2727 RELAÇÕES DE COMPLEMENTAÇÃO ORACIONAL DOS PREDICADOS DESIDERATIVOS NO PORTUGUÊS DO BRASIL Natália Sathler Sigiliano – UFRJ 0 Introdução Este artigo tem como objetivo analisar as relações de complementação oracional dos predicados desiderativos na modalidade escrita do Português do Brasil (PB). A fim de perceber as peculiaridades das relações de complementação oracional desse tipo verbal e a sua possível correlação com gêneros e tipos textuais específicos, uma amostra composta por gêneros jornalísticos como a carta do leitor, o editorial, a notícia, o horóscopo, a coluna social e, ainda, a reportagem foi analisada. Os dados foram disponibilizados pelo Programa de Estudos sobre os Usos da Língua – PEUL / UFRJ –, o qual realizou um levantamento dos gêneros nos jornais Extra, Jornal do Brasil, O Globo e Povo. Para realizar a pesquisa dos predicados desiderativos no PB e garantir a confiabilidade quantitativa e qualitativa da análise, a amostra selecionada foi de 10.000 palavras de cada gênero estudado. Considerando as ocorrências encontradas na pesquisa, assim como as relevantes contribuições a respeito da tipologia proposta para os desiderativos, nota-se que o estudo desses predicados no PB é relevante para que sejam estabelecidas comparações às análises já feitas sobre o assunto. Sendo assim, este trabalho focalizará os verbos querer, desejar, esperar, gostar e almejar, objetivando revelar características gerais dos desiderativos no PB, bem como sua relação com os gêneros e tipos textuais em que ocorrem, por meio do levantamento e análise de grupos de fatores que se fazem relevantes nesta pesquisa. Os fatores analisados abrangerão (i) a tipologia morfológica das cláusulas complemento selecionadas por predicados desiderativos; (ii) a presença ou não de complementizador entre a cláusula núcleo e seu complemento; (iii) a co-referencialidade dos sujeitos das cláusulas núcleo e complemento; (iv) a explicitude do sujeito na matriz; (v) a ocorrência dos verbos em cada gênero textual; (vi) a ocorrência de cada tipo de cláusula complemento em cada gênero textual e (vii) a ocorrência de cada verbo estudado em cada um dos tipos textuais. Tais fatores foram escolhidos dado o objetivo de verificar a pertinência dos critérios propostos nos estudos tipológicos de autores como Givón (2001) e Noonan (2007) no que concerne ao uso dos predicados desiderativos em relação de complementação oracional no PB, enfatizando-se, ainda, sua relação com os gêneros textuais em que aparecem. 1 Relações de complementação oracional 1.1 Generalidades Noonan (2007, p. 52) define a complementação oracional como a “situação sintática surgida quando uma oração nocional ou predicação é argumento de um predicado.” Seu trabalho é realizado por um viés tipológico, visando à postulação de generalidades translingüísticas no que tange às características sintáticas dos processos de complementação oracional nos quais tomam parte os diversos tipos de predicadores. O autor inicia sua explanação pela morfologia dos complementos. Afirma que há complementos do tipo sentença (doravante s-like), paratáticos, infinitivos, nominalizados e participiais. Neste trabalho foram encontradas ocorrências apenas de complementos s-like e infinitivos, apesar de a complementação com nominalizações ser comum em outros tipos verbais no PB, como, por exemplo, dentre os predicados manipulativos. Assim, discutiremos um pouco mais, a seguir, as características dos dois tipos de complementos encontrados durante o levantamento de dados. Noonan (2007) afirma serem os complementos s-like caracterizados pela presença de verbos que mantêm com seus argumentos uma relação sintática do mesmo tipo da mantida entre os verbos e argumentos das orações principais, o que no português equivale à presença de verbos finitos que 2728 selecionam argumentos. Tais verbos podem aparecer no modo infinitivo ou no subjuntivo, sendo que, quando aparecem no subjuntivo, costumam apresentar restrições flexionais, fato verificável no PB, língua em que o número de tempos do modo subjuntivo é consideravelmente inferior ao dos tempos do indicativo. Noonan (2007, p.55) também se ocupa do conceito de complementizador, definindo-o como a palavra, partícula, clítico ou afixo que tem, como uma de suas funções, identificar uma entidade como complemento. Mais adiante, o autor afirma que os complementizadores são tipicamente derivados historicamente de pronomes, conjunções, preposições e marcadores de caso. Tal afirmação é válida para o PB, que tem seus complementizadores que e se derivados, respectivamente, de um pronome relativo e de uma conjunção. Ainda, a colocação em questão abre a possibilidade de se considerar o vocábulo de como um complementizador nos casos em que o verbo gostar toma complementos oracionais1. Já no que tange à sintaxe das relações de complementação oracional, o autor dedica grande atenção ao fenômeno de equi-deletion, ou seja, ao fenômeno de apagamento dos sujeitos das cláusulas complemento quando sua referência é idêntica ao sujeito da cláusula núcleo ou mesmo quando apresenta co-referencialidade com outros argumentos