário agregar elementos da história de vida de cada
pessoa, identificando fatores de risco e de proteção. A
terapêutica não se restringirá, em conseqüência, somente a
fármacos e à cirurgia; há mais recursos terapêuticos do que
esses, como, por exemplo, valorizar o poder terapêutico da
escuta e da palavra, o poder da educação em saúde e do apoio
psicossocial”. (CAMPOS & AMARAL, 2007, p.852).
Como dispositivos da Política Nacional de Humanização, considera-se a
atualização das diretrizes de uma política, em arranjos de processos de
trabalho.
Pela
Política
Nacional
de
Humanização,
foram
elaborados
dispositivos que são postos a funcionar nas práticas de produção de saúde,
abrangendo coletivos e objetivando promover mudanças nos modelos de
atenção e de gestão.
“Para fins didáticos, a Política Nacional de Humanização
distingue arranjos/dispositivos de co-gestão em dois grupos: o
primeiro grupo diz respeito à organização do espaço coletivo
de gestão que permita o acordo entre desejos e interesses
tanto dos usuários quanto dos trabalhadores e gestores. O
segundo grupo refere-se aos mecanismos que garantam a
participação ativa de usuários e familiares no cotidiano das
Unidades de Saúde. Estes devem propiciar tanto a
manutenção dos laços sociais dos usuários internados quanto
sua inserção e de seus familiares nos projetos terapêuticos e
acompanhamento do tratamento. Almejam, portanto, a
participação do usuário, sua família e rede sociais, na
perspectiva de garantir os direitos que lhes são assegurados e
também o avanço no compartilhamento e co-responsabilização
do tratamento e cuidados em geral”. (BRASIL, 2008, p.72)
51
Entre estes dispositivos estariam o acolhimento com classificação de
risco; as equipes de referência e de apoio matricial; o projeto terapêutico
singular e de saúde coletiva; projetos co-geridos de ambiência, colegiado
gestor; o contrato de gestão; sistemas de escuta qualificada para usuários e
trabalhadores da saúde, ouvidorias; grupos focais e pesquisas de satisfação.
Além destes incluem-se ainda, a visita aberta e o direito à acompanhante; o
programa de formação em saúde do trabalhador e a comunidade ampliada de
pesquisa; os programas de qualidade de vida e saúde para os trabalhadores da
saúde; os grupos de trabalho de humanização e as câmaras técnicas de
humanização.
“As diretrizes da PNH são suas orientações gerais e se
expressam no método da inclusão de usuários, trabalhadores e
gestores na gestão dos serviços de saúde, por meio de
práticas como: a clínica ampliada, a congestão dos serviços, a
valorização do trabalho, o acolhimento, a defesa dos direitos do
usuário, entre outras. Os dispositivos, por sua vez, atualizam
essas diretrizes por meio de estratégias construídas nos
coletivos concretos destinadas à promoção de mudanças nos
modelos de atenção e de gestão em curso, sempre que tais
modelos estiverem na contramão do que preconiza o SUS.
Entre os dispositivos propostos pela PNH, estão:acolhimento
com classificação de risco, colegiado gestor, visita aberta e
direito a acompanhante, equipe transdisciplinar de referência,
Programa de Formação em Saúde e Trabalho (PFST), projetos
cogeridos de ambiência. A implantação desses dispositivos se
efetiva caso a caso, considerando-sea especificidade dos
serviços, partindo sempre da análise dos processos de
trabalho, processos que nunca se repetem”. (SANTOS FILHO;
BARROS & GOMES, 2009, p.604).
Estes marcos teóricos aqui apresentados, atrelados às ações por eles
deflagradas, difundiram-se pelas diversas unidades públicas, não só no Rio de
Janeiro como em vários locais do Brasil, incluindo hospitais universitários,
desencadeando uma nova forma de olhar, bem como de praticar a extensão do
conceito de saúde.
3.5 A POLÍTICA NACIONAL DEHUMANIZAÇÃO NO INSTITUTO
Após a criação da Política Nacional de Humanização pelo Ministério da
Saúde, atualmente denominada Política Nacional de Humanização da Atenção
52
e Gestão no Sistema Único de Saúde - Humaniza-SUS, em meados de 2003, o
Instituto foi, logo de início, convidado a fazer parte de sua implantação, convite
este que recebeu de muito bom grado. Iniciou sua participação constituindo, a
princípio, um grupo de trabalho para implementação de políticas de
humanização, levando em conta as características próprias à nossa unidade. O
grupo foi composto por diversas categorias funcionais, exercitando, portanto,
um dos fundamentos da política de humanização, que é a interdisciplinaridade.
Enfocou, inicialmente, a leitura dos textos referentes à política, estudando-os e
se inteirando de seus principais elementos conceituais.
Vale assinalar que tive a oportunidade de participar ativamente de sua
implantação, como uma das representantes do grupo de trabalho de
humanização do Instituto, evoluindo para coordená-lo por cerca de quatro
anos.
“A Política Nacional de Humanização – PNH, criada em 2003,
vem se firmando no SUS como política que atende a
importantes reivindicações, já que inclui – em seusprincípios,
método, diretrizes e dispositivos – todos os que estão
envolvidos no processode produção de saúde. É uma política
que destaca o aspecto subjetivo constituinte de qualquer ato de
cuidado, voltando-se para a alteração de modelos de atenção e
de gestão. A PNH é política que altera o modo tradicional com
que habitualmente se constroem as relações entre as
instâncias efetuadoras do SUS, como também nos Serviços, já
que ela se faz transversalmente, num trabalho conjunto com
outras áreas, programas, setores e outras políticas”. (SANTOS
FILHO & BARROS, 2007, p.203).
Este grupo de trabalho de humanização se estruturou de forma bem
organizada, com local e horário pré-estabelecidos, propiciando maior
possibilidade dos participantes estarem presentes aos encontros e reunindo-se
semanalmente, com propostas marcadas para serem discutidas em cada
reunião.
Primeiramente, optou-se por fazer um levantamento das ações já
estabelecidas no Instituto e o resultado nos surpreendeu positivamente, uma
vez que constatamos uma extensa lista de atividades, voltadas especialmente
para o usuário e que incluíam entre outras, os grupos de preparo para cirurgia
de adultos e crianças. Nestes últimos, o preparo das crianças é realizado
53
através de uma dramatização, com as crianças vestindo-se de profissionais de
saúde e reproduzindo o procedimento cirúrgico com bonecos e brinquedos, o
que resulta em colaboração importante ao longo do processo de internação,
recuperação cirúrgica e alta hospitalar (figuras 06 e 07).
Chamou-nos atenção neste levantamento, a quantidade de atividades já
desenvolvidas, embora ainda não integradas em uma política específica de
humanização. Foram levantadas as ações voltadas para os servidores, sendo
também encontradas várias atividades já em desenvolvimento.
Após este primeiro momento, sabendo-se que a proposta da Política
Nacional
de
Humanização
visa
reestruturar
projetos
que
atendam
satisfatoriamente não só aos usuários, mas também ao servidor, o grupo optou
por estabelecer uma metodologia de avaliação das demandas primordiais
deste servidor, elaborando e aplicando um questionário de satisfação, de
caráter anônimo e voluntário que foi distribuído para todas as categorias de
servidores do Instituto (vide anexo B). Este questionário foi constituído de oito
questões estruturadas, com pontuações de zero a cinco, e de cinco semiestruturadas, com o objetivo básico de analisar o grau de satisfação do
servidor, suas propostas e a integração ao Instituto, além de tentar dimensionar
o seu conhecimento sobre o seu planejamento estratégico. Sua distribuição foi
feita durante o período de uma semana, com o recolhimento realizado através
54
das diversas urnas distribuídas amplamente pelo hospital. Foi seguido da
análise estatística das respostas obtidas, através da análise de proporção
(univariada) e do teste do chi quadrado (bivariada). Vale assinalar que não
houve questões em branco ou anuladas nos questionários respondidos,
percebendo-se a boa receptividade e seriedade com que este movimento foi
acolhido pelos servidores, tendo-se obtido uma adesão de 375 funcionários
emum universo de cerca de mil e duzentos, apesar do curto prazo oferecido e a
realização do mesmo em um mês onde habitualmente há um percentual maior
de funcionários em férias.
Durante o período em que foi realizada a avaliação dos resultados,
chamou a atenção do grupo, a imensa possibilidade de percepção subjetiva de
desejos dos servidores, através da forma como eles se colocaram nas
respostas semi-estruturadas, gerando com isso informações importantes para
uma análise mais apurada de suas expectativas. Nesse processo, portanto,
foram obtidos resultados úteis e norteadores quanto às novas propostas de
implementação de políticas de humanização dirigidas aos servidores, incluindose também as críticas, orientadoras para novos direcionamentos.
Quanto
aos
resultados
obtidos
encontramos
achados
muito
interessantes. Levantando-se os percentuais obtidos entre as pontuações
quatro e cinco do questionário, encontramos os seguintes: 84,7% dos
servidores que responderam aos questionários apresentavam prazer em
trabalhar no instituto; 71% estavam satisfeitos com o ambiente de trabalho e
73,5% tinham satisfação com a chefia imediata; 94,6% tinham interesse em se
qualificar e 89,3% tinham interesse em permanecer no instituto; 42,8%
consideravam-se alvo de injustiças e apenas 29,2% se achavam valorizados
quanto à categoria funcional e 18,4% consideravam sua remuneração justa
(vide figuras 08 e 09).
55
Após esta etapa, prosseguindo na avaliação das respostas, foram
realizadas análises bivariadas das questões estruturadas, também estas,
geradoras de informações interessantes para orientar a implementação de
políticas de humanização dirigidas aos servidores. Foi feito o cruzamento entre
o quesito remuneração justa e alvo de injustiça e o resultado deste foi que
sentir-se injustiçado estava diretamente ligado a sentir-se mal remunerado
(vide figura 10). No cruzamento de valorização da categoria funcional e alvo de
injustiça foi verificado que sentir-se injustiçado, estava diretamente ligado a
sentir-se não valorizado (vide figura 11). Quando cruzadas remuneração
profissional e valorização da categoria, verificou-se que sentir a categoria
valorizada não estaria diretamente ligado a ter uma remuneração justa (vide
figura 12) e quanto ao cruzamento de desejo de capacitação e alvo de injustiça,
obteve-se que sentir-se injustiçado não tiraria a motivação na capacitação.
56
Esses dados obtidos fizeram o grupo refletir que a insatisfação com a
remuneração, não excluía a demanda por valorização da categoria funcional e
a motivação pela capacitação, achados estes que nos pareceram parâmetros
fundamentais para nortear o desenvolvimento do trabalho voltado para políticas
de humanização. A partir disso o grupo definiu duas propostas como ponto de
partida, que seriam: buscar parâmetros para a implementação de uma política
de valorização profissional de caráter permanente e a criação de uma rede de
multiplicadores, visando promover integração, socialização, aprimoramento da
comunicação interna e avaliação contínua das ações implementadas.
Estes resultados foram esquematizados e publicados em artigo na
revista Editorial Laranjeiras. Assim, o grupo de trabalho deu início à formação
da rede de multiplicadores, seguida de um curso de formação oferecido aos
trabalhadores do Instituto, organizado e ministrado pela equipe coordenadora
da Política Nacional de Humanização (PNH) do Ministério da Saúde.
(NASCIMENTO, 2004, p.56-60).
Paralelamente a isso foram realizados encontros com outras unidades,
organizados pela equipe coordenadora, para troca de experiências e
propostas, sendo a nossa, a eleita pela mesma coordenadoria, para
representar o Projeto Piloto para a implantação da Política Nacional de
Humanização no Rio de Janeiro, o que muito nos motivou. Ainda com a
consultoria de Brasília, o nosso grupo de trabalho, com a participação dos
multiplicadores e já funcionando como uma Comunidade Ampliada de Pesquisa
57
(CAP) (vide anexo A), elegeu, a princípio, como o tema a ser trabalhado no
Instituto, a Política de Saúde do Trabalhador, tendo como primeiro foco
contemplado para realização de pesquisa, a Dinâmica das Relações
Interpessoais. Nosso objetivo apriori foi verificar se as relações interpessoais
dos trabalhadores interferiam tanto na assistência prestada aos usuários,
quanto na qualidade de vida e de trabalho destes servidores.
Dentro do ciclo de reuniões da CAP, o grupo definiu como metodologia
de trabalho, a realização de uma pesquisa do tipo quali-quantitativa, utilizando
como instrumento a construção de um novo questionário semi-estruturado (vide
anexo C) enfocando as seguintes variáveis: Comunicação, Valorização
Profissional e Capacitação Profissional. Estas foram cruzadas com os diversos
seguimentos de trabalhadores do Instituto e com a assistência prestada aos
usuários. Esse questionário constou de questões objetivas (múltipla escolha) e
questões abertas, distribuído entre os servidores, para serem respondidas
novamenteem caráter voluntário, acompanhadas de um roteiro de observação
participativa, para ser preenchido pelos aplicadores dos questionários, em cada
serviço onde os mesmos foram distribuídos.
Os resultados foram estratificados através de um método estatístico, que
elegeu a Solução Ótima de Newman (Nº de pessoas x 70/Nº total de pessoas
dos 17 serviços) para a análise das questões objetivas e a Análise de
Conteúdos para as questões abertas. As respostas objetivas foram
representadas graficamente utilizando o Gráfico de Setores e Boxplot, e
quando analisadas bivariadamente, optou-se por utilizar o Gráfico de Barra 3
(ROSNER, 2010, p.26-29 e p.393-400).
Foram obtidos vinte e cinco gráficos que traduziram as ideias acerca do
cruzamento das variáveis comunicação, valorização e capacitação profissional,
com as seguintes variáveis intervenientes: trabalhadores com a chefia; com
colegas
de
mesma
categoria/função;
com
colegas
de
diferentes
categorias/funções; com colegas de diferentes vínculos empregatícios; e com
os usuários.
Verificou-se que existe associação diretamente proporcional entre o
servidor se sentir valorizado pela sua chefia e a comunicação com os usuários.
A mesma associação foi encontrada também, entre o servidor sentir-se
58
valorizado entre colegas de diferentes vínculos e sua comunicação com
colegas de diferentes categorias/funções (vide figura 13).
Quanto à capacitação, o estudo das associações demonstrou que há
associação diretamente proporcional entre diferentes categorias/funções e a
comunicação com os mesmos, bem como entre a capacitação de colegas de
diferentes vínculos e a comunicação com os mesmos (vide figura 13).
Observou-se também que há uma associação direta entre a capacitação na
assistência aos usuários e a comunicação com os mesmos (vide figura 13).
E ainda, pode-se perceber que há associação entre se sentir valorizado
em relação à chefia e sua comunicação com os usuários, havendo também
associação entre se sentir valorizado entre colegas de diferentes vínculos e
sua comunicação com colegas de diferentes categorias/funções (vide figura
14).
