1 Acidente Profissional com Risco Biológico e Exame Sorológico

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Acidente Profissional com Risco Biológico e Exame Sorológico sem Consentimento
Benedito de Pina Almeida Prado Júnior
CREMESP 51.681
OAB-SP 270.641
1. Introdução
No contexto da relação terapêutica ocorrem acidentes onde o profissional de saúde ou o
paciente ficam sob risco de contrair um do outro infecções transmissíveis pela
exposição a sangue ou outros materiais biológicos.
Conhecer a condição de portador de infecção transmissível daquele a cujo material
biológico houve exposição tem importância relevante, pois alguns procedimentos
terapêuticos, não isentos de efeitos adversos, podem sem adotados com o objetivo de
reduzir o risco de transmissão da infecção.
Dessa forma, se aquele que é a fonte do material biológico contaminante negar
consentimento para os testes sorológicos estaremos diante de um conflito de interesses
de grande magnitude em virtude dos valores envolvidos, a autodeterminação e a
intimidade deste em contraposição à inviolabilidade da vida e integridade física do
acidentado.
Na solução desse conflito devemos considerar no caso em concreto, se há justificativa
ética para suplantar a autodeterminação do indivíduo pelo benefício à saúde de outrem,
bem como se nosso ordenamento jurídico dá abrigo a essa conduta.
2. Conceitos Gerais
2.1. Acidente Profissional com Risco Biológico
Lesões acidentais, bem como procedimentos terapêuticos ou diagnósticos que agridem a
integridade de pele ou mucosa, ou ainda, que expõem pele não íntegra, mucosas ou
cavidades a secreção biológica de terceiros trazem consigo o risco de transmissão de
infecções.
Esta bastante documentada a transmissão acidental envolvendo profissionais de saúde e
pacientes de infecção pelos vírus da Hepatite B (HBV), Hepatite C (HCV) e da
Síndrome de Imunodeficiência Adquirida Humana (HIV).1,2, 3, 4
2.2. Risco de Transmissão de Infecções por Acidente Profissional
Esse risco tem vários componentes, a saber:
• Incidência do acidente na instituição;
• Fonte da contaminação: prevalência da infecção nesta população;
• Potencial infectante do material biológico inoculado
o Material biológico: sangue, excretas e secreções;
o Vírus: viabilidade, carga viral e infectividade.
• Meio de contaminação: cortantes, perfurantes com ou sem lúmen;
• Imunidade daquele que foi contaminado;Disponibilidade e eficácia de medidas
terapêuticas profiláticas, que envolve desde a eficácia farmacológica até a
tolerância e adesão ao tratamento profilático.
1
Puro V, Scognamiglio P, Ippolito G. HIV, HBV, or HCV transmission from infected health care
workers to patients. Med Lav; v. 96 (6), p. 556-568, 2003.
2
Reitsma, A. M. et al. Infected Physicians and Invasive Procedures: Safe Practice Management. Clinical
Infectious Diseases; v. 40, p. 1665-1672, 2005.
3
Hassehorn and Hoffmann apud Roggendorf, M; Viazov, S. Health care workers and hepatitis B. Journal
of Hepatology; v. 39, p. S89-S92, 2003.
4
Occupational HIV infection among health care workers exposed to blood and body fluids in Brazil.
American Journal of Infection Control; v. 34 (4). P. 237-240.
2
2.3. Incidência de Acidentes Profissionais com Risco Biológico
Refere-se ao número de acidentes em um determinado período de tempo.
A incidência de acidentes envolvendo material biológico na instituição é fator
importante de cálculo de risco, tanto mais importante, porque seu conhecimento permite
medidas de profilaxia que têm grande impacto em sua redução.
A ocorrência de sub-notificação, quer pela ausência de diagnóstico quer pela inércia em
organizar-se é causa relevante de sub-avaliação do risco.
O perfil institucional, seja pelas características de seus profissionais, de seus pacientes,
das espécies e do número de procedimentos que realiza, bem como das medidas de
acompanhamento de risco e de profilaxia, importa na classificação de risco, portanto, é
desejável que essa análise seja individualizada por instituição, sendo que bons
resultados podem levar a disseminação de boas práticas para as demais.
Estudo realizado no ambulatório de acidentes ocupacionais do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP, durante o período de maio de 2004 a
maio de 2005, verificou a notificação de 602 acidentes envolvendo profissionais de
saúde. Desses, 230 ocorridos no Hospital das Clínicas Campus (38,2%), 83 na Unidade
de Emergência do Hospital das Clínicas (13,8%) e o restante em outras instituições de
saúde da região.
