REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA NO BRASIL: NECESSIDADE

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO, RELAÇÕES
INTERNACIONAIS E DESENVOLVIMENTO – MESTRADO
DOUTORADO
ANA PAULA FELIX DE SOUZA CARMO GUALBERTO
REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA NO BRASIL:
NECESSIDADE DE REGULAÇÃO DO PROCEDIMENTO
PARA PRESERVAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
GOIÂNIA
2015
1
ANA PAULA FELIX DE SOUZA CARMO GUALBERTO
REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA NO BRASIL:
NECESSIDADE DE REGULAÇÃO DO PROCEDIMENTO
PARA PRESERVAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Direito, Relações Internacionais e
Desenvolvimento da Pontifícia Universidade
Católica de Goiás como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em Direito, sob a
orientação do Professor Doutor Luiz Carlos
Falconi.
GOIÂNIA
2015
2
Dados Internacionais de Catalogação da Publicação (CIP)
(Sistema de Bibliotecas PUC Goiás)
G899r
Gualberto, Ana Paula Felix de Souza Carmo.
Reprodução humana assistida no Brasil [manuscrito]:
necessidade de regulação do procedimento para preservação de
direitos fundamentais / Ana Paula Felix de Souza Carmo
Gualberto – Goiânia, 2015.
92 f. : il. ; 30 cm.
Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica
de Goiás, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento.
“Orientador: Prof. Dr. Luiz Carlos Falconi”.
Bibliografia.
1. Tecnologia da reprodução humana – Direitos
fundamentais. I. Título.
CDU 612.6:34(043)
3
ANA PAULA FELIX DE SOUZA CARMO GUALBERTO
REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA NO BRASIL:
NECESSIDADE DE REGULAÇÃO DO PROCEDIMENTO
PARA PRESERVAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Dissertação defendida no Curso de Mestrado
em Direito, Relações Internacionais e
Desenvolvimento da Pontifícia Universidade
Católica de Goiás, para obtenção do grau de
Mestre.
Aprovada em 06 de junho de 2015.
Banca Examinadora:
_______________________________________________________
Dr. Luiz Carlos Falconi
Prof. Orientador e Presidente da Banca
PUC-GO
_______________________________________________________
Dr. Nivaldo dos Santos
Prof. Membro da Banca
PUC-GO
_______________________________________________________
Dr. Eriberto Francisco Beviláqua Marin
Prof. Membro da Banca
UFG-GO
4
Às mães de minha família, por me permitirem
acompanhar de perto a maternidade, tanto advinda
da reprodução humana natural quanto da artificial,
e perceber que é indiferente a forma de concepção
diante da grandiosidade do amor por elas
dispensado aos filhos.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, de onde emana toda a vida na Terra e a Quem agradeço diuturnamente
por minha vida e pela daqueles a quem amo.
Ao meu marido, companheiro inigualável, pelo amor, apoio, tolerância e amparo
nos vários momentos de angústia e desânimo, os quais, por vezes, levaram-me à
intenção de desistir.
À minha família, pais, mães, avós, tias, irmão, irmãs, cunhados, sobrinhos e
sogros, todos unidos em torcida e oração por meu êxito na conclusão deste trabalho.
Aos meus amigos, verdadeiros irmãos, Carla Valente, Cláudia Mussi, Ana Cristina,
Marcos César, Silvinha, Jordana, Maria Augusta, Diógenes, Ana Flávia Mori, Cláudio
Henrique, Giuliano Lima, Lorena Freire, João Augusto e Getúlio Filho, pela constante
disponibilidade em colaborar e vibrar por meu sucesso em todas as empreitadas da vida.
Aos meus colegas da docência, não menos amigos, José Bezerra Costa, Maria
Nívia, Juliana Lourenço, Paula Canedo, Núria Micheline, Caroline Santos, Regina
Celeste, Júlio Anderson e tantos outros, pelos livros emprestados, palavras de ânimo
e encorajamento.
Aos meus Pastores, Giovane e Jane e à Irmã Judite, pelas orações e
intercessões em meu favor.
Aos mestres que me inspiraram a amar o Direito de Família, Maria Lúcia
Paranhos Sampaio e Getúlio Vargas de Castro.
Ao meu orientador, Luiz Carlos Falconi, pela generosidade em dividir comigo
seus conhecimentos, pela elegância no trato, pela tolerância por minhas faltas e por
me ensinar que a humildade e a simplicidade acompanham o elevado saber.
Aos doutores Nivaldo Santos e Eriberto Francisco Beviláqua Marin, mestres
que compõem a banca examinadora, por seus ensinamentos.
Aos meus antigos e atuais alunos, filhos do coração, companheiros na busca
pelo conhecimento, pela paciência e apoio.
Às colegas Katiusse Macedo e Lara Brenner, pela dedicação, amor ao trabalho
e comprometimento no dia a dia do escritório, enquanto lá estiveram, o que me
permitiu voltar a atenção ao desenvolvimento deste trabalho.
Em especial, a Ana Carolina Passarinho, que se tem feito presente em minha
vida nas várias posições descritas acima, irmã, amiga, colega, parceira de todas as
horas, pelas orações, apoio, carinho e cuidado dispensados a mim e a minha família.
6
“Eis que os filhos são herança do Senhor, e o
fruto do ventre, o seu galardão.”
(Bíblia Sagrada, Livro de Salmos, 127:3)
7
RESUMO
A Reprodução Humana Assistida consiste em um conjunto de técnicas médicas que
objetivam fazer uma mulher engravidar, quando ela ou seu parceiro ou ambos, não
possuem a capacidade natural de procriar. No Brasil, a partir da década de 1980, a
prática passou a ser encarada como indicação terapêutica adequada a casos de
esterilidade ou infertilidade e, hodiernamente, é também recurso viável àqueles que,
embora possam gerar, apenas não o querem na forma natural. No país, ela sempre
foi regulada tão só por resoluções expedidas pelo Conselho Federal de Medicina,
sendo vigente a de nº. 2.013/2013. Por estar vinculada a direitos fundamentais
assegurados na Constituição Federal, quais sejam, o direito à vida, o direito à
procriação e o direito à constituição de família, tais técnicas manipulam valores caros
ao homem e, assim, possíveis conflitos dela advindos podem resultar em violação ou
tensão entre aqueles direitos, o que sinaliza para a necessidade de regulação
adequada da matéria por lei federal, que imponha para o procedimento, requisitos,
limites e sanções e oportunize ao Poder Legislativo, o sopesamento de interesses
necessários ao resguardo da dignidade dos sujeitos envolvidos e de salvaguarda dos
objetivos inerentes ao princípio da segurança jurídica.
Palavras-chave: Reprodução
Sopesamento de interesses; Lei.
assistida;
Direitos
fundamentais;
Conflitos;
8
ABSTRACT
The Assisted Human Reproduction is a set of medical techniques that aim to make a
woman pregnant when she or her partner or both do not have the natural ability to
procreate. In Brazil, from the 1980s, the practice came to be regarded as adequate
therapeutic indication the cases of sterility or infertility and, in our times, it is also viable
resource to those who, although they may generate, just do not want the natural way.
In the country, it has always been regulated so only by resolutions issued by the
Federal Council of Medicine, and the current no. 2013/2013. To be linked to
fundamental rights guaranteed in the Constitution, namely the right to life, the right to
procreation and the right to a family, such techniques manipulate values dear to man
and thus potential conflicts originated from it may result in a violation or tension
between those rights, pointing to the need for proper regulation of the matter by federal
law, which imposes for the procedure, requirements, limitations and sanctions and
oportunize the legislature, the reflection of interests needed to guard the dignity of
those involved and to safeguard the objectives inherent in the principle of legal
certainty.
Keywords: Assisted reproduction; Fundamental rights; conflicts; the reflection of
interests; Law.
9
LISTA DE ABREVIATURAS
A.C
– Antes de Cristo
ADI
– Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADPF
– Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária
CC
– Código Civil
CF
– Constituição Federal
CFM
– Conselho Federal de Medicina
CNJ
– Conselho Nacional de Justiça
CONEP – Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
DNA
– Ácido desoxirribonucleico (deoxyribonucleic acid)
ECA
– Estatuto da Criança e do Adolescente
FIV
– Fertilização in vitro
GIFT
– Transferência Intratubária de Gametas (Gametha Intra Fallopian Transfer)
ICSI
– Injeção Intracitoplasmática do Espermatozoide (Intracytoplasmic Sperm
Injection)
IIU
– Inseminação Artificial Intrauterina
OGM
– Organismos Geneticamente Modificados
RA
– Reprodução Assistida
STF
– Supremo Tribunal Federal
SUS
– Sistema Único de Saúde
RDC
– Resolução da Diretoria Colegiada
ZIFT
– Transferência Intratubária de Zigoto (Zibot Intra Fallopian Transfer)
10
SUMÁRIO
RESUMO....................................................................................................................07
ABSTRACT................................................................................................................08
LISTA DE ABREVIATURAS......................................................................................09
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12
CAPÍTULO I - A REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA......................................... 15
1.1 Definição e Causas para as Indicações ............................................................. 15
1.2 Breve Histórico ................................................................................................... 17
1.3 Técnicas Utilizadas no Brasil.............................................................................. 19
1.3.1 Inseminação artificial intrauterina .................................................................... 20
1.3.2 Fertilização in vitro .......................................................................................... 20
1.3.3 Transferência Intratubária de gametas ............................................................ 22
1.3.4 Transferência Intratubária de zigoto ................................................................ 22
1.3.5 Injeção intracitoplasmática do espermatozoide ............................................... 23
1.3.6 Gestação substituta ......................................................................................... 23
1.4 Normas Éticas e Técnicas do Conselho Federal de Medicina ........................... 24
CAPÍTULO II - DIREITOS FUNDAMENTAIS ASSEGURADOS NA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL ................................................................................................................. 30
2.1 Direitos Fundamentais Vinculados à Reprodução Assistida .............................. 31
2.1.1 O direito à vida ................................................................................................ 31
2.1.1.1 A Vida Como Direito Natural para o Jusnaturalismo .................................... 32
2.1.1.2 A Vida como Direito Fundamental para o Positivismo Jurídico .................... 37
2.1.1.3 A Vida com Dignidade Segundo o Pós-positivismo Jurídico ........................ 41
2.1.2 O direito à procriação ...................................................................................... 47
2.1.2.1 A Procriação Natural .................................................................................... 48
2.1.2.2 A Procriação Artificial – Reprodução Humana Assistida .............................. 57
2.1.3 O direito à constituição de família ................................................................... 57
CAPÍTULO III - NECESSIDADE DE REGULAÇÃO DA REPRODUÇÃO HUMANA
ASSISTIDA NO BRASIL .......................................................................................... 70
3.1 Projetos de Lei em Trâmite no Congresso Nacional Brasileiro .......................... 75
11
3.2 Comparativo entre a Resolução do Conselho Federal de Medicina e os Projetos
do Congresso Nacional Brasileiro ............................................................................. 77
3.3 Da Necessidade de Regulação da Reprodução Assistida por Lei Ordinária ...... 80
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 85
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 87
12
INTRODUÇÃO
A reprodução humana assistida é forma de procriação artificial há décadas
adotada por pessoas de todo o mundo, para satisfação do desejo pessoal da
maternidade ou paternidade.
Refere-se a intervenção humana no processo de procriação, por meio do
emprego de técnicas que resultem na gravidez da mulher, quando esta, seu parceiro
ou ambos apresentam problemas de esterilidade ou infertilidade ou mesmo quando,
ausentes tais problemas, a pessoa quer filhos por vias não naturais.
No Brasil, o uso de referidas técnicas é autorizado e regulado por
Resoluções expedidas pelo Conselho Federal de Medicina, por meio das quais este
normatiza as condutas médicas dos profissionais que as realizam.
Tais Resoluções têm por desiderato a regulação da conduta ética dos
médicos dedicados à reprodução humana assistida, tendo por fim, evidentemente,
finalidade limitada e dirigida especialmente à referida classe profissional.
E é nesse passo que se estabelece o ponto central deste trabalho, o fato
de a reprodução humana assistida no Brasil ser realizada há tantos anos sob a ordem
normativa precária de Resoluções expedidas por um conselho de classe, não havendo
lei federal que se ocupe de estabelecer os requisitos e limites para sua realização,
assim como, as sanções para ocasional mau uso de suas técnicas.
Disso resulta que, prováveis conflitos advindos da citada prática de
procriação artificial não tenham solução prevista pelo Poder Legislativo brasileiro, o
que se agrava pela possibilidade de tensão entre direitos fundamentais do homem
assegurados pela Constituição Federal, tais como, o direito à vida, o direito à
procriação e o direito à constituição de família.
O problema centra-se, portanto, no estudo do conteúdo dos direitos
fundamentais (vida, procriação e liberdade de constituição de família) em face das
técnicas relacionadas com os procedimentos de reprodução médica assistida
protagonizados pela iniciativa privada e independentemente da existência de marco
regulatório legal, o que certamente pode gerar conflitos e tensões por ocasião da
referida prática, colocando em risco e ou impedindo que se leve a bom termo o efetivo
exercício de tais direitos por todos aqueles que aos procedimentos se submetem ou
ficam sujeitos ao seus efeitos.
13
Assim sendo, a partir do estudo dos referidos direitos fundamentais, esta
dissertação tem por objetivo demonstrar a necessidade de regulação da reprodução
assistida no Brasil, por lei ordinária que a todos vincule e que estabeleça,
objetivamente, requisitos, limites e sanções às pessoas físicas e jurídicas envolvidas
no processo, a fim de que direitos tão caros ao homem, não fiquem expostos a
violação pela simples omissão do poder competente.
O propósito é demonstrar a insegurança provocada pela falta de lei
específica sobre o tema e o fato de que tal regulamentação revela-se como
instrumento oportuno e necessário à continuidade da referida prática no país, dentro
de parâmetros mínimos de segurança para os envolvidos.
Para tanto, o trabalho foi desenvolvido pelo método dedutivo, que consiste
em um raciocínio lógico que faz uso da dedução para obter uma conclusão. A
pesquisa quanto aos objetivos foi explicativa e quanto aos procedimentos,
bibliográfica.
Quanto à estrutura, o trabalho foi desenvolvido em três capítulos, sendo
que no primeiro define-se a reprodução assistida e faz-se um esclarecimento sobre
suas indicações médicas; relata-se seu histórico; descreve-se as técnicas de
reprodução admitidas no Brasil e faz-se um comentário sobre as únicas normas
reguladoras da citada prática, quais sejam, as resoluções já expedidas pelo Conselho
Federal de Medicina para normatização das condutas éticas dos profissionais que as
realizam.
No segundo capítulo discorre-se sobre os direitos fundamentais vinculados
à reprodução assistida e assegurados pela Carta Magna vigente, que são, o direito à
vida, o direito à procriação e o direito à constituição de família, ressaltando a
possibilidade de conflitos que podem advir daquela forma de procriação, com risco de
tensão entre os direitos, sobretudo face ao princípio de dignidade da pessoa humana
que sobrepaira os demais.
Por fim, no terceiro capítulo, são abordados aspectos gerais do biodireito,
ciência que tem por escopo a proteção da pessoa ante as peculiaridades que
envolvem a relação entre o Direito e os avanços científicos; relata-se a existência de
projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional, dispondo sobre a regulação da
reprodução assistida no país, estabelecendo-se um comparativo entre aqueles e as
resoluções já expedidas pelo Conselho Federal de Medicina.
Ainda, no terceiro capítulo, defende-se a necessidade de promulgação de lei
ordinária para regulação adequada da mencionada forma de procriação, tendo em vista
14
os valores dos direitos fundamentais que a envolvem e a já citada tensão a se estabelecer
entre aqueles direitos, o que poderá ser resolvido por meio da aplicação pelo Poder
Legislativo, da teoria do sopesamento de interesses defendida por Robert Alexy.
Enfim, espera-se que a presente dissertação desperte a sociedade em
geral e a comunidade jurídica em especial, sobre a necessidade premente de lei
ordinária para regulação do tema, que, elaborada apropriadamente por órgão que
represente a vontade geral do povo brasileiro, retirará do desejo puramente pessoal e
na maioria das vezes, egoístico, a manipulação de valores tão relevantes à garantia
da dignidade da pessoa humana.
15
CAPÍTULO I
A REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA
1.1 Definição e Causas para as Indicações
A Reprodução Humana Assistida refere-se a um conjunto de técnicas que
objetivam fazer uma mulher engravidar, quando ela ou seu parceiro ou ambos, não
possuem a capacidade natural de procriar.
As técnicas recebem também os nomes de procriação assistida,
reprodução assistida e procriação medicamente assistida.
De maneira similar, para Maluf e Maluf (2013, p. 531):
A reprodução humana assistida pode ser definida como a intervenção do
homem no processo de procriação natural com o objetivo de possibilitar que
pessoas com problemas de infertilidade ou esterilidade satisfaçam o desejo
de alcançar a maternidade ou a paternidade.
A propósito, embora não seja o correto, os termos esterilidade e infertilidade
são usados indistintamente para designar a incapacidade de reprodução; cumpre, porém,
esclarecer que se referem a fragilidades distintas, inobstante ser utilizada pelo próprio
Conselho Federal de Medicina naquele sentido genérico de incapacidade reprodutiva.
O médico ginecologista titulado em reprodução humana, Moreira, citado por
Scalquette (2010, p. 60) observa que “esterilidade é a condição clínica em que vive
um casal que não evita filhos, mantém relações sexuais normais e desejando obter
descendente não o consegue”.
Há, para a esterilidade, uma incapacidade do homem, da mulher ou de
16
ambos, por causas funcionais ou orgânicas de fecundação, não havendo, portanto,
gravidez.
Por outro lado, segundo os médicos portugueses Agostinho Almeida
Santos e Teresa Almeida Santos, mencionados por Scalquette (2010, p. 60), a
infertilidade não impede a gravidez, mas esta não chega a bom termo, conforme
esclarecem:
A designação infértil deverá ser atribuída ao casal em que existe fecundação,
mas em que o produto da concepção não atinge a viabilidade (...). O casal
também não tem filhos, mas a grande maioria dos mecanismos da
fecundação tem lugar, só que a gravidez que foi alcançada, uma ou mais
vezes, não termina pelo nascimento de um novo ser vivo e viável.
Logo, nesse caso, há fecundação, há gravidez, todavia, não há nascimento
do filho vivo.
Segundo Machado (2011, p. 24), a esterilidade ou infertilidade “pode se
originar tanto de causas femininas como masculinas, mistas, sem causa aparente ou
de origem desconhecida”. A mesma autora cita dentre as causas relacionadas à
mulher:
1. Causas ováricas: a) ausência de gônadas: seja congênita ou adquirida
(tumores, extração cirúrgica, inflamações), b) anomalias de ovulação, c)
alterações da fase lútea, d) endometrioses, e) tendência letal do óvulo.
2. Causas tubáricas: é a obstrução tubárica considerada a principal causa.
3. Causas uterinas: a) por lesões do endométrio, b) por falta de
permeabilidade, c) por fator mecânico.
4. Causas cervicais: a) alterações congênitas, b) posições anormais, c)
alterações morfológicas ou na dimensão do colo, d) miomas e pólipos
cervicais, e) cervicites, f) lesões traumáticas, g) alterações funcionais.
5. Causas vaginais: devido à má formação congênita, além de outras.
6. Causas Psíquicas.
7. Outras causas: como a obesidade, alteração das glândulas renais ou
tireoides, carências vitamínicas importantes, drogas etc. (MACHADO, 2011,
p. 26)
Complementa a explicação, logo adiante, anotando as causas relacionadas
ao homem:
1. Em nível testicular podem ser consideradas como causa de infertilidade ou
esterilidade masculina: a) alteração congênita por inexistência de
espermatogenias por anomalias cromossômicas; b) ausência de espergenia
por destruição ou por imaturidade.
2. Anomalias nas vias excretoras.
3. Alterações das glândulas acessórias.
4. Anomalias diversas na ejaculação ou inseminação.
5. Defeitos estruturais ou morfológicos dos espermatozoides. (MACHADO,
2011, p. 27)
17
Por fim, Machado (2011, p. 27), apresenta como causas mistas: “1. O fator
imunológico é considerado como um fato misto de esterilidade ou infertilidade. 2. A
esterilidade idiopática ou sem causa aparente”.
Muito importante ressaltar que, quanto ao material genético utilizado, a
reprodução assistida pode ser classificada como homóloga ou heteróloga; a primeira,
quando realizada com gametas do marido e a segunda, quando feita com gametas de
um terceiro doador, alheio ao casal que deseja ter filhos.
As técnicas que compõem a reprodução humana serão adiante
especificadas, logo após o breve histórico de seu surgimento no mundo.
1.2 Breve Histórico1
As técnicas de reprodução assistida foram inicialmente experimentadas em
animais e depois em seres humanos.
Há apontamentos de estudos sobre a embriologia, formulados no século V
a.C, pelo médico grego Hipócrates, por muitos considerado o “Pai da Medicina”.
No século IV a.C, Aristóteles escreveu um tratado sobre o tema e no século
II a.C, Galeno escreveu um livro sobre a formação do feto.
Citações, sem comprovação, dão conta de que os árabes usaram meios
artificiais para inseminar cavalos de caça.
Na Idade Média, com o surgimento do microscópio em 1590, os
experimentos se aceleraram. Em 1672, o médico e anatomista holandês Reiner de
Graaf detectou no útero de coelhas, câmaras depois reconhecidas como blastocistos
originados em ovários.
Em 1780, o padre e fisiologista italiano Lázaro Spallanzani obteve êxito com
a fecundação de uma cadela da raça Barbetes, que gerou três crias. Com outros
animais, Spallanzani estudou os efeitos do congelamento de espermatozoides. Pouco
tempo depois, Pietro Rossi, repetiu a experiência, também com êxito.
Em 1788, Heller afirmou que os espermatozoides se encontram no líquido
testicular.
O primeiro caso de inseminação artificial humana tem registro em 1791,
praticada pelo médico inglês John Hunter. Seguiram-se casos esparsos, ressaltando-
1
Histórico realizado com base em Scalquette (2010).