59
Os dados obtidos ofereceram diversos comentários muito úteis (vide
figuras 15 e 16), que sugerem que a melhoria da comunicação na unidade, da
valorização e capacitação profissional dos trabalhadores do Instituto,
representariam uma melhora no grau de satisfação, na qualidade de vida, no
desempenho e na prestação de assistência aos usuários, este último de
imensa relevância quanto ao aprimoramento assistencial.
Esses resultados foram apresentados no Seminário Nacional Humaniza
SUS, realizado em Brasília no período de 20 a 22 de setembro de 2004, com
60
muito boa repercussão, sendo também apresentado para todas as chefias do
Instituto, para discussão e reflexão acerca dos mesmos.
“Diferentes ângulos de observação ajudam a explicitar os
aspectos mais amplos e também específicos relacionados ao
que se consideram exposições, fatores associados e eventos
que se expressam no corpo do trabalhador e nas relações
sociais de trabalho. (...) O nível de satisfação é sugerido como
indicador de qualidade dos serviços de saúde e os resultados
demonstram o espectro de fatores organizacionais interferentes
na percepção do trabalho e graus de satisfação. (...) Entre
esses fatores, destacam-se as dificuldades quanto à
oportunidade de discutir o trabalho com os superiores,
cooperação na equipe e qualidade de comunicação entre os
profissionais (...)”. (SANTOS FILHO & BARROS, 2012, p.102103).
O grupo de trabalho de humanização organizou a Primeira Semana de
Arte do Instituto, em outubro de 2004, onde puderam ser apresentados
trabalhos artísticos de várias modalidades desenvolvidos pelos servidores, que
incluíram convidados para diversas apresentações, entre elas a discussão de
filmes e documentários. Nesta pode ser bem percebido o interesse dos
servidores em participar e compartilhar interesses.
No final daquele ano, quando ocorreram mudanças na equipe
coordenadora da Política Nacional de Humanização, o grupo manteve-se
estimulado e com o apoio da direção para continuar e progredir nos projetos já
instituídos. O grupo de trabalho, que passou a denominar-se oficialmente de
Grupo de Trabalho de Humanização (GTH), deu, portanto, continuidade,
através do conhecimento acumulado, ao que já vinha organizando, mantendose com encontros regulares e semanais. Foram eleitos alguns temas voltados
para a qualidade de vida dos trabalhadores e organizadas palestras específicas
sobre os mesmos. Com esse objetivo foi criado um ciclo de palestras mensais.
Para ministrá-las, foram convidados tanto palestrantes do próprio Instituto,
como convidados de outras instituições. A agenda constou de palestras sobre
Obesidade, constituição da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes CIPA e sobre Infecção Hospitalar, entre outras.
Concomitantemente, foi organizada outra agenda de palestras, voltadas
para as equipes multidisciplinares, já dentro de um programa de capacitação,
61
enfocando os grandes grupos de patologias abordadas no Instituto. Para isso
convidamos, inicialmente, representantes dos diversos departamentos, visando
uma melhor compreensão dessas patologias, para facilitar o atendimento aos
seus portadores, fornecendo conhecimentos específicos aos profissionais das
diversas áreas (Psicologia, Fisioterapia, Nutrição e Serviço Social) envolvidos
no atendimento. Estas obtiveram ótima adesão, com resultados bastante
positivos e contaram com palestrantes dos respectivos departamentos.
Devido a grande quantidade de cardiopatas e de trabalhadores
fumantes, foi criado pelo grupo, um projeto para instituir no Instituto, um
programa de tratamento do tabagismo voltado para ambos os públicos. A partir
disso, o grupo foi acrescido da participação de duas psicólogas interessadas na
proposta e pertencentes ao Serviço de Saúde Mental e Consultoria Médica do
Instituto. Foram buscadas informações em algumas entidades no Rio e em São
Paulo, onde já existiam programas de tratamento do tabagismo instituídos,
sendo obtidas não só orientações, como material científico útil acerca do
assunto.
Diante desse novo desafio para nosso grupo de trabalho, alguns
componentes interessados em obter melhor formação para este fim, se
inscreveram no Programa de Treinamento para Tratamento do Tabagismo da
Secretaria Municipal de Saúde com apoio do Ministério da Saúde, com o
objetivo de obter mais subsídios para a implantação do projeto em nossa
unidade. A partir desta iniciativa, conseguimos finalmente instituir em caráter
oficial o Programa de Tratamento do Tabagismo no Instituto, seguindo as
diretrizes preconizadas pela Secretaria Municipal de Saúde/Ministério da
Saúde (vide figuras17, 18 e 19). Para nossa grata satisfação o programa
funciona até hoje regularmente, atendendo cada vez mais pessoas, tanto
pacientes quanto aqueles trabalhadores que desejem parar de fumar.
62
Além dos projetos e atividades desenvolvidas para os servidores, o
grupo de trabalho de humanização do Instituto vem desde o seu início, como já
foi dito, enfocando projetos e atividades voltadas para os usuários. Entre elas
destacamos a criação de salas de convivência para os pacientes nas
enfermarias, propiciando um espaço confortável para receber visitas, leituras e
jogos, entre outras atividades, na tentativa de abrandar as angústias
decorrentes do afastamento de seu meio familiar, social e profissional,
ocasionado pela internação.
E ainda, foram melhores aprimorados, em conjunto com chefias de
departamento e serviços multidisciplinares, os grupos de atendimento préoperatório, contando com profissionais das diversas categorias, para o preparo
para cirurgias, bem como para orientações específicas voltadas para cada
grupo de patologias, respeitando-se técnicas grupais próprias. Em relação a
estes, observa-se, até o presente, resultados bastante favoráveis, refletidos
não só na opinião dos pacientes e familiares como também dos profissionais
envolvidos. Critérios imprescindíveis para a política de humanização como os
conceitos de acolhimento e ambiência foram relevantes nesse aprimoramento,
com os grupos de pré-operatório e atividades da terapia ocupacional passando
a ser realizados nas salas de convivência, mais confortáveis e oferecendo mais
possibilidade de interação entre os participantes (vide figuras 20, 21 e 22).
63
A
grande
maioria
das
atividades
do
grupo
de
trabalho,
foi
cuidadosamenteregistrada através de material escrito, apresentações em
power-point seguidas de impressão, fotos e documentos diversos, o que não só
propiciou a construção de sua memória, bem como o acompanhamento
evolutivo da implementação da política de humanização no Instituto, facilitando
o seguimento dos projetos e atualizando ainda facilmente os novos integrantes.
Em outubro de 2005, consagrando o movimento da Política Nacional de
Humanização no Rio de Janeiro, foi criada a Câmara Técnica de Humanização,
que estabeleceu um cronograma de reuniões regulares entre os hospitais da
rede participantes. Estes encontros propiciaram a troca de experiências,
estratificação de ações em desenvolvimento e dificuldades encontradas, dando
origem a metas e pactuações específicas, levando-se em conta a realidade de
64
cada unidade envolvida. A partir daí surge a proposta de construir-se o projetomemória da humanização, onde seriam retratadas as ações que vinham sendo
desenvolvidas e que estariam identificadas com o atendimento humanizado de
acordo com as diretrizes da política.
Esta memória seria retratada através de compilação de escritos, fotos e
filmagens, contando com pessoal especializado para a sua construção. Para
isso foi aberta a inscrição para que os hospitais se candidatassem com roteiros
para a construção de um filme, dentre os quais três seriam eleitos para serem
filmados e apresentados, em novembro de 2006, em um grande fórum
realizado no Rio de Janeiro, no Museu da República.
Para nossa grata surpresa, nosso roteiro, que abordava as reuniões de
pré-operatório infantil foi um dos selecionados, gerando um filme mostrando
esse trabalho, que foi muito bem recebido pelo público.
Em fins de 2006, teve início no Instituto o processo para acreditação
hospitalar, ligado ao Comitê Brasileiro de Acreditação e, para isto, foram
criados novosgrupos de trabalho, agoravoltados para estudos dos diversos
capítulos constantes do Manual Internacional de Padrões de Acreditação
Hospitalar.
Justamente por estar engajada na implementação de políticas de
humanização e, por vezes, representar o Instituto nos eventos relativos à esta,
fui convidada para coordenar o grupo de estudos do capítulo correspondente
aos direitos dos usuários, ao qual o de educação (no sentido de capacitação
quanto aos cuidados em saúde) de pacientes veio posteriormente a se
incorporar.
Isto fez com que se formasse uma parceria natural entre o grupo de
trabalho de humanização com este último, o que tornou este trabalho bem
proveitoso devido às múltiplas identificações entre ambos, obtendo-se inclusive
a inclusão de diversas propostas norteadas pela política de humanização às de
acreditação hospitalar.
Este trabalho em conjunto, entre outras ações, elegeu como uma de
suas prioridades a construção do Manual do Paciente (vide figura 23).
65
O manual, cujo princípio básico era a preservação dos direitos do
paciente, tornou-se efetivamente algo mais amplo, transformando-se não só
em um instrumento de informação, mas também uma importante ferramenta de
acolhimento, sendo oferecido ao paciente no momento de sua internação. Já
de início, objetiva norteá-lo diante deste ambiente novo e desconhecido,
ofertando de imediato, um instrumento de comunicação que o convida a
desenvolver questões e apropriar-se de seu papel de protagonista diante de
sua doença e de seu tratamento.
Buscou-se, através da construção deste material escrito, aprimorar não
só a relação do paciente com a instituição, como oferecer a seus
acompanhantes,
diversas
vezes,
tais
como
os
próprios
pacientes,
desorientados e desalentados, a possibilidade de começar a minimamente
decifrá-la, diminuindo as relações assimétricas frequentemente estabelecidas
entre os pacientes, seus parentes e as equipes de saúde.
A construção do Manual do Paciente foi fruto de um ciclo de encontros,
onde puderam ser avaliadas as diversas experiências de criação de manuais
voltados para os pacientes, desenvolvidas e já implantadas, tanto em
instituições públicas quanto em privadas, sendo observadas as similaridades e
diferenças entre as propostas, dando destaque ao lugar do conceito de usuário
nos vários serviços de saúde.
66
O grupo de trabalho convidou todos os departamentos e serviços do
Instituto para contribuírem na construção do manual, trazendo aquilo que
considerassem relevante constar do texto e justamente por ter-se tornado uma
produção interdisciplinar, congregando múltiplos saberes, pode transformar-se
em uma rica fonte, contemplando desde aspectos de sinalização (como por
exemplo, onde se localizam as enfermarias, os locais para realização de
exames e procedimentos cirúrgicos, além da rotina hospitalar), até orientações
mais
específicas
e
preventivas,
incluindo
métodos
de
higiene
oral,
administração de medicação, prevenção de infecções e a oferta de
atendimento pelo serviço de saúde mental, entre outras. Sua elaboração final
demandou múltiplas etapas e reuniões com as diversas categorias funcionais,
até que foi finalmente implantado no final de 2010, hoje já necessitando nova
revisão.
Ainda em relação à construção do Manual do Paciente, esta pode ser
reconhecida como uma conquista bastante considerável no que diz respeito a
produtos preconizados pela política de humanização, justamente porque coloca
em prática diversos de seus instrumentos, tais como o acolhimento, como já
dito, a clínica ampliada (através do exercício da interdisciplinaridade), bem
como o estímulo ao protagonismo e a corresponsabilidade, objetivando através
deles, diminuir o distanciamento, a passividade e o isolamento dos pacientes
diante da doença e do tratamento. Sua construção dentro destes moldes, só
tornou-se possível a partir do espaço alcançado pelo conceito de atendimento
humanizado,
estabelecido
através
da
perseverança
incansável
e
da
credibilidade conquistada por aqueles que acreditam na importância da
humanização para a construção de sujeitos, diante do enfrentamento da
doença e da necessidade de encontrar novas formas de viver.
A partir de 2007 até o presente, entre alternâncias na direção do Instituto
e na coordenação da Política Nacional de Humanização, os trabalhos iniciados
ou implementados desde o início da implantação desta política, foram mantidos
em desenvolvimento, agora já integrados à Divisão de Recursos Humanos e
retomando sua participação mais sistemática na Câmara Técnica de
Humanização do Rio de Janeiro, contando também com uma reestruturação da
constituição e funcionamento do grupo de trabalho de humanização. Este
67
grupo participou também de um curso extenso, ao longo de 2011, para
capacitação e aprimoramento daqueles que trabalham pela política de
humanização, seja na qualidade de formadores, apoiadores ou multiplicadores,
onde conceitos, diretrizes e diversas situações efetivas, puderam ser mais
profundamente discutidas e acordadas. A partir daí, surgiram novos temas,
sempre voltados para o aprimoramento das relações mais humanizadas entre
usuários, trabalhadores e serviços de saúde, que se mantém em discussão em
caráter permanente.
O que principalmente fica de tudo isso que aqui foi apresentado é que
atualmente o conceito de humanização foi realmente incorporado ao discurso
do Instituto, não mais como uma terminologia banalizada, e sim, como um
instrumento de grande valia para a população hospitalar, tanto de usuários
quanto de trabalhadores, traduzida como ferramenta portadora de objetivos,
diretrizes e fundamentos, propiciando uma nova abordagem da dimensão do
humano, no que diz respeito à saúde e qualidade de vida.
Após tudo que foi discutido neste capítulo, torna-se possível ver com
mais clareza a íntima correlação que guardam entre si as formulações da
política de humanização e alguns conceitos da psicanálise, em especial um dos
seus operadores principais, que é a transferência. Segundo a psicanálise, a
transferência é um dos seus conceitos fundamentais e será abordada no
próximo capítulo desta pesquisa. Pode-se supor que o estabelecimento da
transferência é fundamental para a adesão ao tratamento, com repercussões
importantes para o desenvolvimento da terapêutica proposta.
68
4 A TRANSFERÊNCIA COMO INSTRUMENTO PARA A
POLÍTICA DE HUMANIZAÇÃO
Este capítulo apresenta o conceito de transferência proposto por
Sigmund Freud, que foi determinante para a criação da psicanálise, traçando
um breve percurso feito por este autor para alcançar suas descobertas,
consideradas paradigmáticas e que culminaram por conquistar reconhecimento
mundial. Incluem-se neste capítulo os principais acréscimos efetuados por
Jacques Lacan, psicanalista francês, ao estudo sobre a transferência.
A transferência está presente em todas as relações humanas,
sendoconsiderada como um dos conceitos fundamentais para a psicanálise e
tratando-se do principal instrumento usado no tratamento psicanalítico, cujo
manuseio pode levar ao sucesso ou ao fracasso terapêutico. Justamente
porque o fenômeno da transferência atravessa todas as relações humanas,
entende-se que ele esteja operando nas relações que se estabelecem entre o
profissional de saúde e o paciente durante a internação hospitalar, podendo
influir diretamente na condução do tratamento.
Tal qual na psicanálise, os instrumentos da política de humanização tem
acima de tudo, como principal objetivo, escutar o sujeito adoecido, respeitando
sua singularidade, levando em conta suas crenças e valores próprios; sujeito
este, cuja estrutura será determinante para lidar com as novas condições
geradas pelo adoecimento físico.
