UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO/ESPECIALIZAÇÃO EM SAÚDE MENTAL IVON FERREIRA JUNIOR A PERCEPÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE FRENTE AOS PORTADORES DE TRANSTORNOS DE SOMATIZAÇÃO CRICIÚMA, MAIO, 2008 IVON FERREIRA JUNIOR A PERCEPÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE FRENTE AOS PORTADORES DE TRANSTORNOS DE SOMATIZAÇÃO Monografia apresentada à Diretoria de Pósgraduação da Universidade do Extremo Sul Catarinense- UNESC, para a obtenção do título de especialista em Saúde Mental. Orientadora: Profª. MSc. Eliane Mazzuco dos Santos CRICIÚMA, MAIO, 2008 Dedico este trabalho a minha esposa que sempre esteve do meu lado incentivandome a prosseguir com meus estudos, uma pessoa maravilhosa que admiro demais como mulher e como profissional. AGRADECIMENTOS Aos meus pais meus grandes amores e o reflexo de minhas conquistas positivas no campo da construção moral e social; A professora Eliane Mazzuco, minha orientadora, que soube refinar minhas palavras e guiar-me por entre as sendas da dúvida; A um grande amigo que partilhou de seu tempo, disposição e inteligência em momentos de grande incerteza. A rocha é imensa e dura. O cortador bate uma, duas, três, dez vezes, nenhuma rachadura. Ele dá 100 marteladas, só tirando lascas. Na centésima primeira batida, a rocha imensa e dura se parte em duas. O cortador de pedras sabe que não foi somente aquela martelada a que conseguiu, mas também todas as que vieram antes. (AUTOR DESCONHECIDO). RESUMO O objetivo desta monografia foi conhecer a percepção que os profissionais da saúde possuem acerca dos transtornos de somatização. O propósito deste estudo foi compreender por que os profissionais da saúde acabam depreciando este tipo de transtorno e posteriormente rotulando como “pití”. Os dados apresentados neste estudo foram colhidos a partir de entrevista aberta com profissionais de saúde, ou seja, médicos e enfermeiros do Programa Saúde da Família, Emergência de um Hospital Geral e Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). A partir destas entrevistas procurou-se revelar o que este profissionais lembram sobre os transtornos de somatização. Observou-se nesse trabalho a necessidade dos profissionais da saúde se familiarizarem mais com o tema, pois demonstraram até em alguns momentos desconhecimento acerca da própria temática abordada neste trabalho. Por esta e outras questões podemos entender que há a necessidade indiscutível de um debate constante acerca do tema somatização e uma atuação multidisciplinar de saúde bem consolidada com o manejo do somatizador, objetivando a melhorar dos serviços de saúde, bem como da qualidade de vida destes pacientes. Palavras-chave: Somatização. Transtorno mental. “Pití”. LISTA DE SIGLAS CID – Classificação Internacional de Doenças SUS – Sistema Único de Saúde DSM – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM IV - Sistema de Classificação Internacional de Doenças Mentais SC – Santa Catarina UNESC – Universidade do Extremo Sul Catarinense SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................8 2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS .................................................................................11 2.1 História da Psiquiatria.......................................................................................11 3 REVISÃO DE LITERATURA..................................................................................15 3.1 Transtornos somatoformes ..............................................................................15 4 METODOLOGIA.....................................................................................................20 4.1 Tipo de pesquisa ...............................................................................................20 4.2 Local da pesquisa..............................................................................................20 4.3 Sujeitos da pesquisa .........................................................................................21 4.4 Considerações éticas........................................................................................21 4.5 Coleta e registro dos dados .............................................................................22 4.6 Análise de dados ...............................................................................................23 