RELAÇÕES DE COMPLEMENTAÇÃO ORACIONAL DOS

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RELAÇÕES DE COMPLEMENTAÇÃO ORACIONAL DOS PREDICADOS
DESIDERATIVOS NO PORTUGUÊS DO BRASIL
Natália Sathler Sigiliano – UFRJ
0 Introdução
Este artigo tem como objetivo analisar as relações de complementação oracional dos
predicados desiderativos na modalidade escrita do Português do Brasil (PB). A fim de perceber as
peculiaridades das relações de complementação oracional desse tipo verbal e a sua possível correlação
com gêneros e tipos textuais específicos, uma amostra composta por gêneros jornalísticos como a carta
do leitor, o editorial, a notícia, o horóscopo, a coluna social e, ainda, a reportagem foi analisada.
Os dados foram disponibilizados pelo Programa de Estudos sobre os Usos da Língua – PEUL /
UFRJ –, o qual realizou um levantamento dos gêneros nos jornais Extra, Jornal do Brasil, O Globo e
Povo. Para realizar a pesquisa dos predicados desiderativos no PB e garantir a confiabilidade
quantitativa e qualitativa da análise, a amostra selecionada foi de 10.000 palavras de cada gênero
estudado.
Considerando as ocorrências encontradas na pesquisa, assim como as relevantes contribuições
a respeito da tipologia proposta para os desiderativos, nota-se que o estudo desses predicados no PB é
relevante para que sejam estabelecidas comparações às análises já feitas sobre o assunto. Sendo assim,
este trabalho focalizará os verbos querer, desejar, esperar, gostar e almejar, objetivando revelar
características gerais dos desiderativos no PB, bem como sua relação com os gêneros e tipos textuais
em que ocorrem, por meio do levantamento e análise de grupos de fatores que se fazem relevantes
nesta pesquisa.
Os fatores analisados abrangerão (i) a tipologia morfológica das cláusulas complemento
selecionadas por predicados desiderativos; (ii) a presença ou não de complementizador entre a cláusula
núcleo e seu complemento; (iii) a co-referencialidade dos sujeitos das cláusulas núcleo e
complemento; (iv) a explicitude do sujeito na matriz; (v) a ocorrência dos verbos em cada gênero
textual; (vi) a ocorrência de cada tipo de cláusula complemento em cada gênero textual e (vii) a
ocorrência de cada verbo estudado em cada um dos tipos textuais. Tais fatores foram escolhidos dado
o objetivo de verificar a pertinência dos critérios propostos nos estudos tipológicos de autores como
Givón (2001) e Noonan (2007) no que concerne ao uso dos predicados desiderativos em relação de
complementação oracional no PB, enfatizando-se, ainda, sua relação com os gêneros textuais em que
aparecem.
1 Relações de complementação oracional
1.1 Generalidades
Noonan (2007, p. 52) define a complementação oracional como a “situação sintática surgida
quando uma oração nocional ou predicação é argumento de um predicado.” Seu trabalho é realizado
por um viés tipológico, visando à postulação de generalidades translingüísticas no que tange às
características sintáticas dos processos de complementação oracional nos quais tomam parte os
diversos tipos de predicadores.
O autor inicia sua explanação pela morfologia dos complementos. Afirma que há
complementos do tipo sentença (doravante s-like), paratáticos, infinitivos, nominalizados e
participiais. Neste trabalho foram encontradas ocorrências apenas de complementos s-like e infinitivos,
apesar de a complementação com nominalizações ser comum em outros tipos verbais no PB, como,
por exemplo, dentre os predicados manipulativos. Assim, discutiremos um pouco mais, a seguir, as
características dos dois tipos de complementos encontrados durante o levantamento de dados.
Noonan (2007) afirma serem os complementos s-like caracterizados pela presença de verbos
que mantêm com seus argumentos uma relação sintática do mesmo tipo da mantida entre os verbos e
argumentos das orações principais, o que no português equivale à presença de verbos finitos que
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selecionam argumentos. Tais verbos podem aparecer no modo infinitivo ou no subjuntivo, sendo que,
quando aparecem no subjuntivo, costumam apresentar restrições flexionais, fato verificável no PB,
língua em que o número de tempos do modo subjuntivo é consideravelmente inferior ao dos tempos do
indicativo.
Noonan (2007, p.55) também se ocupa do conceito de complementizador, definindo-o como a
palavra, partícula, clítico ou afixo que tem, como uma de suas funções, identificar uma entidade como
complemento. Mais adiante, o autor afirma que os complementizadores são tipicamente derivados
historicamente de pronomes, conjunções, preposições e marcadores de caso. Tal afirmação é válida
para o PB, que tem seus complementizadores que e se derivados, respectivamente, de um pronome
relativo e de uma conjunção. Ainda, a colocação em questão abre a possibilidade de se considerar o
vocábulo de como um complementizador nos casos em que o verbo gostar toma complementos
oracionais1.
Já no que tange à sintaxe das relações de complementação oracional, o autor dedica grande
atenção ao fenômeno de equi-deletion, ou seja, ao fenômeno de apagamento dos sujeitos das cláusulas
complemento quando sua referência é idêntica ao sujeito da cláusula núcleo ou mesmo quando
apresenta co-referencialidade com outros argumentos do verbo. Noonan (2007, p. 75-79) demonstra,
através de exemplos de línguas diversas, que há uma tendência ao uso de cláusulas infinitivas quando
ocorre equi-deletion, enquanto as cláusulas s-like são mais freqüentes nos casos em que a coreferencialidade entre o sujeito da matriz e da completiva não se verifica.