Da mesma forma que Freud aponta entre os principais sofrimentos
humanos, o do corpo e as relações humanas, a política de humanização
também se fundamenta nesses elementos, o sofrimento do corpo pela doença
e as relações que se estabelecem entre o sujeito adoecido, a instituição e a
equipe de saúde. Podemos considerar, portanto, que está embutida no
conceito de humanização a consideração do sujeito da psicanálise e como este
sujeito vai lidar com o adoecimento físico.
Em relação ao sujeito da psicanálise, torna-se imprescindível que sejam
feitos alguns comentários sobre a teoria concebida por Jacques Lacan,
considerando o Outro como a base da constituição do sujeito. Para ele, o
sujeito da psicanálise se constitui a partir do desejo do Outro. O sujeito do
69
inconsciente, segundo Lacan, é estruturado como uma linguagem. Sendo
assim, o sujeito se constitui a partir da linguagem, do que lhe é dito, em
especial nas suas relações parentais. Lacan (1949) em seu comentário O
estádio do espelho como formador do eu, tal como nos é revelado na
experiência analítica, esclarece a relevância da concepção do estádio do
espelho no que tange a psicanálise.
Neste trabalho o autor aponta para a importância desse momento no
desenvolvimento do ser, que tem como função estabelecer a relação entre o
mundo interno com o externo. Ocorre por volta dos seis meses de idade,
quando o bebê adquire a percepção de sua imagem refletida no espelho; antes
tomada como um corpo despedaçado esta imagem agora passa a ser
percebida como uma unidade, embora ainda confundida entre o eu e o outro.
“A assunção jubilatória de sua imagem especular por esse ser
ainda mergulhado na impotência motora e na dependência da
amamentação que é o filhote do homem nesse estágio de
infans parecer-nos-á, pois manifestar, numa situação exemplar,
a matriz simbólica em que o [eu] se precipita numa forma
primordial, antes de se objetivar na dialética da identificação
com outro e antes que a linguagem lhe restitua, no universal,
sua função de sujeito”. (idem, ibidem, p.97).
Lacan (ibidem) aponta, portanto, para a relação direta da influência
exercida pelo desejo do Outro, intermediado pela linguagem em especial, de
familiares e de pessoas próximas, para constituição do sujeito da psicanálise.
“Esse momento em que se conclui o estádio do espelho
inaugura, pela identificação com a imago do semelhante e pelo
drama do ciúme, a dialética que desde então liga o [eu] a
situações socialmente elaboradas.
É esse momento que decisivamente faz todo o saber humano
bascular para a mediatização pelo desejo do outro, constituir
seus objetos numa equivalência abstrata pela concorrência de
outrem”. (idem, ibidem, p. 101).
Estabelecendo-se uma relação entre o que se inicia como abordagem
instrumentalizada pela humanização e que se encaminha para implicação
subjetiva desse sujeito que se depara com o processo de adoecer, a finitude e
angústia de morte, pode-se perceber o papel fundamental do estabelecimento
70
da transferência nas relações que esse sujeito vai desenvolver com a equipe
de saúde, com as demais instâncias do cuidar e diante da própria vida.
Pode-se, inclusive, no atendimento ao doente internado, estabelecer-se
um paralelo entre as entrevistas preliminares da psicanálise e as primeiras
consultas com este doente e as possibilidades advindas desse contexto. Em
caso de transferências negativas, estas podem vir a ter resultados
extremamente danosos, pois ao suscitar sentimentos de desvalorização e
ressentimento no doente, podem levá-los a abandonar o tratamento, com
prováveis resultados desastrosos. Em contrapartida, ao convidar-se este
sujeito, através dessa escuta humanizada, a falar livremente, pode-se facilitar o
estabelecimento deuma transferência favorável ao tratamento.
Como a política de humanização traz em seu escopo a valorização do
sujeito, buscando aproximar o profissional de saúde do paciente através do
respeito à sua singularidade, propomos pensar a respeito do fenômeno da
transferência como instrumento nas ações da política de humanização.
Desse modo, o presente trabalho aponta para a hipótese de que a
política nacional de humanização pressupõe a transferência em suas ações,
embora isto não esteja explicitado, conforme já referido anteriormente, uma vez
que esta política surgiu no campo específico da medicina. Pode-se pensar que
esta política só se efetiva realmente tendo como suporte a transferência.
Partindo dessa premissa, portanto, esse trabalho pretende ser uma
contribuição teórica da psicanálise para os profissionais de saúde, a fim de que
possam entender a importância da transferência para o resultado e para a
adesão ao tratamento destes pacientes que se encontram em situação de
internação hospitalar.
4.1 UM POUCO DE HISTÓRIA
Sigmund Freud nasceu em 1856 na Morávia, localizada na Europa
Central, que depois veio a ser a Tchecoslováquia, mudando-se com sua família
para Viena aos quatro anos de idade. Desde cedo mostrou-se um aluno
brilhante, ingressando na faculdade de medicina da universidade de Viena aos
17 anos e formando-se com louvor.
71
Após incursões na anatomia patológica e na clínica, Freud recebeu uma
bolsa para estudar em Paris, no Hospital de Salpêtrière, onde iniciou seus
estudos sobre histeria com o neurologista Jean Martin Charcot, que por sua
vez, utilizava a hipnose para tratar seus pacientes. Esses estudos foram
fundamentais para o nascimento da psicanálise e o encaminharam para a
construção da etiologia sexual das neuroses, afirmando que o inconsciente é
sexual e infantil. Freud manteve suas buscas após seu retorno para Viena,
onde se estabeleceu como especialista em doenças nervosas, culminando com
a descoberta do inconsciente e da transferência.
Como já dito, a partir da descoberta da transferência Freud funda a
psicanálise. Apresenta-a para o meio científico como uma forma de tratamento
baseada no método da associação livre e trazendo a proposta da cura através
da fala. Em seu início, a inovação trazida pelo método enfrentou muitas
resistências junto ao pensamento médico vigente, mas não inibiu seu criador
que continuou avançando, progredindo em suas observações e acreditando em
suas buscas e descobertas, não hesitando em difundi-las apesar das críticas, o
que permitiu que a psicanálise conquistasse o seu lugar de destaque enquanto
método de tratamento eficaz e respeitado pelo pensamento cientifico.
Durante o início de seus estudos sobre as neuroses, Freud manteve
uma parceria intelectual com Josef Breuer, antigo amigo de faculdade, com
quem escreveu Estudos sobre a histeria, publicado em 1895, sobre o caso da
jovem paciente Anna O. Nesta obra percebeu que o analista tinha a
capacidade de influenciar, alterar ou até mesmo gerarnovossintomas. Freud se
deu conta então, que o problema não se restringia apenas à investigação dos
processos psíquicos
conscientes, mas que
havia
também
processos
inconscientes, onde era imprescindível algum instrumento especial. Esses
estudos o estimularam cada vez mais a se utilizar do procedimento de fazer o
paciente falar através da associação livre, esperando que conteúdos
recalcados viessem à luz e constatando a ação do recalque. Freud (1905a) nos
diz:
72
“O tratamento não foi levado até seu final previsto, tendo sido
interrompido por desejo da própria paciente quando já ia a
certa altura. Nesse ponto, alguns dos problemas do caso não
tinham sequer sido tocados eoutros só imperfeitamente tinham
sido elucidados; ao passo que, se o trabalho tivesse
prosseguido
teríamos
sem
dúvida
obtido
o
maioresclarecimento possível sobre cada particularidade do
caso (...). Agora deixo o próprio paciente escolher o assunto do
trabalho do dia, e desta forma parto de qualquer aspecto que
seu inconsciente esteja apresentando a sua percepção no
momento. Mas desse modo, tudo o que se relaciona com a
solução de determinado sintoma emerge em fragmentos,
entremeado com vários contextos e distribuído por épocas
amplamente dispersas. Apesar dessa aparente desvantagem,
a nova técnica é muito superior à antiga, e é
incontestavelmente a única possível”. (FREUD, 1905a, p.9-10).
Estas pesquisas todas o levaram à descoberta do conceito de
resistência, observando a relutância dos pacientes em cooperarem na própria
cura.
“Assim,
a
transferência,
no
tratamento
analítico,
invariavelmente nos aparece, desde o início, como a arma mais
forte da resistência, e podemos concluir que a intensidade e
persistência da transferência constituem efeito e expressão da
resistência”. (FREUD, 1912, p.139).
Em relação ao método da associação livre, torna-se de grande
relevância ressaltar o seu papel indispensável para o processo analítico, dai
ser considerada a regra fundamental da psicanálise. Através dela o paciente é
estimulado a falar livremente tudo que lhe vier à cabeça, tendo como objetivo a
emergência de conteúdos inconscientes até então mantidos recalcados.
“Finalmente, desenvolveu-se a técnica sistemática hoje
utilizada, na qual o analista abandona a tentativa de colocar em
foco um momento ou problema específicos. Contenta-se em
estudar tudo o que se ache presente, de momento, na
superfície da mente do paciente, e emprega a arte da
interpretação principalmente para identificar as resistências que
lá aparecem, e torná-las conscientes ao paciente. Disto resulta
um novo tipo de divisão de trabalho: o médico revela as
resistências que são desconhecidas ao paciente; quando essas
tiverem sido vencidas, o paciente amiúde relaciona as
situações e vinculações esquecidas sem qualquer dificuldade”.
(FREUD, 1914a, p. 193).
73
Freud descobriu e nomeou o fenômeno da transferência, ao perceber
que na relação analítica surgem sentimentos amorosos e agressivos em
relação ao analista, sentimentos e modos de relação que estão relacionados à
história pregressa do paciente.
A origem do conceito de transferência se deu, portanto, a partir do seu
reconhecimento e de sua utilização por Freud desde o seu abandono da
hipnose, sendo motivo de sua atenção até o fim da vida, devido à recorrência
do fenômeno.
4.2 O INCONSCIENTE: BREVE PERCURSO SOBRE O SEU CONCEITO
Para se compreender melhor como Sigmund Freud descobriu e nomeou
o fenômeno da transferência, fundamental para a criação da psicanálise, tornase interessante percorrer brevemente os caminhos que o levaram à descoberta
do inconsciente, bem como os processos que envolveram o desenvolvimento
do seu conceito. Ao descobrir o inconsciente, Freud acabou por anunciar para
a humanidade que existe um Outro dentro de nós mesmos.
Segundo Freud, no inconsciente estaria aquilo que é desconhecido pela
consciência e se manifestaria através do chiste, do ato falho, do sintoma e do
sonho. Estes serão abordados mais detalhadamenteadiante, bem como os
mecanismos de condensação e deslocamento. A importância capital da
descoberta do inconsciente está no fato de que, como pontua Coutinho Jorge
(2010), “o inconsciente não resiste, ele insiste em se manifestar” (idem, ibidem,
p.43), sendo, portanto, determinante de todo comportamento humano.
Serão feitas também algumas considerações sobre a visão de Jacques
Lacan a respeito do inconsciente. Para este autor, o inconsciente é estruturado
como uma linguagem, utilizando-se das operações da metáfora e da
metonímia, provenientes da linguística e consideradas, por ele, como as leis
fundamentais que regem a formação do inconsciente.
Como já foi dito, para Freud o inconsciente manifesta-se através do
sintoma, do ato falho, do chiste e do sonho, fenômenos estes que Lacan
nomeia como formações do inconsciente.
74
Em diversas obras, como A interpretação dos sonhos (FREUD, 1900),A
Psicopatologia da vida cotidiana (idem, 1901) e Os chistes e suas relações com
o insconsciente (idem, 1905b),Freud não só desenvolve sua teoria sobre o
inconsciente, como articula o conteúdo do inconsciente ao ato da fala,
enfocando a importância de tudo que é dito. Segundo ele, o conteúdo do
inconsciente é, muitas vezes, recalcado e para driblar o recalcamento as ideias
inconscientes apelam aos mecanismos definidos em sua obra A interpretação
dos sonhos (FREUD, 1900), como condensação e deslocamento.
Lacan nomeou como metáfora e metonímia, os mecanismos de
condensação e deslocamento apontados por Freud. São considerados os
mecanismos básicos no funcionamento do inconsciente. Lacan nomeia então,
esses dois mecanismos como as duas leis do inconsciente. A primeira lei seria
a metáfora e implica numa superposição (substituição) de significantes e a
segunda lei, a metonímia que, por sua vez, funciona como uma articulação de
um significante ao outro por deslizamento. Segundo este autor, portanto, essas
duas leis da linguagem seriam as leis que regem o inconsciente e o valor e a
função da fala, relacionados à movimentação dos significantes.
Os Estudos sobre a histeria publicados por Freud em 1893-1895, que já
foram apontados anteriormente, costumam ser considerados um ponto
importante da teoria psicanalítica. A partir daí Freud passou cada vez mais a
valorizar o fluxo de associações livres do paciente, descortinando-se assim, o
caminho para a análise dos sonhos. Essa análise permitiu-lhe, adquirir o
recurso técnico da interpretação, deparando-se em seguida com a observação
dos processos transferenciais, reconhecendo-os não só como um obstáculo,
mas também como um instrumento fundamental da técnica psicanalítica.
Os chistes, a princípio meramente conectados à comicidade e ao lúdico,
tomaram significância para Freud (1905b) em sua obra Os chistes e a sua
relação com o inconsciente, na medida em traduziam algo oculto, fundindo
ideias constituídas de conteúdo interno cujo desdobramento só poderia vir à
tona através da análise deste conteúdo. Eles são, segundo Freud, uma forma
de nos libertarmos de nossas inibições para expressar aquilo que, de outra
forma, não ganharia expressão a nível consciente, e se manifestariam através
de um contraste de ideias, de um sentido de nonsense e de desconcerto e
75
esclarecimento, associando-os aos mecanismos do sonho que são a
condensação e o deslocamento.
Nos chistes o que é focalizado é o jogo de palavras, a aparente
destituição de sentido, remetendo, a posteriori, a uma nova representação, a
um outro significante para o sujeito. O chiste não se realiza sozinho e só se
efetiva com a comunicação da ideia a alguém.
Sob a ótica de Lacan, o chiste joga com a cadeia de significantes,
promovendo a articulação de algo novo, outro significante que deixe de ter para
o sujeito o peso do sofrimento e dos determinantes infantis.
Em 1901, Freud publicou o artigo intitulado Psicopatologia da vida
cotidiana, no qual aborda o tema dos atos falhos (Fehlleistung, em alemão e
parapraxis na tradução inglesa), que seriam um erro na fala, na memória ou em
uma ação, causados por fixações do
inconsciente. Através do ato falho o
inconsciente fura os bloqueios da razão e o desejo inconsciente é realizado,
constituindo-se em compromisso entre o intuito consciente da pessoa e o
recalcado.
Lacan por sua vez, considera que o ato falho seria na realidade, um ato
bem sucedido sob o aspecto do inconsciente, uma vez que seria uma formação
do inconsciente que irromperia na consciência à revelia do sujeito.
