A Evolução Recente do Custo Unitário do Trabalho no Brasil O mercado de trabalho é fonte importante de indicadores para a condução da política monetária. Entre as variáveis utilizadas na mensuração do grau de ociosidade (aperto) do mercado de trabalho, a taxa de desemprego e, mais precisamente, o hiato do desemprego (i.e. a diferença entre a taxa de desemprego e a taxa natural de desemprego) se destacam. Essa relação é bastante conhecida na literatura econômica por meio da chamada Curva de Phillips1 . Assim como o hiato do desemprego, outro indicador-chave que procura avaliar se existem pressões inflacionárias latentes na economia advindas do mercado de trabalho é o chamado Custo Unitário do Trabalho (CUT). Além da questão relacionada à inflação, a queda contínua e acentuada da taxa de desemprego e o desempenho aquém do esperado do setor industrial em relação ao resto da economia também tem sido objeto de várias análises. Uma hipótese central, nesse caso, é a de que esse resultado é explicado, em grande parte, pela perda de competitividade da indústria brasileira. Um dos fatores que podem ajudar a explicar esse fenômeno é o CUT. A dinâmica do mercado de trabalho afeta diretamente o custo da mão de obra e, portanto, o CUT2 . Dessa forma, dada a relevância do assunto, este boxe atualiza o texto “O Custo Unitário do Trabalho na Indústria”, publicado no Relatório de Inflação de dezembro de 2007. O Gráfico 1 mostra a correlação mensal entre as variações do CUT – definido formalmente em 1/ A relação teórica destacada por essa curva implica que quando o hiato está negativo (i.e. a taxa de desemprego é inferior à taxa natural de desemprego) a inflação tende a subir, e vice-versa. Ver, por exemplo, DA SILVA FILHO (2008). 2/ Tanto o mercado de trabalho como o CUT foram objeto de análises recentes. Com relação ao primeiro, ver DA SILVA FILHO (2008 e 2012). Sobre o CUT, o Relatório de Inflação de dezembro de 2007 apresentou boxe sobre o assunto. 92 | Relatório de Inflação | Dezembro 2012 Gráfico 1 – Correlograma cruzado entre CUT e inflação Janeiro de 2003 a setembro de 2012 1,0 0,8 0,5 0,3 0,0 -0,3 -0,5 -0,8 -1,0 1 5 9 IPCA x CUT 13 17 CUT x IPCA 21 25 seguida – e a taxa de inflação em doze meses, medida pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). De fato, pode-se notar que as correlações entre a variação do IPCA e as defasagens do CUT são estatisticamente significativas a partir da segunda defasagem, e permanecem significativas até a décima quarta defasagem. A correlação máxima ocorre entre o sétimo e o nono mês. Essa evidência mostra que parece haver uma precedência temporal entre aumentos do CUT e aumentos da inflação, sugerindo que o CUT é um indicador antecedente relevante de pressões inflacionárias. Além disso, note que o inverso não é verdadeiro, ou seja, o CUT não apresenta correlação significativa com defasagens da inflação. O CUT procura medir o custo do fator trabalho envolvido em cada unidade de produto. Dessa forma, é definido como a razão entre os custos totais do trabalho e o nível real de produção, como mostra a equação (1): CUT = C y (1) na qual C representa os custos totais nominais do trabalho e y o produto real. Deve-se notar que esses custos devem incluir não apenas os custos salariais, mas todos os gastos efetivamente realizados pelo empregador em benefício do trabalhador. Ou seja, além dos salários, incluem-se também as contribuições previdenciárias feitas pelo empregador, eventuais participações em lucros ou resultados, horas extras, custos com treinamento e planos de saúde, impostos sobre a folha de pagamento e quaisquer outros gastos relacionados direta ou indiretamente com o empregado. Ou seja, o CUT mostra quanto custa – em termos do insumo trabalho – produzir uma unidade de produto. Notese, portanto, que esse indicador também pode ser utilizado para avaliar a competitividade de algum setor ou país, e não apenas para se analisar a existência de pressões inflacionárias. Para se entender com maior clareza a dinâmica do CUT é útil expressá-lo de maneira Dezembro 2012 | Relatório de Inflação | 93 alternativa. Ao se dividir o numerador e o denominador pela quantidade do insumo trabalho (e.g. horas trabalhadas) utilizada na produção, podese expressar o CUT como sendo a