do verbo. Noonan (2007, p. 75-79) demonstra, através de exemplos de línguas diversas, que há uma tendência ao uso de cláusulas infinitivas quando ocorre equi-deletion, enquanto as cláusulas s-like são mais freqüentes nos casos em que a coreferencialidade entre o sujeito da matriz e da completiva não se verifica. Noonan (2007) aborda ainda outras particularidades sintáticas, tais como o alçamento de sujeito e a distribuição das cláusulas completivas entre as funções de sujeito e objeto. Entretanto, tais fatores não serão abordados por este trabalho, dadas ou a sua inaplicabilidade – no caso do alçamento de sujeito – ou a sua não-variância – já que todas as cláusulas completivas em predicados desiderativos funcionam como objetos. No que tange aos aspectos semânticos das relações de complementação oracional, a obra em questão analisa aspectos relativos à modalidade dos complementos, seu grau de redução, a escolha do complementizador, o tipo de relação sintática existente entre o complemento e a matriz – se subordinação ou parataxe – e o status gramatical do predicado complemento – se verbo, nome ou adjetivo. Todas as ocorrências de cláusulas complemento encontradas nos dados possuem núcleo verbal, seguindo a tendência majoritária – e, portanto, não-marcada – das demais línguas analisadas por Noonan (2007). De maneira semelhante, todas as cláusulas complemento encontradas estabelecem com o núcleo uma relação de subordinação, a qual, segundo o autor, possibilita uma interpretação do evento codificado na cláusula complemento como não-realizado e como parte de uma única asserção que envolve tanto o predicador do núcleo quanto o complemento. Essa interpretação também se verifica para os predicados desiderativos. No que tange aos modos verbais empregados na complementação dos predicados desiderativos, ocorrem, nos dados levantados, apenas complementos no subjuntivo, introduzidos pelo complementizador que, e no infinitivo, sem a presença de complementizador ou introduzidos por de no caso do verbo gostar. Para Noonan (2007, p.102), o subjuntivo codifica complementos de alguma forma dependentes do predicador da matriz. Tal dependência pode ser temporal, epistêmica ou dicursiva. Ver-se-á, na próxima seção, que os complementos dos desiderativos, de acordo com a classe a que pertençam esses últimos, estabelecem com eles relações de dependência temporal e epistêmica, isto é, podem ser interpretados como uma conseqüência natural do significado da matriz e podem ter a crença em sua condição de verdade de alguma forma qualificada pela matriz, respectivamente. Por fim, no que tange ao grau de redução dos complementos, Noonan (2007, p. 111-114) argumenta que os complementos infinitivos, mais reduzidos, tendem a apresentar referência temporal dependente, ou seja, tendem a ter seu momento de ocorrência definido como sendo posterior ao 1 Considera-se o vocábulo de como complementizador neste trabalho de forma análoga à classificação de to, em Inglês, como palavra que pode desempenhar esta mesma função. Assim como o que ocorre nos casos em que to introduz complementos infinitivos, o complementizador de não é o sinalizador de qualquer nexo semântico entre as orações envolvidas no processo de complementação, funcionando meramente como um elemento que sinaliza que a oração seguinte funciona como complemento do verbo gostar, o qual, por sua vez, prevê o de em sua regência. 2729 momento de ocorrência do predicado da matriz, não sendo, portanto, dependente discursivamente dela, já que a dependência discursiva requer que o complemento seja um pressuposto da matriz. Levantadas as generalidades translingüísticas das relações de complementação oracional, passar-se-á à apresentação das particularidades dos predicados desiderativos, começando pela proposta de Noonan (2007), à qual serão acrescentadas as visões de outros autores. 1.2 Os Predicados Desiderativos Noonan (2007) discute, dentre outros, os predicados desiderativos, como want, wish, desire e hope, que são caracterizados pela existência de um sujeito experienciador que deseja que a proposição no complemento se realize. Esses predicados são divididos, pelo autor, em três classes universais: hope-class, wish-class e want-class. Os predicados da hope-class apresentam atribuições comuns, tais como a apresentação de complementos com referência temporal independente em relação à cláusula matriz e expressão de uma atitude emocional em relação a uma proposição cujo status não é conhecido, podendo se tornar realidade. Nesse sentido, o autor afirma que a hope-class constitui-se como uma espécie de contraparte verdadeira dos predicados de temor, uma vez que codificam uma atitude epistêmica positiva em relação ao que se deseja. Já os predicados constituintes da wish-class são caracterizados por tomarem complementos com referência temporal independente e terem interpretação contrafactual, apresentando complementos presumivelmente falsos. Assim, codificam postura epistêmica negativa em relação ao que é desejado. Como última classe, o autor apresenta a want-class, em que a cláusula complemento apresenta referência temporal