Bem mais tarde, através de uma série de conferências denominada
Teoria geral das neuroses, Freud (1917b) observa que os sintomas neuróticos,
tal como os atos falhos e os sonhos, possuem um sentido e têm íntima
conexão com a vida de quem os produz.
Ele considera que os sintomas possuem uma intenção e um sentido e
que revelam traços singulares, específicos de cada um, e que também
evidenciam a determinação de uma íntima conexão entre o sintoma e o
inconsciente. O sintoma é o substituto de algo que foi afastado pelo recalque.
O recalque para Freud é aquilo que o sujeito empurra para oinconsciente e que
retorna sob a forma de sintoma.
Os sintomas são ou uma satisfação de algum desejo sexual ou medidas
para impedir tal satisfação, representando a conciliação, a formação de
compromisso entre as duas forças que entraram em luta, entre a libido
insatisfeita, que representa o recalcado e a força do recalque, que compartilhou
76
de sua origem. Seriamna realidade uma forma de satisfazer algo que não
conseguiu caminho para a consciência e se apresenta, portanto, de maneira
deformada, trazendo realização através de sofrimento.
Para
Lacan,
o
sintoma
representa
metaforicamente
o
desejo,
funcionando como uma formação substitutiva do significante recalcado, aí
encontrando satisfação.
O sintoma é na realidade, o lugar paradoxal onde o sujeito, sem que ele
o saiba, tem a sua satisfação, o gozo e, também, o seu sofrimento. Freud
(1900) em sua obra, A interpretação dos sonhos, considerou que o sonho é a
estrada de excelência que conduz ao inconsciente e construiu os principais
fundamentos da teoria psicanalítica. Para ele, a essência do sonho é a
realização de um desejo infantil recalcado, servindo-se desse princípio como
base para o método psicanalítico.
“Em minha A Interpretação dos Sonhos, publicada em 1900,
mostrei que os sonhos em geral podem ser interpretados e
que, após concluído o trabalho de interpretação, podem eles
ser substituídos por pensamentos perfeita e corretamente
construídos, aos quais se pode atribuir uma posição
reconhecível na cadeia de acontecimentos mentais”. (FREUD,
1900, p.13).
O sonho é justamente o fenômeno da vida psíquica em que os
processos inconscientes da mente são revelados de forma bastante clara e
acessível ao estudo. Na concepção freudiana, o sonho é um produto da
atividade do inconsciente e tem sempre um sentido intencional, a realização ou
a tentativa de realização de um desejo.
Para Freud, do mesmo modo como o conceito de recalque realça a
atividade do inconsciente, a teoria dos sonhos indica os caminhos indiretos que
este toma para se expressar.
Considerando o sonho como um trabalho do simbólico, Freud o dividiu
em conteúdo manifesto e latente, podendo a partir daí, analisar um justaposto
ao outro e compreendê-lo. As operações mentais inconscientes por meio das
quais o conteúdo latente do sonho se transforma em manifesto, chamam-se de
elaboração do sonho. Nos sonhos, as forças recalcadas burlam as resistências
alcançando satisfações proibidas.
77
“(...) o sonho é um dos caminhos pelos quais a consciência
pode ser alcançada pelo material psíquico que, em virtude da
oposição criada por seu conteúdo, foi extirpado da consciência
e reprimido, tornando-se assim patogênico. O sonho é, em
suma, um dos desvios por onde se pode fugir á repressão; é
um dos principais meios empregados pelo que se conhece
como método indireto de representação da mente”. (FREUD,
1900, p.13).
Segundo Freud, os mecanismos do sonho são os mesmos que regem o
funcionamento do inconsciente, que são a condensação e o deslocamento. A
função desses mecanismos é distorcer o desejo recalcado, burlando dessa
forma a censura, utilizando-se de representações nas quais o pensamento é
traduzido em imagens visuais e simbolismos substituindo ideias, pessoas ou
ações.
Lacan,
como
dito
anteriormente,
nomeou
os
mecanismos
de
condensação e deslocamento, também presentes no sonho, como os dois
mecanismos da linguística, metáfora emetonímia, considerando-os como
mecanismos do inconsciente. Conforme seu pensamento, as imagens do
sonho só deveriam ser consideradas pelo seu valor de significantes.
Por fim, Freud com seu pensamento ímpar e genial, ao fundar a
psicanálise, apresentou as consequências de sua descoberta do inconsciente.
Para ele, o sentido da palavra, o que é dito, é o que representa o sujeito com
seus mecanismos inconscientes, e através da fala, se alcançaria a
possibilidade de revelá-los. Através do método da associação livre ele permitiu
que o material recalcado atingisse a consciência, que o afeto se transformasse
em palavras, propiciando a cura de incontáveis aspectos do sofrimento
humano.
Lacan, por sua vez, trouxe contribuições inovadoras, considerando que o
simbólico é linguagem e queo sujeito se constitui a partir do discurso do Outro,
sendo, portanto, efeito da linguagem. Segundo ele, o inconsciente é
estruturado como uma linguagem, e através das leis da linguística inaugura
outra maneira de compreender o homem em sua enorme complexidade.
78
4.3 A TRANSFERÊNCIA
Sigmund Freud ao fundar a psicanálise, traduziu-a como um método de
investigação, baseado principalmente na associação livre, que se constitui pela
fala livre das regras do discurso. Devido a isso, a associação livre é
considerada a regra de ouro da psicanálise e através dela, diversos fenômenos
transferenciais serão identificados e clarificados.
A transferência para a psicanálise representa o deslocamento do sentido
atribuído a pessoas do passado para pessoas do presente, sendo esta
transferência resultante da movimentação inconsciente. Para a teoria
freudiana, esse fenômeno é fundamental para o processo de cura.
No contexto analítico, a transferência é um fenômeno que ocorre na
relação entre o paciente e o terapeuta, quando o desejo do paciente irá se
apresentar atualizado, como uma repetição dos modelos infantis. Nele as
figuras parentais e seus substitutos serão transferidos para o analista e
sentimentos, desejos e impressões dos primeiros vínculos afetivos serão
vivenciados e reeditados na atualidade. O manejo da transferência é definitivo
para a técnica de análise e determinante para o resultado do tratamento.
Freud descobriu que a transferência corresponde, na realidade, à
projeção de impulsos e fantasias, de natureza erótica ou sexual, para a pessoa
do analista, proporcionando uma situação passível de reviver os traumas
infantis.
O fenômeno da transferência foi considerado pelo próprio Freud como
um dos pontos básicos de sua teoria, sendo, segundo ele, sua dinâmica e seu
funcionamento fundamentais para o trabalho do analista. Somente a partir do
momento em que se estabelece a transferência é que se pode dar início ao
tratamento analítico.
Como é possível apreender até aqui, a psicanálise se constitui não só
em um método de investigação, como também em um poderoso recurso de
tratamento, que se baseia na fala através das associações livres, pretendendo
trazer à tona conteúdos inconscientes e lançando mão dos fenômenos
transferenciais.
79
Diante da fala do paciente em análise, é preciso identificar o sentido
oculto, algo que está para além do que é dito, para que isto possa ser
devolvido para o paciente através da interpretação, ganhando novo sentido.
Freud (1905a) teceu algumas considerações sobre a transferência em
Fragmentos sobre um caso de histeria. Neste artigo relata o Caso Dora, tendo
percebido na época que não soube manejar a transferência adequadamente, o
que a levou ao abandono precoce do tratamento, tendo durado apenas três
meses. Este caso por sua vez, também serviu de base para o desenvolvimento
do conceito de resistência, com sua enorme potência de paralisar o progresso
do tratamento.
Na década de 1910, Freud aprofundou sua pesquisa sobre a
transferência e publicou diversos artigos. No primeiro deles, A dinâmica da
transferência,
Freud
(1912)
explica
como
a
transferência
ocorre
necessariamente no tratamento psicanalítico e como ela exerce seu papel.
Nele afirma que cada indivíduo, através da ação combinada de sua disposição
inata e das influências sofridas durante os primeiros anos, adquire um método
próprio de conduzir-se na vida erótica. Ele adquire aquilo que o autor denomina
clichê estereotípico, o qual é constantemente repetido no decorrer de sua vida,
sem que exista consciência dessa reedição de padrões de relacionamento. Na
transferência, portanto, seriam evidenciadas as repetições de experiências
infantis que determinariam a maneira do paciente relacionar-se com os seus
objetos. Na neurose, haveria uma fixação ainda maior nesses protótipos
afetivos e seria dessa forma que o indivíduo se dirigiria ao analista, bem como
na relação com os demais.
Essa forma de transferência pode se estabelecer no processo analítico e
se apresenta como a resistência mais poderosa. Isso porque, se as
associações do paciente faltam, é porque ele está pensando na figura do
analista, ou algo a ele relacionado. Estes dois fenômenos, portanto, a
transferência e a resistência, estariam presentes o tempo todo no tratamento e
exigiriam cuidado terapêutico especial, para identificá-los e conduzi-los de
forma adequada.
80
“A resistência acompanha o tratamento passo a passo. Cada
associação isolada, cada ato da pessoa em tratamento tem de
levar em conta a resistência e representa uma conciliação
entre as forças que estão lutando no sentido do
restabelecimento e as que se lhe opõem, já descritas por mim.
Se acompanharmos agora um complexo patogênico desde sua
representação no consciente (seja ele óbvio, sob a forma de
um sintoma, ou algo inteiramente indiscernível) até sua raiz no
inconsciente, logo ingressaremos numa região em que a
resistência se faz sentir tão claramente que a associação
seguinte tem de levá-la em conta a aparecer como uma
conciliação entre suas exigências e as do trabalho de
investigação. É neste ponto, segundo prova nossa experiência,
que a transferência entra em cena. Quando algo no material
complexivo (no tema geral do complexo) serve para ser
transferido para a figura do médico, essa transferência é
realizada; ela produz a associação seguinte e se anuncia por
sinais de resistências - por uma interrupção, por exemplo.
Inferimos desta experiência que a idéia transferencial penetrou
na consciência à frente de quaisquer outras associações
possíveis, porque ela satisfaz a resistência. Um evento deste
tipo se repete inúmeras vezes no decurso de um análise”.
(FREUD, 1912,p. 138).
Freud enfoca que a transferência é a condição essencial para o sucesso
da análise. Por isso a necessidade do analista estar sempre atento para
manejar a transferência, no sentido de deixar a resistência em níveis que
permitam que o processo analítico aconteça, sem, no entanto, paralisá-lo.
Aponta ainda, que a transferência é a arma mais forte da resistência e que todo
conflito psíquico deve ser abatido na esfera da transferência.
“Quanto mais um tratamento analítico demora e mais
claramente o paciente se dá conta de que as deformações do
material patogênico não podem, por si próprias, oferecer
qualquer
proteção
contra
sua
revelação,
mais
sistematicamente faz ela uso de um tipo de deformação que
obviamente lhe concede as maiores vantagens — a
deformação mediante a transferência. Essas circunstâncias
tendem para uma situação na qual, finalmente, todo conflito
tem de ser combatido na esfera da transferência. Assim, a
transferência, no tratamento analítico, invariavelmente nos
aparece, desde o início, como a arma mais forte da resistência,
e podemos concluir que a intensidade e persistência da
transferência constituem efeito e expressão da resistência”.
(idem, ibidem, p.139).
81
Em relação ao conceito de transferência como instrumento de
resistência, Freud distingue a transferência positiva, carregada de sentimentos
afetuosos, da transferência negativa, que se apresenta sob a forma de
sentimentos hostis dirigidos ao analista. Focalizando com mais precisão as
idéias de transferência positiva e negativa, pode-se dizer que a positiva facilita
a associação livre e a negativa a dificulta ou impede.
Freud observa que os conflitos psíquicos determinantes dos sintomas
precisam ser transferidos para a figura do analista, pois precisam ser revividos
na relação com este, para que possam ser decifrados e suspensos através do
processo analítico. Essa é a ideia de neurose de transferência, que se
constituiria na realidade em uma condição neurótica artificial, propiciada pela
situação analítica, na qual se manifestariam as relações transferenciais.
“Tal como acontece aos sonhos, o paciente encara os produtos
do despertar de seus impulsos inconscientes como
contemporâneos e reais; procura colocar suas paixões em
ação sem levar em conta a situação real. O médico tenta
compeli-lo a ajustar esses impulsos emocionais ao nexo do
tratamento e da história de sua vida, a submetê-los à
consideração intelectual e a compreendê-los à luz de seu valor
psíquico. Esta luta entre o médico e o paciente, entre o
intelecto e a vida instintual, entre a compreensão e a procura
da ação, é travada, quase exclusivamente, nos fenômenos da
transferência. É nesse campo que a vitória tem de ser
conquistada - vitória cuja expressão é a cura permanente da
neurose. Não se discute que controlar os fenômenos da
transferência representa para o psicanalista as maiores
dificuldades; mas não se deve esquecer que são precisamente
eles que nos prestam o inestimável serviço de tornar imediatos
e manifestos os impulsos eróticos ocultos e esquecidos do
paciente”. (FREUD, 1912, p.143).
A partir da visão da importância da figura do analista para o tratamento,
Freud nunca perde o referencial da transferência no norteamento de suas
descobertas teóricas. A insistência do amor de transferência pode ser
considerada a mola propulsora da técnica analítica.
Em 1915, em seu texto Observações sobre o amor transferencial, Freud,
discute as dificuldades a serem enfrentadas pelos analistas no manejo da
transferência, reconhecendo que é difícil lidar com este fenômeno, mas
82
reafirmando os pressupostos éticos e técnicos necessários, para seu manejo
como instrumento decisivo para o tratamento.
Neste texto de 1915, Freud chama atenção para o fato de que o amor de
transferência não seja confundido com um amor verdadeiro e que ao analista
seria necessário reconhecer que o apaixonamento do paciente não deveria ser
atribuído aos encantos de sua própria pessoa, devendo este, estar atento para
saber exatamente com o que estaria lidando, utilizando a transferência erótica
para uma maior compreensão do paciente.
“Para o médico, o fenômeno significa um esclarecimento
valioso e uma advertência útil contra qualquer tendência a uma
contratransferência que pode estar presente em sua própria
mente. Ele deve reconhecer que o enamoramento da paciente
é induzido pela situação analítica e não deve ser atribuído aos
encantos de sua própria pessoa; de maneira que não tem
nenhum motivo para orgulhar-se de tal ‘conquista’, como seria
chamada fora da análise. E é sempre bom lembrar-se disto.
Para a paciente, contudo, há duas alternativas: abandonar o
tratamento psicanalítico ou aceitar enamorar-se de seu médico
como um destino inelutável”. (FREUD, 1915,p.209).
É interessante observar que o amor de transferência traz em si um
verdadeiro paradoxo, por ser ao mesmo tempo genuíno e falso. É genuíno
porque trata-se de um sentimento verdadeiro, mas falso porque na realidade
ele não pertence à pessoa do analista.