5 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS.......................................................25 5.1 Percepção dos profissionais de saúde frente aos portadores de transtornos de somatização ...................................................................................25 5.2 Sentimentos dos profissionais de saúde frente aos portadores de transtornos de somatização ...................................................................................27 5.3 Identificando o portador de transtornos de somatização ..............................29 5.4 Transtorno de somatização versus “piti”........................................................30 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................31 REFERÊNCIAS .........................................................................................................33 APÊNDICES..............................................................................................................36 8 1 INTRODUÇÃO A enfermagem em saúde mental é um ramo da enfermagem que se dedica ao estudo, tratamento e cuidados ao portador de transtorno mental, à família e a comunidade. Até pouco tempo quando se abordava o tema saúde mental, se associava o sofredor psíquico como aquela pessoa com manifestações tipicamente clássicas como nas neuroses, psicoses e as manias. O que acabava por generalizar e fatalmente associar todo transtorno, com uma representação negativa de desagregação mental e social, levando a imagem do sofredor psíquico como “louco”. Atualmente o transtorno mental apresenta diversas abordagens terapêuticas: psicoterapias, terapias ocupacionais, psicofarmacologias e tantas outras o que abre um leque maior de manifestações desde as mais simples como um transtorno mental leve até as mais complexas como as citadas anteriormente. Além do que a psiquiatria conta com um arsenal de possibilidades que faz com que o portador de transtorno mental obtenha um resultado terapêutico muito melhor que no passado. Como conseqüência, temos pacientes em apresentações bio-psíquicas muito melhores. Já não temos a visão do “louco” como paciente, pelo menos não da forma como era concebido e tratado o portador de transtorno mental. Isto se dá graças aos avanços das ciências médicas nas últimas décadas, como afirma Uchoa (1973, p. 13): O campo da psiquiatria ampliou e se aprofundou não apenas do ponto de vista da pesquisa somática (fisiopatologia, neurofisiologia, bioquímica cerebral...), mas, também, do ponto de vista da psicologia profunda (psicodinâmica, psicopatologia, psicoterapia...). Infelizmente apesar de tantos avanços ainda se observa muito preconceito ao portador de transtorno mental. Hoje se tem uma visão mais dinâmica do portador de transtorno mental, todavia muitos profissionais ainda possuem dificuldade em determinados diagnósticos, principalmente quando estes não são representados por “entidades físicas”, ou seja, por representações somáticas mensuráveis e verificáveis por mecanismos descritivos dentro de um sistema médico (CID). 9 Como afirma ainda Uchoa (1973, p. 13), “o doente mental impôs-se marcadamente à sua cogitação principalmente os agitados, os maníacos, os de comportamento extravagante, os de pensamento e afetividade incoerentes, não raro contrastando com estados de saúde física.” Com este estudo, buscamos refletir acerca do binômio saúde-doença com base na percepção dos profissionais que atendem os portadores de transtorno mental em algumas áreas específicas de abrangência do Sistema Único de Saúde (SUS). Esta reflexão surge como um processo de observação da realidade com que vemos sendo aplicada à terapêutica aos portadores de transtornos mentais, visto que muitos pacientes que somatizam adentram com freqüência nos serviços de saúde, sendo responsáveis por grande número de consultas médicas e gerando importantes gastos como afirmam Lipowski (1988) e Barsky e Klerman (1983): “Dados americanos apontam que até 50% dos custos de ambulatórios médicos são a eles atribuídos”. Chama-nos atenção também que muitos destes pacientes são atendidos por profissionais que não receberam qualquer tipo de treinamento para lidar como o portador de transtorno mental em qualquer nível como afirma Servan-Schreiber (2003, p. 3-6) e García-Campayo et al. (2002, p. 101-105): O treinamento médico atual baseia-se