dependente em relação à cláusula matriz. Nessa classe, a predicação indica o desejo de que algo se realize no futuro. No corpus analisado, encontram-se exemplos ilustrativos de cada uma das classes de desiderativos postuladas por Noonan (2007), conforme pode ser observado nos exemplos de (1) a (3). (1) O local está cheio de buracos e existem várias lâmpadas queimadas. Esperamos que as autoridades se sensibilizem e nos ajudem. (EXTRA 010104 – Carta) Hope-class. (2) Queria ter visto o museu repleto de pais com filhos... (O GLOBO 100304 – Carta) Wish-class (3) Eu quero ficar no Flamengo, mas ainda tenho alguns pontos a conversar. (EXTRA 070104 – Notícia) Want-class Ainda segundo Noonan (2007), predicados do tipo hope-class tomam complementos indicativos freqüentemente, podendo se confundir com predicados do tipo want-class quando apresentam (i) co-referencialidade entre os sujeitos nocionais e (ii) complementos infinitivos, característica que também pode ser notada no PB, conforme atesta o exemplo (4), no qual não é possível definir com clareza se o predicador esperar pertence à want-class ou à hope-class: (4) Os moradores esperam ser atendidos em breve. (EXTRA 171203 – Carta) Quanto aos predicados do tipo want-class, segundo Noonan (2007), seus complementos costumam ser infinitivos quando há co-referencialidade entre sujeitos, e subjuntivos, quando não há. Tal fato também parece ser comprovável no PB, conforme se vê nos exemplos (5) e (6). (5) Tal como o Deus original, que, segundo dizem, nos fez à sua imagem e semelhança, os dois querem fazer, dos times em que jogam um grupo de adoradores e seguidores. (EXTRA 020904 – Opinião) (6) Seus advogados querem que ele seja transferido para um presídio com outro regime disciplinar. (EXTRA 291203 – Editorial) Cristofaro (2003) destaca que nem todas as línguas do mundo têm verbos específicos para cada uma das classes, mas há sempre uma forma de distingui-las, em especial no que tange à relação da wish-class com as demais. Nota-se que, no PB, não há a relação direta de um verbo desiderativo e sua classe, já que o mesmo verbo pode se apresentar em classes distintas se levarmos em conta que o que marca a diferenciação entre as classes é a postura epistêmica do enunciador no que diz respeito à sua avaliação da possibilidade de ocorrência do evento codificado pela oração complemento (cf. DACYNGIER & SWEETSER, 2007) e o fato de a referência temporal ser ou não determinada. 2730 Entretanto, essa divisão de classes não será considerada como um grupo de fatores neste trabalho, uma vez que, além da dificuldade de se diferenciar as classes want e hope, houve apenas duas ocorrências de desiderativos pertencentes à wish-class: a reproduzida anteriormente em (2) e a que se segue em (7). (7) Eu mesmo gostaria de ter incluído jogadores que não estão mais conosco. Se pudesse, teria colocado até o meu filho Edinho. (O GLOBO 050304 – Notícia) Ainda, mesmo em ocorrências em que a configuração de emprego de tempos e modos verbais (futuro do pretérito na matriz e imperfeito do subjuntivo no complemento) levaria, em uma análise superficial, a classificá-las como pertencentes à wish-class, vê-se que, do ponto de vista semântico, tal classificação não se sustenta, conforme o exemplo (8). (8) Sou morador da Rua Rocha Freire, no bairro Irajá, e gostaria que a Cedae fizesse uma vistoria no local porque a tubulação está com problemas. (EXTRA 010104 – Carta) Ainda no que tange às características dos predicados desiderativos, Givón (2001) agrupa tais predicados no conjunto dos verbos de modalidade, ou seja, verbos que, semanticamente, se caracterizam por codificar a ação, estado ou atitude aspectual ou modal de seus sujeitos em face do evento ou estado codificado na cláusula complemento (GIVÓN, 2001, p. 55). O autor ainda propõe os protótipos semântico e sintático de tais verbos, cuja caracterização envolve os seguintes pontos: - O sujeito da cláusula principal é co-referente ao sujeito da cláusula completiva. (...) - O sujeito do verbo principal é também o sujeito da cláusula completiva. - O sujeito da cláusula completiva é codificado como zero. - O verbo da cláusula completiva é comumente não-finito ou nominalizado. - A cláusula complemento é análoga ao objeto da cláusula principal. - A cláusula complemento tende a formar um contorno entonacional único com a cláusula principal. (GIVÓN, 2001, p.55) O mesmo autor ainda afirma, desenvolvendo um raciocínio que tem por pressuposto a aplicação da noção de iconicidade à conexão cláusulas – segundo o qual quanto mais forte for a ligação semântica entre dois eventos, maior será a integração sintática entre as duas cláusulas (GIVÓN, 2001, p. 40) –, que predicados desiderativos encontram-se no meio do continuum que vai da integração mínima entre os eventos – caso dos verbos dicendi que introduzem discursos diretos – até a integração máxima de eventos – extremidade em que se encontram verbos de realização e causação –, ficando posicionados, em verdade, mais próximos desta última. Por essa razão, costumam tomar complementos infinitivos com sujeitos co-referenciais, estrutura