Para Freud, o analista deve aprender a identificar e a dominar o amor
transferencial, porém tratá-lo como algo irreal, como uma situação que se deve
atravessar no tratamento e remontar às suas origens inconscientes, o que pode
ajudar a trazer tudo que se acha muito profundamente oculto na vida erótica
para a consciência. É preciso deixar que a transferência surja, persista e assim
analisá-la, desvendar as escolhas objetais infantis e as fantasias tecidas ao
redor delas, pois o amor transferencial reproduz protótipos infantis de
relacionamento.
“Já deixei claro que a técnica analítica exige do médico que ele
negue à paciente que anseia por amor a satisfação que ela
exige. O tratamento deve ser levado a cabo na abstinência.
Com isto não quero significar apenas a abstinência física, nem
a privação de tudo o que a paciente deseja, pois talvez
83
nenhuma pessoa enferma pudesse tolerar isto. Em vez disso,
fixarei como princípio fundamental que se deve permitir que a
necessidade e anseio da paciente nela persistam, a fim de
poderem servir de forças que a incitem a trabalhar e efetuar
mudanças, e que devemos cuidar de apaziguar estas forças
por meio de substitutos. O que poderíamos oferecer nunca
seria mais que um substituto, pois a condição da paciente é tal
que, até que suas repressões sejam removidas, ela é incapaz
de alcançar satisfação real. Ele tem de tomar cuidado para não
se afastar do amor transferencial, repeli-lo ou torná-lo
desagradável para a paciente; mas deve, de modo igualmente
resoluto, recusar-lhe qualquer retribuição. Deve manter um
firme domínio do amor transferencial, mas tratá-lo como algo
irreal, como uma situação que se deve atravessar no
tratamento e remontar às suas origens inconscientes e que
pode ajudar a trazer tudo que se acha muito profundamente
oculto na vida erótica da paciente para sua consciência e,
portanto, para debaixo de seu controle. Quanto mais
claramente o analista permite que se perceba que ele está à
prova de qualquer tentação, mais prontamente poderá extrair
da situação seu conteúdo analítico”. (FREUD, 1915, p.214-216)
Lacan considera a transferência como um dos quatro conceitos
fundamentais da psicanálise, confirmando-a como um dos instrumentos
centrais do tratamento analítico. No seu seminário A transferência (LACAN,
1960-1961), apontaque desde o começo, o elemento central da análise é o
amor, sendo ele a base da experiência analítica e base de sua teoria. Diz que,
em se tratando de psicanálise, o amor, no ponto máximo de sua elaboração
teórica, é, antes de tudo, uma prática, e o amor de transferência deveria ser
traduzido como uma relativização da falta, como uma formação sintomática em
relação à castração.
Ele desenvolve o conceito de transferência considerando-a não apenas
como repetição, mas algo que vai além, constituindo-se em uma atualização,
uma colocação em ato, da realidade do inconsciente, atribuindo o amor de
transferência como fundamento da própria transferência. Conforme afirma
Lacan (1964) “a transferência é a atualização da realidade do inconsciente”
(idem, ibidem, p.144).
Segundo Lacan, é através da transferência, que os traços de memória
inconsciente constitutivos do desejo seriam atualizados, sendo revividos como
forças em atividade. Desta forma, o paciente atualizaria seus desejos
inconscientes, que seriam revividos como forças atuais. Isto proporcionaria a
84
possibilidade de que o que foi experimentado no passado pudesse ser
reavaliado a partir dessa atualização, podendo ser decifrado e determinante de
novas possibilidades na conduçãode seu modo de viver.
Segundo Miller (1987) "a transferência tem seu valor porque permite ver
o funcionamento de um mecanismo inconsciente na própria atualidade da
sessão” (idem, ibidem, p.62).
Este autor diz ainda, que na presença do analista o inconsciente se
presentifica na fala, se atualiza. O passado seria pensado a partir do presente
da transferência. Seria pela atualização na transferência, que o sujeito poderia
vivenciar aquilo que lhe determina, produzindo novas condições para se
relacionar com o Outro e com seu próprio modo de gozo.
Lacan afirma que no começo da psicanálise está o amor e para melhor
explicitar isto, retoma o texto filosófico de Platão, chamado O Banquete. Este
refere-se a um banquete que reuniu diversos filósofos onde o tema central era
o amor. Baseando-se neste texto, Lacan dedica um seminário inteiro sobre o
tema da transferência, nele mostrando a importância do amor para a relação
transferencial. Para desenvolver melhor o seu conceito de transferência, Lacan
introduziu as noções de agalma, sujeito suposto saber e desejo do analista que
serão melhores explicadas ao longo do texto.
Tal como nos diz Freud, Lacan confirma a transferência com um amor
genuíno. Por sua leitura, todavia, esse amor não é considerado como repetição
de um protótipo infantil. Para ele, esse amor seria na realidade a crença de que
encontra-se na pessoa amada, o objeto precioso que perdeu-se desde sempre
e que busca-se a vida inteira. O agalma, palavra grega que designa um objeto
precioso ou caixa de jóias, também um local onde se guarda objetos preciosos,
constitui-se nesse objeto que o sujeito acredita ter encontrado na pessoa
amada.
Para Lacan, portanto, o agalma significa esse objeto que nos captura,
algo do outro que nos apreende e nos fascina, nos deixando enamorados,
embora isso que o outro tem não é o que o sujeito busca. Sendo assim, não
haveria sintonia no amor, seria uma condição ilusória.
Lacan pontua dois termos para falar do par numa relação amorosa:
érôménos (amado), aquele que tem alguma coisa; e érastès (amante), aquele
85
que sai em busca daquilo que lhe falta. Aponta que seu interesse no amor é
por aquilo que auxilia a esclarecer o fenômeno da transferência.
“É na medida em função érastès, do amante, na medida que é
ele o sujeito da falta, vem no lugar substitui a função do
érômémos o objeto amado, que se produz a significação do
amor”. (LACAN, 1960-1961), p.57).
Quanto ao conceito de sujeito suposto saber, torna-se importante
teceralgumas considerações sobre o mesmo, uma vez que Lacan o considera
como a base de tudo o que se apresenta em termos de transferência analítica.
A análise se inicia com um amor dirigido pelo analisante ao analista.
Trata-se de um amor ao saber, saber suposto ao analista e por essa razão o
lugar que este ocupa neste momento da análise é designado como sujeito
suposto saber.
O sujeito suposto saber é estabelecido por Lacan como uma função
inédita no fundamento da transferência, considerando-a como o “pivô” dos
fenômenos da transferência. Focaliza que não é o analista o sujeito de quem
se trata na concepção de sujeito suposto saber, mas um lugar a que se supõe
um saber.
Lacan afirma que a transferência é o amor que se endereça ao saber. O
analisante, em princípio, coloca-se na posição daquele que não sabe e situa o
analista no lugar de quem tem um saber, ou seja, o coloca no lugar de sujeito
suposto saber, lugar este de alguém que poderia tamponar sua falta.
“Se Lacan situa o sujeito suposto saber na entrada do processo
analítico é porque, neste momento, a demanda fundamental do
paciente é relativo ao enigma, a interrogação que seu próprio
sintoma lhe faz”. (MILLER, 1987, p.114).
No processo analítico, o analista, no início, é colocado pelo analisante
na posição de amado, daquele que tem uma resposta para o sofrimento do
sujeito. O analista, por sua vez, deve direcionar o tratamento sem
responderdeste lugar de sujeito suposto saber que o analisante o coloca.
“O psicanalista não sedeve deixar enganar por esse efeito de
sujeito suposto saber intrínseco à experiência analítica. O
86
psicanalista não deve identificar-se com o sujeito suposto
saber: o sujeito suposto saber é um efeito da estrutura da
situação analítica, o qual é muito diferente de se identificar com
essa posição”. (MILLER, 1987, p. 74-75).
O analista deve entender que esse amor do paciente não se direciona a
ele como pessoa, que ele não tem o agalma. Colocando o paciente para falar
sobre seu sofrimento e não lhe dando resposta, o analista permite que o
analisante caminhe do amor ao desejo numa análise, saindo do lugar de
amado, passando para o lugar de amante, daquele que sai em busca do que
lhe falta, permitindo, então, que surja o desejo do sujeito. Segundo Lacan, esse
desejo surge no deslizamento significante, no deslocamento de um objeto a
outro, já que não há nenhum objeto que complete o sujeito.
“O segundo ponto, que por si mereceria um longo
desenvolvimento, é o final da analise. A analise da
transferência consiste em descobrir que não há, em sentido
real, sujeito suposto saber. Isso é o que constitui o desejo do
analista, desejo muito singular que Freud localizou em um
momento da história, o desejo do analista de não se identificar
com o Outro, de respeitar o que Freud, em sua linguagem,
chama de a individualidade do paciente, não ser um ideal, um
modelo, um educador, e sim deixar espaço para a emergência
do desejo do paciente”. (MILLER, 1987, p.89).
Para o analista permitir que se dê essa passagem do amor ao desejo,
ele precisa estar regido sob seu desejo, o que Lacan nomeia de desejo do
analista. Esse desejo se constitui em fazer surgir o desejo do sujeito, desejo de
colocar o paciente para associar livremente. Este, somente estando sob a
égide do desejo do analista, é que pode conduzir a cura, não ocupando o lugar
de sujeito suposto saber e permitindo que, ao final do tratamento, ele se
transforme em um resto, algo sem importância e sem função, para o
analisante. Desta forma, o paciente terá finalmente a possibilidade de buscar
aquilo que ele realmente deseja.
“A esse respeito, é o psicanalista quem representa o resíduo
da operação analítica. E Lacan elaborou a teoria que faz do
psicanalista o dejeto de toda a operação e, ao mesmo tempo, a
causa que desde sempre animava o desejo do paciente”.
(idem, ibidem, loc.cit.).
87
5 CONCLUSÃO
O desenvolvimento da presente pesquisa permite constatar que a
psicanálise, fundada por Sigmund
permanente,
trazendo
incontáveis
Freud,
estabeleceu-se em
contribuições
enquanto
caráter
método
de
tratamento e tornou-se recurso inestimável para as práticas das ciências da
saúde. Ao propor ao paciente que falasse o que lhe viesse à cabeça, Freud
revolucionou sua época, criando um método de cura através da fala, que,
considerando os mecanismos inconscientes, possibilita a cura de males
psíquicos das mais variadas ordens e intensidades.
Lacan afirmou o papel central do amor na transferência e estendeu seu
conceito para algo muito além da repetição, definindo-a como uma
manifestação do inconsciente em ato, enriquecendo mais ainda a nossa
compreensão acerca do conceito e nos fornecendo mais instrumentos para
melhor manejá-la.
O fenômeno da transferência, no cotidiano da clínica, tanto para Freud
como para Lacan, confirmou-se como um conceito fundamental da psicanálise,
sem o qual o tratamento analítico sequer pode considerar-se iniciado. A
entrada em análise é marcada pelo estabelecimento da transferência.
Sabe-se que a transferência está presente em todas as relações
humanas e, portanto, no trabalho institucional. Deve ser considerada para que
se
atinjam
os objetivos
a
serem
alcançados,
podendo-se
examinar
permanentemente ao longo do trabalho aquilo que facilita ou dificulta as
relações profissionais.
“Não é fato que a transferência surja com maior intensidade e
ausência de coibição durante a psicanálise que fora dela. Nas
instituições em que doentes dos nervos são tratados de modo
não analítico, podemos observar que a transferência ocorre
com a maior intensidade e sob as formas mais indignas,
chegando a nada menos que servidão mental e, ademais,
apresentando o mais claro colorido erótico”. (FREUD, 1912,
p.135-136).
Como foi bem acentuado neste trabalho, a psicanálise é uma ciência do
singular e cada paciente deve ser visto como único, devendo o profissional de
88
saúde estar atento à maneira particular como ele está vivendo o enfrentamento
do diagnóstico e dos procedimentos propostos.
Os recursos propostos pela Política Nacional de Humanização se
emparelham com muitas concepções da psicanálise, tais como: o poder da
palavra, a valorização da singularidade e a importância da prática
interdisciplinar. Assim como no tratamento psicanalítico, o paciente caminha
para a cura ao rememorar pela fala o que foi traumático, a Política Nacional de
Humanização, acolhe a fala dos pacientes acreditando na importância desse
procedimento para o curso do tratamento. Além disso, tanto a psicanálise
quanto a Política Nacional de Humanização valorizam a condição singular de
cada
paciente,
procurando
conhecer
sua
história,
seus
desejos
e
possibilidades. Desde a sua criação, a psicanálise caracterizou-se pela
interdisciplinaridade, buscando elementos provenientes de outras áreas do
saber para a pesquisa sobre o campo psíquico. Da mesma forma, a política de
humanização promove uma troca de saberes para melhor atender a cada um
dos pacientes. Na prática hospitalar, o profissional depara-se também com
obstáculos e resistências do próprio paciente que impedem em algumas
situações o curso adequado do tratamento, o que reforça a importância do
reconhecimento de fenômenos inconscientes operando neste contexto.
“Pode-se levantar ainda a questão de saber por que os
fenômenos de resistência da transferência só aparecem na
psicanálise e não em formas indiferentes de tratamento (em
instituições, por exemplo). A resposta é que eles também se
apresentam nestas outras situações, mas têm de ser
identificados como tal. A manifestação de uma transferência
negativa é, na realidade, acontecimento muito comum nas
instituições. Assim que um paciente cai sob o domínio da
transferência negativa, ele deixa a instituição em estado
inalterado ou agravado”. (FREUD, 1912, p. 141).
Através do conceito de transferência, os profissionais de saúde estarão
melhor equipados para entender as mais diversas situações com as quais se
deparam
no
cotidiano
hospitalar,
podendo
já
traduzi-las
como
algo
representativo do paciente e que não estão necessariamente dirigidas a eles, o
que tenderia a contribuir diretamente na condução e na adesão ao tratamento.
89
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAPTISTA, T. História das políticas de saúde no Brasil: a trajetória do
direito à saúde. In: CORRÊA, G. & MOURA, A. (Orgs.). Políticas de
saúde: a organização e operacionalização do Sistema Único de Saúde.
Rio de Janeiro: EPSJV/FIOCRUZ, 2007.
BARTOLOMEI, T. & FULGENCIO, L. Notas para a compreensão do conceito
de transferência na psicanálise de Sigmund Freud. In: ______. Anais
do XIII Encontro de Iniciação Científica da PUC/Campinas. Realizado
nos dias 21 e 22 de outubro de 2008.
BENEVIDES, R. & PASSOS, E. Humanização na saúde: um novo modismo?
In: Interface, v.9, n°.17, mar/ago, 2005a.
_______. A humanização como dimensão pública das políticas de saúde. In:
Ciências e saúde coletiva, v.10, n°.3, jul/set, 2005b.
_______. Formação de Apoiadores para a Política Nacional de
Humanização da Gestão e da Atenção à Saúde – Humaniza SUS. Rio
de Janeiro: FIOCRUZ, 2006.