18
se as experiências do frade agostiniano Gregório Mendel.
J. Marion Sims, médico americano considerado o “Pai da Ginecologia”, em
1866, após cinquenta e cinco inseminações em seis mulheres, concretizou a primeira
gravidez mediante meios artificiais, a qual resultou em aborto.
A fertilização in vitro começou a ser estudada em 1878, ocasião em que o
cientista Schenk, ao tentar fertilizar óvulos de cobaias, incubou oócitos foliculares com
espermatozoides, porém, sem êxito.
Dogues, em 1883, declarou que os ovários têm participação no processo
de fecundação e os pesquisadores concluíram que a fertilização se processa pela
união do núcleo de um espermatozoide com o núcleo de um óvulo.
Em 1886, Montegazza propôs a criação de bancos de sêmen congelado e
em 1945, o biólogo Jean Rostand constatou que os espermatozoides submetidos ao
frio e envolvidos em glicerol conservavam-se durante longo período em condição de
uso.
Em 1889, o médico Robert Dickinson realizou, nos Estados Unidos, uma
inseminação artificial com sêmen de doador.
Em 1944, dois biologistas, Rock e Menkin obtiveram quatro embriões
normais a partir de óvulos humanos colocados na presença de espermatozoides.
Em 1946, em Londres, o Public Morality Council realizou um simpósio sobre
as técnicas de reprodução assistida, especificamente sobre a utilização de sêmen de
doador.
Em 1947, Chang fez a primeira transferência de ovo fertilizado e congelado
e cerca de dez anos depois, provou a viabilidade da fertilização in vitro, por meio de
técnicas aplicadas a coelhas.
Em 1949, foi criado por Roberty Schayshean, o primeiro banco de sêmen
congelado nos Estados Unidos.
Em 1953, Audrey Smith provou a possibilidade de desenvolvimento normal
dos embriões congelados e passaram a ser feitas inseminações artificiais em
humanos com sêmen congelado.
A partir de 1960, pela atividade de várias equipes médicas, entre eles, os
ingleses R. G. Edwards, P. C. Steptoe e B. Basister e os australianos C. Wood e A.
Lopato e W. B. Whittingham e Edward Wilmut, a técnica começou a disseminar-se e
surgiram os questionamentos éticos e jurídicos a respeito.
A partir da década de 70, as descobertas a respeito das procriações
19
artificiais evoluíram e, em 1971, um óvulo foi filmado pela primeira vez. No mesmo
ano, Hayashi, da Universidade de Toho, apresentou seu filme “Começo de Vida”,
sobre o processo de reprodução dos seres humanos.
Entre 1970 e 1975, concomitantemente, Estados Unidos, Inglaterra, Suécia
e Austrália, desenvolveram estudos sobre a fertilização “in vitro” com óvulos humanos,
formação de embriões com transferência para o útero e coleta de óvulos.
Finalmente, em 25 de julho de 1978, nasceu, na cidade de Oldham,
Inglaterra, Louise Joy Brown, o primeiro bebê concebido pela fecundação in vitro, por
meio dos gametas de seus pais legais, como resultado do trabalho dos pesquisadores
britânicos Drs. Patrick Steptoe e Robert Edwards.
Também em 1978, na Índia, nasceu o segundo “bebê de proveta”, pelas
mãos do médico Dr. Saroj Kanti Bhattacharya.
Em 1979, nasceu ainda, Alastair Montgomery, na Escócia, pelo trabalho
dos médicos Drs. Steptoe e Edwards.
Na década de 1980, com mais de cem casos de sucesso, a inseminação
artificial e fertilização in vitro passaram a ser encaradas como indicações terapêuticas
comuns aos casos de esterilidade.
Especialmente no Brasil, nasceu o primeiro bebê de proveta em São José
dos Pinhais-PR, no dia 7 de outubro de 1984, dando-se a luz a uma menina, que conta
hoje com 30 anos de idade.
Hodiernamente, em vários países do mundo, as pessoas se valem das
técnicas de reprodução assistida para gerar filhos, as quais passam a ser explanadas.
1.3 Técnicas Utilizadas no Brasil
As técnicas de reprodução assistida consistem em procedimentos médicos
que têm por fim suprir as deficiências, insuficiências ou esterilidade daqueles que não
podem, por tais razões, procriar, e, portanto, satisfazerem a um desejo quase sempre
presente na pessoa humana.
Essas técnicas auxiliares são admitidas pelo Conselho Federal de Medicina
Brasileira, conforme Resolução abaixo, parcialmente transcrita:
As técnicas de Reprodução Assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução
dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação
quando outras terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes para a solução
da situação atual de infertilidade (Resolução nº. 1.358/1992 do CFM).
20
Conforme se observa, o Conselho não fez distinção entre infertilidade e
esterilidade, referidas na seção 1.1 retro. Segue, adiante, a descrição das atuais
técnicas auxiliares da reprodução assistida.
1.3.1 Inseminação artificial intra-uterina
A inseminação artificial intra-uterina, conhecida como IIU, é o procedimento
mais simples, em que uma quantidade de espermatozoides é introduzida no interior
do canal genital da mulher por meio de um cateter, sem relação sexual.
A referida técnica é indicada para casos de incompatibilidade do muco
cervical com os espermatozoides, ou defeito no canal cervical em casos de deficiência
seminal leve, e casos de alteração na ovulação com o sêmen do marido, casos de
alteração na concentração espermática, volume seminal e motilidade, bem como em
caso de disfunções ejaculatórias e anormalidades imunológicas.
É uma técnica recomendável para mulheres com problemas nas trompas,
anovulação crônica, endometriose ou ovários policísticos.
A ovulação geralmente é estimulada e os óvulos são colhidos por punção
orientada por ultrassonografia endovaginal. Os espermatozoides, que podem ser do
marido (inseminação homóloga) ou de um banco de esperma (inseminação
heteróloga), são colhidos por meio de masturbação e deverão ser coletados,
selecionados, preparados e transferidos para o colo do útero, não sendo necessária
a utilização de anestesia. Essa modalidade de reprodução assistida consiste,
portanto, em fecundação in vitro.
A fecundação ocorre no laboratório. Óvulo e espermatozoide são colocados
juntos e processados em ambiente com 5% de CO2 e temperatura de 37ºC e, após 24
a 48 horas, os pré-embriões formados, contendo quatro a oito células, são transferidos
para a cavidade uterina da mulher.
Claro que, nos casos de inseminação artificial, nem sempre ocorrerá a
fecundação, uma vez que o óvulo e o espermatozoide podem não se fundir, mesmo
que se tenha calculado com exatidão a época da ovulação. Isso se deve ao fato de a
técnica utilizada consistir tão somente na introdução do sêmen na cavidade uterina.
1.3.2 Fertilização in vitro
A técnica fertilização in vitro (FIV) reproduz artificialmente, em um tubo de
21
ensaio, o ambiente das Trompas de Falópio da mulher, ambiente próprio à fertilização
natural, seguindo-se o procedimento até a transferência do embrião para o útero
materno.
A respeito desse procedimento, Camargo (2003, p. 29), assevera que seu
ponto chave está na realização de uma indução do ciclo menstrual da mulher, o que
o torna a grande estrela da tecnologia reprodutiva. Em contrapartida, explica o
seguinte:
A fecundação in vitro consiste basicamente em reproduzir, com técnicas de
laboratório, o processo de fecundação do óvulo, que normalmente ocorre na
parte superior das Trompas de Falópio, quando obstáculos insuperáveis
impedem que este fenômeno se realize intra corpore.
As indicações são os fatores femininos de infertilidade (cervical, ovariano,
uterino e tuboperitonial), alterações seminais leves e moderadas, infertilidade sem
causa aparente e falha de ciclos prévios de inseminação intrauterina.
No procedimento, a ovulação é geralmente estimulada para liberação de 5
a 20 óvulos por ciclo, os quais, amadurecidos, são colhidos por meio de laparoscopia
ou por uma cânula acoplada a um aparelho de ultrassom vaginal; os óvulos são
isolados em tubos que contêm solução especial e mantidos em estufa; os
espermatozoides a serem utilizados poderão ser do marido da mulher que se submete
ao tratamento, de terceiro ou de ambos e serão selecionados e introduzidos (cerca de
50.000) nos tubos junto aos óvulos; os tubos vão à estufa para fecundação; formado
o embrião, este é colocado no útero da mulher por meio de uma cânula acoplada ao
aparelho de ultrassom vaginal ou por laparoscopia; após a transferência, o embrião
deve ser implantado no útero materno, ocorrendo, então, a nidação, e, assim, o êxito
da técnica e início da gestação.
Obviamente, é possível o fracasso da medida e, nessa circunstância os
embriões, chamados excedentários, poderão ser congelados para novas tentativas.
Cabe ressaltar que as possibilidades de sucesso da técnica estão diretamente
ligadas ao número de embriões transferidos. A recente Resolução nº 2.013/2013,
expedida pelo Conselho Federal de Medicina, fixa em quatro o número máximo de
oócitos e embriões a serem transferidos para a receptora, sendo até dois para mulheres
com até 35 anos; até três para mulheres entre 36 e 39 anos e até quatro para mulheres
entre 40 e 50 anos. A idade da mulher é considerada na hora da coleta dos óvulos.
22
1.3.3 Transferência Intratubária de gametas
Há também a Transferência Intratubária de Gametas, conhecida também
como Gametha Intra Fallopian Transfer (GIFT), em cujo procedimento exige-se que a
mulher tenha ao menos uma das trompas.
Esclarece Santos (apud Scalquette, 2010, p. 71), que “durante o GIFT, os
espermatozoides e oócitos são aproximados e transferidos para a tuba. Assim, o
processo de fertilização poderá ocorrer naturalmente à luz desse órgão”.
Em virtude dessa técnica, permite-se que a fecundação ocorra dentro do
corpo humano.
Não há distinção da fertilização in vitro no que tange à estimulação à
ovulação e à coleta e preparação dos espermatozoides, mas, depois dessa etapa, os
espermatozoides são introduzidos, por meio de um cateter, nas trompas da paciente
e ali deverá ocorrer a fecundação. Há, contudo, necessidade de que a mulher tenha
ao menos uma trompa saudável para que seja viável a ocorrência de tal fertilização.
Estudos relatam que as técnicas de transferência de gametas são
indicadas em certas situações, dentre elas a de esterilidade sem causa aparente, por
fator cervical, fator masculino, fator imunológico, endometriose e aderências anexas
que prejudiquem a captação de oócitos.
A desvantagem desse método com relação à FIV decorre do fato de que a
visualização do embrião é de grande importância para que se avalie a qualidade da
fertilização. Tal deficiência do método implica, necessariamente, em alta possibilidade
de abortos, vez que pode ocasionar gravidez ectópica (gravidez na tuba uterina).
1.3.4 Transferência Intratubária de zigoto
A técnica Zibot Intra Fallopian Transfer (ZIFT) exige os mesmos
procedimentos da GIFT, mas a fecundação se dá em laboratório.
Consoante Scalquette (2010, p.72), “a transferência intratubária de zigoto,
consiste na retirada do óvulo da mulher para fecundá-lo na proveta, com sêmen de
marido ou de doador, para depois introduzir o embrião diretamente em seu corpo”.
Nessa técnica, o zigoto é transferido para a trompa em vez de ser colocado
no útero. O risco de gestação múltipla é menor porque poucos zigotos são introduzidos
na mulher. Além disso, essa técnica tem a vantagem de se poder constatar a
23
fertilização e sua qualidade, bem como, a de colocar embriões em seu habitat ideal.
As indicações para a técnica de transferência de zigoto são as mesmas que
foram descritas na técnica para transferência de gametas.
1.3.5 Injeção intracitoplasmática do espermatozoide
A técnica Injeção Intracitoplasmática do Espermatozoide, igualmente
conhecida como Intracytoplasmic Sperm Injection (ICSI), consiste na injeção de um
único espermatozoide no citoplasma do óvulo por meio de um aparelho especialmente
desenvolvido com microagulhas.
Segundo Machado (2011, p. 47), a ICSI “trata-se do mais importante
avanço em termos de técnica de fecundação assistida, sendo indicada,
principalmente, para os casos de hipofertilidade masculina”.
O material genético a ser utilizado poderá ser do próprio casal ou de
terceiros, doadores de sêmen e/ou óvulo.
Estudos relatam que tratamentos com a ICSI podem propagar defeitos
genéticos, maior incidência de malformações e maior taxa de defeitos cromossômicos.
Ademais, crianças nascidas da FIV/ICSI mais frequentemente apresentam defeitos no
trato respiratório, gastrointestinal, problemas de fala e de pele.
Além dos fatores retromencionados, importante salientar a possibilidade de
gestação múltipla, uma maior incidência de complicações durante a gestação e partos
prematuros.
1.3.6 Gestação substituta
A cessão temporária de uso do útero, conhecida vulgarmente por “doação
de útero” surgiu para solucionar os problemas de mulheres com absoluta
impossibilidade de levar ao término uma gravidez, por vários motivos, dentre eles,
quando o útero da pretensa mãe é malformado ou quando a mulher não o possui, ou
ainda, quando a gravidez apresenta risco de vida para ela.
A técnica do “empréstimo” do útero ou “mãe de substituição”, “barriga de
aluguel” ou ainda, “mães de aluguel”, termos utilizados por Machado (2011, p. 52),
consiste na intervenção de uma terceira pessoa na gestação, a qual se compromete
a entregar a criança ao casal solicitante logo após o nascimento.
24
As indicações médicas para utilização dessa técnica são: a ausência de
útero, a infertilidade vinculada à patologia uterina, contraindicação médica a uma
gravidez decorrente de outras patologias, tais como, a insuficiência renal severa ou
diabetes grave insulinodependente.
No entanto, consoante esclarece Ommati (apud Ferraz, 2011, p. 49):
Não se trata de uma técnica biológica, mas, sim, da utilização de mulheres
férteis, que se dispõem a carregar o embrião durante o período de gestação,
pela impossibilidade física da mulher que recorreu aos centros de reprodução
de suportar o período gestacional.
Há diversas controvérsias a respeito da utilização desta forma de
procriação, pelo fato de ter-se que recorrer a uma terceira pessoa que possa
desenvolver a gestação, razão pela qual tem sido objeto de questionamentos éticos,
psicológicos, jurídicos e religiosos.
Doutrinariamente, no campo jurídico, há entendimento de que a utilização
de óvulos doados e a gestação substituta não são abrangidas pelas expressões
“fecundação artificial”, “concepção artificial” e “inseminação artificial”, o que, inclusive,
foi esposado na III Jornada de Direito Civil patrocinada pelo Conselho da Justiça
Federal, conforme se depreende do Enunciado nº 257.2
Não obstante tal entendimento jurídico, a Resolução nº 2.013/2013, traça
diretrizes para a realização da gestação substituta, estabelecendo que as mulheres
autorizadas a fazer a cessão de uso do útero devem ser da família de um dos
parceiros, com parentesco consanguíneo até o quarto grau, respeitado em qualquer
caso, o limite de idade de 50 anos.
1.4 Normas Éticas e Técnicas do Conselho Federal de Medicina
Em razão de possíveis dificuldades e conflitos a que ficam sujeitos os
médicos, quando da realização de procedimentos para a reprodução assistida e face
à ausência de lei ordinária que regule a prática no país, o Conselho Federal de
Medicina decidiu expedir resoluções para normatização das condutas éticas de seus
profissionais, devendo tais regras serem observadas para a aplicação das respectivas
Enunciado 257. Art. 1.597: As expressões “fecundação artificial”, “concepção artificial” e “inseminação
artificial” constantes, respectivamente, dos incs. III, IV e V do art. 1597 do Código Civil, devem ser
interpretadas restritivamente, não abrangendo a utilização de óvulos doados e a gestação de
substituição.
2
25
técnicas.
A questão foi tratada pela primeira vez na Resolução nº. 1.358, publicada
no dia 19 de novembro de 1992, que passou a abordar a infertilidade humana como
um problema de saúde pública.
De acordo com essa resolução, as técnicas de reprodução assistida tinham
como foco principal, facilitar o processo de procriação quando outros tratamentos
terapêuticos não fossem eficientes.
No entanto, referida norma previa que, para que tais técnicas pudessem
ser utilizadas, era essencial que não colocassem em risco a saúde da paciente e de
seu possível descendente, além da existência de uma probabilidade concreta de
sucesso.
Outro ponto relevante dizia respeito à obrigatoriedade de consentimento
expresso, em formulário especial, dos pacientes inférteis e dos doadores.
A Resolução estabelecia ainda, que o número ideal de oócitos e préembriões a serem transferidos para a receptora não deveria ser superior a quatro,
com o intuito de não aumentar os riscos já existentes de multiparidade, ou seja,
múltiplo número de gravidez.
Além disso, a referida Resolução coibia qualquer outro tipo de fecundação,
cujo intuito não fosse a procriação humana, sendo vedada, nos casos de gravidez
múltipla, a utilização de procedimentos que visassem a redução embrionária.
No tocante aos usuários das técnicas de reprodução humana assistida, a
Resolução, estabelecia o seguinte:
1 - Toda mulher, capaz nos termos da lei, que tenha solicitado e cuja
indicação não se afaste dos limites desta Resolução, pode ser receptora das
técnicas de RA, desde que tenha concordado de maneira livre e consciente
em documento de consentimento informado.
2 - Estando casada ou em união estável, será necessária a aprovação do
cônjuge ou do companheiro, após processo semelhante de consentimento
informado.
Após 18 anos de vigência da Resolução nº. 1.358/1992, entrou em vigor a
Resolução nº. 1.957/2010, publicada no dia 06 de janeiro de 2011, a qual, apesar de
repetir a maioria dos dispositivos anteriores, revogou totalmente o ato normativo anterior.
Das alterações realizadas, foi acrescentada aos princípios gerais, uma
ressalva sobre o número de embriões a serem transferidos para cada mulher, levando
em consideração a sua idade.
26
A norma passou a dispor que mulheres com até 35 anos seriam receptoras
de até dois embriões, já mulheres entre 36 e 39 anos, até três embriões e mulheres com
40 anos ou mais, até quatro embriões, referências que não existiam na Resolução
anterior.
Para aqueles que quisessem se valer das técnicas de reprodução assistida,
a nova Resolução dispôs o seguinte:
Todas as pessoas capazes, que tenham solicitado o procedimento e cuja
indicação não se afaste dos limites desta Resolução, podem ser receptoras
das técnicas de RA desde que os participantes estejam de inteiro acordo e
devidamente esclarecidos sobre o mesmo, de acordo com a legislação
vigente.3
Verifica-se que o novo regramento deixou de fazer referência à
necessidade de a mulher casada ou que mantinha união estável, ter a aprovação do
cônjuge ou do companheiro, além de alterar a terminologia “mulher capaz” para
“pessoas capazes”.
Outro ponto de extrema relevância que passou a ser disciplinado pela
Resolução nº. 1.957/2010, dizia respeito à reprodução assistida post mortem, então
instituindo que, “não constitui ilícito ético a reprodução assistida post mortem desde
que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material
biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente”.
Atualmente, vigora a Resolução nº. 2.013, publicada no dia 09 de maio de
2013, a qual revogou a Resolução nº. 1.957/2010, trazendo novas modificações.
Inicialmente, cabe salientar que a Resolução vigente não faz alusão à
necessidade de utilização das técnicas de reprodução humana assistida nos casos
em que outros tratamentos terapêuticos tenham sido ineficazes ou inapropriados.
Além disso, impõe à mulher, como limite para gestação por reprodução
assistida, a idade de 50 anos e acrescenta que, nas situações de doação de óvulos e
embriões, a idade da doadora deve ser considerada no momento da coleta dos óvulos.
A partir dessa Resolução, passou a ser permitido o uso das técnicas de
reprodução assistida por casais homossexuais, em decorrência da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº. 4.277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental nº. 132, julgadas pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceram a
possibilidade de união estável estabelecida entre pessoas do mesmo sexo. A
Resolução admitiu as referidas técnicas também para as pessoas solteiras, respeitado
3
Item 1 do inciso II do anexo único.
27
o direito de objeção por motivo de consciência do médico.
No que se refere às clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de
reprodução assistida, a Resolução acrescenta que os registros realizados deverão
estar disponíveis para fiscalização dos Conselhos Regionais de Medicina.
No tópico “Doação de Gametas ou Embriões” da Resolução em comento,
foi fixada como idade limite para a doação de gametas, 35 anos para a mulher e 50
anos para o homem. Passou-se a admitir a doação voluntária de gametas, bem como,
a doação compartilhada de oócitos, quando a doadora e a receptora participam do
procedimento como portadoras de problemas de reprodução e compartilham tanto do
material biológico quanto dos custos financeiros que o envolvem, proporcionando à
doadora preferência sobre o material genético que será produzido.
A norma estabelece a possibilidade de descarte dos embriões
criopreservados com mais de 05 (cinco) anos, contanto que seja da vontade dos
pacientes, diferentemente da Lei de Biossegurança – Lei nº. 11.105/2005, que
estabelece um prazo menor, ou seja, de 03 (três) anos, para fins de pesquisa e terapia.
Sobre a gestação de substituição ou “doação temporária de útero”, a
Resolução vigente permite o emprego das técnicas de reprodução assistida não
apenas nos casos em que exista um problema médico que impeça ou contraindique
a gestação pela doadora genética, como também em caso de união homoafetiva.
A Resolução prevê que as mulheres que se dispuserem à gestação de
substituição, devem pertencer à família de um dos parceiros, na condição de parente
consanguíneo até o quarto grau, sempre respeitando a idade de 50 anos. Ressaltese que, na Resolução anterior, o parentesco era fixado até o segundo grau.
Documentos de extrema importância passaram a ser exigidos dos
pacientes, além de observações que deverão constar do prontuário deste, quais
sejam:
1- termo de Consentimento Informado, assinado pelos pacientes (pais
genéticos) e pela doadora temporária do útero, consignado.