sintática que se apresenta mais integrada do que aquelas compostas por verbos subjuntivos, sujeitos explícitos e presença de complementizador. Mesmo dentro da classe dos desiderativos, Givón propõe uma distinção que acaba por ser análoga à proposta por Noonan (2007) e Cristofaro (2003) entre a want/hope-class e a wish-class, afirmando apresentar esta última classe uma integração entre eventos mais frouxa e, portanto, uma sintaxe menos integrada. Esta última proposta de Givón (2001) encontra oposição no trabalho de Cristofaro (2003), segundo a qual a integração entre eventos não deve ser medida apenas por sua contigüidade espaçotemporal, mas sim pelo grau de interconexão entre os estados-de-coisas codificados por cada uma das orações envolvidas. Nesse sentido, a autora afirma que os verbos desiderativos apresentam um grau menor de interconexão, uma vez que tomam como complemento um outro estado-de-coisas que ocorre independentemente do desejo de sua realização. Essa proposta se choca frontalmente com a de Givón (2001) na medida em que se considera a relação diretamente proporcional proposta por este autor entre o grau de intencionalidade do sujeito do desiderativo, a probabilidade de sucesso da realização do complemento desse mesmo verbo e, na contraparte sintática, o grau de integração das orações. O que este autor propõe é que, como verbos como want apresentam alto grau de intencionalidade, a probabilidade de sucesso do fato codificado na cláusula complemento é grande e, portanto, esses verbos tomam complementos infinitivos, com sujeitos co-referenciais e sem complementizadores. Por outro lado, como os verbos do tipo wish apresentam menor intencionalidade, o sucesso do evento codificado no complemento é menos provável e, portanto, esse complemento é menos integrado sintaticamente à matriz. 2731 O raciocínio de Givón (2001) parece aplicar-se bem ao PB, uma vez que, mesmo quando pertencem à mesma super-classe want/hope, verbos como querer e esperar apresentam forças intencionais distintas e, talvez por isso, tendam a selecionar complementos morfologicamente distintos, conforme se verá na análise dos dados. 2 Gêneros e tipos textuais: concepções Neste trabalho, conforme já apresentado, deseja-se estudar os verbos desiderativos por meio da abordagem dos gêneros textuais, buscando perceber se alguma ligação há entre o uso dos verbos desiderativos no PB e a sua produtividade nos gêneros e/ou tipos textuais. Para tal, faz-se necessária uma retomada teórica a fim de que dela se extraiam os conceitos que serão aqui aplicados. Os conceitos de gêneros e a classificação em sequências (ou tipos textuais), apesar de fundamentais para o estudo seja da oralidade, seja da escrita, têm se mostrado bastante diversos e, inclusive, confusos, uma vez que não há, ainda, consenso entre os estudiosos da linguagem com relação à ligação difusa existente entre tipos e gêneros textuais. Swales (1990) discute a conceituação de gêneros, apresentando-a como uma nomenclatura vaga, ligada, na maior parte das vezes, à maneira formulaica de construção de textos. O autor ressalta que a palavra gênero tem sido usada para se referir a distintos campos do conhecimento, como o folclore, a literatura, a lingüística e a retórica. Este autor propõe que os gêneros não são apenas fenômenos lingüísticos e sim fenômenos lingüisticamente situados, ou seja, eventos discursivos. Segundo ele, trata-se de um conjunto de eventos comunicativos codificados que partilham um conjunto de objetivos comunicativos. Logo, reconhecer essa codificação pode se tornar um facilitador poderoso, tanto para a compreensão quanto para a produção, uma vez que Swales propõe a existência de um conjunto de princípios que modela um esquema de estrutura, influenciando na escolha do conteúdo e do estilo. Dessa forma, existem gêneros que são mais prototípicos em termos de estrutura, estilo conteúdo e destinatário visado. Bakhtin (2000), ao propor um estudo dos Gêneros Discursivos, tratou do tema sob um enfoque discursivo. Assim, o autor trata da existência de gêneros que podem ser considerados primários, ou seja, que surgiram primeiro, que são primitivos. Como exemplo básico, tem-se que a conversa é usada pelos seres humanos há bastante tempo. Dessa forma, Bakhtin intitula gêneros primários (simples) aqueles que se formaram nas condições da comunicação discursiva imediata. Há ainda, segundo o autor, os gêneros secundários, em que, por exemplo, a conversa é inserida em um romance, em uma peça de teatro. Com isso, aquelas conversas do cotidiano são transformadas em um diálogo entre personagens e, por conter essa maior complexidade, são chamadas de gêneros discursivos secundários. Segundo Bakhtin (2000, p. 281), os gêneros secundários surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo e relativamente muito desenvolvido e organizado. Essa classificação de Bakhtin foca mais fortemente o campo da Pragmática, revelando uma preocupação especial com o momento da produção e recepção do discurso e seu caráter interacional. Conforme o autor (BAKHTIN, 2000, p. 279), os gêneros são definidos por três aspectos