De acordo com a categoria profissional, em ordem decrescente, foram mais afetados os
técnicos, auxiliares e atendentes de enfermagem (31,2%), médicos (23,4%), estudantes
(18,6%), enfermeiros (8,5%), auxiliares de serviços de limpeza, lavanderia e serventes
(6,8%), dentistas (3,3%), técnicos e auxiliares de laboratórios (1,8%), biologistas e
biomédicos (1%), farmacêuticos (0,7%), fisioterapeutas (0,3%), outras (2,8%).
Dos pacientes fontes, 2,3% eram soropositivos para o HBV (HBsAg), 6,5% para o HCV
e 8% para o HIV. No período estudado não houve soroconversão para o HBV, o HCV
ou o HIV. 5
2.4. Prevalência da Infecção
Indica o número de pessoas infectadas em uma população, quer sejam profissionais de
saúde ou pacientes. De maneira geral, a prevalência dessas infecções varia
geograficamente. Na Europa, estima-se prevalência de infecção pelo HBV de 0,3 a 3% e
pelo HCV de 0,5% nos países do norte a 2% nos países mediterrâneos6.
No Brasil, políticas públicas foram adotadas para redução da prevalência da infecção
pelo HBV desde 1992.
Em relação aos profissionais de saúde, devido à vacinação sistemática, o problema
tende a limitar-se aqueles profissionais que já eram infectados anteriormente e aos não
respondedores a vacinação.
Para o restante da população, devido ao programa adotado de vacinação para o HBV,
que inclui as crianças até os 19 anos de idade, os submetidos a tratamento dialítico e os
receptores de transfusão, podemos antever que teremos redução progressiva e
significativa da prevalência desta infecção, sendo que uma ampliação do programa de
vacinação, atingindo toda a população poderá antecipar essa meta.
Quanto aos vírus HCV e HIV, ainda não existem vacinas eficazes, portanto, a redução
de sua prevalência passa pelo diagnóstico dos portadores e medidas educativas e
terapêuticas visando reduzir sua propagação, cuja eficácia depende de contexto sócio5
Machado, AA. Fatores relacionados à adesão em trabalhadores da área da saúde que sofreram acidente
ocupacional com risco biológico. Tese de livre docência apresentada à Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto-USP, 2006.
6
Puro V et al. European Recommendations for the management of healthcare workers occupationally
exposed to hepatitis B virus and hepatitis C virus. Eurosurveillance; v. 10 (10), 260-264.
3
cultural, mudanças efetivas de hábitos, com eficiência a ser demonstrada em longo
prazo, assim, devemos estar preparados para conviver com esse risco.
Conhecer a prevalência nessas populações de profissionais de saúde ou de seus
pacientes, embora desejável, pois é essencial para o cálculo de risco na instituição
hospitalar, esbarra em direitos da personalidade consagrados no Estado de Direito,
sendo que prevalece o respeito à privacidade.
Entretanto, estudos institucionais, com o adequado consentimento das partes envolvidas
não estão fora do alcance, desde que se assegure o respeito ao sigilo dos resultados e a
disponibilidade de medidas terapêuticas e de seguimento clínico àqueles soropositivos.
2.5. Infectividade
É a capacidade de um determinado agente infeccioso produzir infecção. Há ampla
documentação científica demonstrando que o HBV é mais infectante que o HCV, que
por sua vez é mais infectante que o HIV. Adicionalmente, sabemos que afeta muito a
infectividade, a viabilidade biológica e a carga viral, isto é, o número de partículas
virais infectantes no material.
3. Registros de Transmissão de HBV, HCV e HIV por Acidente Profissional
Em revisão da literatura realizada, analisando 219 referências relativas à contaminação
de profissionais de saúde por pacientes infectados com HIV, Cristiane Rapparini7
encontrou 4 casos documentados de transmissão da infecção.
Todos os casos relatados envolviam a equipe de enfermagem e se deram após exposição
percutânea; 75% delas ocorreram com agulhas utilizadas para punção de veias ou
artérias do paciente fonte; 75% desses pacientes tinham provavelmente altas cargas
virais e baixas contagens de linfócitos CD34+.8 Dois desses casos apresentaram
soroconversão apesar de iniciada terapêutica profilática pós-exposição e somente um
caso apresentou sintomatologia compatível com infecção retroviral aguda.