2- relatório médico com o perfil psicológico, atestando adequação clínica e
emocional da doadora temporária do útero;
3- descrição pelo médico assistente, pormenorizada e por escrito, dos
aspectos médicos envolvendo todas as circunstâncias da aplicação de uma
técnica de RA, com dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico,
bem como os resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a
técnica proposta;
4- contrato entre os pacientes (pais genéticos) e a doadora temporária do
útero (que recebeu o embrião em seu útero e deu à luz), estabelecendo
claramente a questão da filiação da criança;
5- os aspectos biopsicossociais envolvidos no ciclo gravídico-puerperal;
28
6- os riscos inerentes à maternidade;
7- a impossibilidade de interrupção da gravidez após iniciado o processo
gestacional, salvo em casos previstos em lei ou autorizados judicialmente;
8- a garantia de tratamento e acompanhamento médico, inclusive por equipes
multidisciplinares, se necessário, à mãe que doará temporariamente o útero,
até o puerpério;
9- a garantia do registro civil da criança pelos pacientes (pais genéticos),
devendo esta documentação ser providenciada durante a gravidez;
10- se a doadora temporária do útero for casada ou viver em união estável,
deverá apresentar, por escrito, a aprovação do cônjuge ou companheiro.
(item 3 do inciso VII)
Até a Resolução nº. 1.957/2010, não havia referência a tais documentos,
que só se tornaram imprescindíveis em razão das mudanças sociais havidas e da
evolução científica do tema.
As penalidades impostas pelo Conselho Federal de Medicina ao médico
que descumprir a Resolução, vão desde advertência até a cassação do registro. Há
ainda, medidas intermediárias como a suspensão do exercício profissional.
Ressalte-se que as normas acima citadas referem-se à normatização da
conduta ética dos médicos que se dedicam aos procedimentos de reprodução
assistida, não havendo lei ordinária, a todos destinada, que regule o tema sob os
diversos ângulos que abrange, principalmente no que tange às obrigações que
naturalmente resultam das várias condutas postas em execução, na prestação das
técnicas de reprodução assistida.
O recurso às técnicas acima descritas, todavia, tem sido uma constante
para aqueles que pretendem ter filhos, quando não conseguem a concretização de tal
intento pelo método natural ou mesmo quando não querem se valer deste último.
Assim, segue a prática (cada vez mais realizada), sem regulação geral, ou
seja, sem a necessária discussão e apreciação legítima do Poder Legislativo do país,
produzindo efeitos não antevistos e sopesados por seus representantes, por vezes
até, não desejados, mas sem possibilidade de limitação, pela falta da lei.
Observa-se que o legislador ordinário reconheceu, no art. 1.593 do Código
Civil de 2002, que há parentesco civil no vínculo parental proveniente “quer de
técnicas de reprodução assistida” (...) “quer da paternidade socioafetiva, fundada na
posse do estado de filho” (Enunciado nº 103, da I Jornada de Direito Civil, coordenada
pelo Conselho da Justiça Federal).
Reconheceu, também, a presunção de paternidade relativamente aos
filhos:
havidos por fecundação
artificial homóloga; oriundos de embriões
excedentários decorrentes de reprodução artificial homóloga e havidos por
inseminação artificial heteróloga, autorizada previamente pelo marido, conforme art.
29
1.597, incisos III, IV e V, do mesmo Código.
Porém, nem o Código Civil, nem a legislação ordinária esparsa lograram
disciplinar as várias relações jurídicas que podem exsurgir dos incontáveis atos que
serão efetuados pelos profissionais da saúde no exercício das práticas de reprodução
assistida, nem aqueles que serão praticados pelo(a) paciente das técnicas
disponibilizadas em virtude do procedimento assistencial.
Disso resulta que prováveis conflitos de interesses advindos da prática, não
tenham solução prevista pelo Poder Legislativo competente, o que se agrava pelo fato
de que, a maioria deles enseja violações a direitos fundamentais do homem,
constitucionalmente assegurados no Brasil, quais sejam, o direito à vida, o direito à
procriação e o direito à liberdade de constituição de família.
Tais conflitos acabam, ainda, por estabelecer uma tensão entre os citados
direitos fundamentais, cuja solução tem sido confiada, na ausência de lei, ao exclusivo
senso de justiça do juiz de direito incumbido do julgamento do fato real, podendo
culminar na solução diversa de casos semelhantes, e, portanto, na insegurança
jurídica, que, repita-se, compromete valores embutidos nos princípios concernentes
aos direitos à vida, liberdade e dignidade.
Tais conflitos, que penetram na seara dos direitos fundamentais à vida, à
procriação e à liberdade de constituição de família, constituem o objeto do capítulo
vindouro.
30
CAPÍTULO II
DIREITOS FUNDAMENTAIS ASSEGURADOS
NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A partir do momento em que há interferência do homem na procriação
humana, as diversas condutas postas em prática para a consumação do procedimento
podem acabar gerando a eclosão de conflitos relativamente às pessoas envolvidas e
as suas relações familiares.
A evolução incessante da ciência médica na área da reprodução assistida
tem proporcionado diversas imprecisões de ordem ética, moral, religiosa e jurídica.
Frozel (2003, p. 61), expõe alguns questionamentos que merecem ser
analisados com cautela, em razão da importância do tema:
a) Diante do valor da vida humana e frente às técnicas de Reprodução
Assistida, existe algum outro valor – liberdade, direito etc. – que possa
sobressair?
b) É juridicamente sustentável o “direito a ter filhos”, mesmo que este direito
se oponha ao “direito à vida”?
c) Permitir a experimentação científica, que supõe a destruição de vidas
humanas em seus mais variáveis graus de desenvolvimento, está de acordo
com as normas do Direito brasileiro, no que tange à liberdade individual?
d) O Direito deve contemplar, expressa e positivamente, as técnicas de
Reprodução Assistida, fazendo com que as normas legais proíbam sua
utilização, na medida em que suponham a destruição de vidas humanas, ou
deve permitir a experimentação, uma vez que esta destruição se faz
necessária para que haja progresso científico?
Da análise das indagações acima, depreende-se a sutileza do tema,
sobretudo por estar fortemente vinculado a direitos fundamentais garantidos pela
Constituição Federal, circunstância que torna a questão carecedora de legislação
31
específica, clara e imperativa, ainda não existente.
2.1 Direitos Fundamentais Vinculados à Reprodução Assistida
Direitos fundamentais consistem em um conjunto de instrumentos que
buscam a proteção do indivíduo frente ao Estado, visando a manutenção da vida
humana de forma pacífica, livre, digna e igualitária.
Na visão de Bulos (2014, p. 525) “sem os direitos fundamentais, o homem
não vive, não convive, e, em alguns casos, não sobrevive”.
Os direitos fundamentais surgiram de acordo com a necessidade de cada
época, razão pela qual a doutrina constitucionalista os classifica em gerações de
direitos ou dimensões. Para efeitos genuinamente acadêmicos, a doutrina tradicional
assegura que existem os direitos de primeira, de segunda e de terceira dimensão. Já
a doutrina moderna acrescenta os direitos de quarta e de quinta geração.
Os direitos de primeira geração referem-se às liberdades individuais e têm
como titular o indivíduo, sendo oponíveis ao Estado; os direitos de segunda geração
correspondem à igualdade, que abarca a classe dos direitos sociais, culturais e
econômicos; e os direitos de terceira geração são marcados pela solidariedade e
fraternidade. Já os direitos fundamentais de quarta geração surgiram com os avanços
da biotecnologia, tratando-se de direitos que têm vinculação direta com o direito à
vida.
Segundo Lenza (2011, p. 862), “referida geração de direito decorreria dos
avanços no campo da engenharia genética, ao colocarem em risco a própria
existência humana, por meio da manipulação do patrimônio genético”; por outro lado,
a quinta dimensão é caracterizada pelo direito à paz.
Para os estudiosos modernos, portanto, a reprodução humana assistida
integra os direitos de quarta geração e possui ligação especial com o direito à vida, o
direito à procriação e o direito à liberdade de constituir família, resultando daí, a
importância de sua adequada regulamentação por fonte legal primária e não por
simples resoluções de entidades de classe. Passa-se, então, à análise dos referidos
direitos.
2.1.1 O direito à vida
O direito à vida é o mais importante de todos os direitos do homem, dado o seu
32
instinto de sobrevivência.
A vida do homem, desde sua origem, foi, continuamente, objeto de valoração,
o que resultou no decorrer dos séculos e por toda a extensão da Terra, na sua maior ou
menor preservação pelas civilizações várias.
De difícil conceituação para a biologia, a vida e seu sentido consistem no
propósito principal de investigação da filosofia e a sua salvação e perenidade, na promessa
de todas as religiões.
Juridicamente, a vida é tutelada segundo fundamentos diversos, propostos
diferentemente pelas correntes filosóficas que acompanharam o Direito, quais sejam, o
jusnaturalismo, o positivismo e o pós-positivismo, sobre os quais passa-se a discorrer.
2.1.1.1 A Vida Como Direito Natural para o Jusnaturalismo
Segundo o jusnaturalismo, o direito à vida é um direito natural do homem,
inerente à sua natureza e, desta feita, um direito legítimo, imutável, inalienável,
irrenunciável, imprescritível e oponível a todos, anterior à norma positiva e, por essa razão,
não foi criado pelo Estado, mas apenas reconhecido por este.
O jusnaturalismo se desenvolveu a partir do século XVI, fundamentado na
existência de um direito natural, um conjunto de valores e pretensões humanas legítimas
que não decorrem de uma norma jurídica emanada do Estado, mas de uma ética superior
que fixa limites à própria norma estatal.
A lei natural foi percebida inicialmente por gregos e pensada por Sócrates,
Platão e Aristóteles. Platão se referia àquela como uma “justiça inata, universal e
necessária”.
Em Roma, o jusnaturalismo teve grande repercussão entre juristas e filósofos,
tais quais Cícero, Sêneca, Marco Aurélio, Epíteto e Ulpiano, seguidos na Idade Média por
Agostinho e Tomás de Aquino.
O jusnaturalismo apresenta-se em duas versões: a) a de uma lei determinada
por Deus, também conhecida por jusnaturalismo clássico e; b) a de uma lei ditada pela
razão, denominada como jusnaturalismo moderno.
O jusnaturalismo clássico apresenta acentuado conteúdo teológico, fundado
em uma vontade divina que impera sobre uma sociedade e cultura fortemente submetidas
à fé. Segundo Barroso (2001, p. 13), o filósofo romano Marco Túlio Cícero divulgou-o em
Roma, na obra Da República, conforme trecho abaixo transcrito:
33
A razão reta, conforme a natureza, gravada em todos os corações, imutável,
eterna, cuja voz ensina e prescreve o bem (...). Essa lei não pode ser contestada,
nem derrogada em parte, nem anulada; não podemos ser isentos de seu
cumprimento pelo povo nem pelo senado (...). Não é uma lei em Roma e outra em
Atenas, - uma antes e outra depois, mas uma, sempiterna e imutável, entre todos
os povos e em todos os tempos; uno será sempre o seu imperador e mestre, que
é Deus, seu inventor, sancionador e publicador, não podendo o homem
desconhecê-la sem renegar a si mesmo.
Segundo Morris (2002, p. 53), Tomás de Aquino pregou que “a lei natural é
promulgada pelo próprio Deus, que a instilou na mente do homem, de modo a ser
conhecida naturalmente por ele”.
O jusnaturalismo moderno enfatiza a natureza e a razão humanas, conferindo
caráter mais racional à teoria. Defenderam essa concepção os filósofos Hugo Grócio,
Thomas Hobbes, Pufendorf, Jean Jacques Rousseau e Immanuel Kant.
Grócio (2002, p. 80), considerado precursor do jusnaturalismo moderno,
também citado por Morris, assegurava que o Direito Natural ia além das coisas feitas
pela própria natureza, tratando também de coisas produzidas pelo ato do homem.
Inaugurou, portanto, uma nova forma de pensar, fundamentada na razão humana e
não mais na razão única de Deus, como pregava o jusnaturalismo clássico. E
explicava:
O Direito Natural é o Ditame da Razão Certa, indicando que qualquer ato,
segundo sua concordância ou discordância com a natureza racional [do
homem], contém em si mesmo uma torpeza moral ou uma necessidade
moral; e, como consequência, que tal ato é proibido ou ordenado por Deus, o
autor da natureza.
Hobbes (2002, p. 106), conforme o mesmo autor apresentava uma visão
racional e defendia a ausência de hierarquias políticas, propagando que a vida era o
maior bem a ser preservado. Para ele, os homens eram iguais por natureza; o que os
distinguia era a sabedoria. Nesse sentido, afirmava:
O direito de natureza, que em geral os autores chamam de Jus Naturale, é a
liberdade que cada homem tem de usar seu próprio poder, como quiser, para
a preservação de sua própria vida; e, por conseguinte, de fazer tudo aquilo
que seu próprio julgamento e razão concebam ser os meios mais apropriados
para isso.
Apesar de concordar parcialmente com Hobbes, Rousseau trouxe algumas
inovações para a época, compreendendo que o estado de natureza do homem dividiase em dois momentos. Em um primeiro, assentia que o homem nascia bom, em
contraposição a Hobbes, que acreditava que o homem já nascia com o espírito de
34
malevolência; já em um segundo momento, afirmava que os homens tinham direitos
e eram donos de si mesmos, havendo uma igualdade e liberdade plenas em seu favor.
Conforme se vê, nota-se que para Rousseau (2002, p. 222), o homem
interagia com a sociedade e essa interação dava ensejo à desigualdade, o que
culminava na necessidade de realização de pactos sociais. Nesse tocante, expôs:
O que está bem e em conformidade com a ordem é assim, pela natureza das
coisas e independentemente das convenções humanas. Toda justiça vem de
Deus, que é a única fonte; porém, se soubéssemos como receber inspiração
tão alta, não precisaríamos de governo, nem de leis. Sem dúvida, existe uma
justiça universal que emana só da razão; mas essa justiça, para ser admitida
entre nós, deve ser mútua.
Rousseau entendia que as leis decorriam de uma vontade geral e, para que
a sociedade se sujeitasse àquelas, precisava ser responsável por sua criação.
Pufendorf defendia a existência de uma ordem moral e regras de justiça
universal (leis da natureza), que indicavam ao homem os seus deveres e o proibiam
de fazer o mal, sendo imutáveis e eternas. Quem não respeitasse tais leis naturais,
ofendia a dignidade do homem.
Já o jusnaturalismo de Kant apresentou um homem racional e livre, capaz
de impor a si mesmo normas de conduta de natureza ética, aplicadas como fins em si
mesmas, e não meios a serviço de outros.
Tais normas decorriam da razão pura do homem e tinham como motivo de
agir a própria ideia de dever, desgarrada da preocupação com a aplicação de sanção
imanente da norma jurídica. Assim, Kant pregava a divisão entre Direito Natural e
Direito Positivo, conforme esclarece Morris (2002, p. 243): “o Direito Natural assentase sobre princípios racionais puros, a priori; o Direito Positivo ou Direito Estatutário é
o que provém da Vontade de um Legislador.”
No alvorecer do século XVIII, cresceu a intolerância do homem ao regime
então vigente, o Absolutismo - teoria política na qual o soberano tinha poder absoluto,
independente de outro órgão - e cresceram também seus ideais de conhecimento com
base na razão e na liberdade. Esse crescimento resultou em uma associação do
jusnaturalismo racionalista ao iluminismo, este como expressão de revolução intelectual
ocorrida na Europa, em especial na França, ainda no século XVII, quando ocorreu o ápice
das transformações iniciadas com o Renascimento, no século XVI.
A esse respeito, esclarece Barroso (2013, p. 258/259):
O antropocentrismo e o individualismo renascentistas, ao incentivarem a
35
investigação científica, levaram à gradativa separação entre o campo da fé
(religião) e o da razão (ciência), determinando profundas transformações no
modo de pensar e de agir do homem. Para os iluministas, somente através
da razão, o homem poderia alcançar o conhecimento, a convivência
harmoniosa em sociedade, a liberdade individual e a felicidade. Ao propor a
reorganização da sociedade com uma política centrada no homem, sobretudo
no sentido de garantir-lhe a liberdade, a filosofia iluminista defendia a causa
burguesa contra o Antigo Regime.
A propagação da doutrina jusnaturalista resultou na promulgação das duas
mais importantes Declarações de Direitos Humanos na ordem internacional, sobre as quais
Bobbio (2004, p. 88), discorreu:
A doutrina dos direitos do homem nasceu da filosofia jusnaturalista, a qual – para
justificar a existência de direitos pertencentes ao homem enquanto tal,
independentemente do Estado – partira da hipótese de um estado de natureza,
onde os direitos do homem são poucos e essenciais: o direito à vida e à
sobrevivência, que inclui também o direito à propriedade; e o direito à liberdade,
que compreende algumas liberdades essencialmente negativas.
Interessante, a propósito da referida citação, esclarecer que a diferença entre
direitos do homem e direitos humanos encontra-se, de maneira específica, no fato de que
os primeiros são inerentes à natureza humana, independentemente de estarem
positivados; enquanto os segundos, são aqueles mesmos direitos, porém consignados em
documentos que obtiveram positivação no plano internacional.
Canotilho (2003, p. 393), por sua vez, na busca de precisão terminológica entre
os termos direitos do homem e direitos do cidadão, ensinou:
Como é sabido, a Declaração dos Direitos de 1789 intitulou-se Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão. Daí que se procurasse distinguir entre direitos
do homem e direitos do cidadão: os primeiros pertencem ao homem enquanto
tal, os segundos pertencem ao homem enquanto ser social, isto é, como indivíduo
vivendo em sociedade.
Merecem destaque como documentos de positivação internacional, a
Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776), onde constam referências às
leis da natureza e ao Deus da natureza, com a seguinte menção: “Sustentamos que estas
verdades são evidentes, que todos os homens foram criados iguais, que foram
dotados por seu Criador de certos Direitos inalienáveis, que entre eles estão a vida, a
Liberdade e a Busca da Felicidade”.
No mesmo sentido, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão,
esta última aprovada pela Assembleia Nacional, em 26 de agosto de 1789, na França, que
menciona em seu preâmbulo a existência de direitos naturais, inalienáveis e sagrados ao
36
Homem. Lembrando que ambas garantem ao ser humano o direito à vida.
Sobre esse período, assevera Barroso (2013, p. 259), que:
A crença de que o homem possui direitos naturais, vale dizer, um espaço de
integridade e de liberdade a ser obrigatoriamente preservado e respeitado pelo
próprio Estado, foi o combustível das revoluções liberais e fundamento das
doutrinas políticas de cunho individualista que enfrentaram a monarquia absoluta.
A Revolução Francesa e sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
(1789) e, anteriormente, a Declaração de Independência dos Estados Unidos
(1776) estão impregnadas de ideias jusnaturalistas, sob a influência marcante de
John Locke, autor emblemático dessa corrente filosófica e do pensamento
contratualista, no qual foi antecedido por Hobbes e sucedido por Rousseau. Sem
embargo da precedência histórica dos ingleses, cuja Revolução Gloriosa foi
concluída em 1689, o Estado liberal ficou associado a esses eventos e a essa fase
da história da humanidade.
A Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão tem por
destinatário o gênero humano e como conteúdo os direitos humanos que são, naquele
documento, reconhecidos como naturais, inalienáveis e sagrados.
Importa salientar ainda, que essa Declaração alçou ao cenário mundial o
reconhecimento dos direitos humanos, contudo, a verdadeira consolidação desses direitos
na ordem internacional, deu-se em meados do século XX, em decorrência da Segunda
Guerra Mundial e das monstruosidades e violações ocorridas no período e legitimadas pelo
Estado através da ordem jurídica vigente.
O legado da Segunda Guerra Mundial exigiu a reestruturação dos direitos
humanos, sob pena de se perderem todas as conquistas até então efetivadas. Sobre esse
contexto, Piovesan (2011, p. 176), discorre:
No momento em que os seres humanos se tornam supérfluos e descartáveis, no
momento em que vige a lógica da destruição, em que cruelmente se abole o valor
da pessoa humana, torna-se necessária a reconstrução dos direitos humanos
como paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável. A barbárie do
totalitarismo significou a ruptura do paradigma dos direitos humanos, por meio da
negação do valor da pessoa humana como valor fonte do direito. Diante dessa
ruptura, emerge a necessidade de reconstruir os direitos humanos, como
referencial e paradigma ético que aproxime o direito da moral. Nesse cenário, o
maior direito passa a ser, adotando a terminologia do Hanna Arendt, o direito a ter
direitos, ou seja, o direito a ser sujeito de direitos.
O processo de internacionalização dos direitos humanos culminou na criação
da Organização das Nações Unidas e na proclamação da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948, como ideal comum a todos os povos e
nações. Nela, o direito à vida é protegido nos seguintes termos: “Art. 3.º Toda pessoa tem
direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.
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Na referida declaração, a vida é consagrada como direito humano de primeira
geração e a mesma salvaguarda se vê na Convenção Americana de Direitos Humanos –
Pacto de San José da Costa Rica, adotada na Conferência Especializada Interamericana
sobre Direitos Humanos, em 22 de novembro de 1969, ratificada pelo Brasil por meio do
Decreto Legislativo nº 89, de dezembro de 1988.
Prevê o referido Pacto, em seu artigo 4º, § 1º, que: “Toda pessoa tem o direito
de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei, em geral, desde o
momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.”
Figuram como direitos de primeira geração os referentes à liberdade, os direitos
civis e os direitos políticos, os quais inauguraram o constitucionalismo do Ocidente, ao final
do século XVIII e início do século XIX. São eles direitos individuais que exigem uma
abstenção do Poder Público em face do indivíduo.
A expressão “gerações de direitos”, segundo Bonavides (2007), deve-se a Karel
Vasak, que, em 1979, apresentou-a no Instituto Internacional de Direitos do Homem, em
Estrasburgo, referindo-se às fases de reconhecimento dos direitos humanos.
Com o surgimento do Estado liberal, no início do século XIX e a consolidação,
em textos escritos, dos ideais que inspiraram sua criação, os direitos naturais foram, como
já dito, incorporados de forma generalizada aos ordenamentos positivos.