BLUMENTAL, J. et.al.Depression as a riskfactor for mortality after coronary
artery by pass surgery. In: The Lancet, n° 362, 2003. p.604-9.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Sistema Único de Saúde
(SUS): princípios e conquistas. Brasília, 2000.
_______. Ministério da Saúde. Núcleo técnico da política de HUMANIZASUS: Política Nacional de Humanização; Ministério da Saúde –
Secretaria Executiva; Brasília; 2003.
_______. Ministério da Saúde. HUMANIZA SUS. Documento base para
gestores e trabalhadores do SUS. Secretaria de Atenção à Saúde.
Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. 4ª ed. Série B.
Textos Básicos de Saúde. Brasília: Editora do Ministério da Saúde,
2008.
_______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política
Nacionalde Humanização: Formação e intervenção. Brasília, 2010.
BRAUNWALD, E. Tratado de Medicina Cardiovascular. v.2. São Paulo:
Livraria Roca, 1987.
CAMPOS, G. Sete considerações sobre saúde e cultura. In: Saúde e
Sociedade, São Paulo: v.11, n°1, jan/jul. 2002.
90
CAMPOS, G.& AMARAL, M. A clínica ampliada e compartilhada, a gestão
democrática e redes de atenção como referenciais teórico-operacionais
para a reforma do hospital. In: Ciência e Saúde Coletiva, v.12, n°.4,
2007.
CHAVES, R. & QUINTÃES, R. Um modelo de gestão focado na cidadania e
na qualidade: a proposta do Instituto Nacional de Cardiologia
Laranjeiras. Rio de Janeiro: Paper Mill, 2004.
CONSÓRCIO BRASILEIRO DE ACREDITAÇÃO. Manual internacional de
padrões de certificação hospitalar. Rio de Janeiro: Consórcio Brasileiro
de Acreditação de Sistemas e Serviços de Saúde, 2005.
CORDÁS, T. Depressão: da bile negra aos neurotransmissores. Uma
introdução histórica. São Paulo: Lemos Editorial, 2002.
COUTINHO JORGE, M.; FERREIRA, N. Freud Criador da Psicanálise. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2010.
DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos
Mentais. Porto Alegre: Artmed, 2000.
DESLANDES, S. Análise do discurso oficial sobre a humanização da
assistência hospitalar. In: Ciência e Saúde Coletiva, v.9, n°.1, 2004.
ELIA, L. O Conceito de sujeito. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,2004.
FABIANO E YASMIN BIOIFES. Disponível em:
<http://fabianoyasminbioifes.wordpress.com>Acesso em: out.2012.
FERRARI, H.; LUCHINA, I. & LUCHINA, N. La interconsulta médicopsicológica en el marco hospitalário. Buenos Aires: Nueva Visión,
1977.
_______. Assistencia Institucional. Nuevos desarrolos de la interconsulta
médico-psicológica. Buenos Aires: Nueva Visión, 1979.
FOUCAULT, M. O Nascimento da Clínica. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1998.
FRASURE-SMITH, N.; LESESPERANCE, F. & TALAJIC, M. Major depression
before and after myocardial infarction: its nature and consequences. In:
Psychosomatic medicine, n° 59, 1996, p.99-110.
91
FREUD, A. (1946). O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro:
Editora Civilização Brasileira S. A., 1978.
_______. (1893-1895). Estudos sobre a histeria. In: ESB,op. cit., v.2.
_______. (1900). A interpretação dos sonhos. In: ESB, op. cit., v.4 e 5.
_______. (1901). Psicopatologia da vida cotidiana. In: ESB, op. cit., v.6.
_______. (1905a). Fragmentos da análise de um quadro de histeria. In: ESB,
op. cit., v.7.
_______. (1905b). Os chistes e suas relações com o inconsciente. In: ESB, op.
cit., v.8.
_______. (1912). A dinâmica da transferência. In: ESB, op. cit., v12.
_______. (1914a). Recordar, repetir e elaborar (novas recomendações sobre a
técnica da psicanálise II). In: ESB, op. cit., v.12.
_______. (1914b) Sobre o narcisismo: uma introdução. In: ESB, op. cit., v.14.
_______. (1915). Observações sobre o amor transferencial. In: ESB, op. cit.,
v.12.
_______. (1917a). Luto e melancolia. In: ESB, op. cit., v.14.
_______. (1917b). Teoria geral das neuroses. In: ESB, op. cit., v.1.
FRIEDMAN, M. The modification of type A behavior in post-infarction patients.
In: American Heart Journal, v.5, n°.97, 1979, p.51-60.
FURLANETTO, L. & BRASIL, M. Diagnosticando e tratando a depressão no
paciente com doença clínica. In: Jornal Brasileiro Psiquitria, v.1, n°55,
2006, p. 8-19.
GOMES, M. O Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras e a memória da
medicina brasileira. In: Editorial Laranjeiras, v.1, nº 3, nov, 2003.
GRINBERG, L.; LANGER, M. & RODRIGUÉ, E. Psicoterapia de Grupo. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 1976.
HOLANDA, A. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1986.
92
HUFFMAN, J. et.al. Recognition and treatment of depression and anxiety in
patients with acute myocardial infarction. In: American Journal of
Cardiology, v.3, n°98, 2006, p.319-24.
INSTITUTO NACIONAL DE CARDIOLOGIA. Disponível em:
<http://www.inc.saude.gov.br> Acesso em: mai./2013.
KAPLAN, H. & SADOCK, B. Compêndio de Psicoterapia de Grupo. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1996.
LACAN, J. (1949). O estádio do espelho como formador do eu. In:
______.Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,1998.
_______. (1958). A direção do tratamento e os princípios do seu poder. In:
_____. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,1998.
_______. (1960). Subversão do sujeito e a dialética do desejo no inconsciente
freudiano. In: _____. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,1998.
_______. (1960-1961). O seminário, livro 8: a transferência. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2010.
_______. (1964). O seminário, livro11: os quatro conceitos da psicanálise. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
LAPLANCHE, J. & PONTALIS, J. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo:
Martins Fontes, 2000.
LUCHINA, I. Experiência com grupos terapêuticos de cardiovasculares.
In: _____. El grupo psicológico em la terapia, ensenanza e
investigacion. Buenos Aires: Nova,1959.
MALLIK, S. et.al. Patients with depression symtoms have lower health status
benefits after coronary artery by pass surgery. In: Circulation, v.3, n°
111, 2005, p.271-277.
MAURANO, D. A transferência: uma viagem rumo ao continente negro. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.
MELLO FILHO, J. Concepção Psicossomática: visão atual. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1991.
MERHY, E. & QUEIROZ, M. Saúde pública, rede básica e o sistema de saúde
brasileiro. In: Cadernos de Saúde Pública, v.9, n°2, abr/jun,1993.
93
MILLER, J. Percurso de Lacan: uma introdução. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed.,1987.
NASCIMENTO, L. (& cols.). Política Nacional de Humanização: desafios da
implementação em um hospital público de alta complexidade. In:
Editorial Laranjeiras, v.1, n°4, set, 2004, p.56- 60.
PASCHE, D. & PASSOS, E. A importância da humanização a partir do sistema
único de saúde. In: Revista Saúde Pública, v.1, n°.1, jan/jun, 2008.
PINTON, F. et. al. Depressão como fator de risco de morbidade imediata e
tardia pós-revascularização cirúrgica do miocárdio. In: Revista
Brasileira de Cirurgia Cardiovascular, v.21, n°1, jan/mar, 2006, p.6874.
PLATÃO. O BANQUETE. Porto Alegre: L&PM, 2012
PORTAL DA RADIOLOGIA. Disponível em: http://www.portaldaradiologia.com
Acesso em out.2012
PRICE, V. et.al. Relation between insecurity and type A behavior. In: American
Heart Journal, v.3, n°129, 1995, p. 488-91.
RONDINESCO, E. & PLON, M. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed.,1998.
QUINET, A. A descoberta do inconsciente: do desejo ao sintoma. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2011.
_______. As 4 + 1 condições da análise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed.,1991.
ROSENMAN, R. & FRIEDMAN, M. Neurogenic factors in pathogenesis of
coronary heart disease. In: The Medical Clinics of North America, v.2,
n° 58, mar, 1974, p. 269-79.
ROSNER, B. Fundamental of biostatistics. Kentacky: Cengage Learning,
2010.
SANTOS FILHO, S. & BARROS, M.O trabalho em saúde e o desafio da
humanização: algumas estratégias de análise-intervenção. In: Revista
Tempus - Actas de Saúde Coletiva, v. 6, n°2, 2012, p.102-103.
SANTOS FILHO, S.; BARROS, M. & GOMES, R. A Política Nacional de
Humanização como política que se faz no processo de trabalho em
94
saúde. In: Interface - Comunicação, Saúde e Educação, v.13, supl.1,
2009, p.603-13.
SANTOS FILHO, S. & BARROS, R. Câmara técnica de humanização como
dispositivo de co-gestão: experimentando o conceito de Rede. In:
SANTOS FILHO, S. & BARROS, M. (Orgs.). Trabalhador da Saúde:
muito prazer! Protagonismo dos trabalhadores na gestão do trabalho em
saúde. Coleção Saúde Coletiva. Ijuí: Ed.Unijuí, 2007.
SANTOS FILHO, S. & FIGUEIREDO, V. Contratos internos de gestão no
contexto da Política de Humanização: experimentando uma metodologia
no referencial da co-gestão. In: Interface - Comunicação, Saúde e
Educação, v.13, supl.1, 2009, p.615-26.
TAMAI, S. et.al. Interconsulta psiquiátrica em cardiologia: estudo de 101 casos.
In: Jornal Brasileiro de Psiquiatria, v.12, n° 44, dez, 1995, p.631-635.
ZIMERMAN, D. & OSÓRIO, L. Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1997.
95
7 ANEXOS
ANEXO A – Glossário: Política Nacional de Humanização
Acolhimento
Processo constitutivo das práticas de produção e promoção de saúde que
implica responsabilização do trabalhador/equipe pelo usuário, desde a sua
chegada até a sua saída.
Ouvindo sua queixa, considerando suas
preocupações e angústias, fazendo uso de uma escuta qualificada que
possibilite analisar a demanda e, colocando os limites necessários, garantir
atenção integral, resolutiva e responsável por meio do acionamento/articulação
das redes internas dos serviços (visando à horizontalidade do cuidado) e redes
externas, com outros serviços de saúde, para continuidade da assistência
quando necessário.
Alteridade
Alter: “outro”, em latim a alteridade refere-se à experiência internalizada da
existência do outro, não como um objeto, mas como outro sujeito co-presente
no mundo das relações intersubjetivas.
Ambiência
Ambiente físico, social, profissional e de relações interpessoais que deve estar
relacionado a um projeto de saúde voltado para a atenção acolhedora,
resolutiva e humana. Nos serviços de saúde a ambiência é marcada tanto
pelas tecnologias médicas ali presentes quanto por outros componentes
estéticos ou sensíveis apreendidos pelo olhar, olfato, audição, por exemplo, a
luminosidade e os ruídos do ambiente, a temperatura, etc. Muito importante na
ambiência é o componente afetivo expresso na forma do acolhimento, da
atenção dispensada ao usuário, da interação entre os trabalhadores e
gestores. Devem-se destacar também os componentes culturais e regionais
que determinam os valores do ambiente.
Apoio matricial
Lógica de produção do processo de trabalho na qual um profissional oferece
apoio em sua especialidade para outros profissionais, equipes e setores.
Inverte-se, assim, o esquema tradicional e fragmentado de saberes e fazeres já
que ao mesmo tempo em que o profissional cria pertencimento à sua
equipe/setor, também funciona como apoio, referência para outras equipes.
96
Apoio institucional
Apoio institucional é uma função gerencial que reformula o modo tradicional de
se fazer coordenação, planejamento, supervisão e avaliação em saúde. Um de
seus principais objetivos é fomentar e acompanhar processos de mudança nas
organizações, misturando e articulando conceitos e tecnologias advindas da
análise institucional e da gestão. Ofertar suporte ao movimento de mudança
deflagrado por coletivos, buscando fortalecê-los no próprio exercício da
produção de novos sujeitos em processos de mudança é tarefa primordial do
apoio.
Temos entendido que a função do apoio é chave para a instauração de
processos de mudança em1 grupos e organizações, porque o objeto de
trabalho do apoiador é, sobretudo, o processo de trabalho de coletivos que se
organizam para produzir, em nosso caso, saúde. A diretriz do apoio
institucional é a democracia institucional e a autonomia dos sujeitos. Assim
sendo, o apoiador deve estar sempre inserido em movimentos coletivos,
ajudando na análise da instituição, buscando novos modos de operar e
produzir das organizações. É, portanto, em, uma região limítrofe entre a clínica
e a política, entre o cuidado e a gestão – lá onde estes domínios se interferem
mutuamente – que a função de apoio institucional trabalha no sentido da
transversalidade das práticas e dos saberes no interior das organizações.
O apoiador institucional tem a função de: 1) estimular a criação de espaços
coletivos, por meio de arranjos ou dispositivos que propiciem a interação entre
os sujeitos; 2) reconhecer as relações de poder, afeto e a circulação de
conhecimentos propiciando a viabilização dos projetos pactuados pelos atores
institucionais sociais; 3) mediar junto ao grupo à construção de objetivos
comuns e a pactuação de compromissos e contratos. Para maiores detalhes
consultar CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa. Um método para análise e cogestão de coletivos – a construção do sujeito, a produção de valor de uso e a
democracia em instituições: o Método da Roda. São Paulo: Hucitec, 2000. 4)
Trazer para o trabalho de coordenação, planejamento e supervisão os
processos de qualificação das ações institucionais; 5) propiciar que os grupos
possam exercer a crítica e, em última instância, que os profissionais de saúde
sejam capazes de atuar com base em novos referenciais, contribuindo para
melhorar a qualidade da gestão no Sistema Único de Saúde. A função apoio
se apresenta, nesta medida, como diretriz e dispositivo para ampliar a
capacidade de reflexão, entendimento e análise de coletivos, que assim
poderiam qualificar sua própria intervenção, sua capacidade de produzir mais e
melhor saúde com os outros.
97
Atenção Especializada / Serviço de Assistência Especializada
Unidades ambulatoriais de referência, compostas por equipes multidisciplinares
de diferentes especialidades que acompanham os pacientes, prestando
atendimento integral a eles e a seus familiares.
Autonomia
No seu sentido etimológico, significa “produção de suas próprias leis” ou
“faculdade de se reger por suas próprias leis”. Em oposição à heteronomia,
designa todo sistema ou organismo dotado da capacidade de construir regras
de funcionamento para si e para o coletivo. Pensar os indivíduos como sujeitos
autônomos é considerá-los como protagonistas nos coletivos de que participam
corresponsáveis pela produção de si e do mundo em que vivem. Um dos
valores norteadores da Política Nacional de Humanização é a produção de
sujeitos autônomos, protagonistas e corresponsáveis pelo processo de
produção de saúde.