Huertas ET AL, analisando esse problema em instituição hospitalar mexicana, no
período de junho de 1987 a dezembro de 1993, verificou a notificação de 260 acidentes
envolvendo 240 trabalhadores. Funcionários da limpeza e da manutenção foram os
principais afetados (32%), seguidos pelos profissionais de enfermagem (27%) e
estudantes de medicina (20%). Verificaram soroconversões: 1 em 10 exposições para o
HBV, 1 em 9 exposições para o HCV e 1 em 54 para o HIV. 9
4. Medidas de Redução de Riscos
Entre elas podemos mencionar:
• A vacinação para HBV de todos os profissionais de saúde não imunizados para
HBV da instituição hospitalar e da população em geral;
• O conhecimento das situações de risco com medidas de redução deste, como os
cuidados com objetos perfuro-cortantes, evitando recapeamento de agulhas,
acondicionamento adequado de lixo hospitalar;
• Uso de material descartável, técnicas de esterilização validadas para o material
reutilizável;
• Uso preferencial de técnicas minimamente invasivas;
7
Rapparini, C. American Journal of Infection Control; v. 34 (4), p. 237-240, 2006.
Indicativo de imunidade comprometida.
9
Huertas et al. Occupational accidents and incidence of HIV infection and hepatitis B and C at a Mexican
institution. Rev Invest Clin; vol 47(3), p. 181-187, 1995.
8
4
• Conhecimento prévio da condição infectante dos profissionais de saúde,
resguardando o sigilo médico, com orientação especializada caso a caso de
restrições a participação em procedimentos com maiores riscos de acidentes;
• A instituição de Profilaxia Pós Exposição (PPE) imediatamente após o acidente,
visando à redução do potencial infectante, caso a caso, de acordo com o estado
sorológico do paciente fonte ou do profissional fonte, evitando uso de agentes
anti-retrovirais, imunoglobulinas ou outros tratamentos desnecessários e sujeitos
a efeitos adversos.
5. Benefício da Realização dos Testes
Um bom exemplo do benefício terapêutico desse conhecimento foi demonstrado em
vários trabalhos científicos onde o tratamento com anti-retrovirais na gestante10,11 e no
recém nascido12 reduziram drasticamente a transmissão vertical do HIV.
Em 1990, devido à epidemia por abuso de drogas endovenosas, no Estado de
Connecticut, uma em cada 58 mulheres que deram a luz estava infectada por HIV.
Dessa forma, tendo conhecimento do benefício da terapia antri-retroviral na prevenção
da transmissão vertical, em 01/10/1999, foi editado mandamento legal, Connecticut
Public Act 99-2, que obrigava as gestantes a se submeterem a testes sorológicos prénatais, a fim de controlar as mais elevadas taxas de transmissão vertical dos EUA.
Cinco anos após a vigência do teste compulsório verificou-se que 33% das gestantes
com HIV foram diagnosticadas durante a gestação, em virtude do teste compulsório, e o
risco de transmissão vertical do HIV declinou de 20% para os casos não tratados para
menos que 1%.13
6. O Problema Ético-Legal
Ocorrendo o acidente, sendo o material biológico fonte de contaminação proveniente de
paciente ou de profissional de saúde, temos questões relevantes que afetam a conduta a
ser adotada, a saber:
• Profilaxia pós-exposição (PPE). Existência de medidas terapêuticas profiláticas
eficazes na tentativa de evitar a transmissão da infecção, que, se indicadas,
devem ser iniciadas o mais rápido possível:
o HBV: de acordo com a susceptibilidade do acidentado pode ser utilizada
a vacina para HBV e a imunização passiva com imunoglobulina para
hepatite B.
o HIV: uso de anti-retrovirais.
o Não há profilaxia pós-exposição para o HCV, apenas o seguimento para
o diagnóstico precoce da infecção.
• A PPE é recomendada dependendo do estado vacinal do acidentado e do
conhecimento do estado de portador da infecção ou do risco de sê-lo daquele
que é fonte do material biológico.
10
Andiman et al. Rate of transmission of human immunodeficiency virus type 1 infection from mother to
child and short-term outcome of neonatal infection. American Journal of Diseases in Children; v. 144, p.
758-766, 1990.
11
Simpson, B. J., Shapiro, E. D., & Andiman, W. A. Redution in the risk of vertical transmission of HIV1 associated with treatment of pregnant women with orally administered zidovudine alone. Journal of
Adquired Immune Deficiency Syndrome and Human Retrovirology; v. 14, p. 145-152, 1997.