Inaugurou-se o Estado de Direito, com adoção do modelo universalizado pela
Revolução Francesa: separação de poderes e reconhecimento dos direitos individuais.
A era das codificações foi então iniciada pelo Código Napoleônico de 1804 e a
onda positivista assumiu ares de ciência, dando gênese ao Positivismo Jurídico, sobre o
qual se passa a tratar.
2.1.1.2 A Vida como Direito Fundamental para o Positivismo Jurídico
O positivismo jurídico ou juspositivismo surgiu no século XIX, com a pretensão
de criar uma ciência jurídica semelhante às ciências naturais ou exatas, que têm por
fundamento, juízos de fato e não de valor.
Para Barroso (2013, p. 262), são características essenciais do juspositivismo:
(I) a aproximação quase plena entre Direito e norma;
(II) a afirmação da estatalidade do Direito: a ordem jurídica é una e emana do
Estado;
(III) a completude do ordenamento jurídico, que contém conceitos e
instrumentos suficientes e adequados para solução de qualquer caso,
38
inexistindo lacunas que não possam ser supridas a partir de elementos do
próprio sistema;
(IV) o formalismo: a validade da norma decorre do procedimento seguido para
a sua criação, independendo do conteúdo. Também aqui se insere o dogma
da subsunção, herdado do formalismo alemão.
Nesse contexto, o Direito afastou-se da moral e dos valores transcendentais, o
que Bobbio apud Barroso (2013, p. 62), explica:
A ciência exclui do próprio âmbito os juízos de valor, porque ela deseja ser um
conhecimento puramente objetivo da realidade, enquanto os juízos em questão
são sempre subjetivos (ou pessoais) e consequentemente contrários à exigência
da objetividade”.
A lei passou a ser vista como expressão superior da razão. O Estado tornou-se
a única fonte do poder e do Direito e as lacunas do sistema jurídico passaram a ser
resolvidas por meio de recursos do próprio sistema. Esses recursos, como métodos de
integração da norma, seriam a analogia, o costume e os princípios gerais do direito.
A interpretação jurídica passou a ser um processo de subsunção dos fatos à
norma, sem especulações de ordem filosófica, na busca de pureza científica.
O positivismo jurídico teve seu ponto culminante no normativismo de Hans
Kelsen e tornou-se, nas primeiras décadas do século XX, a filosofia dos juristas.
Já na segunda metade do século XX, o Estado assumiu novas características,
submetendo-se a um novo ordenamento, estabelecido por constituições normativas, que
reconheciam direitos fundamentais ao homem e exigiam sua observância.
Nesse sentido, Rawls (apud Fernandes, 2010, p. 229), ensina que:
A afirmação da superioridade da Constituição, como norma superior e matriz das
demais normas só faz sentido, se direcionada a assegurar a maior proteção
possível de iguais direitos fundamentais a todos os membros de uma dada
sociedade.
Interessante aqui, diferenciar semanticamente, direitos fundamentais e direitos
humanos. O termo “direitos fundamentais” aparece pela primeira vez na França, no século
XVIII, durante o movimento político cultural que culminou na promulgação da Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789. A partir daí, disseminou-se pelo
pensamento jurídico alemão, sob a expressão Grundrechte, como um sistema de relações
entre indivíduo e Estado, fundamento de toda a ordem jurídica liberal.
Destarte, é comum dizer-se que os direitos fundamentais são os direitos
humanos positivados internamente por um Estado. Zisman (2011, p. 172/173), esclarece
que:
39
A expressão direitos fundamentais compreende apenas aqueles direitos
reconhecidos pela ordem constitucional de determinado país, incluídos
consequentemente no rol de direitos previstos na Constituição. Os direitos
humanos existem independentemente de positivação, embora a efetiva e célere
proteção precise da formalização tanto destes direitos como de suas garantias.
A respeito da distinção existente entre direitos humanos e direitos
fundamentais, Comparato apud Zisman (2011, p. 172/173), pondera:
A doutrina jurídica contemporânea (...) distingue os direitos humanos dos direitos
fundamentais, na medida em que estes últimos são justamente os direitos
consagrados pelo Estado como regras constitucionais escritas. É óbvio que a
mesma distinção há de ser admitida no âmbito do direito internacional.
Segundo Canotilho (2003, p. 393), “os direitos fundamentais são os direitos do
homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente”. Afirma
ainda, que a expressão “direitos humanos” é composta por dois grupos – “direitos do
homem” e “direitos do cidadão”. No primeiro grupo estariam os direitos pertencentes ao
homem como tal e no segundo, os direitos dirigidos ao homem como ser social, como
indivíduo que vive em sociedade.
Outra distinção que também é comum, refere-se à separação em razão da
ordem positiva que consagra tais direitos, sendo os direitos humanos, no plano
internacional (positivados em Tratados, Convenções Internacionais etc.) e os direitos
fundamentais, na ordem interna do Estado.
Silva (2005, p. 184), que prefere a denominação “direitos fundamentais do
homem”, classifica-os em cinco grupos, que são: a) Direitos individuais (art. 5.º); b) Direitos
à nacionalidade (art. 12); c) Direitos políticos (art. 14 a 17); d) Direitos sociais (art. 6.º e 193,
ss); e) Direitos coletivos (art. 5.º) e f) Direitos solidários (art. 3.º e 225) (2005-A, p. 184) e
inclui o direito à vida no rol dos direitos individuais.
Para o positivismo jurídico, portanto, o direito à vida é direito fundamental,
inviolável, inserido na ordem constitucional e reconhecido nos documentos internacionais
de proteção.
Especialmente no âmbito constitucional brasileiro, a Constituição de 1824 não
fazia previsão ao direito à vida, mas tão só a um direito à segurança individual; da mesma
forma, a Constituição de 1891.
Na Carta Magna de 1934, embora o direito à vida não tenha sido
expressamente contemplado, foi ela protegida mediante a abolição da pena de morte, salvo
em caso de guerra e nos termos da legislação militar (art. 113, 29).
40
A Constituição de 1937, também não contemplava o direito à vida e ampliou as
hipóteses de cabimento da pena de morte (art. 122, 13); a Constituição de 1946 passou
então a reconhecer a vida como direito individual (art. 141, caput) e retomando a restrita
possibilidade de incidência da pena de morte.
A Constituição de 1967 manteve a previsão da anterior quanto ao direito à vida,
ressalvado o caso de guerra (art. 150, caput, § 11), o que ainda prevalece na Emenda
Constitucional n.º 1/1969 (art. 153, caput, § 11). E, finalmente, a Constituição de 1988,
prevê expressamente o direito à vida, na condição de direito inviolável (art. 5.º, caput), com
proibição da pena de morte, salvo em caso de guerra (art. 5.º, XLVII, a).
A inviolabilidade do direito à vida é encontrada também na proteção
constitucional à saúde e à integridade física, e, ainda, pela proteção ao nascituro desde a
vigência do Código Civil de 1916, da maternidade e da infância (art. 6º da CF/88, com
redação da Emenda Constitucional nº 64, que aliás, já era objeto de legislação ordinária.
Saliente-se, porém, que, segundo o ordenamento brasileiro, o direito à vida não
é absoluto, mas relativizado pelas ressalvas legais da pena de morte em caso de guerra
declarada, de legítima defesa, de aborto em caso de risco à mãe e de aborto em
decorrência de gravidez havida por estupro.
Em meados do século XX, porém, o Direito não se sustentou mais sobre os
pilares do positivismo jurídico, passou-se à compreensão de que o Direito não se resumia
à pura descrição da realidade, mas, sim, que exigia atuação sobre esta, mediante o
emprego de juízos de valor, ligados à ética e à moral.
A decadência do positivismo jurídico foi, então, definitivamente selada por sua
associação à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, sistemas que
evidenciaram a legitimação de barbáries pelas leis então vigentes. Os principais acusados
de Nuremberg invocaram, em sua defesa, o cumprimento da lei e a obediência às ordens
emanadas de autoridade competente.
Ao fim da Segunda Guerra Mundial restou claro que a ideia de um ordenamento
jurídico livre da influência de valores éticos não mais se sustentaria e se reiniciaram
reflexões e discussões acerca do Direito, de sua função e de sua interpretação. A partir daí,
uma nova perspectiva se estabeleceu para o constitucionalismo, o chamado Póspositivismo.
Pode se dizer que, no Brasil, tais reflexões marcaram suas influências nas
discussões concernentes à elaboração da Constituição Federal, no apagar das luzes do
século XX, quando referido diploma, contando com a participação dos mais diversos
41
segmentos da sociedade, foi construído baseado, fundamentalmente, nos valores
incrustados no princípio da dignidade da pessoa humana.
2.1.1.3 A Vida com Dignidade Segundo o Pós-positivismo Jurídico
Com o início do século XXI, então, surge o Pós-positivismo propondo uma nova
hermenêutica constitucional, por meio da redefinição de valores, princípios e regras e uma
teoria de direitos fundamentais carregada de valores éticos e alicerçada sobre a dignidade
humana.
Nesse passo, reforça Barroso (2013, p.271):
No conjunto de ideias ricas e heterogêneas que procuram abrigo nesse paradigma
em construção, incluem-se a reentronização dos valores na interpretação jurídica,
com o reconhecimento de normatividade aos princípios e de sua diferença
qualitativa em relação às regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação
jurídica; a formação de uma nova hermenêutica; e o desenvolvimento de uma
teoria dos direitos fundamentais edificada sobre a dignidade da pessoa humana.
Nesse ambiente, promove-se uma reaproximação entre o Direito e a ética.
Ponto alto dessa nova hermenêutica é a valorização dos princípios, sua
incorporação implícita ou explícita pelos textos constitucionais e o reconhecimento de sua
normatividade.
Após normatividade praticamente nula durante a fase do jusnaturalismo e a
normatividade subsidiária que garantia o reinado da lei durante o positivismo, os princípios
ganharam status de norma jurídica com o pós-positivismo, superando a crença de que só
se prestavam à função axiológica e de integração do ordenamento positivo, sem
aplicabilidade imediata.
Tal mudança de paradigma deve-se à concepção de Alexy (2011, p. 87), que
ensina:
Tanto regras quanto princípios são normas, porque ambos dizem o que deve ser.
Ambos podem ser formulados por meio das expressões deônticas básicas do
dever, da permissão e da proibição. Princípios são, tanto quanto as regras, razões
para juízos concretos de dever-ser, ainda que de espécie muito diferente. A
distinção entre regras e princípios é, portanto, uma distinção entre duas espécies
de normas.
O jurista alemão esclarece que existem vários critérios para distinção entre
princípios e regras, mas que o mais seguro e objetivo é aquele segundo o qual os princípios
são vistos como “mandamentos de otimização” - em um sentido que inclui permissões e
42
proibições – que podem ser satisfeitos em graus variados, conforme as possibilidades
fáticas e jurídicas do caso; enquanto as regras são consideradas “determinações”, sempre
satisfeitas ou não satisfeitas na medida exata do que pronuncia, também conforme aquilo
que é fática ou juridicamente possível.
Extrai-se daí, que as regras contêm a descrição de determinadas condutas que,
se realizadas, ensejam sua incidência na forma de subsunção, enquadrando-se o fato à
previsão abstrata na forma do tudo ou nada. Conclui-se, portanto, que ou a norma regula
totalmente a matéria ou é descumprida; assim, na hipótese de conflito entre regras, apenas
uma prevalecerá, segundo critérios hierárquico, temporal ou de especialização.
Os princípios, por sua vez, apresentam maior grau de abstração, não
especificam uma conduta e se aplicam a um conjunto amplo de situações; em caso de
conflito, sua aplicação dar-se-á por meio de ponderação, ou seja, prevalecerá aquele de
maior peso à vista do caso concreto a que está sujeito.
Interessante novamente citar o pensamento de Canotilho (2003, p. 1.1611.162), ao diferenciar qualitativamente os princípios das regras:
Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis
com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e
jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência
(impõem, permitem ou proíbem) que é ou não é cumprida (no termo de Dworkin:
apllicable in all-or-nothing fashion); a convivência dos princípios é conflitual
(Zagrebelsky), a convivência das regras é antinómica; os princípios coexistem, as
regras antinómicas excluem-se.
Assim, prossegue o mestre português:
Consequentemente, os princípios, ao constituírem exigências de optimização,
permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as
regras, a lógica do tudo ou nada), consoante o seu peso e a ponderação de outros
princípios eventualmente conflitantes; as regras não deixam espaço para qualquer
outra solução, pois se uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exacta
medida das suas prescrições, nem mais nem menos.
E finalmente, conclui:
Como se verá mais adiante, em caso de conflito entre princípios, estes podem ser
objeto de ponderação e de harmonização, pois eles contêm apenas exigências ou
standards que, em primeira linha (prima facie), devem ser realizados; as regras
contêm fixações normativas definitivas, sendo insustentável a validade simultânea
de regras contraditórias. Realça-se também que os princípios suscitam problemas
de validade e peso (importância, ponderação, valia); as regras colocam apenas
questões de validade (se elas não são correctas devem ser alteradas).
43
Segundo Barroso e Barcellos, citados por Silva (2005, p. 280): “A constituição
passa a ser encarada como um sistema aberto de princípios e regras, permeável a valores
jurídicos suprapositivos, no qual as ideias de justiça e de realização dos direitos
fundamentais desempenham um papel central”.
Nesse passo, o direito à vida se mantém como direito fundamental ao homem,
porém agora atrelado ao princípio do respeito à dignidade da pessoa humana.
Bonavides (2007, p. 560), anota, com apoio em Hesse, um dos clássicos do
direito público contemporâneo alemão: “criar e manter os pressupostos elementares de
uma vida na liberdade e na dignidade humana, eis aquilo que os direitos fundamentais
almejam”.
A teoria sobre os direitos fundamentais erigida sobre a dignidade da pessoa
humana, como já se acentuou, exterioriza o pensamento humanista tomado após a
Segunda Guerra Mundial.
A expressão “dignidade da natureza humana” tem origem na obra de Imanuel
Kant, “Fundamentação da metafísica dos costumes” (1785), na qual argumentou que cada
homem tinha um mesmo valor por causa da sua razão.
Pereira (2012, p. 116), ressalta que, no entendimento de Kant, o homem jamais
poderia se prestar à condição de meio ou instrumento de satisfação de ações ou vontades
de outrem, o que consistiria uma afronta, já que por sua consciência moral não poderia ser
equiparado a coisa, sofrendo especulações de ordem material.
Nesse sentido, complementa o doutrinador:
O valor intrínseco que faz do homem um ser superior às coisas (que podem
receber preço) é a dignidade; e considerar o homem um ser que não pode ser
tratado ou avaliado como coisa implica conceber uma denominação mais
específica ao próprio homem: pessoa.
Com o objetivo de estabelecer um Estado Democrático de Direito, a
Constituição Federal Brasileira de 1988 inscreveu a dignidade dentre os fundamentos da
organização social (art. 1.º, inciso III) e sobre tal, esclarece Barroso (2013, p. 14):
A dignidade humana, como atualmente compreendida, se assenta sobre o
pressuposto de que cada ser humano possui um valor intrínseco e desfruta de uma
posição especial no universo...As ideias centrais que estão no âmago da dignidade
humana podem ser encontradas no Velho Testamento, a Bíblia Judaica: Deus
criou o ser humano à sua própria imagem e semelhança. (Imago Dei) e impôs
sobre cada pessoa o dever de amar seu próximo como a si mesmo. Essas
máximas são repetidas no Novo Testamento cristão.
44
O princípio da dignidade da pessoa humana, é considerado raiz, alicerce dos
demais direitos fundamentais, pois, antes de consagrar o que é fundamental, há
necessidade de interpretar o que é digno à vida de cada um, formando um rol de direitos
inerentes à pessoa humana. Assim, Castro (2010, p. 15/16), explana que:
A bem dizer, no que toca aos direitos fundamentais do homem, impende
reconhecer que o princípio da dignidade da pessoa humana tornou-se o epicentro
do extenso catálogo de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, que
as constituições e os instrumentos internacionais em vigor em pleno terceiro
milênio ofertam solenemente aos indivíduos e às coletividades.
Silva (2005, p. 105), explica que “[...] dignidade da pessoa humana é valor
supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o
direito à vida”.
O que se verifica, sob esse prisma, é que o homem tem direito à vida desde a
concepção até a morte natural, sob duplo aspecto: o direito da vida em si (o direito de estar
vivo) e o direito à vida digna (com condições mínimas de existência).
Bastos apud Tavares (2013, p. 437), conclui que a inserção do princípio na
Carta Magna indica que “é um dos fins do Estado propiciar as condições para que as
pessoas se tornem dignas”.
Interessante acompanhar o pensamento de Kloepfer (apud Sarlet, 2013, p.
145), para quem, “pessoas sem a proteção de sua vida ou de sua dignidade são
inimagináveis do ponto de vista constitucional”.
Segundo o pensamento de Kloepfer, toda pessoa tem dignidade,
independentemente de estar consciente disso ou mesmo de a compreender, sendo
impossível ao homem perdê-la, em qualquer circunstância. Para ele, o homem adquire
dignidade no mesmo instante em que sua vida se inicia, tendo aquela inclusive efeitos
prolongados para além desta, para depois da morte, como evidencia a proteção legal aos
cadáveres e à personalidade post mortem.
Ele salienta, porém, a tensão que pode se estabelecer entre os dois direitos
fundamentais, vida e dignidade, na forma de conflito envolvendo mais de uma pessoa ou
até mesmo uma só, situação que, segundo ele, deverá ser solucionada pelo critério do
menor sacrifício possível de direitos fundamentais.
Sarlet (2013, p. 366), acrescenta, sobre o possível conflito a se estabelecer
entre os dois direitos fundamentais:
Importante é que se deixe assente que vida e dignidade são grandezas (valores,
45
princípios, direitos) que não podem ser hierarquizados em abstrato, respeitandose, ademais, a sua pelo menos parcial autonomia no que diz com seus respectivos
âmbitos de proteção. Para ilustrar, bastaria recordar que a dignidade da pessoa
humana não exige necessariamente uma proteção absoluta do direito à vida.
Vale citar Barroso que, ao fundamentar seus votos na dignidade da pessoa
humana, explica que ela está fortemente relacionada aos direitos fundamentais e que é
constituída por três elementos essenciais: o valor intrínseco, a autonomia e o valor
comunitário.
O valor intrínseco, segundo Barroso, é aquele elemento ligado ao ser, cujas
características são inerentes e comuns à pessoa humana, tornando-a diferente dos demais
seres. O termo “intrínseco” já traduz tal conceito, vez que significa algo que é
inseparavelmente ligado a uma pessoa ou coisa.
O direito à vida tem como alicerce constitucional: a) os direitos fundamentais,
por serem os mais importantes para a obtenção de qualquer outro direito; b) o direito à
igualdade, pois que, da mesma forma que todo indivíduo tem direito à vida, deve também
ser tratado de forma igualitária; e c) o direito à integridade física e psíquica, tendo em vista
sua intensa conexão com o direito à vida, embora não se confunda com este, já que é
possível traçar uma distinção entre ambos no campo subjetivo. Nesse sentido, o direito à
integridade física protege a inviolabilidade do indivíduo contra qualquer intervenção que
necessite de seu consentimento, enquanto o direito à vida, independe de vontade do titular
do direito.
O outro elemento importante da dignidade, tratado por Barroso, refere-se à
autonomia, que constitui o poder que uma pessoa tem para realizar as escolhas que irão
reger sua vida.
A respeito da autonomia e sua relação com a dignidade da pessoa humana,
Comparato (2010, p. 34), esclarece:
A dignidade da pessoa não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente das
coisas, um ser considerado e tratado como um fim em si e nunca como um meio
para a consecução de determinado resultado. Ela resulta também do fato de que,
pela sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia, isto é,
como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita”.
Fernandes (2008, p. 654), explica que a dignidade da pessoa humana está
interligada à autonomia privada, vez que cada indivíduo tem direito de escolher o que é
melhor para si, sem que sofra limitações às suas escolhas. Nesse sentido, faz a seguinte
ponderação:
46
A dignidade da pessoa humana decorre do fato de que, por ser racional, a pessoa
é capaz de viver em condições de autonomia e de guiar-se pelas leis que ela
própria edita: todo homem tem dignidade e não um preço, como as coisas, já que
é marcado, pela sua própria natureza, como fim em si mesmo, não sendo algo que
pode servir de meio, o que limita, consequentemente, o seu livre arbítrio, consoante
o pensamento kantiano.
Ressalte-se que, da análise da dignidade do homem em conjunto com sua
autonomia, deflui o direito à liberdade do homem e, nesse sentido, depreende-se que a
dignidade reproduz dupla dimensão: uma negativa, que corresponde à garantia daquele
de não ser alvo de ofensas, constrangimentos ou humilhações; e outra positiva, abaixo
explicada por Bobbio (apud Tavares, 2013, p. 441).
Por liberdade positiva, entende-se – na linguagem política – a situação na qual um
sujeito tem a possibilidade de orientar seu próprio querer no sentido de uma
finalidade, de tomar decisões, sem ser determinado pelo querer dos outros. Essa
forma de liberdade é também chamada autodeterminação ou, ainda mais
apropriadamente, de autonomia.
Para Fernandes (2010, p. 279): “a liberdade constitui o maior direito do ser
humano, sendo o único direito inato daquele. Aqui, a liberdade é compreendida como
autonomia (capacidade de autodirigir sua vida e suas escolhas a partir da razão”.
É possível concluir que a autonomia é estudada como um sinônimo de
liberdade, portanto, recebe amplo tratamento jurídico no artigo 5º, da Constituição
Federal. São exemplos de hipóteses legalmente previstas na Carta Maior: liberdade
de expressão e manifestação de pensamento, locomoção, liberdade de escolha de
trabalho ou ofício, liberdade de associar-se ou não, liberdade de planejamento
familiar, dentre outras.
Por fim, cabe analisar o terceiro elemento da dignidade da pessoa humana
destacado por Barroso: o valor comunitário. Em princípio, faz-se mister ressaltar que
o termo “comunitário” é definido como aquilo que é comum a todos que vivem em
determinadas localidades.