razão entre o custo médio do trabalho e a produtividade da mão de obra, como definido na equação (2) 3 . CUT = C H h = y H A (2) em que h é o custo médio por hora trabalhada e A é a produtividade por hora trabalhada. A equação (2) mostra que o CUT subirá apenas se o custo médio do trabalho aumentar mais que a produtividade do trabalho. Ou seja, se os custos referentes ao fator trabalho estiverem subindo, mas de forma mais comedida que os ganhos de produtividade, então as pressões inflacionários estariam, em princípio, controladas. Gráfico 2 – Indústria de transformação: CUT e componentes % em doze meses 20 15 10 5 0 -5 Mai Jan 2003 2004 Set Mai Jan 2005 2006 Set CUT Mai Jan 2007 2008 Set Mai Jan 2009 2010 Custo-hora do trabalho Set Mai Jan 2011 2012 Produtividade Obs.: Evolução nos últimos doze meses em relação a igual período imediatamente anterior. Set O Gráfico 2 mostra a evolução do CUT para a indústria de transformação desde 2003, assim como sua decomposição de acordo com a equação (2). Alguns fatos se destacam no comportamento do CUT desde então. Durante o período compreendido entre o último trimestre de 2006 até o primeiro trimestre de 2008 a tendência do CUT, que era declinante, parecia ter se estabilizado em torno de patamar levemente acima de 3%. Desde então, e claramente nos doze meses que se seguiram à eclosão da crise internacional, em setembro de 2008, o CUT sofreu forte aceleração para, logo depois, cair de maneira intensa, fase que durou até fins de 2010. Essas oscilações abruptas são de difícil explicação sob o ponto de vista unicamente econômico, e parecem estar intimamente ligadas a problemas de mensuração que permeiam os indicadores do mercado de trabalho4 . Entretanto, pode-se observar que a produtividade tem um caráter pró-cíclico e esse fato pode ser visto de maneira clara nos meses seguintes à eclosão da crise de 2008, assim como na recuperação acentuada que adveio posteriormente. 3/ Outra maneira de se decompor o CUT é dividindo pelo número de trabalhadores, ao invés de usar o número de horas. O número de trabalhadores, entretanto, não é a melhor maneira de se medir os serviços do trabalho, tendo em vista que os erros de mensuração são maiores, comparados aos erros quando se utiliza o número de horas. Não obstante, a dinâmica seria similar à apresentada no Gráfico 2. 4/ Ver DA SILVA FILHO (2012). 94 | Relatório de Inflação | Dezembro 2012 Essa dinâmica explicaria, em parte, as fortes oscilações observadas naquele período. Desde 2011, contudo, mais de dois anos após o início da crise internacional de 2008/2009, o CUT começou a subir de maneira consistente e, atualmente, se encontra em patamar elevado, mostrando que o quadro atual sugere pressões inflacionárias oriundas do mercado de trabalho. De fato, contribuíram para a elevação recente tanto o aumento do custo médio do trabalho como a evolução menos favorável da produtividade 5 . Referências DA SILVA FILHO, T. N. T. (2008). Searching for the Natural Rate of Unemployment in a Large Relative Price Shocks’ Economy: the Brazilian Case. Banco Central do Brasil, Working Paper Series, n. 163. DA SILVA FILHO, T. N. T. (2012). Going Deeper into the Link Between the Labour Market and Inflation. Banco Central do Brasil, Working Paper Series, n. 279. BANCO CENTRAL DO BRASIL (2007). O Custo Unitário do Trabalho na Indústria. Relatório de Inflação, v. 9 (4), 121-125. 5/ Apesar de o CUT ter sido calculado para o setor industrial – mais precisamente para a indústria de transformação –, é bastante plausível assumir, dada a evolução dos demais setores da economia, que as inferências aqui contidas possam ser estendidas para o resto da economia. De fato, além de o desempenho recente do setor industrial ter sido inferior ao de outros setores da economia (e.g. serviços), indicadores desagregados do mercado de trabalho mostram que a redução da taxa de desemprego ocorre de maneira ampla, se estendendo por diversos setores econômicos. A esse respeito, vide o Trabalho para Discussão nº 279 (2012) e, mais indiretamente, o boxe “Salário Real e Produtividade, alterações recentes” (http://www.bcb.gov.br/pec/boletimregional/port/2011/04/br201104b4p.pdf), no Boletim Regional do Banco Central de abril de 2011. Dezembro 2012 | Relatório de Inflação | 95