indispensáveis: os conteúdos temáticos, que podem ser notados pelos gêneros; a construção composicional dos textos e o estilo verbal ("forma"), características específicas das unidades de linguagem. Todas essas dimensões são ligadas, também, aos domínios da diversidade discursiva – que, de acordo com o autor, pode ser uma narração, explicação, argumentação, descrição e diálogo –, do gênero discursivo – se é um relato de experiência, uma carta, uma notícia – e das dimensões textuais – formas linguísticas ligadas à estruturação dos textos – (cf. Costa, 2008). Dessa forma, na produção de determinado gênero, sempre haverá parâmetros, baseados na interação, que o definirão, tais quais o lugar social da interação (em que sociedade, quando etc), os lugares sociais dos interlocutores (relação de hierarquia ou não entre eles, por exemplo) e a finalidade ou intenção comunicativa da interação. Bakhtin (2000, p. 279) define os gêneros como "tipos relativamente estáveis de enunciados", apresentando a noção de que todos os nossos enunciados possuem formas relativamente estáveis e típicas de construção de um todo. Com um enfoque mais voltado para o texto e na tentativa de apresentação de propostas envolvendo gêneros e tipos de texto, apresenta-se Bronckart (1999). Este autor reitera a ideia de que a dimensão textual é dependente da dimensão discursiva construída na interação verbal, afirmando que os gêneros textuais são produtos histórico-sociais. Para ele, os gêneros são todas as unidades 2732 contextualizadas de produção verbal, oral ou escrita que transmitem uma mensagem organizada e que produzem um efeito de sentido no destinatário. Bronckart (1999, p.149) apresenta, ainda, a expressão tipos de discurso como sendo formas lingüísticas que são identificáveis nos textos e que traduzem a criação dos mundos discursivos específicos específicos, sendo esses tipos articulados entre si por mecanismos enunciativos que conferem ao todo textual sua coerência seqüencial e composicional. Segundo Bronckart, os textos empregam seqüências de diversos tipos, de acordo com os objetivos da interação. Baseando-se no estudo de Adam (1992) – em que se defende o fato de que os gêneros resultariam da articulação de diferentes seqüências (narrativa, descritiva, argumentativa, explicativa e dialogal) – Bronckart (1999, p. 219-233) define as caraterísticas comuns, ideais, prototípicas de cada seqüência, uma vez que propõe a noção de que as seqüências podem ser definidas por características lingüísticas específicas. As seqüências apresentadas por ele (Bronckart 1999, p. 237,238) são: narrativa (em que há operações criadoras de tensão), descritiva (na qual há operações destinadas a fazer ver), argumentativa, explicativa (as quais envolvem operações que visam a resolver um problema ou a convencer) , dialogal (em que são apresentadas operações destinadas a regular a interação) e injuntiva (fatos ligados a operações destinadas a fazer agir). Tanto em Bakhtin quanto em Bronckart, os gêneros são encarados como heterogêneos, uma vez que são associados a fatores sociais. Os autores concordam também no fato de que os gêneros estão sempre em mudança, ou seja, alguns desaparecem e outros surgem. Além disso, não é possível a restrição de delimitações claras entre os gêneros, apesar de possuírem características individuais. Dolz e Schneuwly (2004) apresentam os gêneros de discurso como objetos que usamos para nos comunicar, instrumentos de comunicação socialmente elaborados. Os autores reafirmam a diferenciação entre os gêneros primários e secundários, afirmando que os primeiros são aprendidos espontaneamente e os outros são mais elaborados e complexos. Os autores propõem, ainda, o agrupamento dos gêneros por meio da observação das capacidades de linguagem dominantes dos indivíduos. Segundo eles, isso não significa, porém, que os gêneros podem ser classificados de forma estanque em cada agrupamento proposto: há de se aceitar, entretanto, que existem gêneros que funcionam como protótipos de cada agrupamento. Assim, os autores apresentam uma proposta provisória de agrupamento dos gêneros, em que existem cinco tipos básicos, dentro dos quais os gêneros se encaixam2. São eles (cf. DOLZ & SCHNEUWLY, 2004, p. 60-61): a) Narrar, que se liga à cultura literária ficcional e caracteriza-se pela mimesis da ação através da criação da intriga no domínio do verossímil; b) Relatar, referente à documentação e memorização de ações humanas, representando o discurso e as experiências vividas, situadas no tempo; c) Argumentar, que se refere à discussão de problemas sociais controversos, pautando-se na sustentação, refutação e negociação para tomadas de posição; d) Expor, ligado à transmissão e construção de saberes por meio da apresentação textual de diferentes formas dos saberes; e) Descrever ações, que é ligado ao domínio das instruções e prescrições, em que se regulam comportamentos. Marcuschi distingue gênero e tipo textual, afirmando que: Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de construção teórica definida pela natureza lingüística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. (MARCUSCHI, 2004, p. 27). 