Partindo desse pressuposto, este elemento indica que a autonomia do
indivíduo é restringida por costumes e por direitos de outras pessoas que convivem
livremente em um mesmo espaço que ele, levando em consideração que a dignidade
da pessoa humana é aperfeiçoada pelas relações que um ser tem com os outros. Isso
implica dizer que cada indivíduo que compõe a sociedade é dotado de autonomia,
mas essa liberdade sofre limitações, pois não pode atingir a esfera de outrem, que
convive no mesmo grupo social e que também é detentor de direitos.
47
Para que seja imposto um limite para a autonomia individual de cada pessoa,
Barroso (2013, p. 95), entende ser necessário realizar uma análise dos seguintes
pressupostos: “a) a existência de um direito fundamental sendo atingido; b) o dano
potencial para outros e para a própria pessoa; e c) o grau de consenso social sobre a
matéria”.
O valor comunitário busca a proteção do próprio indivíduo e dos valores sociais
compartilhados, bem como a proteção dos direitos e da dignidade da pessoa humana, por
meio da imposição de sanções no âmbito cível e criminal, visando a impedir que
comportamentos alheios possam interferir na vida privada do particular.
Cabe destacar que a dignidade vista sob a ótica de um valor comunitário vem
sendo cada vez mais utilizada mundialmente para fundamentar decisões judiciais, devido
à sua extrema relevância. E mais, o homem é um ser social e, em razão de sua convivência
com a sociedade, surge a necessidade de uma regulamentação de normas que disciplinem
suas condutas.
Pelas referidas razões, a dignidade da pessoa humana como valor comunitário
procura realçar o papel de um governo soberano que, juntamente com a comunidade, atua
em busca de soluções para sanar problemas surgidos em decorrência do convívio coletivo.
Não se pode, porém, olvidar que, mesmo diante da relevância desse
macroprincípio, situações existirão em que ele será restringido ou sacrificado em prol de
algum outro direito fundamental, desde que por razões inevitáveis, por ser considerado
valor supremo.
Fato é que o princípio da dignidade da pessoa humana exerce diversos papéis
quando associado ao direito à vida, funcionando como fonte de direitos e base essencial
de todos os outros direitos fundamentais.
Reconhecida a vida, então, tutelada no plano jurídico, como direito natural ao
homem, fundamental ao cidadão, positivado nos planos internacional e interno e
qualificado pela necessária dignidade, é aquela, fenômeno da natureza que tem origem na
procriação, a qual hoje se dá por meios naturais e artificiais.
2.1.2 O direito à procriação
A procriação é direito sobremaneira importante ao homem porque
vinculado à ideia de perpetuidade.
De acordo com Scalquette (2010), registros históricos evidenciam a eterna
ânsia do ser humano em perpetuar sua espécie por meio de procriação e sua
48
preocupação constante com a esterilidade.
A Bíblia Sagrada, em Gênesis, capítulo 16, versículo 1 a 8, relata a
esterilidade de Sara, mulher de Abraão, que chegou a sugerir ao marido a coabitação
com a escrava Agar para, por meio desta, constituírem prole.
O Código de Hamurabi, escrito aproximadamente em 1.700 a.C., previa a
adoção em benefício daqueles que não fossem naturalmente agraciados com filhos e
o Código de Manu, redigido entre os séculos II a.C. e II d.C, ressaltava a importância
da procriação, ao prever a possibilidade de a mulher que não tinha filhos coabitar, sob
autorização do marido com um irmão deste ou parente até 6.º grau, para o fim de
gerar filhos.
Da mesma forma, o referido documento histórico também previa a
substituição da mulher por vontade de seu marido, quando, casados por mais de 8
(oito) anos, ainda não tivesse ela lhe dado um filho.
Do latim procreare, a palavra significa “dar nascimento a, dar origem a, dar
existência a, gerar, conceber, dar à luz”.
Fisiologicamente preparada, coube à mulher a graça ou a pena de
conceber e ela o faz desde a origem do mundo, seja por instinto, desejo, imposição
ou descuido.
Inicialmente fadada à sorte da aptidão natural de gerar um filho, passou a
mulher, há algum tempo, a contar também com a ciência como facilitadora no
processo de procriação, por meio da aplicação pelo homem de técnicas de
reprodução, capazes de sanar problemas relacionados à infertilidade ou esterilidade.
Hodiernamente, portanto, graças aos avanços da ciência, a procriação se
dá não somente por via natural, como também com o apoio de técnicas de reprodução
manejadas pelo homem, com vistas à viabilização da constituição de prole e
consequente formação de núcleo familiar.
Revelam-se, destarte, duas formas de procriação: a natural e a artificial.
2.1.2.1 A Procriação Natural
Sobejamente conhecida pelo gênero humano, a procriação natural resulta
de relação sexual mantida entre um homem e uma mulher, dando início a um processo
que terá por consequência a vida. Entretanto, por tratar-se de conhecimento técnico
primariamente ligado à área da saúde, com efeitos na área jurídica, faz-se oportuno
esclarecer o tema segundo as considerações feitas pelos médicos e estudiosos
49
Moore, Gasser, Danforth e Marrs (apud Chinelato, 2000, p. 109).
Tal esclarecimento apresenta-se necessário para facilitar o entendimento
do objeto central da pesquisa e também porque desperta interesse do direito quanto
ao momento em que um determinado ser adquire personalidade jurídica.
Do ponto de vista biológico, o início da vida ocorre com a concepção,
compreendida como o resultado da fusão dos pronúcleos de células germinativas
humanas altamente especializadas, chamadas gametas (masculino e feminino).
Os dois ovários da mulher, localizados cada um acima e ao lado do útero,
produzem os chamados óvulos, gametas femininos que são expulsos durante a
chamada fase de ovulação e se encaminham por meio de dois tubos denominados
trompas, para o útero.
O útero apresenta parede espessa, formada por três camadas: a externa,
muito delgada – o perimétrio; a média, de musculatura lisa – o miométrio e a interna,
bastante vascularizada – o endométrio. É no útero que o concepto deverá se
desenvolver até o nascimento.
Os espermatozoides, gametas masculinos, são produzidos por duas
glândulas do homem, chamadas testículos e localizadas no escroto. Espermatozoide
e óvulo contêm metade do número total de cromossomos presentes nas células do
corpo, que é 46 (quarenta e seis), número haploide; tal redução ocorre no processo
de meiose, que se dá durante a formação dos referidos gametas ou gametogêneseespermatogênese no homem e ovogênese na mulher.
A concepção é antecedida, portanto, pela fecundação do óvulo pelo
espermatozoide, formando o ovo ou zigoto, célula única que resultará em um ser
humano multicelular.
Com a fecundação, os cromossomos alcançarão o número normal, qual
seja, 46 (quarenta e seis), sendo 23 (vinte e três) cromossomos advindos da mãe e
os outros 23 (vinte e três) cromossomos advindos do pai, o que resultará em um nova
combinação cromossômica com carga genética própria e individualizada.
A partir daí, o ovo ou zigoto sofre divisões (clivagem) que dão origem a
células-filhas chamadas blastômetros; após 72 horas da fecundação, 16 (dezesseis)
blastômetros constituem uma massa celular denominada mórula, que penetra na
cavidade uterina.
Seguidamente, uma quantidade de líquido do útero invade a mórula,
separando as células em duas porções: uma externa, o trofoblasto, que formará a
50
placenta e membranas embrionárias e outra interna, o embrioblasto, que constituirá o
embrião.
Por volta do quarto dia, os espaços com líquido confluem para formar uma
única cavidade, convertendo a mórula em um blastocisto. No sexto dia, o blastocisto
liga-se ao endométrio, passando a extrair daí a nutrição do concepto. Esse fenômeno
chama-se implantação ou nidação, e a partir daí, o organismo feminino sofre
transformações hormonais que noticiam o estado gravídico.
Assim, biologicamente, a vida tem início com a concepção e a nidação
garante sua viabilidade. Caso a implantação ou nidação não ocorra, a consequência
será a eliminação do ovo pela menstruação da mulher.
Para o Direito, o início da vida está relacionado ao momento em que se
adquire personalidade, atributo determinante para a existência jurídica da pessoa, que
se traduz na titularidade de direitos e deveres.
A esse respeito, diversas teorias discutem o instante em que o indivíduo
passa a ser sujeito de direitos.
De acordo com a teoria concepcionista a vida tem início no momento da
concepção, ou seja, com a fecundação do óvulo pelo espermatozoide. Assim sendo,
o embrião humano é considerado um indivíduo em desenvolvimento e, portanto,
merece ser respeitado.
Sobre essa teoria, esclarece Pádua (2008, p. 09):
Para a teoria concepcionista o momento da concepção é que dá origem ao
ser humano enquanto pessoa, apesar de ser uma situação potencial que se
desenvolverá ao longo de um tempo. É adotada pela Igreja Católica, bem
como por um expressivo número de bioeticistas, biólogos, médicos e
geneticistas, entre outros.
Consequentemente, para aqueles que a adotam, a fertilização in vitro seria
ilícita, pois ao descartar um embrião não implantado na mulher, estar-se-ia
propagando a destruição de um ser humano com vida própria.
Dentre os estudiosos que adotam essa posição estão Maria Helena Diniz,
Teixeira de Freitas, Marcel Planiol, Nabuco de Araújo, Silmara Chinelato, Paulo
Bonavides, dentre outros juristas renomados.
Para a teoria pré-concepcionista, a capacidade de direito existe antes
mesmo da nidação. Por isso, é considerada como uma teoria moderna e inovadora,
que condiz com a evolução tecnológica, mas não com o ordenamento jurídico vigente.
51
Semião (2000, p. 174) afirma que “nenhuma razão tem para não admitir
que, mesmo antes da nidação não seja o embrião ainda pessoa pelo único fato de
não estar no ventre da mãe, considerando que o embrião é efetivamente um ser
concebido”.
Nota-se que a teoria apresenta dificuldade em estabelecer o exato
momento da fecundação no útero.
Segundo a teoria da nidação do ovo, o embrião adquire vida a partir do
momento da fixação (nidação) do ovo no útero materno, pois é a partir daí que se
determina o estado gravídico da mulher, já que, até então, existiam somente células
que formariam posteriormente os alicerces desse feto.
A referida teoria admite que os embriões, até o momento da nidação, não
possuem condições de se desenvolver pelo fato de estarem fora do útero materno,
sequer conferindo à mulher a condição de gestante.
Tal entendimento tem como defensores médicos ginecologistas, os quais
entendem que o embrião fecundado em laboratório não merece proteção jurídica, pelo
simples fato de não poder se desenvolver caso não seja implantado no útero de uma
mulher.
Vasconcelos (2006, p. 44), chama atenção para um ponto muito importante
no que diz respeito à proteção do embrião antes da nidação, e faz a seguinte
ponderação:
A nidação nada mais é do que uma das diversas fases entre si associadas e
interdependentes por que passa o embrião no seu contínuo processo de
desenvolvimento (um embrião que tem inscritos em seus genes o
gerenciamento e a autodeterminação do seu próprio desenvolvimento).
Elegê-la como marco inicial concessivo de proteção ao concepto implica
ignorar o estágio de vida que a antecede, abrindo um perigoso caminho à
livre manipulação dos embriões produzidos ou mantidos em laboratório,
pondo em risco o patrimônio genético da humanidade.
Mediante tal observação, é possível identificar a necessidade e a
importância da existência de uma lei que tenha por objeto a reprodução assistida.
Para a teoria natalista, a aquisição da personalidade se dá ante o
nascimento com vida, ou seja, o nascituro não é considerado pessoa, havendo apenas
uma expectativa de direitos.
Para que possa existir no mundo jurídico, é necessário que o recémnascido respire, mesmo que venha a falecer em seguida. Dessa forma, o nascituro
não é dotado de personalidade jurídica nem de capacidade de direito, possuindo
52
proteção legal somente para determinadas tipificações jurídicas.
De acordo com Fiuza (apud Torres Filho, 2010, p. 14):
O nascituro não tem direitos propriamente ditos. Aquilo a que o próprio
legislador denomina “direitos do nascituro” não são direitos subjetivos. São,
na verdade, direitos objetivos, isto é, regras impostas pelo legislador, para
proteger um ser que tem a potencialidade de ser pessoa e que, por já existir,
pode ter resguardados eventuais direitos que virá a adquirir ao nascer.
A referida corrente possui como defensores Sílvio Rodrigues, Caio Mário
da Silva Pereira, João Álvaro Dias, Sérgio Abdalla Semião, Pontes de Miranda,
Espínola, dentre outros.
Na teoria da personalidade condicional, o ser humano adquire
personalidade com a concepção, contudo, ela está condicionada ao seu nascimento
com vida. Desta forma, após o nascimento, os direitos do nascituro retroagiriam até o
momento em que foi concebido.
A respectiva teoria é alvo de rígidas críticas, no tocante ao artigo 2º do Código
Civil, vez que confere especial atenção aos aspectos patrimoniais, dispensando uma
importância mais restrita aos direitos da personalidade e demais direitos não patrimoniais.
Vasconcelos (2006, p. 48) entende que independentemente da situação,
para que o nascituro possa ser sujeito de direito é necessário que antes tenha sido
concebido. A doutrinadora esclarece:
De qualquer forma, ainda nessa realidade, o nascituro é sujeito de direito,
pois o concepto tem-se por nascido para efeitos de proteção civil. E esses
direitos só encontram amparo na espécie humana! Se a personalidade
jurídica é determinada pelo nascimento com vida, ainda assim tem por
pressuposto a concepção. O nascimento com vida é apenas um ato
declarativo da personalidade jurídica, ao passo que a concepção é o ato
constitutivo desta mesma personalidade.
A teoria da personalidade condicionada é considerada, no plano jurídico,
como natalista, já que a personalidade só é adquirida com o nascimento com vida,
apesar de alguns autores chegarem a tratá-la como mista.
Entre seus principais adeptos estão Arnold Wald, Orlando Gomes,
Washington de Barros Monteiro, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona, entre
outros.
A teoria das primeiras atividades cerebrais está atrelada ao momento da morte
e estritamente ligada a conceitos biológicos, pois, atualmente, para a medicina, a morte
ocorre no momento em que o cérebro perde definitivamente suas funções, mesmo que o
coração continue batendo.
53
Posto isso, se a vida é considerada finda com a paralisação do cérebro,
seria correto afirmar que o início da vida ocorre no instante em que o cérebro se forma,
por isso é chamada teoria das primeiras atividades cerebrais, já que, a partir desse
momento, a pessoa passaria a ser considerada viva.
Insta ressaltar que grandes discussões giram em torno dessa posição,
devido ao fato de não se saber ao certo o exato momento da formação encefálica do
feto. Por isso, esta teoria não tem subsídio concreto no mundo jurídico.
Para a teoria da potencialidade da pessoa humana, não é possível
identificar o marco inicial da vida humana, todavia o embrião é tratado como ser
humano desde a concepção.
Fundamenta-se no fato de que, com a fecundação, há a formação de uma
célula dotada de requisitos para seu pleno desenvolvimento. Dessa forma, importa
menos, o exato instante em que a vida ocorre, mas, sim, que o embrião possa se
desenvolver até se tornar pessoa humana e, então, tornar-se sujeito de direito.
Rocha (2008, p. 88), expõe de forma clara o fundamento desta teoria:
Sob a ótica da teoria da pessoa humana em potencial, não é possível
identificar totalmente o embrião humano com a pessoa humana, uma vez que
ainda não é dotado de personalidade, e, para tanto, o embrião teria de ser
capaz de exercer direitos e de contrair obrigações. Por outro lado, também
não se admite reduzir seu status a um mero aglomerado de células, uma vez
que seu desenvolvimento destina-se inelutavelmente, à formação de um ente
humano. Diante disso, os autores que se filiam a essa corrente preferem
reconhecer no embrião uma pessoa humana em potencial, ou seja, referemse à potencialidade de pessoa para designar a autonomia embrionária e
reivindicar estatuto próprio.
Conclui-se, portanto, que, para os adeptos desta teoria, o embrião merece
proteção, mesmo não havendo ainda normas específicas que regulamentem sua
utilização, pois já possui todas as características de um ser humano, bastando-lhe
apenas que se desenvolva.
A teoria evolutiva defende que o início da vida é marcado por um sinal que
demonstra a evolução do embrião, levando em consideração o desenvolvimento do
feto até se tornar pessoa. É uma teoria pouco usual, pelo fato de diferenciar status
moral entre ser humano e ser pessoa.
A seu respeito, Kottow (apud Pádua, 2008, p. 11), esclarece que:
A teoria evolutiva, por sua vez, gera descrições de desenvolvimento para as
quais, espúria e arbitrariamente, concede status moral, porém carece de
argumentos convincentes para afirmar que o aparecimento da crista neural,
por exemplo, seja um sinal mais valioso de humanidade que algum outro
54
aspecto do desenvolvimento embrionário e fetal e, antes de tudo, não justifica
conceder às pessoas um valor moral superior que aos seres humanos de
racionalidade deficiente.
São escassas as obras que se dedicam a tratar desta teoria com
profundidade.
Há ainda a teoria relacional, de cunho filosófico, pois, para identificar o
exato instante em que ocorre a vida, leva em consideração não só questões
biológicas, como também o desejo da mulher em se tornar mãe.
Elucida que, a partir do momento que o embrião é gerado no ventre da
mulher, nasce um sentimento de ternura por um ser que logo terá um futuro, razão pela
qual entendem os defensores desta teoria que não se deve tirar do casal o direito sobre
os embriões.
É esclarecedora a opinião de Gomes, citado por Pádua (2008, p.12) quanto
a esta teoria: “Trata-se de uma teoria de fato fascinante, bioética por excelência, vinculada
à relação entre gestante/gestado, e possuída da força moral da própria relação humana,
dialética sem a distinção exata dos patrimônios orgânicos envolvidos”.
Como se nota, existem teorias filosóficas, biológicas, bioéticas, médicas
e jurídicas sobre o momento em que o nascituro adquire personalidade, entretanto,
no campo do direito, as controvérsias se dão entre os defensores das teorias
Naturalista, Concepcionista e do Direito Condicional.
A depender do Supremo Tribunal Federal Brasileiro (STF), a aquisição da
personalidade surge do nascimento com vida, conforme restou demonstrado do
julgamento em 2008, da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3.510, que tinha
por objeto a impugnação do art. 5º da Lei nº. 11.105/2005 – Lei de Biossegurança, in
verbis:
Art. 5º - É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células
tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização
in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes
condições:
I – sejam embriões inviáveis; ou
II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da
publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei,
depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir do congelamento.
§ 1º - Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.
§ 2º - Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou
terapia com células tronco embrionárias humanas deverão submeter seus
projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em
pesquisa.
§ 3º - É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este
artigo, e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei nº 9.434, de 4
55
de fevereiro de 1997.
Autor da ação, o então Procurador Geral da República, Dr. Cláudio
Fonteneles, impugnou o dispositivo, afirmando que sua redação contrariava “a
inviolabilidade do direito à vida, porque o embrião humano é vida humana e faz ruir
fundamento maior do Estado democrático de direito, que radica na preservação da
dignidade humana”, razão pela qual o embrião não poderia estar sujeito a
experimentos científicos. Deixou claro com seu argumento a posição de que o início
da vida se dá com a concepção.
O Ministro Carlos Ayres Brito, relator da respectiva ADI, asseverou, porém,
que pessoas físicas ou naturais seriam apenas aquelas que, uma vez nascidas com
vida, por esta razão adquirissem personalidade civil, nos termos do art. 2.º do Código
Civil Brasileiro e salientou também, que a Constituição Federal, quando se refere à
dignidade humana (art. 1.º, III), aos direitos da pessoa humana (art. 34, VII), ao livre
exercício dos direitos individuais (art. 85, III) e aos direitos e garantias individuais (art.
60, § 4.º, IV), estaria falando do indivíduo pessoa.
A maioria dos Ministros da Casa Julgadora acompanhou o voto do Relator
e a constitucionalidade da Lei de Biossegurança foi declarada, tendo seu objeto
descrito no dispositivo abaixo transcrito:
Art. 1º - Esta lei estabelece normas de segurança e mecanismos de
fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o
transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a
pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o
descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e seus
derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de
biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal
e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio
ambiente.
Interessante mencionar o posicionamento do Ministro Gilmar Mendes, ao
acompanhar o voto do Relator quando do julgamento em questão, segundo os termos
abaixo transcritos:
Independentemente da concepção que se tenha sobre o termo inicial da vida,
não se pode perder de vista – e isso parece ser indubitável diante de qualquer
posicionamento que se adote sobre o tema – que, em qualquer hipótese, há
um elemento vital digno de proteção jurídica. Muitas vezes passa
despercebido nos debates que não é preciso reconhecer em algo um sujeito
de direitos para dotar-lhe de proteção jurídica indisponível.
Depreende-se do argumento do Ministro que o ponto crucial da discussão
56
gira em torno da proteção jurídica que os embriões devem receber, independente do
marco inicial de sua vida. Para complementar sua posição, chama atenção para os
esclarecimentos feitos por Habermas (2004, p. 44):
Nessa controvérsia, fracassa toda tentativa de alcançar uma descrição
ideologicamente neutra e, portanto, sem prejulgamento, do status moral da
vida humana prematura, que seja aceitável para todos os cidadãos de uma
sociedade secular. Um lado descreve o embrião no estágio prematuro de
desenvolvimento como um amontoado de células e o confronta com a pessoa
do recém-nascido, a quem primeiramente compete a dignidade humana no
sentido estritamente moral. O outro lado, considera a fertilização do óvulo
humano como o início relevante de um processo de desenvolvimento já
individualizado e controlado por si próprio. Segundo essa concepção, todo
exemplar biologicamente determinável da espécie deve ser considerado
como uma pessoa potencial e como um portador de direitos fundamentais.