Classificação de Risco (Avaliação de Risco)
Mudança na lógica do atendimento, permitindo que o critério de priorização da
atenção seja o agravo à saúde e/ou grau de sofrimento e não mais a ordem de
chegada (burocrática). Realizado por profissional da saúde que, utilizando
protocolos técnicos, identifica os pacientes que necessitam de tratamento
imediato, considerando o potencial de risco, agravo à saúde ou grau de
sofrimento e providencia, de forma ágil, o atendimento adequado a cada caso.
Clínica Ampliada
O conceito de clínica ampliada deve ser entendido como uma das diretrizes
impostas pelos princípios do Sistema Único de Saúde. A universalidade do
acesso, a integralidade da rede de cuidado e a eqüidade das ofertas em saúde
obrigam a modificação dos modelos de atenção e de gestão dos processos de
trabalho em saúde.
A modificação das práticas de cuidado se faz no sentido da ampliação da
clínica, isto é, pelo enfrentamento de uma clínica ainda hegemônica que: 1)
toma a doença e o sintoma como seu objeto; 2) toma a remissão de sintoma e
a cura como seu objetivo; 3) realiza a avaliação diagnóstica reduzindo-a a
objetividade positivista clínica ou epidemiológica; 4) define a intervenção
terapêutica considerando predominantemente ou exclusivamente os aspectos
orgânicos. Ampliar a clínica, por sua vez, implica: 1) tomar a saúde como seu
objeto de investimento, considerando a vulnerabilidade, o risco do sujeito em
seu contexto; 2) ter como objetivo produzir saúde e ampliar o grau de
autonomia dos sujeitos; 3) realizar a avaliação diagnóstica considerando não
só o saber clínico e epidemiológico, como também a história dos sujeitos e os
98
saberes por eles veiculados; 4) definir a intervenção terapêutica considerando
a complexidade biopsíquicossocial das demandas de saúde.
As propostas da clínica ampliada: 1) compromisso com o sujeito e não só com
a doença; 2) reconhecimento dos limites dos saberes e a afirmação de que o
sujeito é sempre maior que os diagnósticos propostos; 3) afirmação do
encontro clínico entre dois sujeitos (trabalhador de saúde e usuário) que se coproduzem na relação que estabelecem; 4) busca do equilíbrio entre danos e
benefícios gerados pelas práticas de saúde; 5) aposta nas equipes
multiprofissionais e transdisciplinares; 6) fomento da corresponsabilidade entre
os diferentes sujeitos implicado no processo de produção de saúde
(trabalhadores de saúde, usuários e rede social); 7) defesa dos direitos dos
usuários.
Colegiado Gestor
Em um modelo de gestão participativa, centrado no trabalho em equipe e na
construção coletiva (planeja quem executa), os colegiados gestores garantem o
compartilhamento do poder, a co-análise, a co-decisão e a co-avaliação. A
direção das unidades de saúde tem diretrizes, pedidos que são apresentados
para os colegiados como propostas/ofertas que devem ser analisadas,
reconstruídas e pactuadas. Os usuários/familiares e as equipes também têm
pedidos e propostas que serão apreciadas e acordadas. Os colegiados são
espaços coletivos deliberativos, tomam decisões no seu âmbito de governo em
conformidade com as diretrizes e contratos definidos. O colegiado gestor de
uma unidade de saúde é composto por todos os membros da equipe ou por
representantes. Tem por finalidade elaborar o projeto de ação da instituição,
atuar no processo de trabalho da unidade, responsabilizar os envolvidos,
acolher os usuários, criar e avaliar os indicadores, sugerir e elaborar propostas.
Controle Social (Participação Cidadã)
Participação popular na formulação de projetos e planos, definição de
prioridades, fiscalização e avaliação das ações e dos serviços, nas diferentes
esferas de governo, destacando-se, na área da Saúde, as conferências e os
conselhos de saúde.
Diretrizes da Política Nacional de Humanização
Por diretrizes entendem-se as orientações gerais de determinada política. No
caso da PNH, suas diretrizes apontam no sentido da: 1) Clínica Ampliada; 2)
Co-Gestão; 3) Valorização do Trabalho; 4) Acolhimento; 5) Valorização do
trabalho e do trabalhador da Saúde do Trabalhador; 6) Defesa dos Direitos do
Usuário; 7) Fomento das grupalidades, coletivos e redes; e 8) Construção da
memória do Sistema Único de Saúde que dá certo.
99
Dispositivos da PNH
Dispositivo é um arranjo de elementos, que podem ser concretos (ex.: uma
reforma arquitetônica, uma decoração, um manual de instruções) e/ou
imateriais (ex.: conceitos, valores, atitudes) mediante o qual se faz funcionar,
se catalisa ou se potencializa um processo. Na Política Nacional de
Humanização, foram desenvolvidos vários dispositivos que são acionados nas
práticas de produção de saúde, envolvendo coletivos e visando promover
mudanças nos modelos de atenção e de gestão:
- Acolhimento com Classificação de Risco;
- Equipes de Referência e de Apoio Matricial;
- Projeto Terapêutico Singular e Projeto de Saúde Coletiva;
- Projetos Co-Geridos de Ambiência
- Colegiado Gestor;
- Contrato de Gestão;
- Sistemas de escuta qualificada para usuários e trabalhadores da saúde:
gerência de “porta aberta”; ouvidorias; grupos focais e pesquisas de satisfação,
etc.;
- Visita Aberta e Direito à Acompanhante;
- Programa de Formação em Saúde do trabalhador (PFST) e Comunidade
Ampliada de Pesquisa (CAP);
- Programas de Qualidade de Vida e Saúde para os Trabalhadores da Saúde;
- Grupo de Trabalho de Humanização (GTH);
- Câmaras Técnicas de Humanização (CTH);
- Projeto Memória do Sistema Único de Saúde que dá certo.
Educação Permanente em Saúde
As ações de educação permanente em saúde envolvem a articulação entre
educação e trabalho no Sistema Único de Saúde, visando à produção de
mudanças nas práticas de formação e de saúde. Por meio da Educação
Permanente em Saúde articula-se o ensino, gestão, atenção e participação
popular na produção de conhecimento para o desenvolvimento da capacidade
pedagógica de problematizar e identificar pontos sensíveis e estratégicos para
a produção da integralidade e humanização.
100
Eficácia / Eficiência (Resolubilidade)
A resolubilidade diz respeito à combinação dos graus de eficácia e eficiência
das ações em saúde. A eficácia fala da produção da saúde como valor de uso,
da qualidade da atenção e da gestão da saúde. A eficiência refere-se à
relação custo/benefício, ao menor investimento de recursos financeiros e
humanos para alcançar o maior impacto nos indicadores sanitários.
Equidade
No vocabulário do Sistema Único de Saúde, diz respeito aos meios
necessários para se alcançar a igualdade, estando relacionada com a idéia de
justiça social. Condições para que todas as pessoas tenham acesso aos
direitos que lhe são garantidos. Para que se possa exercer a eqüidade, é
preciso que existam ambientes favoráveis, acesso à informação, acesso a
experiências e habilidades na vida, assim como oportunidades que permitam
fazer escolhas por uma vida mais sadia. O contrário de eqüidade é iniqüidade,
e as iniqüidades no campo da saúde têm raízes nas desigualdades existentes
na sociedade.
Equipe de Referência / Equipe Multiprofissional
Grupo que se constitui por profissionais de diferentes áreas e saberes
(interdisciplinar, transdisciplinar), organizados em função dos objetivos/missão
de cada serviço de saúde, estabelecendo-se como referência para os usuários
desse serviço (clientela que fica sob a responsabilidade desse grupo/equipe).
Está inserido, num sentido vertical, em uma matriz organizacional. Em
hospitais, por exemplo, a clientela internada tem sua equipe básica de
referência e especialistas e outros profissionais organizam uma rede de
serviços matriciais de apoio às equipes de referência. As equipes de referência
em vez de ser um espaço episódico de integração horizontal passam a ser a
estrutura permanente e nuclear dos serviços de saúde.
Familiar Participante
Representante da rede social do usuário que garante a articulação entre a rede
social/familiar e a equipe profissional dos serviços de saúde na elaboração de
projetos de saúde.
Gestão Participativa
Modo de gestão que incluiu novos sujeitos no processo de análise e tomada de
decisão. Pressupõe a ampliação dos espaços públicos e coletivos, viabilizando
o exercício do diálogo e da pactuação de diferenças. Nos espaços de gestão é
possível construir conhecimentos compartilhados considerando as
subjetividades e singuralidades dos sujeitos e coletivos.
101
Grupalidade
Experiência que não se reduz a um conjunto de indivíduos nem tampouco pode
ser tomada como uma unidade ou identidade imutável. É um coletivo ou uma
multiplicidade de termos (usuários, trabalhadores, gestores, familiares, etc.) em
agenciamento e transformação, compondo uma rede de conexão na qual o
processo de produção de saúde e de subjetividade se realiza.
Grupo de Trabalho de Humanização (GTH)
Espaço coletivo organizado, participativo e democrático, que funciona à
maneira de um órgão colegiado e se destina a empreender uma política
institucional de resgate dos valores de universalidade, integralidade e aumento
da eqüidade no cuidado em saúde e democratização na gestão, em benefício
dos usuários e dos trabalhadores da saúde. É constituído por lideranças
representativas do coletivo de profissionais e demais trabalhadores em cada
equipamento de saúde, (nas SES e nas SMS), tendo como atribuições: difundir
os princípios norteadores da Política Nacional de Humanização; pesquisar e
levantar os pontos críticos do funcionamento de cada serviço e sua rede de
referência; promover o trabalho em equipes multiprofissionais, estimulando a
transversalidade e a grupalidade; propor uma agenda de mudanças que
possam beneficiar os usuários e os trabalhadores da saúde; incentivar a
democratização da gestão dos serviços; divulgar, fortalecer e articular as
iniciativas humanizadoras existentes; estabelecer fluxo de propostas entre os
diversos setores das instituições de saúde, a gestão, os usuários e a
comunidade; melhorar a comunicação e a integração do equipamento com a
comunidade (de usuários) na qual está inserida.
Humanização / Política Nacional de Humanização (PNH)
No campo da Saúde, humanização diz respeito a uma aposta ético-estéticopolítica: ética porque implica a atitude de usuários, gestores e trabalhadores de
saúde comprometidos e corresponsáveis. Estética porque acarreta um
processo criativo e sensível de produção da saúde e de subjetividades
autônomas e protagonistas. Política porque se refere à organização social e
institucional das práticas de atenção e gestão na rede do Sistema Único de
Saúde. O compromisso ético-estético- político da humanização do Sistema
Único de Saúde se assenta nos valores de autonomia e protagonismo dos
sujeitos, de corresponsabilidade entre eles, de solidariedade dos vínculos
estabelecidos, dos direitos dos usuários e da participação coletiva no processo
de gestão.
102
Igualdade
Segundo os preceitos do Sistema Único de Saúde e conforme o texto da
Constituição Brasileira, o acesso às ações e aos serviços, para promoção,
proteção e recuperação da saúde, além de universal, deve basear-se na
igualdade de resultados finais, garantida mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos.
Integralidade
Um dos princípios constitucionais do Sistema Único de Saúde garante ao
cidadão o direito de acesso a todas as esferas de atenção em saúde,
contemplando, desde ações assistenciais em todos os níveis de complexidade
(continuidade da assistência), até atividades inseridas nos âmbitos da
prevenção de doenças e de promoção da saúde. Prevê-se, portanto, a
cobertura de serviços em diferentes eixos, o que requer a constituição de uma
rede de serviços (integração de ações), capaz de viabilizar uma atenção
integral. Por outro lado, cabe ressaltar que por integralidade também se deve
compreender a proposta de abordagem integral do ser humano, superando a
fragmentação do olhar e intervenções sobre os sujeitos, que devem ser vistos
em suas inseparáveis dimensões biopsicossociais.
Intersetorialidade
Integração dos serviços de saúde e outros órgãos públicos com a finalidade de
articular políticas e programas de interesse para a saúde, cuja execução
envolva áreas não compreendidas no âmbito do Sistema Único de Saúde,
potencializando, assim, os recursos financeiros, tecnológicos, materiais e
humanos disponíveis e evitando duplicidade de meios para fins idênticos. Se
os determinantes do processo saúde/doença, nos planos individuais e
coletivos, encontram-se localizados na maneira como as condições de vida são
produzidas, isto é, na alimentação, na escolaridade, na habitação, no trabalho,
na capacidade de consumo e no acesso a direitos garantidos pelo poder
público, então é impossível conceber o planejamento e a gestão da saúde sem
a integração das políticas sociais (educação, transporte, ação social), num
primeiro momento, e das políticas econômicas (trabalho, emprego e renda),
num segundo. A escolha do prefixo inter e não do trans é efetuada em respeito
à autonomia administrativa e política dos setores públicos em articulação.
Núcleo de Saber
Demarca a identidade de uma área de saber e de prática profissional.
institucionalização dos saberes e a sua organização em práticas se
mediante a conformação de núcleos que são mutantes e se interinfluenciam
composição de um campo de saber dinâmico. No núcleo há aglutinação
A
dá
na
de
103
saberes e práticas, compondo um grupo ou um gênero profissional e
disciplinar.
Ouvidoria
Serviço representativo de demandas do usuário e/ou trabalhador de saúde e
instrumento gerencial na medida em que mapeia problemas, aponta áreas
críticas e estabelece a intermediação das relações, promovendo a aproximação
das instâncias gerenciais.
Princípios da Política Nacional de Humanização
Por princípio entende-se o que causa ou força determinada ação ou o que
dispara um determinado movimento no plano das políticas públicas. A Política
Nacional de Humanização, enquanto movimento de mudança dos modelos de
atenção e gestão, possui três princípios a partir dos quais se desdobra
enquanto política pública de saúde: 1) A transversalidade enquanto aumento
do grau de abertura comunicacional intra e intergrupos, isto é, a ampliação da
grupalidade ou das formas de conexão intra e intergrupos promovendo
mudanças nas práticas de saúde; 2) A inseparabilidade entre clínica e política,
o que impõe a inseparabilidade entre atenção e gestão dos processos de
produção de saúde; 3) O protagonismo dos sujeitos e coletivos.
Produção de Saúde e Produção de Subjetividade
Em uma democracia institucional, diz respeito à constituição de sujeitos
autônomos e protagonistas no processo de produção de sua própria saúde.
Neste sentido, a produção das condições de uma vida saudável não pode ser
pensada sem a implicação, neste processo, de sujeitos.
Projeto de Saúde
Projetos voltados para os sujeitos, individualmente, ou comunidades,
contemplando ações de diferentes eixos, levando em conta as
necessidades/demandas de saúde. Comportam planos de ação assentados na
avaliação das condições biopsicossociais dos usuários. A sua construção deve
incluir a corresponsabilidade de usuário, gestor e trabalhador/equipes de
saúde, e devem ser considerados: a perspectiva de ações intersetoriais, a rede
social de que o usuário faz parte, o vínculo usuário equipamento de saúde e a
avaliação de risco/vulnerabilidade.