2 De acordo com Dols e Schnewuly (2004, p. 59), houve a omissão da poesia na tipologia proposta justamente porque ela não pode ser tratada como um agrupamento de gêneros. 2733 Citando Biber, Marcuschi (2005, p. 34) postula que os gêneros textuais são determinados de acordo com a necessidade e os objetivos dos falantes e da natureza do tópico em pauta. Além disso, afirma que os gêneros textuais são encaixados em uma tipologia, de acordo com aspectos como: a natureza da informação ou do conteúdo vinculado, o nível de linguagem, o tipo de situação em que o gênero se situa, dentre outros fatores. Adam (cf. BONINI, 2005) apresenta a conceituação de sequência ligada aos modos de planificação mais convencionais, os quais se desenvolvem no interior do texto. Apresenta, ainda, que as sequências são unidades estruturais relativamente autônomas que integram e organizam macroposições. Sendo assim, a organização do texto resultaria da combinação e da articulação de diferentes tipos de sequências. Esse autor propõe que a sentença já apresenta marcas dos tipos de texto, entendendo, porém, que essas marcas se subordinam ao tipo que será produzido. Com isso, Adam propõe a existência de cinco tipos básicos: narrativo, descritivo, argumentativo, explicativo e dialogal. Quando se fala em gêneros, tipos e sequências textuais (ou do discurso), discute-se também a análise do texto, dos discursos, a descrição da língua e sua relação com a sociedade. Através desse estudo, há uma tentativa de firmar características mais prototípicas ao emprego da língua nos textos do cotidiano e nas suas mais diversas formas. Essa área de estudos tem se revelado fértil e, com isso, tem também apresentado uma profusão de terminologias, teorias e posições a respeito da questão (cf. MARCUSCHI, 2008, p. 151). Tendo em vista tal disparidade de nomenclaturas, optou-se por analisar neste trabalho, tendose em vista as contribuições dos autores supracitados, cinco tipologias textuais básicas: narrativa, argumentativa, descritiva, injuntiva e expositiva. Para efeitos metodológicos, os tipos textuais serão analisados a partir de unidades do texto chamadas de seqüências. Cada seqüência é delimitada, no que tange à tipologia, segundo o fato de conter ou não traços comuns ao tipo textual que representa. Já no que tange à extensão da seqüência, ela será delimitada no sentido de codificar uma unidade informacional do texto. Os gêneros textuais analisado foram pré-classificados pelo projeto PEUL, como carta, notícia/reportagem, horóscopo, crônica, editorial e opinião. 3 Resultados e discussão No intuito de verificar a aplicabilidade das generalidades propostas por Noonan (2007) e Givón (2001) aos predicados desiderativos em uso no PB, bem como tentar propor uma relação entre tais usos e os gêneros e tipos textuais, foram levantadas as ocorrências desses predicados em corpus composto por textos jornalísticos. Ao todo, foram encontradas 329 ocorrências em que era possível encontrar uma relação de complementação oracional. Os critérios estudados, conforme exposto na introdução deste artigo, foram: (i) a tipologia morfológica das cláusulas complemento selecionadas por predicados desiderativos; (ii) a presença ou não de complementizador entre a cláusula núcleo e seu complemento; (iii) a co-referencialidade dos sujeitos das cláusulas núcleo e complemento; (iv) a explicitude do sujeito na matriz; (v) a ocorrência dos verbos em cada gênero textual; (vi) a ocorrência de cada tipo de cláusula complemento em cada gênero textual e (vii) a ocorrência de cada verbo estudado em cada um dos tipos textuais. O pertencimento ou não dos predicados a uma das classes propostas por Noonan (2007) seria também quantificado. Entretanto, houve apenas duas ocorrências de predicados pertencentes à wishclass, sendo todos os demais abarcados pela super-classe want/hope. No que diz respeito à morfologia das cláusulas complemento (vide Tabela 1), a maioria das ocorrências encontradas (82,6%) foi de cláusulas infinitivas, sendo que apenas 17,4% das cláusulas complemento eram s-like. Verbo Desiderativo Querer Gostar Desejar Esperar TOTAL Infinitiva 53,5%(176) 18,8%(62) 3,9%(13) 6,4%(21) 82,6%(272) Tabela 1: Morfologia das cláusulas complemento, dados agrupados por verbo. S-Like 3,3%(11) 0,9%(3) 0,6%(2) 12,6%(41) 17,4% (57) 2734 É digno de nota que a complementação infinitiva é consideravelmente mais freqüente em todos os verbos desiderativos estudados, com exceção do verbo esperar, no qual predomina a estrutura s-like. No que tange à presença ou não de complementizador, nota-se pela Tabela 2 que, com exceção das ocorrências do verbo gostar e de uma ocorrência do verbo esperar com complemento s-like, há correspondência direta entre a complementação infinitiva e a ausência de complementizador e entre a complementação s-like e a presença dele. Verbo Desiderativo Querer Gostar Desejar Esperar TOTAL Sem C 176 13 22 211 De 62 62 Que 11 3 2 40 56 Tabela 2: Presença ou não de complementizador, dados agrupados por verbo. Quanto à co-referencialidade dos sujeitos da matriz e do complemento (Tabela 3), há também, com