Ambos os lados parecem não se dar conta de que algo pode ser considerado
como indisponível, ainda que não receba o status de um sujeito de direitos,
que nos termos da constituição, é portador de direitos fundamentais
inalienáveis. Indisponível não é apenas aquilo que a dignidade humana tem.
Nossa disponibilidade pode ser privada de alguma coisa por bons motivos
morais, sem por isso, ser intangível no sentido dos direitos fundamentais em
vigor de forma irrestrita e absoluta (que são direitos constitutivos da dignidade
humana, conforme o artigo 1.º da Constituição).
Apesar de serem diversos os posicionamentos adotados quanto ao
momento exato para aquisição da personalidade civil, e, portanto, o momento em que
a pessoa passa a ser titular de direitos, Gilmar Mendes mais uma vez ressalta a
importância de o Estado conceder proteção jurídica ao embrião, tenha este sido
gerado de forma natural ou artificial.
Nesse sentido defende o seguinte:
Mesmo entre aqueles que consideram que antes do nascimento com vida não
há especificamente um sujeito de direitos fundamentais, não é possível negar
que na fase pré-natal há um elemento vital digno de proteção. Assim, a
questão não está em saber quando, como e de que forma a vida humana tem
início ou fim, mas como o Estado deve atuar na proteção desse organismo
pré-natal diante das novas tecnologias, cujos resultados o próprio homem não
pode prever.
O direito à vida foi também avaliado pelo Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54,
que invocou a possibilidade de permissão legal para abortos de fetos anencéfalos.
No referido julgamento, realizado em 2012, a ADPF foi declarada procedente,
admitindo-se a interrupção da gravidez pela mulher grávida de fetos anencéfalos. Os
princípios que resguardam o direito à vida, quais sejam: a liberdade, a dignidade, o livre
planejamento familiar e a paternidade responsável foram sobejamente analisados e
57
discutidos.
Necessariamente, veio à baila mais uma vez o exame do momento em que
a vida se inicia como premissa para a conclusão sobre a viabilidade ou não da
permissão legal reivindicada pela ADPF nº 54, ocasião em que posições divergentes
foram apresentadas pelos Ministros integrantes daquela Casa Julgadora quanto às
teorias existentes a esse respeito.
Outros campos de discussão em torno do direito à vida se abriram perante
o Tribunal Constitucional, quanto à liberdade da mulher para a prática do aborto e
quanto à prática da eutanásia, inclusive consentida.
É fato, enfim, que a Constituição Federal Brasileira não define o momento em
que a vida se inicia, mas o Código Civil Brasileiro prevê que a personalidade civil começa
do nascimento com vida, pondo a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (art.
2º), entendimento esse sufragado pela mais alta Corte do país (ADI nº 3.510).
2.1.2.2 A Procriação Artificial – Reprodução Humana Assistida
A Reprodução Humana Assistida refere-se a um conjunto de técnicas que
objetivam fazer uma mulher engravidar, quando ela ou seu parceiro ou ambos, não
possuem a capacidade natural de procriar.
Referidas técnicas recebem também os nomes de procriação assistida,
reprodução assistida e procriação medicamente assistida e seu emprego se submete
a regulação ética por parte do Conselho Federal de Medicina, sem que tenhamos em
vigor, entretanto, lei ordinária que regule tal forma de procriação, apesar de
largamente praticada nas comunidades locais com variadas sortes de inseguranças
jurídicas para todos os envolvidos, máxime os pacientes e suas famílias, conforme
anteriormente comentado (capítulo I), para o qual remete-se o leitor.
2.1.3 O direito à constituição de família
A constituição de vida familiar é direito reconhecido, tanto no plano legal
interno quanto no plano internacional.
No plano internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
adotada pela Organização das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948,
consagra os direitos do homem à vida, à liberdade e à constituição da família, sem
58
intervenções arbitrárias (art. 3º).
A Convenção Americana de Direitos Humanos, também chamada Pacto de
San José da Costa Rica, aprovada na Conferência Interamericana sobre Direitos
Humanos, ocorrida na Costa Rica em 1969, declara:
2. É reconhecido o direito do homem e da mulher de contraírem casamento
e de constituírem uma família, se tiverem a idade e as condições para isso
exigidas pelas leis internas, na medida em que não afetem estas o princípio
da não discriminação estabelecido nesta Convenção (art. 17).
No plano interno, a Constituição Federal Brasileira de 1988 considera a
família como base da sociedade, conferindo-lhe especial proteção (art. 226).
Lato sensu, o vocábulo família refere-se a todas as pessoas ligadas por
vínculo de sangue e que provêm do mesmo tronco ancestral, assim como aquelas
unidas por um processo de adoção ou pelo vínculo de afinidade, sendo este último a
relação estabelecida entre alguém e certos parentes de seu cônjuge ou companheiro
(em caso de união estável). Já em seu stricto sensu, o vocábulo reduz-se à
congregação formada por pai, mãe e filhos.
A família foi ressignificada na Constituição Federal de 1988, passando a ter
por eixo o respeito à dignidade da pessoa humana, esta erigida com fundamento na
ordem democrática de direito e garantidora do exercício de direitos humanos
inalienáveis e indissociáveis à figura humana. Essa ressignificação culminou na
caracterização de uma família também democrática, contemplada com a tutela dos
interesses de cada um dos membros que a integram, de forma a garantir-lhes pleno
desenvolvimento e realização.
Além disso, as famílias se diversificaram, admitindo-se liberdade quanto à
sua formação, sem imposições de ordem pública ou particular.
A Carta Constitucional Brasileira, no artigo 226, §§ 1º a 4º, prevê três
espécies de formações familiares, quais sejam:
a) Família Matrimonial (art. 226, §§ 1º e 2º): consiste naquela advinda do
casamento, este como vínculo formal e solene estabelecido entre duas
pessoas, consagrado tanto pela Igreja quanto pelo Estado, sob o império
da monogamia, característica essa de reconhecida importância para a
solidez da união e para a certeza quanto à paternidade dos filhos dessa
relação.
59
b) Família Informal (art. 226, § 3º): constitui-se a partir da união de fato,
informal, entre duas pessoas, originalmente denominada concubinato e
hoje reconhecida como união estável.
c) Família Monoparental (art. 226, § 4º): estabelecida pela convivência de
pai ou mãe e seus filhos, ausente um dos ascendentes.
A enumeração acima evidenciada, porém, é insuficiente à realidade social.
Para o teórico revolucionário alemão Friederich Engels, citado por Madaleno (2013, p.
08), “a família progride na medida em que progride a sociedade, que vai se
modificando porque a família é produto do sistema social e a cultura da época irá
refletir no sistema”.
A referida progressão também ocorre no seio da sociedade brasileira, que
evidencia outras formações familiares que superam o rol constitucionalmente previsto
e são assim denominadas pela doutrina civilista:
a) Família Parental ou Anaparental – núcleo formado por parentes que se
unem, sem a configuração de pai, mãe e filhos;
b) Família Homoafetiva – constituída pela união estável ou casamento entre
pessoas de mesmo sexo, sendo que a primeira foi reconhecida em 2011,
pelo
Supremo
Tribunal
Federal,
no
julgamento
da
Arguição
de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 132 e Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) n. 4.277. Já o reconhecimento da possibilidade
jurídica do casamento, seja por habilitação ou conversão, nos cartórios de
registro civil de todo o país, ocorreu pela Resolução nº 175, aprovada pelo
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no dia 14 de maio de 2013, publicada
no dia seguinte, tendo entrado em vigor no dia 16 do mesmo mês e ano,
autorizando aquelas serventias a realiza-lo.
c) Família Reconstituída ou Mosaico ou Pluriparental – formada por parceiros
advindos de uniões anteriores e seus respectivos filhos, incluindo-se muitas
vezes, filhos comuns. A referida constituição familiar agrupa integrantes
originários de outras famílias, caracterizando nova família.
Concomitantemente à família matrimonial ou informal, especulações
doutrinárias admitem, ainda, as chamadas: d) famílias paralelas e e) famílias
60
poliafetivas, desprovidas do caráter monogâmico e formadas a partir do conhecimento
e assentimento dos envolvidos, havendo registro de uma escritura pública realizada
entre um homem e duas mulheres, em 2008, na Comarca de Tupã-São Paulo,
segundo informação da Assessoria de Comunicação do Instituto Brasileiro de Direito
de Família, com sede em Belo Horizonte-MG, publicada no dia 21 de agosto de 2012.
A pluralidade de tipos de famílias, ainda que insuficiente, foi, dessa feita,
reconhecida pelo ordenamento brasileiro na Constituição Federal de 1988, rompendo
com a família patriarcal, hierarquizada, patrimonialista e heterossexual do passado,
que só se constituía via casamento.
Nesse sentido, Lôbo (apud GAGLIANO, 2011, p. 41-42), admite:
Os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do art. 226 da
Constituição são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os
mais comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa. As demais
entidades familiares são tipos implícitos incluídos no âmbito de abrangência
do conceito amplo e indeterminado de família indicado no caput. Como todo
conceito indeterminado, depende de concretização dos tipos, na experiência
da vida, conduzindo à tipicidade aberta, dotada de ductilidade e
adaptabilidade.
Da visão de Lôbo, portanto, a exclusão não está na Constituição, mas na
interpretação. Mais do que isso, para ele, o rol apresentado na Carta Magna é apenas
exemplificativo, tendo em vista os avanços sofridos pela sociedade ao longo dos anos.
Contra o apego à família tradicional, o filósofo francês Jaques Derrida, ao
dialogar com a historiadora e psicanalista Elizabeth Roudinesco, citados por Pereira
(2012, p. 195/196), afirma o seguinte:
Eu não diria sem hesitar que a família é eterna. O que é inalterável, o que
continuará a atravessar a História, é que exista ou que haja a família, o laço
social organizado em torno da procriação. (...) Pode-se fazer muitas coisas
com um homem e uma mulher! Com a diferença sexual (e a
homossexualidade não é a indiferença sexual) pode-se imaginar tantas
configurações ditas “familiares”! E mesmo no que consideramos “nosso”
modelo mais estável e mais familiar, existem tantas subespécies! Os
progressos da genética libertam ou aceleram nossa imaginação – deliciada,
aterrada, ou ambos ao mesmo tempo, diante de todo tipo de coisas que não
diria desconhecidas, sobretudo do inconsciente, mas ainda não gravadas
pelo que poderíamos chamar, no sentido amplo, de estado civil.
A pluralidade de tipos de família permite ao indivíduo escolher aquela que
atenda melhor ao seu desejo, devendo, outrossim, orientar-se pelos Princípios da
Dignidade da Pessoa Humana, da Paternidade Responsável e do Livre Planejamento
Familiar, conforme inscrito na Carta Magna, in verbis:
61
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[...]
§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal,
competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o
exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de
instituições oficiais ou privadas.
Considerado macroprincípio, a Dignidade da Pessoa Humana enseja os
demais princípios, como liberdade, autonomia privada, cidadania e igualdade e,
especialmente para o Direito de Família, enseja o respeito à autonomia e liberdade de
cada um dos sujeitos que compõem o grupo familiar e tratamento igualitário às várias
formas de família.
Tepedino (apud Pereira, 2012, p. 194), assevera a especial proteção que a
Constituição da República confere às famílias, levando em consideração o princípio
da dignidade da pessoa humana. Sobre o assunto, afirma o doutrinador:
À família, no direito positivo brasileiro, é atribuída proteção especial na
medida em que a Constituição entrevê o seu importantíssimo papel na
promoção da dignidade humana. Sua tutela privilegiada, entretanto, é
condicionada ao atendimento desta mesma função. Por isso mesmo, o
exame da disciplina jurídica das entidades familiares depende da concreta
verificação do entendimento desse pressuposto finalístico: merecerá tutela
jurídica e especial proteção do Estado, a entidade familiar que efetivamente
promova a dignidade e a realização da personalidade de seus componentes.
Quanto ao Princípio da Paternidade Responsável, este se dirige ao pai e à
mãe e tem caráter político e social, face à imputação que lhes é conferida de
responsabilidade sobre os filhos, tenham estes sido queridos ou não, com o intuito de
se acautelar sobre possível desorientação destes por abandono.
Ao defender o princípio, Pereira (2012, p. 245), esclarece que: “a
paternidade é mais que fundamental para todos nós. Ela é fundante do sujeito. A
estrutura psíquica dos sujeitos se faz e se determina a partir da relação que ele tem
com seus pais”.
Outros normativos, como a Lei nº. 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), bem como, o entendimento atual adotado pelos Tribunais
Superiores, têm conjugado o Princípio da Paternidade Responsável ao Princípio do
Melhor Interesse da Criança e do Adolescente, vez que, conforme determina o artigo
19 do referido diploma legal, toda criança ou adolescente tem o direito a ser criado e
educado no seio de sua família, sendo-lhe assegurada tal convivência.
Em razão de sua extrema relevância, o Princípio do Melhor Interesse da
62
Criança ou do Adolescente tornou-se guia para o legislador e demais aplicadores da
norma jurídica, vez que ressalta a importância das necessidades infanto-juvenis,
sendo sempre utilizado como fundamento para demandas que envolvem o interesse
do menor.
Por fim, o Princípio do Livre Planejamento Familiar reverbera a liberdade
do indivíduo para a constituição de uma família, facultando-lhe escolher entre
constituí-la ou não e escolher dentre os variados tipos, aquela que pretende formar.
Ordinariamente, o Código Civil Brasileiro – Lei n.º 10.406/2002 –
estabelece no artigo 1.513, que “é defeso a qualquer pessoa, de direito público ou
privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”.
Ao discorrer sobre tal princípio, Diniz (2002, p. 21), entende que a
intervenção do Estado deve ocorrer apenas como forma de propiciar recursos
educacionais à família, em conformidade com o que dispõe a Carta Maior. Assim:
Tal princípio abrange também a livre decisão do casal no planejamento
familiar (CC, art. 1.565), intervindo o Estado apenas para propiciar recursos
educacionais e científicos ao exercício desse direito (CF, art. 226, §7º); a livre
aquisição e administração do patrimônio familiar (CC, arts. 1.642 e 1.643) e
opção pelo regime de bens mais conveniente (CC, art. 1.639); a liberdade de
escolha pelo modelo de formação educacional, cultural e religiosa da prole
(CC, art. 1.634) e a livre conduta, respeitando-se a integridade físico-psíquica
e moral dos componentes da família.
Dias (2013, p. 66), por sua vez, expressa seu pensamento moderno, ao
assegurar que qualquer pessoa tem liberdade para escolher a pessoa com quem
deseja estar, independente do sexo. Para ela:
A Constituição, ao instaurar o regime democrático, revelou enorme
preocupação em banir discriminações de qualquer ordem, deferindo à
igualdade e à liberdade, especial atenção no âmbito familiar. Todos têm a
liberdade de escolher o seu par, seja do sexo que for, bem como o tipo de
entidade que quiser para constituir sua família.
Saliente-se que, para regulamentar o § 7º, do art. 226, da Constituição
Federal, foi promulgada a Lei nº 9.263/1996, que estabelece que o planejamento
familiar é direito de todo cidadão (art. 1º), definindo-o como “conjunto de ações de
regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou
aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal” - art. 2º - e atribuindo ao
SUS – Sistema Único de Saúde - a definição das normas gerais para procriação,
mediante oferta de ‘métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente
63
aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a
liberdade de opção” - art. 9º.
Conclui-se, portanto, que o Princípio da Liberdade de Constituir Família é
decorrência natural do direito à liberdade, garantido no art. 5º, caput, da Constituição
Federal Brasileira, direito humano de primeira geração, causa principal das lutas
liberais, assegurado no art. 4º, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
de 1789: “A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudica o outro.”
Berlin (apud Fernandes, 2008, p.712), criou os conceitos de liberdade
negativa e de liberdade positiva. A primeira refere-se aos direitos civis e se manifesta
pela expressão estar livre de (freedom of), ligada à tradição liberal, enquanto a
segunda associa-se aos direitos políticos e é representada pela expressão estar livre
para (freedom to).
A ideia é melhor esboçada por Kildare (2008, p. 713):
A liberdade, como núcleo dos direitos humanos fundamentais, não é apenas
negativa, ou seja, liberdade de fazer o que a lei não proíbe nem obriga, mas
liberdade positiva, que consiste na remoção dos impedimentos (econômicos,
sociais e políticos) que possam obstruir a auto-realização da personalidade
humana, o que implica na obrigação pelo Estado, de assegurar os direitos
sociais através de prestações positivas com vistas a proporcionar as bases
materiais para efetivação daquele direito.
Da citação depreende-se a relação que se estabelece entre liberdade e
legalidade, expressa no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal: “ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Tal dispositivo legal evidencia que a lei é o instrumento de que se vale o
Estado de Direito para garantir e regular a liberdade, conforme explica Sarlet (2013, p.
447):
No Estado de Direito, a liberdade somente é assegurada mediante uma série
de garantias constitucionais calcadas na organização política e administrativa
dos poderes, de acordo com as leis e a Constituição. A ordem jurídicoconstitucional, dessa forma, torna-se condição necessária da possibilidade
de pleno exercício da liberdade. Portanto, o direito de liberdade garantido pelo
art. 5º, caput, deve ser interpretado em conjunto (sistematicamente) com o
princípio da legalidade assegurado pelo inciso II do mesmo artigo, que
contém a tradicional fórmula garantidora da liberdade: “Ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”. O
princípio da legalidade constitui, portanto, uma garantia (fundamental)
constitucional da liberdade.
Há que ressaltar, portanto, que o ser humano por si só é livre, todavia, a
liberdade que lhe é garantida deve ser aproveitada desde que não cause prejuízo a outrem,
64
visto que, ao fazer ou deixar de fazer algo, deve estar atento às consequências que tal
comportamento poderá causar a outro indivíduo.
Essa leve restrição à liberdade é imposta em razão da opção do homem por
conviver em sociedade, entretanto, no que diz respeito à constituição familiar, a lei veda de
forma explícita qualquer tipo de intervenção por parte do Estado ou particular.
Mas, vale dizer, que o afeto deve ser a razão principal para a constituição
de qualquer dos tipos elencados de família, entendimento que pode ser extraído das
palavras de Hironaka (apud Pereira, 2012, p. 223):
Vale dizer, a verdade jurídica cedeu vez à imperiosa passagem e instalação
da verdade da vida. E a verdade da vida está a desnudar aos olhos de todos,
homens ou mulheres, jovens ou velhos, conservadores ou arrojados, a mais
esplêndida de todas as verdades: neste tempo em que até o milênio muda,
muda a família, muda o seu cerne fundamental, muda a razão de sua
constituição, existência e sobrevida, mudam as pessoas que a compõem,
pessoas estas que passam a ter coragem de admitir que se casam
principalmente por amor, pelo amor e enquanto houver amor. Porque só a
família assim constituída – independente da diversidade de sua gênese –
pode ser mesmo aquele remanso de paz, ternura e respeito, lugar em que
haverá, mais que em qualquer outro, para todos e para cada um de seus
componentes, a enorme chance da realização de seus projetos de felicidade.
Dessume-se, portanto, que o amor é a base norteadora na escolha da formação
familiar de uma pessoa, de maneira que melhor atenda aos seus anseios, mediante uma
união formal ou informal, com ou sem filhos, venham estes por meio da procriação natural
ou artificial, constituindo ambos, o direito à procriação e o direito à constituição de família,
direitos fundamentais à pessoa humana porque a esta inerentes.
Vale observar, no entanto, que, embora a Carta Magna vigente não faça
nenhuma menção específica às famílias decorrentes das técnicas de reprodução
humana assistida como alternativa à procriação natural, implícito está, de todo o
exposto e a vista do seu art. 227, § 6º e dos incisos III, IV e V do art. 1.597 do Código
Civil, a possibilidade de se recorrer a tal forma de procriação para consequente
constituição de família, faltando, porém, expressa normatização interna adequada a
respeito.
Resta evidente que as normas técnicas até então existentes, são
insuficientes à regulação de prática de tamanha relevância, já que não contempla
solução eficaz aos problemas jurídicos que surgem do uso das técnicas de reprodução
medicamente assistida.
Embora não haja lei específica sobre os procedimentos da reprodução
assistida, o Código Civil Brasileiro cogita dela, quando estabelece a presunção legal
65
de paternidade, segundo o dispositivo abaixo:
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
[...]
III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o
marido;
IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários,
decorrentes de concepção artificial homóloga;
V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia
autorização do marido.
O artigo admite a incidência da presunção de paternidade para filhos
advindos da reprodução assistida, sem resposta, porém, para os efeitos e
consequências que repercutem nos direitos da personalidade do filho assim gerado e
direitos de família oriundos da relação que se impõe com seu nascimento.
Assim, não há previsão em lei ordinária para a solução de questões como
o direito de a mulher gerar o filho do marido já morto e até quando esse direito
perduraria no tempo; a necessidade ou não de participação da família do falecido
nessa decisão, já que deveres são impostos aos parentes, em decorrência do vínculo
familiar inevitável que se estabelece com o nascimento dessa criança; a forma
apropriada para concessão de autorização prévia do marido para fecundação
heteróloga e a proibição de revogação dessa autorização; a definição sobre a quem
caberia a prerrogativa de averiguar se a fecundação é homóloga ou heteróloga
quando da feitura do registro de nascimento, dentre outros.
A questão, no entanto, alcança maiores proporções, ante a possibilidade
de procriação sem que haja relacionamento sexual e de mistura de material genético
de forma que não se saiba até o nascimento, de quem é o filho, salvo mediante exame
de DNA, opção recorrente aos casais homossexuais.
A
procriação
sem
participação,
geneticamente,
do
cônjuge
ou
companheiro, exige parâmetros que instituam os vínculos de parentesco e efeitos
jurídicos deste tipo de filiação. A esse respeito, Fernandes (2005, p. 62), demonstra a
seguinte preocupação:
(...) o que se percebe é que o direito deve repensar os modelos de
maternidade, paternidade e os vínculos de filiação; deve-se legislar sobre
essa nova realidade fática a fim de que se abram possibilidades de solução
para possíveis conflitos, bem como se estabeleçam limites de ação que
permitam um controle mais efetivo da vida em sociedade.