Noonan (2007) aborda ainda outras particularidades sintáticas, tais como o alçamento de
sujeito e a distribuição das cláusulas completivas entre as funções de sujeito e objeto. Entretanto, tais
fatores não serão abordados por este trabalho, dadas ou a sua inaplicabilidade – no caso do alçamento
de sujeito – ou a sua não-variância – já que todas as cláusulas completivas em predicados
desiderativos funcionam como objetos.
No que tange aos aspectos semânticos das relações de complementação oracional, a obra em
questão analisa aspectos relativos à modalidade dos complementos, seu grau de redução, a escolha do
complementizador, o tipo de relação sintática existente entre o complemento e a matriz – se
subordinação ou parataxe – e o status gramatical do predicado complemento – se verbo, nome ou
adjetivo.
Todas as ocorrências de cláusulas complemento encontradas nos dados possuem núcleo
verbal, seguindo a tendência majoritária – e, portanto, não-marcada – das demais línguas analisadas
por Noonan (2007). De maneira semelhante, todas as cláusulas complemento encontradas estabelecem
com o núcleo uma relação de subordinação, a qual, segundo o autor, possibilita uma interpretação do
evento codificado na cláusula complemento como não-realizado e como parte de uma única asserção
que envolve tanto o predicador do núcleo quanto o complemento. Essa interpretação também se
verifica para os predicados desiderativos.
No que tange aos modos verbais empregados na complementação dos predicados
desiderativos, ocorrem, nos dados levantados, apenas complementos no subjuntivo, introduzidos pelo
complementizador que, e no infinitivo, sem a presença de complementizador ou introduzidos por de
no caso do verbo gostar. Para Noonan (2007, p.102), o subjuntivo codifica complementos de alguma
forma dependentes do predicador da matriz. Tal dependência pode ser temporal, epistêmica ou
dicursiva. Ver-se-á, na próxima seção, que os complementos dos desiderativos, de acordo com a classe
a que pertençam esses últimos, estabelecem com eles relações de dependência temporal e epistêmica,
isto é, podem ser interpretados como uma conseqüência natural do significado da matriz e podem ter a
crença em sua condição de verdade de alguma forma qualificada pela matriz, respectivamente.
Por fim, no que tange ao grau de redução dos complementos, Noonan (2007, p. 111-114)
argumenta que os complementos infinitivos, mais reduzidos, tendem a apresentar referência temporal
dependente, ou seja, tendem a ter seu momento de ocorrência definido como sendo posterior ao
1
Considera-se o vocábulo de como complementizador neste trabalho de forma análoga à classificação de to, em
Inglês, como palavra que pode desempenhar esta mesma função. Assim como o que ocorre nos casos em que to
introduz complementos infinitivos, o complementizador de não é o sinalizador de qualquer nexo semântico entre
as orações envolvidas no processo de complementação, funcionando meramente como um elemento que sinaliza
que a oração seguinte funciona como complemento do verbo gostar, o qual, por sua vez, prevê o de em sua
regência.
2729
momento de ocorrência do predicado da matriz, não sendo, portanto, dependente discursivamente dela,
já que a dependência discursiva requer que o complemento seja um pressuposto da matriz.
Levantadas as generalidades translingüísticas das relações de complementação oracional,
passar-se-á à apresentação das particularidades dos predicados desiderativos, começando pela proposta
de Noonan (2007), à qual serão acrescentadas as visões de outros autores.
1.2 Os Predicados Desiderativos
Noonan (2007) discute, dentre outros, os predicados desiderativos, como want, wish, desire e
hope, que são caracterizados pela existência de um sujeito experienciador que deseja que a proposição
no complemento se realize. Esses predicados são divididos, pelo autor, em três classes universais:
hope-class, wish-class e want-class.
Os predicados da hope-class apresentam atribuições comuns, tais como a apresentação de
complementos com referência temporal independente em relação à cláusula matriz e expressão de uma
atitude emocional em relação a uma proposição cujo status não é conhecido, podendo se tornar
realidade. Nesse sentido, o autor afirma que a hope-class constitui-se como uma espécie de contraparte
verdadeira dos predicados de temor, uma vez que codificam uma atitude epistêmica positiva em
relação ao que se deseja.
Já os predicados constituintes da wish-class são caracterizados por tomarem complementos
com referência temporal independente e terem interpretação contrafactual, apresentando
complementos presumivelmente falsos. Assim, codificam postura epistêmica negativa em relação ao
que é desejado.
Como última classe, o autor apresenta a want-class, em que a cláusula complemento apresenta
referência temporal dependente em relação à cláusula matriz. Nessa classe, a predicação indica o
desejo de que algo se realize no futuro.
No corpus analisado, encontram-se exemplos ilustrativos de cada uma das classes de
desiderativos postuladas por Noonan (2007), conforme pode ser observado nos exemplos de (1) a (3).
(1) O local está cheio de buracos e existem várias lâmpadas queimadas. Esperamos que as
autoridades se sensibilizem e nos ajudem. (EXTRA 010104 – Carta) Hope-class.