12
Connors et al. Reduction of maternal-infant transmission of immunodeficiency virus type 1 with
zidovudine treatment. New England Journal of Medicine; v. 331, p. 1173-1180, 1994.
13
Simpson, B. J., Forsyth, B. W. C. State-Mandated HIV Testing in Connecticut: Peronal Perspectives of
Women Found to Be Infected During Pregnancy. Journal of the Association of Nurses in AIDS Care, v.
18 (5), p. 34-46, 2007.
5
• As várias possibilidades de PPE não são isentas de efeitos colaterais, assim, seu
uso deve ser restrito às condições de risco relevantes, em especial, o uso de
agentes anti-retrovirais.
• O conhecimento do estado de portador da pessoa fonte do material biológico
depende de seu consentimento.
• A possibilidade de dano moral àquele que tem revelado seu estado sorológico
em virtude de potencial discriminatório relacionado ao estado de portador de
HIV, HBV ou HCV, bem como às conseqüências que essa condição traz consigo
nas relações sociais e familiares, em especial, na relação matrimonial.
Assim, a fim de orientar a indicação de PPE, informações a respeito daquele que é fonte
do material biológico são essenciais, pois podem evitar o uso desnecessário de medidas
terapêuticas com potenciais riscos ao acidentado.
Dessa forma, havendo a recusa em dar a conhecer seu estado sorológico, fornecer
informações sobre seu passado de doenças sexualmente transmissíveis, atividades
sexuais de risco ou uso de drogas endovenosas ou autorizar a realização de testes
sorológicos, teremos um conflito de natureza ética e legal que é o objeto dessa
discussão.
Nesse sentido, devemos responder se há justificativa ética para suplantar o direito de
autodeterminação daquele que recusa colaborar em benefício de outrem, bem como se
nosso ordenamento jurídico abriga a possibilidade de exame compulsório nessa
condição.
6.1. Aspecto Ético, a Relação Terapêutica
Nesta o profissional de saúde assume riscos para sua saúde inerentes ao tipo de
atividade e, da mesma forma, o paciente, ao submeter-se a procedimentos médicos,
também assume riscos conscientes relacionados ao tratamento.
Essa relação precisa buscar um equilíbrio e tanto não se deve admitir que um paciente
se submeta a riscos desnecessários, quanto ao profissional de saúde também não se pode
exigir que se submeta a riscos além dos estritamente indispensáveis para a prestação da
assistência devida.
O profissional de saúde tem o compromisso de cuidado e obrigação de meios, e, quando
fonte de contaminação, a informação sobre seu estado sorológico que venha a indicar ou
não a PPE é meio a seu alcance e, portanto, é eticamente inaceitável sua omissão.
Partimos do princípio que o paciente se submete somente aos riscos inerentes à
intervenção terapêutica ou diagnóstica, sendo que, após a ocorrência do acidente, o risco
de se submeter a tratamento desnecessário ou de não realizar tratamento necessário não
é essencial à relação terapêutica, portanto, deve ser evitado.
Nesse mesmo sentido, quando a fonte de contaminação for material biológico do
paciente, sua recusa significará uma afronta ética no mínimo tão grave quanto à recusa
do profissional, pois caracterizaria uma relação egoística, negando o devido respeito à
integridade física daquele que o acolhe e protege, apesar dos riscos.
Assim entendo, porque se previamente ao estabelecimento da relação terapêutica ambos
soubessem da predisposição um do outro de não se importar com essa questão,
provavelmente essa relação terapêutica não se estabeleceria. O paciente poderia
procurar outro profissional mais consciencioso e o profissional poderia eticamente
declinar de prestar assistência submetendo-se a risco além dos inerentes a assistência.
Portanto, concluo que fornecer amostra para testes sorológicos é dever ético recíproco
em casos de contaminação acidental.
6
6.2. O Problema Legal
Qualquer procedimento médico deve ser precedido de Consentimento Informado do
paciente, assim, não havendo autorização prévia, a coleta ou a simples execução do teste
em amostra coletada para outro fim pode caracterizar Constrangimento Ilegal14,15
Dessa forma, nosso ordenamento não prevê explicitamente a possibilidade de testes
compulsórios.
Em sentido oposto, entendo que o artigo 146 do Código Penal, em seu § 3º 16, em uma
interpretação analógica, permitida pró-réu, realizando os testes com Constrangimento,
através dos meios necessários, sem excesso, estará agindo por “justa causa”, não porque
o risco de morte seja iminente, mas porque a medida terapêutica, se necessária, não
pode tardar, isto é, a medida terapêutica é iminente.
