O Custo Unitário do Trabalho na Indústria

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O Custo Unitário do Trabalho na Indústria
O mercado de trabalho é fonte de indicadores
muito importantes à condução da política monetária
como, por exemplo, a taxa de desemprego, os níveis
de salários e emprego e o número de horas
trabalhadas. Ao analisá-los os bancos centrais
enfrentam duas dificuldades. Primeiro, esses
indicadores podem mostrar evidências conflitantes
entre si, seja porque nem todos apontam para a
mesma direção, seja porque eles podem evoluir com
intensidades diferentes. Segundo, ainda que os
indicadores apontem para um cenário comum, é
fundamental avaliar se existe de fato algum
desequilíbrio imediato ou latente no mercado de
trabalho, e em que grau. Um indicador que tem
justamente esse objetivo é o hiato do desemprego,
em cuja definição se encontra o conceito da taxa
natural de desemprego. Quando o hiato está negativo
(i.e. a taxa de desemprego é inferior à taxa natural
de desemprego) a inflação tende a subir, e vice-versa.
Embora menos conhecido, há outro
indicador que também procura avaliar a existência
de pressões inflacionárias advindas do mercado de
trabalho: o Custo Unitário do Trabalho (CUT). A
definição mais usada do CUT é aquela dada pela
razão entre os custos totais nominais do trabalho e o
nível real de produção, como mostra a equação (1)
CUT =
C
y
(1)
onde y representa o produto real e C os custos totais
nominais do trabalho, que incluem não apenas os
custos salariais, mas todos os gastos efetivamente
realizados pelo empregador em benefício do
trabalhador. Ou seja, além dos salários, incluem-se
as contribuições previdenciárias feitas pelo
empregador, eventuais participações em lucros ou
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resultados, horas extras, custos com treinamento e
planos de saúde, impostos sobre a folha de
pagamento e quaisquer outros gastos relacionados
direta ou indiretamente com o empregado. Portanto
o CUT mostra quanto custa, em termos do insumo
trabalho, produzir uma unidade de produto.
O CUT pode ser expresso de outra maneira
– mais reveladora – ao se dividir o numerador e o
denominador pela quantidade do insumo trabalho
usado na produção. Por exemplo, podemos dividir
ambos pelo número de horas trabalhadas
CUT =
C H h
=
y H A
(2)
onde h é o custo total médio do trabalho (por hora
trabalhada) e A é a produtividade do trabalho. Outra
opção seria dividir pelo número de trabalhadores
utilizados no processo produtivo.
A equação (2) é particularmente útil ao
mostrar que o CUT subirá apenas se o custo total
médio do trabalho exceder a produtividade por hora.
Uma implicação desta “leitura” é que não se pode
inferir as consequências dos aumentos salariais sobre
a inflação apenas pela sua magnitude. Ou seja,
variações salariais per se podem ser indicadores
enganosos da emergência de pressões inflacionárias,
pois devem ser confrontadas com os ganhos de
produtividade. Por exemplo, se os salários estão
subindo a um ritmo aparentemente incompatível com
a estabilidade de preços (aumento de h), mas cuja
magnitude é igual ou inferior aos ganhos de
produtividade (aumento igual ou maior de A), então
não há ameaça inflacionária, advinda do
comportamento dos rendimentos do trabalho, no
horizonte, já que o CUT não está subindo. Essa
definição particular do CUT enfatiza a dinâmica
apresentada pelos salários (e outros custos
associados ao trabalho), e é muito utilizada, por
exemplo, para se avaliar a competitividade de custos
entre países.
Além disso, ao se comparar a variação do
CUT com a taxa de inflação pode-se ter uma idéia
se existe alguma pressão de demanda oriunda do
mercado de trabalho, o que pode pressionar a
inflação. Esse é exatamente o objetivo que está por
trás do conceito da taxa de natural de desemprego e
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da curva de Phillips. Por exemplo, se o CUT está
subindo, mas está abaixo da taxa de inflação (i.e. o
CUT real está caindo), as pressões inflacionárias
tendem a ser contidas. Por outro lado, se o CUT sobe
acima da taxa de inflação (i.e. o CUT real está
subindo) esperam-se pressões sobre a taxa de
inflação provenientes do mercado de trabalho. Ou
seja, em princípio, o CUT pode ser um indicador
relevante de pressões inflacionárias.
A análise acima nos remete a uma segunda
definição de CUT, mostrada pela equação (3): o CUT
real (CUTR)
CUTR =
c H
l
=
y H A (3)
onde c = C P são os custos reais totais do trabalho
(i.e. deflacionado pela inflação) e l é o custo médio
real total do trabalho. Dessa forma, quando o CUTR
está subindo isso significa que o custo médio real
do trabalho está subindo mais rápido que a
produtividade e, portanto, pressões inflacionárias
podem estar se formando mais adiante.