(2) Queria ter visto o museu repleto de pais com filhos... (O GLOBO 100304 – Carta) Wish-class
(3) Eu quero ficar no Flamengo, mas ainda tenho alguns pontos a conversar. (EXTRA 070104 –
Notícia) Want-class
Ainda segundo Noonan (2007), predicados do tipo hope-class tomam complementos
indicativos freqüentemente, podendo se confundir com predicados do tipo want-class quando
apresentam (i) co-referencialidade entre os sujeitos nocionais e (ii) complementos infinitivos,
característica que também pode ser notada no PB, conforme atesta o exemplo (4), no qual não é
possível definir com clareza se o predicador esperar pertence à want-class ou à hope-class:
(4) Os moradores esperam ser atendidos em breve. (EXTRA 171203 – Carta)
Quanto aos predicados do tipo want-class, segundo Noonan (2007), seus complementos
costumam ser infinitivos quando há co-referencialidade entre sujeitos, e subjuntivos, quando não há.
Tal fato também parece ser comprovável no PB, conforme se vê nos exemplos (5) e (6).
(5) Tal como o Deus original, que, segundo dizem, nos fez à sua imagem e semelhança, os dois querem
fazer, dos times em que jogam um grupo de adoradores e seguidores. (EXTRA 020904 – Opinião)
(6) Seus advogados querem que ele seja transferido para um presídio com outro regime disciplinar.
(EXTRA 291203 – Editorial)
Cristofaro (2003) destaca que nem todas as línguas do mundo têm verbos específicos para
cada uma das classes, mas há sempre uma forma de distingui-las, em especial no que tange à relação
da wish-class com as demais. Nota-se que, no PB, não há a relação direta de um verbo desiderativo e
sua classe, já que o mesmo verbo pode se apresentar em classes distintas se levarmos em conta que o
que marca a diferenciação entre as classes é a postura epistêmica do enunciador no que diz respeito à
sua avaliação da possibilidade de ocorrência do evento codificado pela oração complemento (cf.
DACYNGIER & SWEETSER, 2007) e o fato de a referência temporal ser ou não determinada.
2730
Entretanto, essa divisão de classes não será considerada como um grupo de fatores neste
trabalho, uma vez que, além da dificuldade de se diferenciar as classes want e hope, houve apenas
duas ocorrências de desiderativos pertencentes à wish-class: a reproduzida anteriormente em (2) e a
que se segue em (7).
(7) Eu mesmo gostaria de ter incluído jogadores que não estão mais conosco. Se pudesse, teria
colocado até o meu filho Edinho. (O GLOBO 050304 – Notícia)
Ainda, mesmo em ocorrências em que a configuração de emprego de tempos e modos verbais
(futuro do pretérito na matriz e imperfeito do subjuntivo no complemento) levaria, em uma análise
superficial, a classificá-las como pertencentes à wish-class, vê-se que, do ponto de vista semântico, tal
classificação não se sustenta, conforme o exemplo (8).
(8) Sou morador da Rua Rocha Freire, no bairro Irajá, e gostaria que a Cedae fizesse uma vistoria no
local porque a tubulação está com problemas. (EXTRA 010104 – Carta)
Ainda no que tange às características dos predicados desiderativos, Givón (2001) agrupa tais
predicados no conjunto dos verbos de modalidade, ou seja, verbos que, semanticamente, se
caracterizam por codificar a ação, estado ou atitude aspectual ou modal de seus sujeitos em face do
evento ou estado codificado na cláusula complemento (GIVÓN, 2001, p. 55). O autor ainda propõe os
protótipos semântico e sintático de tais verbos, cuja caracterização envolve os seguintes pontos:
- O sujeito da cláusula principal é co-referente ao sujeito da cláusula completiva. (...)
- O sujeito do verbo principal é também o sujeito da cláusula completiva.
- O sujeito da cláusula completiva é codificado como zero.
- O verbo da cláusula completiva é comumente não-finito ou nominalizado.
- A cláusula complemento é análoga ao objeto da cláusula principal.
- A cláusula complemento tende a formar um contorno entonacional único com a cláusula
principal. (GIVÓN, 2001, p.55)
O mesmo autor ainda afirma, desenvolvendo um raciocínio que tem por pressuposto a
aplicação da noção de iconicidade à conexão cláusulas – segundo o qual quanto mais forte for a
ligação semântica entre dois eventos, maior será a integração sintática entre as duas cláusulas
(GIVÓN, 2001, p. 40) –, que predicados desiderativos encontram-se no meio do continuum que vai da
integração mínima entre os eventos – caso dos verbos dicendi que introduzem discursos diretos – até a
integração máxima de eventos – extremidade em que se encontram verbos de realização e causação –,
ficando posicionados, em verdade, mais próximos desta última.
Por essa razão, costumam tomar complementos infinitivos com sujeitos co-referenciais,
estrutura sintática que se apresenta mais integrada do que aquelas compostas por verbos subjuntivos,
sujeitos explícitos e presença de complementizador. Mesmo dentro da classe dos desiderativos, Givón
propõe uma distinção que acaba por ser análoga à proposta por Noonan (2007) e Cristofaro (2003)
entre a want/hope-class e a wish-class, afirmando apresentar esta última classe uma integração entre
eventos mais frouxa e, portanto, uma sintaxe menos integrada.