Ademais, questões como a possibilidade de o marido/companheiro (pai)
66
impugnar a paternidade do filho advindo de um procedimento de fecundação artificial,
bem como, a possibilidade do filho impugnar sua relação parental com seus pais, são
assuntos extremamente pertinentes que precisam ser regidos por uma legislação
apropriada.
Com relação aos conflitos atinentes à parentalidade formada por meio do
uso da procriação assistida, Torres Filho (2010, p. 30-31), faz as seguintes
indagações:
Se, de um lado, as técnicas de procriação artificial homóloga não levantam
muitos questionamentos em relação à filiação, pois o material genético é dos
pais afetivos, havendo coincidência entre aqueles que desejam imprimir um
projeto parental e os pais biológicos da criança, de outro lado, a reprodução
assistida mediante o uso de técnicas heterólogas traz inúmeras indagações
jurídicas quanto à filiação, o anonimato do doador e o direito à identidade
genética da pessoa nascida através da utilização dessas técnicas.
Outro ponto de significativa importância, concerne ao fato de quem deve
ser considerada a mãe de uma criança gerada com o emprego das técnicas de
reprodução assistida. Mais ainda, deve ficar definido, de forma peremptória,
incontestável, a impossibilidade de a mulher que cedeu o seu útero ou da doadora do
óvulo requerer pretensões posteriores sobre a criança.
Indaga-se ainda sobre a possibilidade do pai que doou o sêmen, ou seja, o
pai biológico, reclamar a paternidade, já que nesse tipo de reprodução estão
presentes a figura de dois pais: um biológico e o outro socioafetivo, com quem a
criança ficará após seu nascimento.
Faz-se indispensável também normatizar o acesso ao conhecimento da
verdade biológica pelo filho, fruto da reprodução assistida, estabelecendo regras que
possibilitem ou vedem à criança o acesso às informações sobre o procedimento que
a gerou.
Especialmente no que tange à filiação originária da fecundação post
mortem, o legislador deve atentar-se para as consequências que a técnica trará ao
campo sucessório.
Cabe salientar, que inúmeras críticas são lançadas aos projetos de lei que
versam sobre a matéria, já que, para estudiosos do Biodireito, esse tipo de reprodução
poderá despertar interesses financeiros por parte da mulher/viúva, com o intuito de
obter direitos sucessórios.
A respeito da inseminação artificial post mortem, Machado (2011, p. 109),
67
faz a seguinte crítica:
(...) Conclui-se que, mais do que solução, essa prática proporciona
incontáveis efeitos negativos e resultados imprevisíveis para a prole. Na
realização da inseminação post mortem conforme se percebe, nenhuma
vantagem resulta para o concebido. Além de nascer órfão. Não se
constituindo a procriação um direito ilimitado, existem algumas exigências
éticas que precisam ser respeitadas para se poder gerar. O bem-estar e a
segurança do filho devem ser o sentido principal de todos os que procuram
as técnicas de procriação oferecidas para solucionar o problema da
infertilidade.
Já no campo psicológico, há receio de que a mulher queira gerar um filho
com a finalidade de, tão somente, ver perpetuar lembranças ligadas à pessoa falecida,
distorção do desejo que poderia trazer sérias consequências à relação familiar.
Há que se chamar atenção para a maternidade de substituição, também
conhecida por “barriga de aluguel”, em que existe a figura de duas mães: a portadora
e a substituta. É essencial a regulação sobre possíveis disputas em torno dos direitos
do filho havido nessa circunstância.
Outro aspecto polêmico relaciona-se com a destinação a ser dada aos
embriões excedentários. Leite (1995, p. 390), explica o motivo pelo qual um embrião
deve ser protegido, ao afirmar:
E porque o embrião constitui uma vida em formação ou elaboração, porque
ali existe uma vida humana em germe – quer a chamemos vida intrauterina,
biológica, fetal ou feto-placental – o Direito Civil põe a salvo os direitos do
nascituro e o Direito Penal pune quem a interrompe. A vida humana “em seu
infinito mistério merece respeito, mesmo quando a ordem jurídica se encontra
em presença, não apenas de um homem (pessoa) mas de uma spes hominis.
Existindo vida intrauterina, pouco importa a capacidade de o feto atingir a
maturação; ele é protegido por ser um embrião de vida humana.
Existe ainda, a preocupação relacionada ao incesto, tendo em vista a
ausência de lei reguladora que limite o uso do material genético de um mesmo doador
a um número limitado de casais, com cuidados específicos relacionados à família a
que pertencem e domicílio em que se fixam, ante a probabilidade de que pessoas
geradas a partir de material genético de um mesmo doador venham a se casar
posteriormente e sofrer uma série de problemas físicos e/ou mentais.
Impende ressaltar a imprescindibilidade da existência de um controle
sanitário em termos legais - e não somente administrativo - das clínicas que realizam
os procedimentos de reprodução assistida, para garantia da vida e saúde das pessoas
que se submetem ao uso de tais técnicas.
68
Ademais, necessária se faz a regulação da responsabilidade civil e penal
dos indivíduos vinculados a um procedimento de reprodução assistida, para os casos
de violação do anonimato dos doadores de material genético, utilização de técnicas
sem autorização e informação adequada aos envolvidos, fecundação com ânimo de
lucro, entre outras condutas.
Mister destacar que, além das preocupações já expostas, talvez a mais
proeminente seja a da falta de limites ao uso das técnicas de reprodução, facilitando
sua utilização para fins mercadológicos. Krell (2011, p. 120), faz as seguintes
considerações:
O direito fundamental à reprodução assistida deve ser tomado como uma
posição jurídica prima facie que sempre estará sujeita a restrições e
limitações justificadas. A própria afirmação desse direito individual à
reprodução artificial não significa a sua concessão a todos os interessados
em todas as circunstâncias. De qualquer forma, o direito a procriar nunca
pode se tornar apenas objeto instrumentalizador da felicidade e realização
dos pais.
A partir do entendimento da autora, percebe-se a necessidade de norma
formal que estabeleça permissões e também limitações para a utilização das técnicas
de reprodução assistida, a fim de que o procedimento seja adotado ante reflexão
anterior necessária à sua importância e somente com intuito terapêutico.
Em 24 de novembro de 2013, o jornal “Folha de São Paulo”, publicou uma
reportagem intitulada “Mercado de sêmen no país cresce 528% em 18 anos”, por meio
da qual, noticia mais de 1.300 amostras comercializadas somente no ano de 2012,
tornando evidente o crescimento da procriação assistida no Brasil.
A reportagem esclarece ainda, que as técnicas vêm sendo realizadas para
viabilizar a escolha do sexo do bebê ou suas características - já que os bancos de
sêmen criam uma espécie de “cardápio” enunciando dados físicos do doador, como,
cor da pele, cabelo, olhos, profissão e hobbies - e também como opção à mulher que
quer procriar, mas não quer manter relação sexual com um homem.
Todas essas condutas fogem ao propósito que deve justificar o recurso à
reprodução assistida, qual seja, o de dar filhos a quem não pode tê-los pelas vias
naturais, mas, por não haver limites estabelecidos em lei, vêm sendo perpetradas sem
qualquer controle.
A partir daí, surgem, por consequência, violações ao direito a uma vida
digna do indivíduo que está por nascer em confronto com o direito à procriação e à
69
liberdade de constituir família daquele que se vale da reprodução assistida para
formação de seu núcleo familiar.
A ponderação de tais interesses tem sido, por enquanto, confiada aos
julgadores quando da ocorrência de casos conflituosos a eles apresentados
concretamente, mas, tem-se como premente a promulgação de lei ordinária, de
alcance geral, que estabeleça limites e sanções objetivos, relativos à prática da
reprodução assistida no Brasil, destinada a todos os envolvidos nesse processo e que
ofereça a segurança jurídica necessária face à possível violação de direitos tão caros
a um povo.
70
CAPÍTULO III
NECESSIDADE DE REGULAÇÃO DA REPRODUÇÃO HUMANA
ASSISTIDA NO BRASIL
O avanço da ciência médica no campo da procriação humana assistida,
bem como, a crescente admissão dessa forma de constituição de filiação no Brasil,
são fatores que levam à premente necessidade de lei sobre a matéria, com o escopo
de garantir os direitos fundamentais atinentes à questão.
Tal legiferação se torna necessária em vista de se estar diante de atividades
privadas que gozam de certo caráter público (clínicas médicas e profissionais), a cuidar
de questões de interesse de famílias que são o núcleo, a base e a essência da sociedade.
Por certo, um número incontável de contratos privados são celebrados diariamente e
efetivamente precisam ser executados segundo os princípios e cláusulas gerais da boafé e da função social como diretrizes indispensáveis da supremacia da ordem pública e
dos bons costumes agasalhados no parágrafo único do art. 2.035 do Código Civil
Brasileiro e nos fundamentos da República e da ordem econômico-social brasileira, entre
os quais se sobressai a dignidade da pessoa humana.
Historicamente, a fecundação resultava única e exclusivamente de um ato
íntimo do casal, contudo, com a descoberta das técnicas de reprodução artificial,
ultimamente, tornou-se factível a procriação até mesmo sem relação sexual, como
ocorre com a participação de um terceiro, estranho ao casal.
A princípio, tais técnicas tinham o intuito de superar a dificuldade
experimentada pelos casais que tinham o desejo de ter filhos, mas não conseguiam
gera-los, trazendo perspectivas positivas à solução do problema da esterilidade ou
71
infertilidade. Com o tempo, tais técnicas ganharam tamanha dimensão, que
atualmente já é possível escolher até as características do futuro descendente.
O Brasil não possui lei específica que regulamente a reprodução assistida,
embora seja admitida e realizada no país desde a década de oitenta e a filiação
oriunda desse procedimento seja reconhecida no atual Código Civil (art. 1.597). Há
anos tramitam no Congresso Nacional, diversos projetos de lei tendo-a por objeto, no
entanto, até o momento, nenhuma discussão eficaz prosperou quanto ao emprego
adequado de suas técnicas e consequente promulgação de lei.
No país, as técnicas de reprodução humana assistida sempre foram
regulamentadas apenas por meio de seguidas resoluções expedidas pelo Conselho
Federal de Medicina, atos normativos que se prestam tão somente a orientar eticamente
os médicos quanto às condutas a serem adotadas para a prática dos procedimentos, em
harmonia com princípios da ética médica sob uma visão deontológica.
Para Machado (2011, p. 133), “as regras que norteiam o corpo médico em
relação à matéria, são elaboradas pela própria corporação que, em muitos aspectos,
conflitam com o ordenamento jurídico”. Assim, a corporação elabora normas
regulamentares e o corpo médico celebra contratos de acordo com seus propósitos,
tabelas de preços etc., colocando a família brasileira ao sabor do mercado e dos
ânimos da concorrência privada.
Sob outro prisma, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)
emitiu a Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº. 23, que objetiva garantir padrões
técnicos e de qualidade em todo o processo de obtenção, transporte, processamento,
armazenamento, liberação, distribuição, registro e utilização de células e tecidos
germinativos com fins terapêuticos reprodutivos.
A Constituição Federal de 1988, não prevê normas relacionadas ao
biodireito - ramo do Direito que tem por objeto principal o estudo da vida frente os
avanços tecnológicos – contudo, garante como direitos fundamentais ao homem: a
vida, a dignidade, a liberdade de procriação e o planejamento familiar. Em
contrapartida, garante a liberdade de iniciativa e aí se incluem os profissionais
prestadores de serviços médicos.
Conforme já se sabe, a legislação brasileira apresenta evolução lenta e
gradativa, o que a impede de acompanhar as mudanças sociais a contento. Nesse
contexto se insere a procriação assistida, que já se faz presente há mais de trinta anos
no país sem lei que a regule, sujeitando a risco, direitos essenciais ao homem. Ferraz
72
(2011, p. 17-18), adotou esse mesmo entendimento, ao afirmar que:
A evolução é célere e nem sempre as normas jurídicas a acompanham. É
forçoso reconhecer que evidentemente essas normas não serão
simplesmente adaptadas às descobertas biotecnológicas porque, antes de
tudo, o sistema jurídico também veicula valores que, por sua vez, são
transpostos ao ordenamento através dos princípios. Dentre as técnicas
médicas que se desenvolveram no século passado, as técnicas de
reprodução humana assistida destacam-se pela reviravolta que causaram no
conceito de concepção e de início da vida humana, tornando evidente a
necessidade de imposição de limites à atividade científica, sem, contudo,
inviabilizá-la.
Frozel (2003, p. 173), demonstra preocupação quanto à inércia do direito
sobre o avanço científico no campo da reprodução assistida, conforme citação abaixo
colacionada:
Diante de tantas transformações, o direito não pode “fechar os olhos” e
manter a convenção tradicional de governo da família. É preciso que um novo
direito surja e caminhe junto com essas mudanças, preocupado em criar as
condições elementares à estabilidade dos grupos familiares, constituídos ou
não, segundo o modelo oficial.
Face à lacuna legislativa, o tema vem sendo enfrentado pelo Poder
Judiciário com base em princípios constitucionais e tendo por escopo o respeito aos
direitos fundamentais assegurados pela Carta Magna, com ênfase principal ao
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, fundamento da República Federativa do
Brasil.
O Princípio do Respeito à Dignidade Humana exprime a importância da
pessoa perante o Estado, de forma que este ente nada mais represente, senão um
meio de garantia à sociedade da satisfação plena de seus direitos.
Merlin (apud Sarmento, 2006, p. 87), afirma que:
(...) o Estado é uma realidade instrumental (...). Todos os poderes do Estado,
ou melhor, todos os órgãos constitucionais, têm por finalidade buscar a plena
satisfação dos direitos fundamentais. Quando o Estado se desvia disso ele
está, do ponto de vista político, se deslegitimando, e do ponto de vista jurídico,
se desconstitucionalizando.
Nesse sentido, constata-se que os poderes do Estado devem se prestar a
garantir os direitos fundamentais e, assim sendo, o Poder Legislativo falta com sua
função de legislar, deixando a desejar no tocante à regulamentação da reprodução
assistida, principalmente quando se consideram os direitos fundamentais que ela
73
envolve e a eficácia horizontal que eles produzem, indiscutivelmente, desde 1988.
Impende ressaltar que os direitos em comento são inalienáveis e carecem
ser tutelados pelo ordenamento jurídico quando expostos a possíveis violações, de
maneira que se faz indispensável que se regule o cabimento, os procedimentos a se
realizarem e limites a serem impostos à procriação humana medicamente assistida,
assim como, às consequências dela resultantes, não se podendo olvidar que se está
falando de atividades privadas a serem desenvolvidas em atendimento a interesses
de ordem pública e social que envolvem considerável número de pessoas e famílias.
3.1 Aspectos Gerais do Biodireito
É imprescindível, ao tratar de reprodução humana assistida, trazer à baila,
os aspectos gerais do Biodireito, disciplina da ciência jurídica que está relacionada à
junção da bioética com o estudo do Direito. Tem ele por escopo analisar as
peculiaridades que envolvem as relações jurídicas entre o Direito e os avanços
científicos, com a finalidade precípua de proteção da pessoa.
Possui forte relação com a bioética, que é um ramo da ética aplicada,
pertencente à filosofia moral, que se dedica ao estudo dos problemas humanos
especialmente oriundos dos avanços da medicina e da biotecnologia.
A bioética surgiu da necessidade de se regular a vida a partir das inovações
científicas ocorridas no campo médico, dedicando atenção especial aos princípios
éticos e morais.
Com o passar do tempo, sentiu-se a necessidade de um disciplinamento
que tivesse por objetivo a análise das questões relativas à ciência e à dignidade da
pessoa humana, uma vez que o direito tradicional não possui amparo específico para
a tratativa do tema.
Diniz (2014, p. 32), discorre sobre a relevância dos direitos que o biodireito
envolve e que acarretou no seu surgimento:
Como o direito não pode furtar-se aos desafios levantados pela biomedicina,
surge uma nova disciplina, o biodireito, estudo jurídico que, tomando por
fontes imediatas a bioética e a biogenética, teria a vida por objeto principal,
salientando que a verdade científica não poderá sobrepor-se à ética e ao
direito, assim como o progresso científico não poderá acobertar os crimes
contra a dignidade da pessoa humana, nem traçar, sem limites jurídicos, os
destinos da humanidade.
74
Denota-se que o direito à liberdade científica possui limites quando posto
em conflito com a ética, sobretudo no que se relaciona com a vida e o respeito à
dignidade da pessoa humana, esta elencada no artigo 1º, inciso III, da Carta Magna
Brasileira.
Apesar de ser um ramo interdisciplinar, o Biodireito possui especial relação
com o Direito Constitucional e o Direito Civil; quanto ao primeiro, relacionam-se por
envolverem direitos fundamentais, como o direito à vida, à procriação e à liberdade de
constituir família, direitos esses garantidos pela Constituição Federal e que devem ser
observados no momento da elaboração de normas específicas que regulamentem o
tema; no tocante ao Direito Civil, o Biodireito entrelaça-se com os direitos da
personalidade, direitos do nascituro e aqueles relativos à disposição do próprio corpo
ou parte dele.
O estudo do Biodireito mostra-se necessário, pois é através dele que se
realiza um levantamento das inovações científicas que exigem regulamentação, de
forma a encontrar um ponto de equilíbrio entre a ciência e o direito.
Para Wider (2007, p. 36), três princípios fundamentais devem ser
observados para o avanço do estudo acerca da bioética e do biodireito, quais sejam,
“beneficência, autonomia e justiça”.
Segundo o princípio da beneficência, as ações médicas devem visar a
melhoria da sociedade, não sendo permitido causar nenhum dano a pessoa
submetida ao uso de experimentos médico-científicos. Conforme o princípio da
autonomia, cada indivíduo tem o direito de escolha sobre os atos e interesses que
envolvem sua própria vida. Em razão do princípio da justiça “(...) a sociedade, através
do Estado, deve exercer os mecanismos de controle das ações, para que estas sejam
justas.” (Wider, 2007, p. 36).
Para Diniz (2014, p. 40), “o princípio da justiça requer a imparcialidade na
distribuição dos riscos e benefícios, no que atina à prática médica pelos profissionais
da saúde, pois os iguais deverão ser tratados igualmente”.
Dentre os mais variados estudos explorados pelo biodireito está a
reprodução humana assistida, que vem se tornando um fator preocupante para os
estudiosos da área, já que as práticas reprodutivas hoje utilizadas não se sujeitam a
qualquer regulamentação jurídica específica, mas somente técnicas e éticas, existindo
até então, apenas projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, conforme se
verá.
75
3.2 Projetos de Lei em Trâmite no Congresso Nacional Brasileiro
Em consulta ao site oficial da Câmara dos Deputados, extraem-se vários
projetos em trâmite junto ao Poder Legislativo Federal, com o intuito de regulamentar
as técnicas de reprodução humana. A discussão sobre o tema surgiu antes mesmo
da Constituição Federal de 1988, em franca demonstração de que a necessidade de
regulação, não se faz tão recente.
Atualmente o Congresso Nacional conta com 15 (quinze) Projetos de Lei e
outras Proposições que buscam regulamentar a matéria, sendo que, 12 (doze) deles
correm em apenso ao Projeto de Lei nº. 1.184/2003. Vale aqui discorrer, ainda que
sinteticamente sobre os projetos, na ordem em que foram apresentados à Casa
Legislativa:
Projeto de Lei nº. 2.855/1997 – apresentado pelo Deputado Confúcio
Moura, em 13 de março de 1997 - cuja ementa dispõe sobre a utilização de técnicas
de reprodução humana assistida, entre outras providências.
Tal projeto inclui em seu texto a regulamentação da fecundação in vitro,
transferência
de
pré-embriões,
transferência
intratubária
de
gametas,
a
crioconservação de embriões e a gestação de substituição, ou seja, a conhecida
“barriga de aluguel”.
Projeto de Lei nº. 4.664/2001 – de autoria do Deputado Lamartine Posella,
apresentado à Câmara no dia 16 de maio de 2001 - cuja ementa trata da proibição ao
descarte de embriões humanos fertilizados in vitro, determina a responsabilidade
sobre os mesmos e outras providências.
Projeto de Lei nº. 4.665/2001 – apresentado também pelo Deputado
Lamartine Posella Sobrino, em 16 de maio de 2001 – cuja ementa dispõe sobre a
autorização da fertilização humana in vitro para os casais comprovadamente
incapazes de gerar filhos pelo processo natural de fertilização, além de outras
providências.
Projeto de Lei nº. 6.296/2002 – apresentado pelo Deputado Magno Malta,
em 13 de fevereiro de 2002 – cuja ementa proíbe a fertilização de óvulos humanos
com material genético proveniente de células de doador do gênero feminino.
Projeto de Lei nº. 120/2003 – apresentado pelo Deputado Roberto Pessoa,
em 19 de fevereiro de 2003 – cuja ementa dispõe sobre a investigação de paternidade
de pessoas nascidas de técnicas de reprodução assistida.
76
O intuito desse último projeto é permitir à pessoa nascida por meio de
técnica de reprodução assistida, saber a identidade de seu pai ou mãe biológicos,
alterando a Lei nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992 – Lei de Investigação de
Paternidade dos filhos havidos fora do casamento.
Em 27 de março de 2003, foi apresentada pelo então Deputado Elimar
Máximo Damasceno, Emenda a esse projeto, acrescentando ao parágrafo único do
artigo 6º, a seguinte redação: “O filho resultante da reprodução médica assistida tem
assegurados os seus direitos sucessórios desde o momento da fecundação”.
Projeto de Lei nº. 1.135/2003 – de autoria do Deputado Dr. Pinotti (hoje,
falecido), apresentado em 28 de maio 2003 – cuja ementa dispõe sobre a reprodução
humana assistida, definindo normas para realização de inseminação artificial,
fertilização in vitro, barriga de aluguel (gestação de substituição ou doação temporária
do útero) e criopreservação de gametas e pré-embriões.
Projeto de Lei nº. 1.184/2003 – de autoria do Senador Lúcio Alcantâra,
apresentado em 03 de junho de 2003 – busca a definição de normas para realização
de inseminação artificial e fertilização in vitro, bem como proíbe a gestação de
substituição – “barriga de aluguel” - e os experimentos de clonagem radical.