na identificação e no tratamento de doenças orgânicas e não prepara suficientemente o médico para reconhecer, tratar pacientes que somatizam. Na ausência de sintomas e manifestações mensuráveis para se chegar a um diagnóstico, muitos profissionais acabam depreciando os pacientes que possuem manifestações tipicamente emocionais sem uma causa orgânica. Além da inexistência de sintomas mensuráveis, os profissionais se queixam que os pacientes são difíceis, poliqueixosos e “chatos”. Inclusive lhe atribuindo conotações e dizeres que não fazem parte da terminologia médica. Neste caso rotulando-os de “pití”. Em virtude desta observação em nossa prática diária, sentimos a necessidade de conhecer a “Percepção dos profissionais da área da saúde frente aos transtornos de somatização vulgarmente apelidados de “pití’ por muitos profissionais da área da saúde.” Para conhecermos melhor esta realidade, criamos a seguinte situaçãoproblema: “Por que os profissionais de saúde rotulam os transtornos de somatização como “pitì”? (que no caso seria mais uma forma de depreciação da doença do que 10 classificação), uma vez que este tipo de transtorno é organizado cientificamente dentro de um Sistema de Classificação Internacional de Doenças mentais (DSM IV)1, o que pressupõe um prejuízo a quem a possui”. Com esta intenção, temos como objetivo geral de “Conhecer qual a percepção dos profissionais da área da saúde frente aos portadores de transtorno de somatização”. Como objetivos específicos, temos: explicar o que são transtornos de somatização, descrever as razões que levam os profissionais da saúde a rotularem as manifestações apresentadas pelos pacientes como “pitì” e analisar a diversas abordagens realizadas por profissionais e pacientes acerca do tema abordado. 1 DSM “Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da Associação Psiquiátrica Americana”. 11 2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 2.1 História da Psiquiatria A história da psiquiatria remonta idades muito remotas, sempre recheadas de acontecimentos funestos e sombrios. Cada momento da história veio sendo associado à acontecimentos típicos de cada época. Na pré-história, as crenças e superstições se confundiam com a ciência o que dificultava qualquer aprofundamento neste campo. Os pacientes dentro deste contexto de rituais e práticas místicas eram exorcizados e purificados para libertação destas manifestações aberrantes de personalidade e quando não era possível, eram castigados violentamente para o mesmo fim. Expulsar o mal impregnado! Com o advento de estudiosos como Hipócrates e Asclepíades, as superstições deram lugar a um raciocínio mais ou menos científico, baseando-se em leis naturais e não mais em causas sobrenaturais. Uma das grandes quebras desta época foi os estudos de Célius Aurelianus, que possuía um espírito humanístico muito peculiar para sua época, mesmo antes de Pinel. No séc. II d.C. a psiquiatria apresenta um avanço espantoso com a obra de Galeno, que contribuiu para o progresso da anatomia do sistema nervoso com a descrição de sete pares craneanos e do sistema nervoso simpático, distinguindo as causas das doenças mentais em físicas e psíquicas. Se ela avança do ponto de vista científico com as descobertas no campo da medicina, há um novo retrocesso ao penetrar no período obscuro da idade média, onde todo o conhecimento alcançado até ali é mergulhado no fanatismo religioso pela inquisição. Esse período vai perdurar até a Renascença onde surgem psiquiatras com contribuições humanísticas e já bem mais esclarecidas, retornando assim a tradição hipocrática-galênica. Também houve uma corrente piedosa e humanística, organizada por ordens religiosas no sentido de se criarem casas, abrigos, muitos deles, a princípio localizadas nos próprios mosteiros. Os séc. XVII e XVIII surgiram com os mosteiros, hospitais, hospícios, muitos deles permitindo o início do trato científico dos doentes mentais. São 12 exemplos clássicos aqui no Brasil, Hospital Pedro II (Rio de Janeiro), Hospital João de Deus (Bahia) e Hospital de Junquerí (Franco da Rocha), em São Paulo. Alguns acontecimentos mudaram significativamente os rumos da história psiquiátrica: - a nomeação de Philippe Pinel como médico para o hospital de Bicêtre, quando ele redige o seu tratado sobre a saúde mental, sugerindo um tratamento mais humano para o doente