Esta última proposta de Givón (2001) encontra oposição no trabalho de Cristofaro (2003),
segundo a qual a integração entre eventos não deve ser medida apenas por sua contigüidade espaçotemporal, mas sim pelo grau de interconexão entre os estados-de-coisas codificados por cada uma das
orações envolvidas. Nesse sentido, a autora afirma que os verbos desiderativos apresentam um grau
menor de interconexão, uma vez que tomam como complemento um outro estado-de-coisas que ocorre
independentemente do desejo de sua realização.
Essa proposta se choca frontalmente com a de Givón (2001) na medida em que se considera a
relação diretamente proporcional proposta por este autor entre o grau de intencionalidade do sujeito do
desiderativo, a probabilidade de sucesso da realização do complemento desse mesmo verbo e, na
contraparte sintática, o grau de integração das orações. O que este autor propõe é que, como verbos
como want apresentam alto grau de intencionalidade, a probabilidade de sucesso do fato codificado na
cláusula complemento é grande e, portanto, esses verbos tomam complementos infinitivos, com
sujeitos co-referenciais e sem complementizadores. Por outro lado, como os verbos do tipo wish
apresentam menor intencionalidade, o sucesso do evento codificado no complemento é menos
provável e, portanto, esse complemento é menos integrado sintaticamente à matriz.
2731
O raciocínio de Givón (2001) parece aplicar-se bem ao PB, uma vez que, mesmo quando
pertencem à mesma super-classe want/hope, verbos como querer e esperar apresentam forças
intencionais distintas e, talvez por isso, tendam a selecionar complementos morfologicamente
distintos, conforme se verá na análise dos dados.
2 Gêneros e tipos textuais: concepções
Neste trabalho, conforme já apresentado, deseja-se estudar os verbos desiderativos por meio
da abordagem dos gêneros textuais, buscando perceber se alguma ligação há entre o uso dos verbos
desiderativos no PB e a sua produtividade nos gêneros e/ou tipos textuais. Para tal, faz-se necessária
uma retomada teórica a fim de que dela se extraiam os conceitos que serão aqui aplicados.
Os conceitos de gêneros e a classificação em sequências (ou tipos textuais), apesar de
fundamentais para o estudo seja da oralidade, seja da escrita, têm se mostrado bastante diversos e,
inclusive, confusos, uma vez que não há, ainda, consenso entre os estudiosos da linguagem com
relação à ligação difusa existente entre tipos e gêneros textuais.
Swales (1990) discute a conceituação de gêneros, apresentando-a como uma nomenclatura
vaga, ligada, na maior parte das vezes, à maneira formulaica de construção de textos. O autor ressalta
que a palavra gênero tem sido usada para se referir a distintos campos do conhecimento, como o
folclore, a literatura, a lingüística e a retórica. Este autor propõe que os gêneros não são apenas
fenômenos lingüísticos e sim fenômenos lingüisticamente situados, ou seja, eventos discursivos.
Segundo ele, trata-se de um conjunto de eventos comunicativos codificados que partilham um
conjunto de objetivos comunicativos. Logo, reconhecer essa codificação pode se tornar um facilitador
poderoso, tanto para a compreensão quanto para a produção, uma vez que Swales propõe a existência
de um conjunto de princípios que modela um esquema de estrutura, influenciando na escolha do
conteúdo e do estilo. Dessa forma, existem gêneros que são mais prototípicos em termos de estrutura,
estilo conteúdo e destinatário visado.
Bakhtin (2000), ao propor um estudo dos Gêneros Discursivos, tratou do tema sob um enfoque
discursivo. Assim, o autor trata da existência de gêneros que podem ser considerados primários, ou
seja, que surgiram primeiro, que são primitivos. Como exemplo básico, tem-se que a conversa é usada
pelos seres humanos há bastante tempo. Dessa forma, Bakhtin intitula gêneros primários (simples)
aqueles que se formaram nas condições da comunicação discursiva imediata. Há ainda, segundo o
autor, os gêneros secundários, em que, por exemplo, a conversa é inserida em um romance, em uma
peça de teatro. Com isso, aquelas conversas do cotidiano são transformadas em um diálogo entre
personagens e, por conter essa maior complexidade, são chamadas de gêneros discursivos
secundários. Segundo Bakhtin (2000, p. 281), os gêneros secundários surgem nas condições de um
convívio cultural mais complexo e relativamente muito desenvolvido e organizado. Essa classificação
de Bakhtin foca mais fortemente o campo da Pragmática, revelando uma preocupação especial com o
momento da produção e recepção do discurso e seu caráter interacional.
Conforme o autor (BAKHTIN, 2000, p. 279), os gêneros são definidos por três aspectos
indispensáveis: os conteúdos temáticos, que podem ser notados pelos gêneros; a construção
composicional dos textos e o estilo verbal ("forma"), características específicas das unidades de
linguagem. Todas essas dimensões são ligadas, também, aos domínios da diversidade discursiva – que,
de acordo com o autor, pode ser uma narração, explicação, argumentação, descrição e diálogo –, do
gênero discursivo – se é um relato de experiência, uma carta, uma notícia – e das dimensões textuais –
formas linguísticas ligadas à estruturação dos textos – (cf. Costa, 2008). Dessa forma, na produção de
determinado gênero, sempre haverá parâmetros, baseados na interação, que o definirão, tais quais o
lugar social da interação (em que sociedade, quando etc), os lugares sociais dos interlocutores (relação
de hierarquia ou não entre eles, por exemplo) e a finalidade ou intenção comunicativa da interação.