exceção de uma ocorrência de esperar, correspondência direta entre a co-referencialidade dos sujeitos e a complementação infinitiva, sendo os sujeitos não-correferenciais explicitados em complementos s-like. Verbo Desiderativo Querer Gostar Desejar Esperar TOTAL Co-referencial 176 62 13 22 273 Não co-referencial 11 3 2 41 56 Tabela 3: Co-referencialidade dos sujeitos da matriz e do complemento, dados agrupados por verbo. Ainda que se considere o único exemplo de sujeito co-referencial em estrutura s-like, nota-se que a ocorrência desta configuração morfológica parece se dever ao contexto em que ocorre, já que há, entre a cláusula núcleo e o complemento, uma cláusula hipotática nominalizada temporal, um hipotática final e uma relativa, conforme se vê em (9). (9) Espero que com a volta das blitzes para pegar os carros que não fizeram a vistoria, eu não seja achacado pelas autoridades. (O GLOBO, 120304 – Carta) Por fim, no que tange aos aspectos morfológicos e sintáticos da complementação, foi analisada a explicitude do sujeito na cláusula matriz (Tabela 4), fator que não se mostrou conclusivo. Verbo Desiderativo Querer Gostar Desejar Esperar TOTAL Explícito 100 19 10 26 155 Não explícito 87 46 5 36 174 Tabela 4: Explicitude do sujeito na cláusula matriz, dados agrupados por verbo. As quantificações apresentadas permitem que se tirem algumas conclusões acerca da aplicabilidade das características dos predicados desiderativos propostas por Noonan (2007) e Givón (2001) aos usos do PB coletados neste estudo. Considerado o fato de que a maioria esmagadora (327 ocorrências) dos dados se enquadra na super-classe want/hope, nota-se que o protótipo proposto por Givón para esse tipo de predicado se verifica também no PB, afinal, 82,6% dos complementos são infinitivos, sendo que, desses, 77,5% não apresentam qualquer complementizador. Ainda, todas as 2735 ocorrências de complementos infinitivos apresentam sujeitos co-referenciais em relação aos da matriz e codificados como zero – equi-deletion – e, em 100% dos dados, a cláusula complemento é análoga ao objeto do verbo desiderativo.3 Mesmo que se considere que, com o verbo esperar, o número de complementos s-like foi maior, ver-se-á que o padrão proposto por Givón se mantém, já que esses verbos apresentam menor intencionalidade, tendendo, portanto, a construir relações sintáticas mais afrouxadas, ou seja, mediadas por complementizadores e com sujeitos explícitos e não co-referenciais no complemento. Verificada a aplicabilidade do protótipo de Givón (2001) aos dados levantados, passa-se a relacionar os padrões de complementação oracional aos gêneros e tipos textuais em que ocorrem. As Tabelas 5 e 6 apresentam, respectivamente, a distribuição dos verbos desiderativos encontrados em cada gênero textual e a distribuição dos tipos de cláusula complemento em cada gênero. Ambas apresentam dados pouco conclusivos, uma vez que o verbo querer e as cláusulas infinitivas, por serem prototípicos, são maioria entre todos os gêneros e também em cada um deles. Gênero/verbo Horóscopo Coluna social Editorial Opinião Crônica Carta Notícia/reportagem TOTAL Querer 26 13 14 24 24 62 24 187 Gostar 1 1 1 7 6 46 3 65 Desejar 2 2 2 3 6 15 Esperar 1 1 5 8 11 26 10 62 Total 30 15 22 41 44 140 37 329 Tabela 5: Número de ocorrências de cada verbo por gênero textual Gênero Horóscopo Coluna Social Editorial Artigo de Opinião Crônica Carta Notícia/Reportagem TOTAL Infinitivo 27 (90%) 14 (93%) 17 (77%) 37 (90%) 36 (82%) 109 (77%) 31 (83%) 272 S-like 3 (10%) 1 (7%) 5 (13%) 4 (10%) 8 (18%) 31 (13%) 6 (17%) 57 Tabela 6: Número de ocorrências de cada tipo de oração complemento por gênero textual. Já no que tange às seqüências tipológicas em que cada verbo aparece, os dados passam a ser mais elucidativos. Note-se, na Tabela 7, que, ao contrário do que uma expectativa gerada pela prototipicidade da estrutura [SN + Vquerer + C∅ + ∅-Sujco-ref + Vinf] poderia supor, essa estrutura não se configura como majoritária em todos os tipos textuais. No tipo injuntivo, por exemplo, há mais ocorrências de esperar, enquanto, no tipo argumentativo, as ocorrências de querer e gostar são numericamente próximas. Verbo Querer Desejar Gostar 3 Narrativo 126 13 18 Argumentativo 42 1 31 Injuntivo 8 1 16 Descritivo 11 - O contorno entonacional, último dos itens proposto por Givón (2001) não foi analisado por se tratar de corpus escrito. 2736 Esperar TOTAL 17 174 8 82 37 62 11 Tabela 7: Ocorrência de cada verbo por tipo textual A partir dessa constatação e de uma análise qualitativa dos dados, foram identificados quatro padrões de ocorrência dos predicados desiderativos no PB, os quais, apesar de necessitarem de estudos posteriores que lhes confirmem, ou não, a validade, distribuem-se com certa regularidade entre os tipos textuais citados acima. O primeiro e o segundo padrões são típicos dos textos injuntivos e seguem as estruturas em (10) e (11), sendo exemplificados pelas ocorrências que se seguem aos padrões: (10) [(SN) + V[desid] + Cque + SNnão co-ref. + Vsubj.] Esperamos que as autoridades tomem uma providência. (EXTRA, Carta, 050104) (11) [(SN) + V[desid] + Cde/∅ + ∅-Sujco-ref + V[man]inf.