mental; - o trabalho de J.E.D. Esquirol, principal discípulo e assistente de Pinel, onde sua persistência e dedicação possibilitaram a criação de vários asilos; - a adesão à obra de Pinel e Esquirol que alcança uma gama notável de psiquiatras na França, e futuramente o início da psiquiatria clínica, que procura conhecer de onde vem as doenças mentais e minimizar os danos aos portadores de transtorno mental. Após estas épocas tenebrosas da história, vemos a psiquiatria dar um salto grandioso tanto do ponto de vista da pesquisa neuro-fisiopatológico e em todo contexto a que está agregado o campo da psiquiatria orgânica, como também sob o ponto de vista das ciências psicológicas (psicoterapias, psicodinâmicas). Todo este progresso comentado no parágrafo anterior ainda continua sendo almejado nos dias atuais não só sobre o ponto de vista científico e metodológico mais em um plano muito mais abrangente, conhecido por um movimento chamado Reforma Psiquiátrica. Esse movimento surge depois de todo esse contexto histórico com a proposta de transformar saberes e práticas em relação à loucura, recompreendendo o sofrimento psíquico. Não basta destruir os manicômios, acolher os loucos, temos que realizar a noção de loucura, compreender seus determinantes psicossociais. De acordo com Amarante (1995 apud KANTORSKI et al., 2001, p. 145), a antipsiquiatria é um movimento iniciado na década de 60 na Inglaterra por um grupo de psiquiatras entre laing, Cooper e Estersem elaborando uma crítica radical ao saber médico-psiquiátrico no trato especialmente com a esquizofrenia. O termo “Antipsiquiatria” foi aplicado por David Cooper, um psiquiatra sul africano, que a partir dos estudos de alguns especialistas, juntamente com Ronald Ling, um psiquiatra escocês, passou a discordar dos métodos de estudo e de ação da psiquiatria e psicologia “tradicionais”. A antipsiquiatria seria uma tentativa de se 13 compreender o comportamento humano de um ponto de vista diferente daquele utilizado pela psiquiatria e pela psicologia “tradicional”. Para a antipsiquiatria, a loucura é um fato social e político, uma experiência positiva de reação ao equilíbrio familiar, não sendo uma doença passível de tratamento. Esta reflexão nos ajuda a romper com o modo de pensar e fazer relacionado ao modelo clínico tradicional, redimensionando o saber e a prática médica acerca da loucura. Na reforma Italiana, segundo Rotelli (1999 apud KANTORSKI et al., 2001, p. 147), resgata-se a crítica dos anos 60, a importância da denúncia de que o saber, o poder e a operacionalização da psiquiatria vigente legitimaram a exclusão de milhões de cidadãos, geralmente oriundos de classes menos favorecidas. Na França uniformizou-se a custódia e a privação dos direitos de cidadania do doente mental. Nos EUA, o processo de desospitalização significou o fechamento dos hospitais psiquiátricos, objetivando reduzir despesas do estado, sem ter a contrapartida adequada da criação de serviços comunitários, configurando-se o fenômeno “os loucos na rua”. Nos últimos vinte anos todos os países ocidentais tentaram reformar seus sistemas psiquiátricos, constituindo serviços externos ao hospital psiquiátrico. Já no Brasil o processo de reforma psiquiátrica é percebido no final dos anos 70 por um movimento sanitário em favor das mudanças nos modelos de atenção e gestão nas práticas de saúde. Em 1978 observa-se o início efetivo pelos direitos dos pacientes psiquiátricos em nosso país. O ano de 1989 surge como uma data marcante para a luta antimanicomial, quando dá entrada no Congresso Nacional o Projeto de Lei do deputado Paulo Delgado, que propõe a regulamentação das pessoas com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios no país. Todavia foi somente no ano de 2001 que esta lei é sancionada. Embora tenhamos conhecimento de muitos outros movimentos marcantes dentro do contexto histórico brasileiro, nenhum deles ainda conseguiu superar totalmente os conceitos de normalidade e doença, dentro da psiquiatria. A loucura ainda não está extinta da percepção popular enquanto transtorno mental. A Reforma precisa ser feita a cada instante na mentalidade das pessoas e de nós profissionais da saúde. 