Protagonismo
É a idéia de que a ação, a interlocução e a atitude dos sujeitos ocupam lugar
central nos acontecimentos. No processo de produção da saúde, diz respeito
104
ao papel de sujeitos autônomos e corresponsáveis no processo de produção
de sua própria saúde.
Reabilitar – Reabilitação / Habilitar - Habilitação
Habilitar é tornar hábil, no sentido da destreza/inteligência ou no da autorização
legal. O “re” constitui prefixo latino que apresenta as noções básicas de voltar
atrás, tornar ao que era. A questão que se coloca no plano do processo saúde/
doença é se é possível “voltar atrás”, tornar ao que era. O sujeito é marcado
por suas experiências; o entorno de fenômenos, relações e condições
históricas e sempre muda; então a noção de reabilitar é problemática. Na
saúde, estaremos sempre desafiados a habilitar um novo sujeito a uma nova
realidade biopsicossocial. Porém, existe o sentido estrito da volta a uma
capacidade legal pré-existente e, por algum motivo, perdida, e nestes casos o
“re” se aplica.
Rede Psicossocial
Esquematicamente, todos os sujeitos atuam em três cenários: a família, o
trabalho e o consumo, onde se desenrolam as suas histórias com seus
elementos, afetos, dinheiro, poderes e símbolos, cada qual com sua força e
onde somos mais ou menos hábeis, mais ou menos habilitados, formando uma
rede psicossocial. Esta rede é caracterizada pela participação ativa e criativa
de uma série de atores, saberes e instituições, voltados para o enfrentamento
de problemas que nascem ou se expressam numa dimensão humana de
fronteira, aquele que articula a representação subjetiva com a prática objetiva
dos indivíduos em sociedade.
Redes de Atenção em Saúde
Modo de organização dos serviços configurados em redes sustentadas por
critérios, fluxos e mecanismos de pactuação de funcionamento, para assegurar
a atenção integral aos usuários. Na compreensão de rede, deve-se reafirmar a
perspectiva de seu desenho lógico, que prevê níveis de complexidade,
viabilizando encaminhamentos resolutivos (entre os diferentes equipamentos
de saúde), porém reforçando a sua concepção central de fomentar e assegurar
vínculos em diferentes dimensões: intraequipes de saúde, interequipes /
serviços, entre trabalhadores e gestores, e entre usuários e serviços / equipes.
Sujeito / Subjetividade
Território existencial resultado de um processo de produção de subjetividade
sempre coletivo, histórico e determinado por múltiplos vetores: familiares,
políticos, econômicos, ambientais, midiáticos, etc.
105
Trabalho
O trabalho tem sido identificado a emprego ou assalariamento e, também, a
tarefas e produtos esperados. O trabalho é mais que isso, é atividade que se
opõe à inércia. É o conjunto dos fenômenos que caracterizam o ser vivo. É,
assim, resistência a toda situação de heterodeterminação das normas definidas
para a sua execução. Nos processos de trabalho surgem, a todo o momento,
situações novas e “ventos imprevisíveis” não definidos pelas prescrições da
organização do trabalho. Para dar conta dessas situações, os trabalhadores
são convocados a criar, a improvisar ações. Quando as normas são seguidas
fielmente, sem serem questionadas, podemos colocar o trabalho em crise, pois
as prescrições não são suficientes para responder aos imprevistos que
acontecem a cada dia. O trabalho inclui, também, uma dimensão que não é
observável – como os fracassos e as frustrações por não poder ter sido feito
como se gostaria – e exige invenções, escolhas e decisões muitas vezes
difíceis. A atividade do trabalho, portanto, é submetida a uma regulação que se
efetiva na interação entre os trabalhadores da saúde, numa dinâmica
intersubjetiva. Somos gestores e produtores de saberes e de novidades.
Transversalidade
Nas experiências coletivas ou de grupalidade, diz respeito à possibilidade de
conexão/confronto com outros grupos, inclusive no interior do próprio grupo,
indicando um grau de abertura à alteridade e, portanto, o fomento de processos
de diferenciação dos grupos e das subjetividades. Em um serviço de saúde,
pode se dar pelo aumento de comunicação entre os diferentes membros de
cada grupo, e entre os diferentes grupos. A idéia de comunicação transversal
em um grupo deve ser entendida não a partir do esquema bilateral emissorreceptor, mas como uma dinâmica multivetorializada, em rede, e na qual se
expressam os processos de produção de saúde e de subjetividade.
Universalidade
A Constituição brasileira instituiu o princípio da universalidade da cobertura e
do atendimento para determinar a dimensão do dever estatal no campo da
Saúde, de sorte a compreender o atendimento a brasileiros e a estrangeiros
que estejam no País, crianças, jovens, adultos e idosos. A universalidade
constitucional compreende, portanto, a cobertura, o atendimento e o acesso ao
Sistema Único de Saúde, expressando que o Estado tem o dever de prestar
atendimento nos grandes e pequenos centros urbanos, e também às
populações isoladas geopoliticamente, os ribeirinhos, os indígenas, os ciganos
e outras minorias, os prisioneiros e os excluídos sociais. Os programas, as
ações e os serviços de saúde devem ser concebidos para propiciar cobertura e
atendimento universais, de modo eqüitativo e integral.
106
Usuário, Cliente, Paciente
Cliente é a palavra usada para designar qualquer comprador de um bem ou
serviço, incluindo quem confia sua saúde a um trabalhador da saúde. O termo
incorpora a idéia de poder contratual e de contrato terapêutico efetuado. Se,
nos serviços de saúde, o paciente é aquele que sofre, conceito reformulado
historicamente para aquele que se submete, passivamente, sem criticar o
tratamento recomendado, prefere-se usar o termo cliente, pois implica em
capacidade contratual, poder de decisão e equilíbrio de direitos. Usuário, isto
é, aquele que usa, indica significado mais abrangente, capaz de envolver tanto
o cliente como o acompanhante do cliente, o familiar do cliente, o trabalhador
da instituição, o gerente da instituição e o gestor do sistema.
Vínculo
Na rede psicossocial, compartilhamos experiências e estabelecemos relações
mediadas por instâncias. No caso da instância instituição de saúde, a
aproximação entre usuário e trabalhador de saúde promove um encontro, este
“ficar em frente um do outro”, um e outro sendo sujeitos, com suas intenções,
interpretações, necessidades, razões e sentimentos, mas em situação de
desequilíbrio, de habilidades e expectativas diferentes, em que um, o usuário,
busca assistência, em estado físico e emocional fragilizado, junto ao outro, um
profissional supostamente capacitado para atender e cuidar da causa de sua
fragilidade. Desse modo cria-se um vínculo, isto é, processo que ata ou liga,
gerando uma ligação afetiva e ética entre ambos, numa convivência de ajuda e
respeito mútuos.
Visita Aberta e Direito de Acompanhante
É o dispositivo que amplia as possibilidades de acesso para os visitantes de
forma a garantir o elo entre o paciente, sua rede social e os demais serviços da
rede de saúde, mantendo latente o projeto de vida do paciente durante o tempo
de internação. Brasil Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde e
Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização.
Fonte: BRASIL. Ministério da Saúde. HUMANIZA SUS. Documento base para
gestores e trabalhadores do SUS. Secretaria de Atenção à
Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. 4ª
ed.Série B. Textos Básicos de Saúde. Brasília: Editora do
Ministério da Saúde, 2008.
107
ANEXO B – Questionário para conhecer o servidor do INCL.
INSTITUTO NACIONAL DE CARDIOLOGIA LARANJEIRAS
COMISSÃO DE HUMANIZAÇÃO
CONHECENDO O SERVIDOR PARA MELHORAR O INCL
A Diretora não faz o hospital sozinha... O chefe não faz o hospital sozinho...
Precisamos conhecer e envolver você na implantação do processo de humanização do
INCL.
Dê nota de 0 à 5, dando peso paras as respostas.
Fonte: Acervo do Instituto Nacional de Cardiologia
108
ANEXO C – Questionário HUMANIZA-SUS
HUMANIZA-SUS
Você está respondendo um questionário produzido pela Comunidade Ampliada de
Pesquisa (CAP) do Humaniza-Sus do INCL, com o intuito de aprimorar a dinâmica das relações
interpessoais. Sua participação é voluntária anônima e de suma importância.
CATEGORIA
FUNCIONAL
UNIDADE
VÍNCULO
EMPREGATÍCIO
A) Você acha que a comunicação:
1. Com a sua Chefia é:
( ) Muito ruim ( ) Ruim
( ) Razoável
( ) Boa
( ) Ótima
( ) Boa
( ) Ótima
( ) Boa
( ) Ótima
2. Com os seus colegas de mesma função é:
( ) Muito ruim ( ) Ruim
( ) Razoável
3. Com colegas de diferentes funções é:
( ) Muito ruim ( ) Ruim
( ) Razoável
4. Com colegas de diversos vínculos empregatícios é:
( ) Muito ruim ( ) Ruim
( ) Razoável
( ) Boa
( ) Ótima
( ) Razoável
( ) Boa
( ) Ótima
5. Com os usuários é:
( ) Muito ruim ( ) Ruim
Comente, se quiser:___________________________________________________________
___________________________________________________________________________
B) Você se acha valorizado profissionalmente:
6. Perante a sua chefia:
Sim
(
)
Não
(
)
Se
sua
resposta
foi
Não,
justifique:____________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
7. Perante os seus colegas de mesma categoria / função:
Sim
(
)
Não
(
)
Se
sua
resposta
foi
Não,
justifique:____________________________________________________________________
109
___________________________________________________________________________
8. Perante seus colegas de diferentes categorias / funções:
Sim
(
)
Não
(
)
Se
sua
resposta
foi
Não,
justifique:___________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
9. Peranteseus colegas de diferentes vínculos empregatícios:
Sim
(
)
Não
(
)
Se
sua
resposta
foi
Não,
justifique:____________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
10. Perante os usuários:
Sim
(
)
Não
(
)
Se
sua
resposta
foi
Não,
justifique:____________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
C) Você acha que a capacitação profissional:
11. De sua chefia é:
( ) Muito ruim ( ) Ruim
( ) Razoável
( ) Boa
( ) Ótima
12. De seus colegas de mesma categoria / função é:
( ) Muito ruim ( ) Ruim
( ) Razoável
( ) Boa
( ) Ótima
13. De seus colegas de diferentes categorias / funções é:
( ) Muito ruim ( ) Ruim
( ) Razoável
( ) Boa
( ) Ótima
14. De seus colegas de diferentes vínculos empregatícios é:
( ) Muito ruim ( ) Ruim
( ) Razoável
( ) Boa
( ) Ótima
15. Na assistência aos usuários é:
( ) Muito ruim ( ) Ruim
( ) Razoável
( ) Boa
( ) Ótima
Comente, se quiser:___________________________________________________________
___________________________________________________________________________
16.Você acha que a relação interpessoal entre as chefias é:
( ) Muito ruim ( ) Ruim
( ) Razoável
( ) Boa
( ) Ótima
Fonte: Grupo de Trabalho de Humanização do Instituto Nacional de Cardiologia
110
8 APÊNDICE
Produto da dissertação
O produto da presente dissertação será um Ciclo de palestras.
OBJETIVO GERAL:
Apresentar aos profissionais de saúde o conceito de transferência, tal
como concebida pela psicanálise e suas articulações com as práticas de
humanização no ambiente hospitalar.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
1) Reforçar as práticas inseridas na Política Nacional de Humanização;
2) Familiarizar os profissionais de saúde com os conceitos psicanalíticos
relevantes;
3) Focalizar a importância dos fenômenos transferenciais para as
relações entre profissional de saúde e paciente.
JUSTIFICATIVA:
A transferência atravessa todas as relações humanas e, por esta razão,
entende-se que ele esteja também operando nas relações que se estabelecem
nas unidades de saúde, podendo influir diretamente na condução e na adesão
ao tratamento. Além disso, na prática hospitalar pode-se perceber a
importância
dos
profissionais
adquirirem
mais
instrumentos
para
o
aprimoramento das práticas de humanização no atendimento. Esta pesquisa
oferece como contribuição, neste sentido, as considerações e articulações
feitas entre o conceito de transferência e a Política Nacional de Humanização,
por isso a proposta de multiplicar através de palestras, estas considerações
entre os profissionais envolvidos nas práticas em unidades de saúde.
PÚBLICO ALVO:
- Profissionais de saúde;
- Profissionais de outras áreas envolvidos na assistência a pacientes em
unidades de saúde.
111
CONTEÚDO:
1) A Política Nacional de Humanização;
2) A humanização no ambiente hospitalar;
3) Uma experiência de práticas de humanização numa unidade pública
de saúde;
4) A Transferência como instrumento para a política de humanização.
METODOLOGIA:
Palestras em unidades de saúde e em eventos científicos, através de
exposição oral e material audiovisual.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Sistema Único de Saúde
(SUS): princípios e conquistas. Brasília, 2000.
_______. Ministério da Saúde. Núcleo técnico da política de HUMANIZASUS: Política Nacional de Humanização; Ministério da Saúde Secretaria Executiva; Brasília; 2003.
_______. Ministério da Saúde. HUMANIZA-SUS. Documento base para
gestores e trabalhadores do SUS. Secretaria de Atenção à Saúde.
Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. 4ª ed. Série B.
Textos Básicos de Saúde. Brasília: Editora do Ministério da Saúde,
2008.
_______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política
Nacional de Humanização: Formação e intervenção. Brasília, 2010.
FREUD, S. (1893-1895). Estudos sobre a histeria. In: Edição Standard
Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (ESB),
op. cit., v.2.
_______. (1905a). Fragmentos da análise de um quadro de histeria. In: ESB,
op. cit., v.7.
_______. (1912). A dinâmica da transferência. In: ESB, op. cit., v12.
_______. (1914a). Recordar, repetir e elaborar (novas recomendações sobre a
técnica da psicanálise II). In: ESB, op. cit., v.12.
112
_______. (1914b) Sobre o narcisismo: uma introdução. In: ESB, op. cit., v.14.
_______. (1915). Observações sobre o amor transferencial. In: ESB, op. cit.,
v.12.
_______. (1917a). Luto e melancolia. In: ESB, op. cit., v.14.
_______. (1917b). Teoria geral das neuroses. In: ESB, op. cit., v.1.
LACAN, J. (1960-1961). O seminário, livro 8: a transferência. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2010.
LACAN, J. (1964). O seminário, livro11: os quatro conceitos da psicanálise.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
MILLER, J. Percurso de Lacan: uma introdução. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed.,1987.
NASCIMENTO, L. (& cols.). Política Nacional de Humanização: desafios da
implementação em um hospital público de alta complexidade. In:
Editorial Laranjeiras, v.1, n°4, set, 2004, p.56- 60.
Download