+ SNobj. + Cque + ∅-Sujco-ref.obj + Vsubj.] Quero solicitar à CEDAE que normalize o fornecimento de água no bairro de Comari, em Campo Grande. (EXTRA, Carta, 190104) Gostaria de pedir à Prefeitura de São Gonçalo, especificamente ao setor responsável pela iluminação pública, a troca das lâmpadas da Rua Magestic. (JB, Cartas, 210103) No padrão em (10), o desiderativo da cláusula matriz pode apresentar um sujeito explícito ou não e seleciona como objeto uma cláusula s-like cujo verbo infinitivo apresenta sujeito não coreferencial em relação ao da matriz. Já no padrão em (11), o desiderativo na matriz seleciona como complemento uma cláusula infinitiva cujo núcleo é um predicado manipulativo. O complementizador de pode ser usado para unir as cláusulas, caso o verbo da matriz seja o gostar. A cláusula complemento, por sua vez, seleciona outra oração como complemento do verbo manipulativo, a qual pode ser s-like ou nominalizada e possui sujeito co-referencial ao objeto da cláusula complemento, mas não ao sujeito da matriz. Dentre todas as ocorrências de desiderativos no padrão em (10), apenas três não se deram em seqüências injuntivas. Quanto ao padrão (11), apenas uma ocorrência dele não se deu em texto injuntivo. O terceiro padrão encontrado foi também o mais freqüente e distribui-se entre sequências argumentativas e narrativas. É a manifestação do protótipo previsto por Givón e ocorre justamente nos dois tipos textuais responsáveis pela maioria dos dados levantados. (12) [(SN) + V[desid] + C∅/de + ∅-Sujco-ref + V[-man] inf] Discutiu-se muito, nesta campanha, a criação do Ministério do Comércio Exterior. Antes de tudo, quero lembrar que se criar ministérios resolvesse os problemas de um país, a União Soviética, com seus mais de 80, seria hoje a maior superpotência do universo. (O GLOBO, Opinião, 291002) Quero escalar os melhores, todos eles juntos, mas não tenho a obrigação de fazer isso. Para jogar, é preciso estar em forma. (JB, Notícia, 060304) Gostaríamos de saber se esse ponto poderia ser transferido para a Rua Campo Grande, pois essa mudança beneficiaria muita gente que precisa dessa empresa. (EXTRA, Carta, 130104) Ao deixar claro que não deseja ser importunado pelos jornalistas com perguntas sobre as duas áreas nas quais delegou poderes aos que podem falar em seu nome, Lula definiu o mapa dos próximos passos preguiçosos para compor o governo (JB, Opinião, 011102) Sua criatividade virá à tona e você vai querer abraçar o mundo nesse dia. (EXTRA, Horóscopo, 010104) Por fim, o último padrão é típico dos textos descritivos que, apesar de pouco freqüentes, apresentaram grande regularidade. Trata-se de uma instanciação do protótipo de complementação oracional dos desiderativos em que este predicado aprece no gerúndio, em um contexto que indica um estado. Vejam-se o esquema e o exemplo em (13). 2737 (13) [(SN) + V[desid]ger. C∅ + ∅-Sujco-ref + V[-man]inf.] Além disso, você não está mesmo querendo se arriscar. Tudo o que quer é um pouco de sossego. (O GLOBO, Horóscopo, 060304) Obviamente, novas pesquisas são necessárias no intuito de se verificar a validade das proposições preliminares dos padrões de realização dos desiderativos em cada tipo textual, investigando, inclusive, de forma mais aprofundada a relação entre tipos e gêneros. Entretanto, acredita-se que a descoberta de tais padrões e o fato de se ter verificado que o protótipo proposto por Givón (2001) se aplica às relações de complementação dos desiderativos no PB são duas importantes contribuições deste trabalho ao estudo da complementação oracional. Conclusão Ao longo deste trabalho buscou-se apresentar as características dos predicados desiderativos propostas em estudos tipológicos, verificando-se sua aplicabilidade ao PB e a possibilidade de sua configuração ser influenciada pelo gênero ou tipo textual em que a sentença complexa se insere. Verificou-se que a configuração prototípica da complementação oracional dos predicados desiderativos proposta por Givón (2001) se aplica aos dados do PB, levantados em textos jornalísticos disponíveis no corpus do PEUL/UFRJ. Propôs-se, ainda, que haja quatro padrões de complementação dos verbos desiderativos que se distribuem de acordo com a tipologia textual das sequências em que esses predicados se inserem, argumento que necessita de investigações posteriores. Referências BAKHTIN, Mikhail. Estática da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, textos e discursos – por um interacionismo sóciodiscursivo. Tradução Anna Rachel Machado e Péricles Cunha. São Paulo: EDUC, 1999. BONINI, Adair. A noção de seqüência textual na análise pragmático-textual de Jean-Michel Adam. IN: Meurer, J.L.; Bonini, A.; Motta-Roth, D. (orgs.) Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. COSTA, Sérgio R. Dicionário de gêneros textuais. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. CRISTOFARO, Sonia. Subordination. Oxford: Oxford University Press, 2003. DACYNGIER, Barbara & SWEETSER, Eve. Mental Spaces in Grammar: Conditional constructions. 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