14 Segundo o Caderno Informativo do Ministério da Saúde (apud ROEDER, 2003): A reforma psiquiátrica tem na essência de sua motivação, a busca incessante do direito a cidadania. Por conseguinte, não pode ser dissociada de todas as dificuldades que neste momento a humanidade vem enfrentando, diante da deteriorização da qualidade de vida, da marginalização crescente de grandes contigentes populacionais e da exacerbação das diferenças entre ricos e pobres. Por mais que se fale sobre as conquistas da luta antimanicomial, ainda nenhum movimento conseguiu acabar com o estigma do louco, o que enfraquece a capacidade familiar e social de se conviver com o portador de transtorno mental. 15 3 REVISÃO DE LITERATURA 3.1 Transtornos somatoformes Segundo Barsky (1989 apud TOWNSEND, 2002, p. 463), “os distúrbios somatoformes se caracterizam por sintomas físicos sugestivos de uma doença clínica, porém sem uma patologia orgânica demonstrável ou um mecanismo fisiopatológico conhecido que possa explicá-los.” Alguns sintomas físicos ocorrem sem nenhuma causa física e nesses casos, suspeita-se de uma causa psicológica, o que leva a se pensar em somatização. Somatização, segundo suas origens, foi sugerido por Zbibniew Lipowski (1924-1997), designando o termo “a tendência a experimentar e comunicar sofrimento somático em resposta ao estresse psicossocial e buscar auxílio médico”. O termo foi gerado pela tradução cientificista em inglês do termo alemão Organsprache (“fala dos órgãos”), originalmente criado por Wilhelm Stekel (18681940) no início do Século XX e que podia representar tanto a manifestação física com lesões orgânicas quanto sintomas físicos sem explicação médica, desde que gerados por conflitos psicológicos inconscientes. Freud, cujo interesse pelos distúrbios histéricos se desenvolveu enquanto ele trabalhava com Charcot em Paris, observou que sob a hipnose os clientes conseguiam evocar memórias e experiências emocionais passadas que aliviavam seus sintomas. Isto levou a sua proposta de que emoções não expressas podem ser “convertidas” em sintomas físicos. Na década de 1960, um distúrbio conhecido como de “BRIQUET” foi designado como Transtorno de Somatização, como é descrito no DSM-IV. A introdução da categoria diagnóstica “Transtorno Somatoforme” nas classificações internacionais de doenças é relativamente recente, tendo ocorrido em 1980 por meio do (DSM-III), 3ª edição e em 1992 na Classificação Internacional de Doenças, 10ª edição (CID 10). Hoje, o termo já se expandiu designando todos aqueles mecanismos pelos os quais a ansiedade se traduz em doenças físicas ou queixas corporais. 16 As mulheres têm a probabilidade de 5 a 20 vezes maior de serem diagnosticados como portadores do distúrbio do que os homens. Segundo Kaplan e Sadock (apud TOWMSEND, 2002, p. 462), “a prevalência por toda a vida dos distúrbios somatomorfos em mulheres é de 1 a 2%.” Não apenas em mulheres, mais também em adolescentes e adultos jovens, mais que nas outras faixas etárias. Foi comprovado que existe uma tendência a somatização em indivíduos com baixo nível de educação e naqueles das classes socioeconômicas mais baixas. Para a compreensão melhor desses transtornos, estes foram classificados em uma única seção, sendo agrupado desta forma para excluir condições médicas gerais ocultas ou etiologias induzidas por substâncias para os sintomas físicos. Os Transtornos Somatoformes foram classificados como transtorno de somatização, indiferenciado, conversivo, doloroso, hipocondria, dismórfico corporal e de somatização sem outra especificação. Nos deteremos ao transtorno de somatização em virtude de sua relação com o estudo em questão. Apresentaremos algumas características gerais que fazem parte destes tipo de transtorno: a) os sintomas inexplicáveis no transtorno de somatização não são intencionalmente produzidos ou simulados; b) os indivíduos somatizadores em geral, descrevem suas queixas em termos dramáticos e exagerados, porém com freqüência faltam informações factuais específicas; c) eles (somatizadores) buscam tratamento com vários médicos ao mesmo tempo; d) os sintomas causam sofrimento clínico significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes; e) alguns pacientes que erroneamente atribuem essas sensações a causas patológicas, experimentam como sintomas físicos, e podem acreditar que estão gravemente doentes e que ficarão incapacitados. É importante destacarmos que os sintomas que não tem uma explicação médica também podem complicar um distúrbio físico. Uma dor torácica de origem