Bakhtin (2000, p. 279) define os gêneros como "tipos relativamente estáveis de enunciados",
apresentando a noção de que todos os nossos enunciados possuem formas relativamente estáveis e
típicas de construção de um todo.
Com um enfoque mais voltado para o texto e na tentativa de apresentação de propostas
envolvendo gêneros e tipos de texto, apresenta-se Bronckart (1999). Este autor reitera a ideia de que a
dimensão textual é dependente da dimensão discursiva construída na interação verbal, afirmando que
os gêneros textuais são produtos histórico-sociais. Para ele, os gêneros são todas as unidades
2732
contextualizadas de produção verbal, oral ou escrita que transmitem uma mensagem organizada e que
produzem um efeito de sentido no destinatário. Bronckart (1999, p.149) apresenta, ainda, a expressão
tipos de discurso como sendo
formas lingüísticas que são identificáveis nos textos e que traduzem a criação dos
mundos discursivos específicos específicos, sendo esses tipos articulados entre si
por mecanismos enunciativos que conferem ao todo textual sua coerência seqüencial
e composicional.
Segundo Bronckart, os textos empregam seqüências de diversos tipos, de acordo com os
objetivos da interação. Baseando-se no estudo de Adam (1992) – em que se defende o fato de que os
gêneros resultariam da articulação de diferentes seqüências (narrativa, descritiva, argumentativa,
explicativa e dialogal) – Bronckart (1999, p. 219-233) define as caraterísticas comuns, ideais,
prototípicas de cada seqüência, uma vez que propõe a noção de que as seqüências podem ser definidas
por características lingüísticas específicas. As seqüências apresentadas por ele (Bronckart 1999, p.
237,238) são: narrativa (em que há operações criadoras de tensão), descritiva (na qual há operações
destinadas a fazer ver), argumentativa, explicativa (as quais envolvem operações que visam a resolver
um problema ou a convencer) , dialogal (em que são apresentadas operações destinadas a regular a
interação) e injuntiva (fatos ligados a operações destinadas a fazer agir).
Tanto em Bakhtin quanto em Bronckart, os gêneros são encarados como heterogêneos, uma
vez que são associados a fatores sociais. Os autores concordam também no fato de que os gêneros
estão sempre em mudança, ou seja, alguns desaparecem e outros surgem. Além disso, não é possível a
restrição de delimitações claras entre os gêneros, apesar de possuírem características individuais.
Dolz e Schneuwly (2004) apresentam os gêneros de discurso como objetos que usamos para
nos comunicar, instrumentos de comunicação socialmente elaborados. Os autores reafirmam a
diferenciação entre os gêneros primários e secundários, afirmando que os primeiros são aprendidos
espontaneamente e os outros são mais elaborados e complexos. Os autores propõem, ainda, o
agrupamento dos gêneros por meio da observação das capacidades de linguagem dominantes dos
indivíduos. Segundo eles, isso não significa, porém, que os gêneros podem ser classificados de forma
estanque em cada agrupamento proposto: há de se aceitar, entretanto, que existem gêneros que
funcionam como protótipos de cada agrupamento. Assim, os autores apresentam uma proposta
provisória de agrupamento dos gêneros, em que existem cinco tipos básicos, dentro dos quais os
gêneros se encaixam2. São eles (cf. DOLZ & SCHNEUWLY, 2004, p. 60-61):
a) Narrar, que se liga à cultura literária ficcional e caracteriza-se pela mimesis da ação através
da criação da intriga no domínio do verossímil;
b) Relatar, referente à documentação e memorização de ações humanas, representando o
discurso e as experiências vividas, situadas no tempo;
c) Argumentar, que se refere à discussão de problemas sociais controversos, pautando-se na
sustentação, refutação e negociação para tomadas de posição;
d) Expor, ligado à transmissão e construção de saberes por meio da apresentação textual de
diferentes formas dos saberes;
e) Descrever ações, que é ligado ao domínio das instruções e prescrições, em que se regulam
comportamentos.
Marcuschi distingue gênero e tipo textual, afirmando que:
Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de construção teórica
definida pela natureza lingüística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos,
tempos verbais, relações lógicas). Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de
meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição,
descrição, injunção. Usamos a expressão gênero textual como uma noção
propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em
nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por
conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica.
(MARCUSCHI, 2004, p. 27).
2
De acordo com Dols e Schnewuly (2004, p. 59), houve a omissão da poesia na tipologia proposta justamente
porque ela não pode ser tratada como um agrupamento de gêneros.
2733
Citando Biber, Marcuschi (2005, p. 34) postula que os gêneros textuais são determinados de
acordo com a necessidade e os objetivos dos falantes e da natureza do tópico em pauta. Além disso,
afirma que os gêneros textuais são encaixados em uma tipologia, de acordo com aspectos como: a
natureza da informação ou do conteúdo vinculado, o nível de linguagem, o tipo de situação em que o
gênero se situa, dentre outros fatores.
Adam (cf. BONINI, 2005) apresenta a conceituação de sequência ligada aos modos de
planificação mais convencionais, os quais se desenvolvem no interior do texto. Apresenta, ainda, que
as sequências são unidades estruturais relativamente autônomas que integram e organizam
macroposições. Sendo assim, a organização do texto resultaria da combinação e da articulação de
diferentes tipos de sequências. Esse autor propõe que a sentença já apresenta marcas dos tipos de
texto, entendendo, porém, que essas marcas se subordinam ao tipo que será produzido. Com isso,
Adam propõe a existência de cinco tipos básicos: narrativo, descritivo, argumentativo, explicativo e
dialogal.