Projeto de Lei nº. 2.061/2003 – apresentado pela Deputada Maria José da
Conceição Maninha, em 24 de setembro de 2003 – com o intuito de disciplinar o uso
das técnicas de Reprodução Humana Assistida como um dos componentes auxiliares
no processo de procriação, em serviços de saúde, estabelecendo penalidades entre
outras providências.
Projeto de Lei nº. 4.686/2004 – apresentado pelo Deputado José Carlos
Araújo, em 15 de dezembro 2004 – cuja ementa introduz o artigo 1.597-A à Lei nº
10.406 de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), assegurando o direito ao
conhecimento da origem genética do ser gerado a partir de reprodução assistida,
disciplinando a sucessão e o vínculo parental, nas condições que menciona.
Projeto de Lei nº. 4.889/2005 – apresentado pelo Deputado Salvador
Zimbaldi, em 09 de março de 2005, com o fito de estabelecer normas e critérios para
o funcionamento de Clínicas de Reprodução Humana.
Projeto de Lei nº. 5.624/2005 – apresentado pelo Deputado Neucimar
Fraga, em 07 de julho de 2005 – com o objetivo de criar Programa de Reprodução
Assistida no Sistema Único de Saúde (SUS), entre outras providências.
Projeto de Lei nº. 3.067/2008 - de autoria do Deputado Dr. Pinotti,
77
apresentado em 25 de março de 2008 – tem por finalidade alterar a Lei nº.
11.105/2005 (Lei de Biossegurança), determinando que as pesquisas com célulastronco só poderão ser feitas por entidades habilitadas, mediante autorização especial
da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP, proibindo a remessa para o
exterior de embriões congelados e vedando o envio e comercialização dos resultados
das pesquisas.
Projeto de Lei nº. 7.701/2010 – apresentado pela Deputada Dalva
Figueiredo, em 03 de agosto de 2010 – dispõe sobre a utilização post mortem de
sêmen do marido ou companheiro, alterando o Código Civil.
Projeto de Lei nº. 3.977/2012 – apresentado pelo Deputado Lael Varella,
em 30 de maio de 2012 – possui o objetivo de regulamentar o acesso às técnicas de
preservação de gametas e Reprodução Assistida aos pacientes em idade reprodutiva
submetidos a tratamento de câncer.
Projeto de Lei nº. 4.892/2012 – apresentado pelo Deputado Eleuses Paiva,
em 19 de dezembro de 2012 – objetiva instituir o Estatuto da Reprodução Assistida
para regular a aplicação e utilização das técnicas de reprodução humana assistida e
seus efeitos no âmbito das relações civis sociais.
Da apreciação dos projetos acima ementados, depreende-se que a
reprodução humana assistida é tema que está em discussão no Congresso Nacional
há mais de 17 (dezessete) anos.
Enfim, no Brasil, não obstante o número de pessoas que recorrem às
técnicas de reprodução assistida há mais de 30 (trinta) anos para a constituição de
filiação, inexiste Lei que a regulamente, estabelecendo critérios, limitações e
fiscalização necessários à sua utilização, de forma a preservar os direitos
fundamentais que lhe são atinentes. Ou seja, não há fonte formal que disponha sobre
direitos e deveres das partes envolvidas como agentes ativos e passivos das referidas
técnicas.
3.3 Comparativo entre a Resolução do Conselho Federal de Medicina e os
Projetos do Congresso Nacional Brasileiro
Do cotejamento entre a vigente Resolução do Conselho Federal de
Medicina de nº 2.013/2013 e os Projetos de lei em tramitação junto ao Congresso
Nacional Brasileiro, verifica-se que há coincidência de certas questões tratadas nos
78
referidos instrumentos, mas ausência de outras que receberam a atenção dos
projetos, sem constar da Resolução.
A referida dissonância parcial ocorre porque a Resolução cuida de pontos
específicos de interesse médico, por tratar-se de norma ética a ser observada para
preservação da atuação da referida classe, enquanto que os projetos de lei têm por
destinatários, além dos médicos, as pessoas que se valem das técnicas de
reprodução assistida e os filhos havidos por essa forma de procriação.
Além disso, constata-se que, mesmo entre os projetos de lei, há
divergências no trato da matéria, com a admissão de certos procedimentos por uns e
rejeição por outros. Nesse ponto, é interessante observar algumas questões.
A Resolução prevê que o número de embriões a serem transferidos deve
variar de acordo com a idade da mulher, sendo que aquelas que possuem idade entre
40 (quarenta) e 50 (cinquenta) anos podem receber até 04 (quatro) embriões.
Já nos Projetos de Lei em tramitação, o número máximo de óvulos a serem
fecundados e de embriões a serem transferidos para o útero da mulher são limitados
a 02 (dois), independentemente de sua idade. Assim sendo, o interesse público da
sociedade está a exigir que os legisladores sopesem e decidam sobre o que é melhor
para todos (pessoas e famílias), ou seja, a transferência de 02 (dois) ou 04 (quatro)
embriões ou as duas hipóteses, conforme o caso.
Quanto à identidade dos doadores, o Conselho Federal de Medicina
determina que, obrigatoriamente, seja mantido o sigilo sobre a identidade dos
doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores, permitindo que, em
situações especiais, por motivação médica, as informações sobre aqueles possam ser
fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do
doador.
Os projetos de lei, por sua vez garantem aos filhos nascidos a partir das
técnicas de reprodução assistida o direito de conhecer a identidade dos doadores.
Assim, a regra corporativa tem pontos positivos e negativos, cabendo aos legisladores
incorporarem os pontos positivos à regra já objeto de Projeto que, com razão, permite
o reconhecimento da paternidade, como direito da personalidade inalienável do futuro
ente que virá a nascer.
No tocante ao registro das informações, a Resolução do Conselho admite
que as clínicas de reprodução mantenham um registro permanente das características
da criança e uma amostra do material celular dos doadores, ao passo que, nos
79
Projetos da Câmara, as informações devem ser guardadas durante 50 (cinquenta)
anos, mas têm que ser mais detalhadas. É preciso, portanto, que os Projetos sejam
mais ousados e também se posicionem sobre quem, ou seja, quais as pessoas e
quando poderão ter acesso às informações e dados armazenados.
No que se refere à gestação de substituição, chamada “doação temporária
do útero”, a Resolução permite sua utilização entre mulheres com parentesco até o
quarto grau (item 1 do inciso VII), porém, para os projetos de lei em trâmite, deveria
haver vedação total a essa técnica; sopesando as duas disposições (a corporativa e
a legislativa projetada) verifica-se que a segunda busca evitar a eclosão de conflitos
futuros, sendo mais razoável que a primeira, pelo que deve ser mantida.
No que compete à transferência de embriões, a Resolução permite a
criopreservação daqueles que não forem transferidos, devendo os pacientes
expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino a ser dado a eles, em casos de
divórcio, doenças graves ou falecimento.
Para os Projetos de lei, os embriões produzidos, que deverão ser no
máximo 02 (dois), devem, obrigatoriamente, ser transferidos para o útero da mulher.
Ainda aqui, ao que se vê, os legisladores estão proporcionando melhor solução para
a situação aventada, não cogitando de transferências em casos de divórcio, doença
grave e falecimento.
Com relação ao descarte de gametas, o Conselho Federal de Medicina
permite que as clínicas possam criopreservar (e manter congelados) espermatozoides
e óvulos, ao passo que os projetos de lei preveem o descarte de gametas apenas
quando solicitado pelo doador e nos casos de falecimento deste, exceto se houver
documento em contrário. Ademais, os projetos autorizam os serviços de saúde a
preservarem os gametas e entregá-los somente aos doadores, sendo, destarte, as
duas últimas soluções mais interessantes para a sociedade como um todo.
Enquanto não se normatiza a matéria, conflitos se instauram no campo
prático, evidenciando situações que se afiguram graves em decorrência dos direitos
que estão em pauta e que servem de inspiração para a elaboração de normas
realmente eficazes, com efeito erga omnes, tais quais passa-se a abordar.
80
3.4 Da Necessidade de Regulação da Reprodução Assistida no Brasil por Lei
Ordinária
Conforme já exaustivamente declarado neste trabalho, a reprodução
humana assistida no Brasil é realizada há mais de trinta anos com base tão somente
em normas técnicas expedidas pelo Conselho Federal de Medicina, elaboradas com
o fim precípuo de orientar eticamente a atuação médica para os procedimentos que
lhe são correlatos.
Não obstante o número de Projetos de lei em trâmite junto às Casas
Legislativas, não há lei vigente sobre o tema e os conflitos que surgem advindos da
constituição de filiação por esse meio têm sido solucionados com base em princípios
constitucionais aplicados segundo as convicções dos juízes encarregados da solução
dos casos concretos, o que gera insegurança.
Krell (2011, p. 98), considera que a reprodução assistida, embora não
prevista na Constituição Federal, é direito decorrente da interpretação dos direitos
fundamentais à vida, à saúde, à constituição de família, ao livre planejamento familiar
e à dignidade humana. Nesse sentido, aduz:
Como não há menção expressa do referido direito (direito à reprodução
humana assistida), ele deve ser construído através da interpretação
sistemática dos direitos fundamentais à vida, (art. 5º, caput), à saúde e ao de
constituir uma família, baseado no direito fundamental ao planejamento
familiar, sempre amparados pelo princípio da dignidade humana, fundamento
da República (art. 1º, III).
Vale ressaltar que, de fato, a própria Carta Magna esclarece que os direitos
fundamentais em seu texto, não estão contemplados em um rol taxativo, existindo outros,
conforme dispõe o artigo 5º, § 2º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição
não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
De todo o contexto apresentado, no entanto, o que se extrai é que a
reprodução assistida está envolvida com os mais valiosos direitos fundamentais do
homem e que, na ausência de lei, seguem à deriva do desejo pessoal e individual
daqueles que buscam essa forma de constituição de família.
Amaral (apud Wider, 2007, p. 71), expõe preocupação de mesma ordem
ao questionar:
81
Tais avanços no campo da ciência podem suscitar conflitos entre direitos ou
deveres contraditórios e a ética, em primeiro lugar com sua orientação, e o
direito, em segundo, com suas prescrições, são chamados a resolver e cujas
soluções se situam entre o ser da ciência e o dever ser da ética ou do direito,
procurando-se responder à seguinte questão: tudo o que é tecnicamente
possível também o será ética e juridicamente?
Da preocupação e questionamento esboçado por Amaral, resulta outra
preocupação não menos importante, qual seja, a possibilidade de tensão entre direitos
fundamentais das pessoas envolvidas na reprodução assistida, sobretudo dos direitos
da criança fruto desse procedimento face aos direitos daquele que optou por essa via
para gerar ou constituir família.
A questão que se propõe é a de definir se deve a liberdade individual à
procriação e à constituição de família serem exercidas sem intervenção por parte do
Estado, possibilitando o uso indiscriminado das técnicas de reprodução assistida na
mesma intensidade em que cientificamente avançam, a ponto de colocar em risco a
dignidade do filho advindo dessa forma de procriação.
Há que se atentar para possível afronta ao direito à vida e à dignidade do
filho que está por nascer por essa via, razão pela qual, torna-se importante estabelecer
os limites dessa intervenção estatal.
O equilíbrio entre os direitos da liberdade dos que se propõem a essa forma
de constituição de família e da dignidade do filho que está por nascer é defendido por
Gama (apud Wider, 2007, p. 66), em sua obra:
Há nesse contexto, dois interesses tutelados e resguardados: o do casal que,
no exercício dos direitos reprodutivos pretende procriar – e, assim deseja ter
filhos de maneira responsável e respeitando, desde já, suas futuras
individualidades -, e o da futura pessoa, sendo que a despeito da diferença
do conteúdo da saúde das pessoas envolvidas ambos os interesses são
tutelados simultaneamente, sob a perspectiva de que a responsabilidade, na
contemporaneidade, não pode mais ser cogitada exclusivamente quanto ao
momento presente, mas também quanto ao futuro da civilização humana.
Enquanto uma lei formal não for editada, a solução de conflitos aponta para
o sopesamento de interesses ensinado por Alexy (2011, p. 93/94), para os casos de
colisão entre princípios, do que poderão se valer os juízes responsáveis por dirimi-los.
Diz o mestre:
Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios terá que ceder. Isso não
significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido,
nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade,
o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob
82
determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência
pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que se quer dizer quando se
afirma que, nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os
princípios com o maior peso têm precedência.
Sarmento (2006, p. 133), por sua vez, é claro ao atribuir aos Poderes
Legislativo e Executivo, o ônus de sopesamento ensinado por Alexy:
Admite-se, portanto, a existência de uma ampla margem de valoração das
autoridades estatais, na opção da forma de proteção dos direitos
fundamentais. Isto porque, como destacou Alexy, existem, na maioria das
vezes, várias formas eficazes pelas quais o Estado pode propiciar a tutela
jurídica devida a bens constitucionalmente garantidos, e, diante da
pluralidade de opções, não cabe em princípio ao Judiciário, mas sim, aos
Poderes Legislativo e Executivo, decidir sobre qual delas deve ser adotada.
Até porque, as medidas que estão ao alcance do Estado podem atingir outros
bens jurídicos também protegidos constitucionalmente, de modo que a
eleição de uma delas vai frequentemente importar num juízo complexo onde
será necessário recorrer à ponderação entre interesses constitucionais
conflitantes.
No campo do direito comparado, Gomes (apud Wider, 2007, p. 67), aponta
três modelos primários a serem adotados pela ordem constitucional acerca da
reprodução assistida:
I- O repressivo, que estabelece proibições, comandos e sanções. Dessa
natureza são os projetos italianos apresentados ao Parlamento na década de
60.
II- O modelo liberal, que deixa à liberdade da pessoa e à autonomia dos
indivíduos e do casal, a decisão sobre a técnica da procriação, incumbindo à
lei a disciplina de suas consequências.
III- O modelo intervencionista, favorável ao controle social sobre as escolhas
individuais para a tutela de interesses superiores.
A partir dessas três correntes, surgem as nuances das Constituições de
cada país, sendo a brasileira, entretanto, omissa.
Não parece ser a linha de raciocínio do legislador brasileiro a de conferir
liberdade absoluta ao uso do avanço científico no campo da reprodução, do que já
deu mostras ao intervir, por meio de leis, para impor limites ao uso das técnicas de
engenharia genética, a exemplo da clonagem humana.
Ademais, a ausência de lei que regulamente o uso das técnicas de
reprodução assistida, culminam no desconhecimento total da vontade geral a ser
adotada sobre tais práticas, manifestação que só seria possível por meio da
representatividade exigida para a elaboração da norma apropriada.
83
A produção de espécies normativas depende da observância de um
processo legislativo previsto constitucionalmente. No Brasil, o processo para
elaboração das normas é indireto ou representativo, ou seja, realizado pelos
parlamentares, representantes escolhidos pelo povo.
O referido processo é composto por três fases: fase introdutória, fase
constitutiva e fase complementar, o que pressupõe um razoável período de maturação
e finalmente a produção de uma lei que reflita os verdadeiros e superiores interesses
da sociedade.
A fase introdutória é aquela que dá início a formação da lei, por meio da
iniciativa. A iniciativa é a faculdade para apresentar projetos de lei ao Poder
Legislativo, que no Brasil é conferida às pessoas e aos órgãos enumerados no artigo
61 da Constituição Federal.
No momento atual, dos projetos que tramitam no Congresso Nacional a
respeito da Reprodução Assistida, 12 (doze) deles são de iniciativa da Câmara dos
Deputados e somente 01 (um) de iniciativa do Senado Federal. Dadas as formalidades
que cercam o processo legislativo brasileiro, não há previsão na agenda congressual
para um desses Projetos se transforme em lei em curto prazo.
A fase constitutiva é composta por uma atuação legislativa e uma
manifestação do Chefe do Executivo, com discussão e votação nas duas Casas do
Congresso Nacional e depois, caso o projeto tenha sido aprovado, haverá a sanção
ou veto presidencial; em caso de veto, este poderá ser mantido ou derrubado, situação
em que será reenviado ao Executivo para promulgação.
A fase complementar consiste na promulgação e na publicação da lei no Diário
Oficial. A promulgação é o ato que certifica a existência da lei, sendo de competência do
Presidente da República. Para Paulo e Alexandrino (2013, p. 537), “a lei nasce com a
sanção, mas tem a sua existência declarada pela promulgação”. Já a publicação é o ato
que tem por finalidade dar conhecimento e eficácia da nova legislação, podendo ser
exigida a sua obediência, apenas após ser oficialmente publicada.
Cumprido o processo legislativo, a norma em sentido formal e material
passa a ter força imperativa perante toda a sociedade, sendo possível, a partir daí,
perceber claramente algumas das características que englobam uma norma jurídica
stricto sensu, sendo elas: a generalidade, pois, traduzindo o sentido de universalidade
passa a ser aplicada a todos que dela necessitem de maneira geral; a imperatividade,
visto que dotada de um comando, passa a ter força mandamental na ordem coletiva
e a coercibilidade, pois não sendo mero conselho ou recomendação, é provida de
84
sanção que dá ao Estado o poder de fazer cumprir o comando da norma.
Destarte, defende-se a necessidade imediata de lei stricto sensu para
regulação das práticas de reprodução assistida no país, mediante processo legislativo
ordinário por envolver direitos fundamentais, indisponíveis e irrenunciáveis; é
necessário também que algum congressista dê atenção especial ao tema, a fim de
que, pelo convencimento, consiga parceiros dispostos a depurar os projetos
existentes e transformá-los em um único, que receba a adesão da maioria e, então,
seja convertido em lei na forma constitucional.
A lei a ser aprovada deverá prever e regular o emprego das técnicas, meios
para solução de conflitos, impor limitações e atribuir responsabilidades, impondo
sanções às violações cometidas por cada um dos coparticipantes, aí incluídas, por
óbvio, as clínicas e centros de fertilização.
Por fim, não há como olvidar a necessidade de intervenção do Estado para
regulação da matéria objeto deste trabalho, ante a evidente transcendência dos
interesses nela contidos, os quais guardam preciosa relação com a preservação da
vida, da dignidade, da liberdade da pessoa humana e da constituição da família,
valores fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, consagrados pela
Constituição Federal.
A expectativa é que a intervenção venha mediante lei adequada sob os
aspectos formal e material, apta a equilibrar direitos fundamentais tão caros ao gênero
humano, garantidores da sobrevivência de sua espécie e da satisfação de sua alma,
os quais devem, sem dúvida sobrepairar a desvios e abusos de conduta. Certamente,
a construção da família, com responsabilidade, é a base e a essência da formação da
própria sociedade que se pretenda digna.
85
CONCLUSÃO
O presente trabalho de dissertação pretendeu apresentar a reprodução
humana assistida, tal qual é realizada no Brasil e as técnicas utilizadas para o fim de
dar filhos a quem não pode gerá-los naturalmente.
Viu-se que desde seu efetivo emprego no país, há trinta anos, como
indicação terapêutica para casos de infertilidade ou esterilidade, a reprodução
humana assistida tem como única fonte de regulação, resoluções expedidas pelo
Conselho Federal de Medicina, normas estas, elaboradas para orientação da conduta
ética dos médicos que se dedicam a tais procedimentos.
Evidenciou-se o fato de que não há no ordenamento jurídico brasileiro, lei
federal que tenha por objeto a reprodução assistida, não obstante a existência de uma
série de projetos de lei em trâmite junto ao Congresso Nacional.
Restou clara, portanto, a deficiência de normatização adequada para
solução de possíveis conflitos resultantes daquela forma de procriação artificial.
Referidos conflitos, também mostrou-se certo, podem atingir direitos
fundamentais assegurados na Constituição Federal, quais sejam, o direito à vida, o
direito à procriação e o direito à constituição de família, todos sob a égide superior da
dignidade da pessoa humana, erigida como fundamento da República Federativa do
Brasil.
Nesse ponto, situa-se o cerne deste trabalho, o fato de a forma de a
procriação estudada oportunizar uma série de conflitos que, a princípio, colocam em
confronto direitos igualmente caros e essenciais ao homem, como o direito à vida, à
liberdade e à dignidade.
Em uma realidade em que se admite doação de sêmen, doação de óvulo,
mistura de material genético, gestação substituta, inseminação post mortem,
congelamento de embriões excedentários, tudo mediante a contratação de clínicas de
fertilização e bancos de sêmen que exigem a vedação ao filho das informações sobre
sua origem biológica, vários conflitos relativamente às pessoas envolvidas e suas
relações familiares podem eclodir e torna-se, então, imprescindível equilibrar valores,
repensar direitos e, sobretudo, mensurar efeitos futuros a uma prole que deve ter sua
dignidade sempre respeitada.
86
Fez-se notória a possibilidade de tensão estabelecida entre os direitos
fundamentais cogitados e a solução buscada foi o emprego da teoria da ponderação
de interesses ensinada por Robert Alexy, defendendo-se, porém, que tal ponderação,
hoje confiada às convicções pessoais do magistrado no momento em que julga casos
concretos atinentes à reprodução assistida, deva estar a cargo do Poder Legislativo,
capaz de representar e expressar a vontade geral, ao legislar na forma devida.
A evolução social é célere, a ciência avança velozmente, novos conceitos
de família se formam e se, antes a reprodução assistida tinha por desiderato a tarefa
de dar filhos a quem não podia tê-los, hoje está disponível mesmo para aqueles que
embora possam gerar naturalmente, apenas não o querem, valendo-se de absoluta
liberdade para a realização de seu intento.
Daí a conclusão da pesquisa, sobre a necessidade premente de lei federal
ordinária para regulação do tema, que obedeça a um processo apropriado a
estabelecer requisitos, forma, limites e sanções referentes ao emprego da reprodução
humana assistida no país, de forma a que o interesse social sempre prepondere sobre
o individual. Afinal, não se há de conceber que a velocidade da técnica, embora
desejável em muitos aspectos, possa ferir valores da ética e do direito.
87
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