Note que o CUT é um indicador sintético,
pois coloca sob mesma perspectiva diversas variáveis
como os custos do trabalho, o nível de produção, a
produtividade e a inflação, e pode ser entendido
como um indicador que tenta resumir a qualidade
do ciclo econômico. Se a economia estiver em um
ciclo expansionista, mas o CUT sinalizar pressões
de custos oriundas do mercado de trabalho,
provavelmente essa expansão levará a pressões
inflacionárias e, portanto, não terá vida longa.
Gráfico 1 – Indústria de transformação: CUT e
componentes – % 12 meses
%
16
14
12
10
8
6
4
2
0
-2
Jan
2003
Set
Mai
2004
Jan
2005
CUT
Produtividade do trabalho
Set
Mai
2006
Jan
2007
Set
Custo-hora do trabalho
É importante notar algumas limitações desse
indicador. Por exemplo, os custos do insumo trabalho
são apenas um dos custos incorridos pela firma durante
o processo produtivo. Por exemplo, outro custo
essencial é o custo com máquinas, equipamentos e
edificações (i.e. capital fixo). Dessa forma, mesmo
que o CUT esteja subindo é possível que o custo total
de produção permaneça inalterado ou até mesmo caia.
Por outro lado, elevações nesses outros custos podem
engendrar pressões inflacionárias mesmo que haja
moderação nos custos do trabalho.
O Gráfico 1 mostra a evolução da taxa de
variação do CUT em doze meses, para a indústria de
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transformação brasileira desde fins de 2002 até julho
de 2007, assim como sua decomposição de acordo com
(2). Nesse caso o CUT é definido como a razão entre a
folha de pagamento da indústria de transformação e a
produção industrial dessazonalizada, ambas divulgadas
pelo IBGE. Sua decomposição é feita dividindo-se
ambas variáveis pelo número de horas trabalhadas,
divulgado pela CNI.1
Note que, depois de se acelerar no início da
amostra, o CUT chegou a crescer a taxas superiores a
10% na primeira metade de 2004, refletindo aumentos
salariais superiores aos ganhos de produtividade, em
decorrência do aumento da inflação que se seguiu à
forte depreciação da taxa de câmbio nos anos de 2001
e 2002. Após o pico atingindo em meados de 2004 o
CUT industrial vinha caindo, mas nos últimos oito
meses apresentou estabilização em nível próximo ao
da inflação corrente no período. Entretanto, apesar
da aceleração recente do PIB, as evidências resumidas
nesse gráfico sugerem que pressões inflacionárias
advindas do mercado de trabalho (industrial) ainda
não emergiram.
Gráfico 2 – Correlograma Cruzado entre CUT e Inflação
(%)
1,1
0,9
0,7
0,5
0,3
0,1
-0,2
-0,4
-0,6
-0,8
0
5
10
CCF - CUT x IPCA
15
CCF - IPCA x CUT
20
Por sua vez, o Gráfico 2 mostra a correlação
mensal entre as variações (i.e. diferença percentual
entre a média dos índices dos últimos doze meses
contra os doze meses imediatamente anteriores) do
CUT e do IPCA. Note que as correlações são
significativas nas duas direções. Contudo enquanto
a correlação entre o CUT e defasagens da inflação
decai rapidamente e deixa de ser significativa na
quinta defasagem, a correlação entre a inflação e
defasagens do CUT aumenta até a terceira/quarta
defasagem e passa a decrescer posteriormente,
permanecendo significativa até a décima sexta
defasagem. Ou seja, parece haver uma precedência
temporal entre aumentos do CUT e aumentos da
inflação, fato que sugere que o CUT é um indicador
antecedente relevante de pressões inflacionárias.
Note, entretanto, que as correlações mais elevadas
ocorrem entre a inflação contemporânea e variações
do CUT entre dois e três trimestres atrás.
1/ A amostra é pequena, pois a série atual da folha de pagamento começou a ser publicada em dezembro de 2000. Note ainda que, dado que os
valores referentes ao mês de dezembro são muito maiores do que os demais meses, devido ao pagamento do décimo terceiro salário, o valor para
aquele mês foi suavizado calculando-se a média dos meses adjacentes.
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Deve-se enfatizar que o CUT calculado
acima não reflete desenvolvimentos que ocorrem na
economia agregada, mas apenas no setor industrial,
enquanto a inflação reflete pressões advindas de toda
a economia. Segundo, a inflação é afetada por vários
fatores, especialmente no curto prazo, como, por
exemplo, choques de oferta. Finalmente, como
mencionado, o CUT representa apenas parte dos
custos totais da firma. É importante ressaltar,
também, que o CUT da indústria pode,
eventualmente, subestimar o CUT agregado em
momentos de demanda doméstica aquecida (como
atualmente experimentado pela economia brasileira),
visto que nesse setor, em contraste com o setor de
serviços, preços e custos tendem a ser disciplinados
pela competição internacional.
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