Quando se fala em gêneros, tipos e sequências textuais (ou do discurso), discute-se também a
análise do texto, dos discursos, a descrição da língua e sua relação com a sociedade. Através desse
estudo, há uma tentativa de firmar características mais prototípicas ao emprego da língua nos textos do
cotidiano e nas suas mais diversas formas. Essa área de estudos tem se revelado fértil e, com isso, tem
também apresentado uma profusão de terminologias, teorias e posições a respeito da questão (cf.
MARCUSCHI, 2008, p. 151).
Tendo em vista tal disparidade de nomenclaturas, optou-se por analisar neste trabalho, tendose em vista as contribuições dos autores supracitados, cinco tipologias textuais básicas: narrativa,
argumentativa, descritiva, injuntiva e expositiva. Para efeitos metodológicos, os tipos textuais serão
analisados a partir de unidades do texto chamadas de seqüências. Cada seqüência é delimitada, no que
tange à tipologia, segundo o fato de conter ou não traços comuns ao tipo textual que representa. Já no
que tange à extensão da seqüência, ela será delimitada no sentido de codificar uma unidade
informacional do texto. Os gêneros textuais analisado foram pré-classificados pelo projeto PEUL,
como carta, notícia/reportagem, horóscopo, crônica, editorial e opinião.
3 Resultados e discussão
No intuito de verificar a aplicabilidade das generalidades propostas por Noonan (2007) e
Givón (2001) aos predicados desiderativos em uso no PB, bem como tentar propor uma relação entre
tais usos e os gêneros e tipos textuais, foram levantadas as ocorrências desses predicados em corpus
composto por textos jornalísticos. Ao todo, foram encontradas 329 ocorrências em que era possível
encontrar uma relação de complementação oracional.
Os critérios estudados, conforme exposto na introdução deste artigo, foram: (i) a tipologia
morfológica das cláusulas complemento selecionadas por predicados desiderativos; (ii) a presença ou
não de complementizador entre a cláusula núcleo e seu complemento; (iii) a co-referencialidade dos
sujeitos das cláusulas núcleo e complemento; (iv) a explicitude do sujeito na matriz; (v) a ocorrência
dos verbos em cada gênero textual; (vi) a ocorrência de cada tipo de cláusula complemento em cada
gênero textual e (vii) a ocorrência de cada verbo estudado em cada um dos tipos textuais.
O pertencimento ou não dos predicados a uma das classes propostas por Noonan (2007) seria
também quantificado. Entretanto, houve apenas duas ocorrências de predicados pertencentes à wishclass, sendo todos os demais abarcados pela super-classe want/hope.
No que diz respeito à morfologia das cláusulas complemento (vide Tabela 1), a maioria das
ocorrências encontradas (82,6%) foi de cláusulas infinitivas, sendo que apenas 17,4% das cláusulas
complemento eram s-like.
Verbo Desiderativo
Querer
Gostar
Desejar
Esperar
TOTAL
Infinitiva
53,5%(176)
18,8%(62)
3,9%(13)
6,4%(21)
82,6%(272)
Tabela 1: Morfologia das cláusulas complemento, dados agrupados por verbo.
S-Like
3,3%(11)
0,9%(3)
0,6%(2)
12,6%(41)
17,4% (57)
2734
É digno de nota que a complementação infinitiva é consideravelmente mais freqüente em
todos os verbos desiderativos estudados, com exceção do verbo esperar, no qual predomina a estrutura
s-like.
No que tange à presença ou não de complementizador, nota-se pela Tabela 2 que, com exceção
das ocorrências do verbo gostar e de uma ocorrência do verbo esperar com complemento s-like, há
correspondência direta entre a complementação infinitiva e a ausência de complementizador e entre a
complementação s-like e a presença dele.
Verbo Desiderativo
Querer
Gostar
Desejar
Esperar
TOTAL
Sem C
176
13
22
211
De
62
62
Que
11
3
2
40
56
Tabela 2: Presença ou não de complementizador, dados agrupados por verbo.
Quanto à co-referencialidade dos sujeitos da matriz e do complemento (Tabela 3), há também,
com exceção de uma ocorrência de esperar, correspondência direta entre a co-referencialidade dos
sujeitos e a complementação infinitiva, sendo os sujeitos não-correferenciais explicitados em
complementos s-like.
Verbo Desiderativo
Querer
Gostar
Desejar
Esperar
TOTAL
Co-referencial
176
62
13
22
273
Não co-referencial
11
3
2
41
56
Tabela 3: Co-referencialidade dos sujeitos da matriz e do complemento, dados agrupados por verbo.
Ainda que se considere o único exemplo de sujeito co-referencial em estrutura s-like, nota-se
que a ocorrência desta configuração morfológica parece se dever ao contexto em que ocorre, já que há,
entre a cláusula núcleo e o complemento, uma cláusula hipotática nominalizada temporal, um
hipotática final e uma relativa, conforme se vê em (9).
(9) Espero que com a volta das blitzes para pegar os carros que não fizeram a vistoria, eu não seja
achacado pelas autoridades. (O GLOBO, 120304 – Carta)
Por fim, no que tange aos aspectos morfológicos e sintáticos da complementação, foi analisada
a explicitude do sujeito na cláusula matriz (Tabela 4), fator que não se mostrou conclusivo.