Nesse mesmo sentido, ainda se pode alegar a Exclusão de Ilicitude prevista no artigo 23
do Código Penal, o “estado de necessidade” 17, 18. Embora seu § 1º disponha que não
pode alegar “estado de necessidade” aquele que tem o dever legal de enfrentar o perigo.
O perigo ou os riscos que o profissional deve enfrentar não devem ir além dos
necessários aos cuidados, isto é, a contaminação com material biológico é um perigo
além do que se pode exigir do profissional ou do paciente, que embora sempre presente
o risco, sua ocorrência de fato não é essencial a relação terapêutica.
Argumento ainda que a conduta do agente, ao negar a autorização para o teste
caracteriza ato ilícito por derivação19, pois sua negativa me parece um abuso de seu
direito, pois, embora compatível com a letra formal da lei, é manifestamente imoral,
contrários à boa fé e aos costumes e ao seu fim social.
Dessa forma, a sociedade não aceita o egoísmo e a falta de solidariedade implícitos no
indigno ato de negar-se a colaborar, a despeito da possibilidade de dano irreparável à
saúde de outrem.
É evidente que esses argumentos podem representar paliativos em uma eventual lide
judiciária, entretanto, desconheço jurisprudência nacional nesse sentido, portanto, não
há segurança jurídica para o teste compulsório.
Assim, é preciso trabalhar em vários campos para tornar essa questão clara o suficiente
para que se reduzam as possibilidades de conflito.
14
Constituição Federal, art. 5, II: “II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei;”
15
Código Penal, art. 146: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe
haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou
a fazer o que ela não manda:”
16
Código Penal, art. 146, § 3º “Não se compreendem na disposição deste artigo:
I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se
justificada por iminente perigo de vida;”
17
Código Penal, art. 23: “Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade;
18
Código Penal, art. 24: “Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de
perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou
alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.
§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a
dois terços.
19
Código Civil, art. 187: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes.”
7
6.3. Direito a Privacidade20
Claro está que a realização de um teste compulsório tanto do paciente quanto do
profissional de saúde implica em riscos de lesão ao Direito à Privacidade de ambos,
portanto, é dever do beneficiário dos resultados, da equipe que o assiste e da instituição
preservar tanto o sigilo de um quanto do outro, sob pena de responder por possíveis
danos.
6.4. Termo de Consentimento Informado
É possível que ao estabelecer a relação terapêutica essa condição de mútua colaboração
em caso de acidente esteja previamente acordada, sendo que posterior descumprimento
possa ser considerada “descumprimento contratual”, onde o inadimplente possa ser
responsabilizado por eventuais danos ao prejudicado pela recusa.
É muito comum em nossas instituições hospitalares que aos pacientes submetidos à
internação sejam apresentados Termo de Consentimento sobre as intervenções
terapêuticas e seus riscos e não seria um desproposito propor a inclusão nesses da
autorização para testes sorológicos em eventual acidente com material biológico.
O mesmo critério se pode estabelecer, quando da contratação de profissionais de saúde,
um termo de ciência e compromisso nesse sentido, dessa forma fica equilibrada a
relação terapêutica quanto ao compromisso recíproco com a saúde uns dos outros. Neste
não se podem negligenciar as orientações sobre as conseqüências da quebra da
confidencialidade dos resultados além do necessário para os cuidados terapêuticos.
6. Conclusão
Embora o teste sorológico compulsório seja defensável, por justa causa, ou pelo estado
de necessidade, ou até mesmo se possa vislumbrar a possibilidade do cabimento de uma
ação civil indenizatória por danos relacionados à conduta egoística inaceitável,
equiparável a ato ilícito por abuso de direito, não há segurança jurídica, pois carecemos
de lei explícita inequívoca e jurisprudência.
Um Termo de Consentimento adequado por ocasião das internações hospitalares e uma
Cláusula no Contrato de Trabalho nas contratações podem colaborar para reduzir o
conflito, embora sempre possam ser atacados por alegação de indisponibilidade de
direitos da personalidade (autodeterminação, inviolabilidade física, sigilo, privacidade).
Assim, entendo que uma norma permissiva explícita afastaria de plano a possibilidade
de constrangimento ilegal, o que seria muito saudável, entretanto, as gestões nesse
sentido podem ser demoradas, portanto, é momento de se iniciarem os debates para que
possa se realizar em um futuro próximo.
20
Constituição Federal, art. 5, inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
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