Verbo Desiderativo
Querer
Gostar
Desejar
Esperar
TOTAL
Explícito
100
19
10
26
155
Não explícito
87
46
5
36
174
Tabela 4: Explicitude do sujeito na cláusula matriz, dados agrupados por verbo.
As quantificações apresentadas permitem que se tirem algumas conclusões acerca da
aplicabilidade das características dos predicados desiderativos propostas por Noonan (2007) e Givón
(2001) aos usos do PB coletados neste estudo. Considerado o fato de que a maioria esmagadora (327
ocorrências) dos dados se enquadra na super-classe want/hope, nota-se que o protótipo proposto por
Givón para esse tipo de predicado se verifica também no PB, afinal, 82,6% dos complementos são
infinitivos, sendo que, desses, 77,5% não apresentam qualquer complementizador. Ainda, todas as
2735
ocorrências de complementos infinitivos apresentam sujeitos co-referenciais em relação aos da matriz
e codificados como zero – equi-deletion – e, em 100% dos dados, a cláusula complemento é análoga
ao objeto do verbo desiderativo.3
Mesmo que se considere que, com o verbo esperar, o número de complementos s-like foi
maior, ver-se-á que o padrão proposto por Givón se mantém, já que esses verbos apresentam menor
intencionalidade, tendendo, portanto, a construir relações sintáticas mais afrouxadas, ou seja, mediadas
por complementizadores e com sujeitos explícitos e não co-referenciais no complemento.
Verificada a aplicabilidade do protótipo de Givón (2001) aos dados levantados, passa-se a
relacionar os padrões de complementação oracional aos gêneros e tipos textuais em que ocorrem. As
Tabelas 5 e 6 apresentam, respectivamente, a distribuição dos verbos desiderativos encontrados em
cada gênero textual e a distribuição dos tipos de cláusula complemento em cada gênero. Ambas
apresentam dados pouco conclusivos, uma vez que o verbo querer e as cláusulas infinitivas, por serem
prototípicos, são maioria entre todos os gêneros e também em cada um deles.
Gênero/verbo
Horóscopo
Coluna social
Editorial
Opinião
Crônica
Carta
Notícia/reportagem
TOTAL
Querer
26
13
14
24
24
62
24
187
Gostar
1
1
1
7
6
46
3
65
Desejar
2
2
2
3
6
15
Esperar
1
1
5
8
11
26
10
62
Total
30
15
22
41
44
140
37
329
Tabela 5: Número de ocorrências de cada verbo por gênero textual
Gênero
Horóscopo
Coluna Social
Editorial
Artigo de Opinião
Crônica
Carta
Notícia/Reportagem
TOTAL
Infinitivo
27 (90%)
14 (93%)
17 (77%)
37 (90%)
36 (82%)
109 (77%)
31 (83%)
272
S-like
3 (10%)
1 (7%)
5 (13%)
4 (10%)
8 (18%)
31 (13%)
6 (17%)
57
Tabela 6: Número de ocorrências de cada tipo de oração complemento por gênero textual.
Já no que tange às seqüências tipológicas em que cada verbo aparece, os dados passam a ser
mais elucidativos. Note-se, na Tabela 7, que, ao contrário do que uma expectativa gerada pela
prototipicidade da estrutura [SN + Vquerer + C∅ + ∅-Sujco-ref + Vinf] poderia supor, essa estrutura não se
configura como majoritária em todos os tipos textuais. No tipo injuntivo, por exemplo, há mais
ocorrências de esperar, enquanto, no tipo argumentativo, as ocorrências de querer e gostar são
numericamente próximas.
Verbo
Querer
Desejar
Gostar
3
Narrativo
126
13
18
Argumentativo
42
1
31
Injuntivo
8
1
16
Descritivo
11
-
O contorno entonacional, último dos itens proposto por Givón (2001) não foi analisado por se tratar de corpus
escrito.
2736
Esperar
TOTAL
17
174
8
82
37
62
11
Tabela 7: Ocorrência de cada verbo por tipo textual
A partir dessa constatação e de uma análise qualitativa dos dados, foram identificados quatro
padrões de ocorrência dos predicados desiderativos no PB, os quais, apesar de necessitarem de estudos
posteriores que lhes confirmem, ou não, a validade, distribuem-se com certa regularidade entre os
tipos textuais citados acima.
O primeiro e o segundo padrões são típicos dos textos injuntivos e seguem as estruturas em
(10) e (11), sendo exemplificados pelas ocorrências que se seguem aos padrões:
(10) [(SN) + V[desid] + Cque + SNnão co-ref. + Vsubj.]
Esperamos que as autoridades tomem uma providência. (EXTRA, Carta, 050104)
(11) [(SN) + V[desid] + Cde/∅ + ∅-Sujco-ref + V[man]inf.+ SNobj. + Cque + ∅-Sujco-ref.obj + Vsubj.]
Quero solicitar à CEDAE que normalize o fornecimento de água no bairro de Comari, em
Campo Grande. (EXTRA, Carta, 190104)
Gostaria de pedir à Prefeitura de São Gonçalo, especificamente ao setor responsável pela
iluminação pública, a troca das lâmpadas da Rua Magestic. (JB, Cartas, 210103)
No padrão em (10), o desiderativo da cláusula matriz pode apresentar um sujeito explícito ou
não e seleciona como objeto uma cláusula s-like cujo verbo infinitivo apresenta sujeito não coreferencial em relação ao da matriz. Já no padrão em (11), o desiderativo na matriz seleciona como
complemento uma cláusula infinitiva cujo núcleo é um predicado manipulativo. O complementizador
de pode ser usado para unir as cláusulas, caso o verbo da matriz seja o gostar. A cláusula
complemento, por sua vez, seleciona outra oração como complemento do verbo manipulativo, a qual
pode ser s-like ou nominalizada e possui sujeito co-referencial ao objeto da cláusula complemento,
mas não ao sujeito da matriz.
Dentre todas as ocorrências de desiderativos no padrão em (10), apenas três não se deram em
seqüências injuntivas. Quanto ao padrão (11), apenas uma ocorrência dele não se deu em texto
injuntivo.
O terceiro padrão encontrado foi também o mais freqüente e distribui-se entre sequências
argumentativas e narrativas. É a manifestação do protótipo previsto por Givón e ocorre justamente nos
dois tipos textuais responsáveis pela maioria dos dados levantados.
(12) [(SN) + V[desid] + C∅/de + ∅-Sujco-ref + V[-man] inf]
Discutiu-se muito, nesta campanha, a criação do Ministério do Comércio Exterior. Antes de tudo,
quero lembrar que se criar ministérios resolvesse os problemas de um país, a União Soviética,
com seus mais de 80, seria hoje a maior superpotência do universo. (O GLOBO, Opinião, 291002)
Quero escalar os melhores, todos eles juntos, mas não tenho a obrigação de fazer isso. Para jogar,
é preciso estar em forma. (JB, Notícia, 060304)
Gostaríamos de saber se esse ponto poderia ser transferido para a Rua Campo Grande, pois
essa mudança beneficiaria muita gente que precisa dessa empresa. (EXTRA, Carta, 130104)
Ao deixar claro que não deseja ser importunado pelos jornalistas com perguntas sobre as duas
áreas nas quais delegou poderes aos que podem falar em seu nome, Lula definiu o mapa dos
próximos passos preguiçosos para compor o governo (JB, Opinião, 011102)
Sua criatividade virá à tona e você vai querer abraçar o mundo nesse dia. (EXTRA, Horóscopo,
010104)
Por fim, o último padrão é típico dos textos descritivos que, apesar de pouco freqüentes,
apresentaram grande regularidade. Trata-se de uma instanciação do protótipo de complementação
oracional dos desiderativos em que este predicado aprece no gerúndio, em um contexto que indica um
estado. Vejam-se o esquema e o exemplo em (13).
2737
(13) [(SN) + V[desid]ger. C∅ + ∅-Sujco-ref + V[-man]inf.]
Além disso, você não está mesmo querendo se arriscar. Tudo o que quer é um pouco de
sossego. (O GLOBO, Horóscopo, 060304)
Obviamente, novas pesquisas são necessárias no intuito de se verificar a validade das
proposições preliminares dos padrões de realização dos desiderativos em cada tipo textual,
investigando, inclusive, de forma mais aprofundada a relação entre tipos e gêneros. Entretanto,
acredita-se que a descoberta de tais padrões e o fato de se ter verificado que o protótipo proposto por
Givón (2001) se aplica às relações de complementação dos desiderativos no PB são duas importantes
contribuições deste trabalho ao estudo da complementação oracional.
Conclusão
Ao longo deste trabalho buscou-se apresentar as características dos predicados desiderativos
propostas em estudos tipológicos, verificando-se sua aplicabilidade ao PB e a possibilidade de sua
configuração ser influenciada pelo gênero ou tipo textual em que a sentença complexa se insere.
Verificou-se que a configuração prototípica da complementação oracional dos predicados
desiderativos proposta por Givón (2001) se aplica aos dados do PB, levantados em textos jornalísticos
disponíveis no corpus do PEUL/UFRJ. Propôs-se, ainda, que haja quatro padrões de complementação
dos verbos desiderativos que se distribuem de acordo com a tipologia textual das sequências em que
esses predicados se inserem, argumento que necessita de investigações posteriores.
Referências
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BONINI, Adair. A noção de seqüência textual na análise pragmático-textual de Jean-Michel Adam.
IN: Meurer, J.L.; Bonini, A.; Motta-Roth, D. (orgs.) Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo:
Parábola Editorial, 2005.
COSTA, Sérgio R. Dicionário de gêneros textuais. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
CRISTOFARO, Sonia. Subordination. Oxford: Oxford University Press, 2003.
DACYNGIER, Barbara & SWEETSER, Eve. Mental Spaces in Grammar: Conditional constructions.
Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2005.
DOLZ, Joaquim & SCHNEUWLY, Bernard. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado
das Letras, 2004.
GIVÓN, Talmy. Syntax: an introduction. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing
Company, 2001.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO, Angela;
MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (orgs.). Gêneros textuais & Ensino. Rio de
Janeiro: Lucerna, 2005.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo:
Parábola Editorial, 2008.
NOONAN, Michael. Complementation. In: SHOPEN, Timothy. Language Typology and Syntactic
Description – Volume II: Complex Constructions. 2.ed. Cambridge, UK: Cambridge University Press,
2007.
SWALES, John M. Genre Analysis. English in academic and research settings. Cambridge Univesity
Press, 1990.
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