psicológica pode se seguir a um infarto agudo do miocárdica. Então uma vez que os sintomas tenham sido experimentados, seu curso subseqüente é afetado em virtude do: 1) entendimento do paciente sobre seu significado; 17 2) as reações da família e das outras pessoas; 3) a resposta dos médicos, pouco clara, contraditória, ou o aconselhamento médico exageradamente cauteloso podem prolongar os sintomas. Por isso, não se deve presumir que os sintomas físicos são de origem psicológica só pelo fato dos pacientes estarem passando por eventos estressantes. Na somatização, é difícil ter a certeza de que os sintomas são produzidos por mecanismos inconscientes e não conscientes. O distúrbio tem geralmente um curso flutuante, com períodos de remissão e exarcebação. Os clientes geralmente recebem cuidados de diversos médicos, por vezes concomitantemente, ocasionando a possibilidade de combinações perigosas de tratamento. Para estes distúrbios o diagnóstico dentro da clínica psiquiátrica é realizado em virtude de algumas características apresentadas pelos pacientes: - Queixas somáticas que se iniciam antes dos 30 anos e ocorrem por um período de vários anos; - queixas físicas ou prejuízo social excedem o que seria esperado a partir do histórico, do exame físico ou testes laboratoriais; - deve haver um histórico de dor relacionada a pelo menos quatro lugares (ex.: cabeça, abdômen, costas, articulações) ou funções (menstruação, relação sexual, micção); - pelo menos dois sintomas gastrintestinais, outros ou não dor. Como o diagnóstico torna-se difícil e a passagem por vários médicos se torna infrutífera, os pacientes têm uma tendência a procurar alívio por meio de medicação excessiva com analgésicos ou ansiolíticos prescritos. Por isso o abuso e dependência de drogas não são complicações raras do distúrbio de somatização. Alguns fatores predisponentes ao aparecimento dos transtornos de somatização são explicados por muitas teorias, dentre elas: - Teoria psicodinâmica: distúrbio de relação mãe-filho, devido aos conflitos da mãe, fazendo com que os filhos não desenvolvam sentimentos de autoconfiança. A criança retribui esta carência afetiva aprendendo a obter afeição e carinho por meio das doenças. - Teoria da dinâmica familiar: em algumas famílias seus integrantes são incapazes de lidar com determinados problemas, sendo levados a não explorar os seus conflitos emocionais. Nestas famílias quando a criança adoece o foco familiar acaba voltando-se para criança o que os 18 leva a um certo equilíbrio familiar e a criança a somatizar em resposta a esta situação. Para Minuchin et al. (1975 apud TOWNSEND, 2002, p. 463), “a criança, por sua vez, recebe um reforço positivo para a doença.” - Fatores ambientais e culturais: para muitos povos, a verbalização ou expressão de sentimentos é desestimulada, em substituição a isto as pessoas manifestam-se por meio da somatização. Alguns estudos ainda sugerem que existe uma tendência a somatização em indivíduos de baixo nível educacional, de áreas rurais e de classes sócioeconômicas mais baixas. - Fatores genéticos: segundo Kaplan e Sadock (1998 apud TOWNSEND, 2002, p. 464), os estudos mostraram um aumento de dez a vinte vezes na incidência em familiares em primeiro grau do sexo feminino de pessoas que apresentam esse distúrbio. Esse dados podem sugerir uma possível pré-disposição genética. Quanto ao tratamento destinado a estes pacientes devem repercutir em volta de uma avaliação física minuciosa descartando quaisquer possibilidade de alteração orgânica que possa estar causando prejuízo ao paciente. Posteriormente, procurar conhecer as idéias que o paciente faz sobre as causas dos seus sintomas. Deve-se obter informações sobre os pensamentos e comportamentos que acompanham a causa física. É importante conhecer também o relato de parentes e amigos para enriquecer o contexto informativo sobre o paciente. É importante pesquisar a existência de transtornos psiquiátricos. Existem ainda alguns pontos que devem ser considerados no discurso ao paciente e familiares: - evitar falas contraditórias, investigações desnecessárias (quando excluído as causas orgânicas) e encaminhamentos a vários outros especialistas; - cuidadosamente explicar ao paciente que embora não se encontre uma causa patológica física para o seu problema, os profissionais entendem o seu sofrimento como algo real e estão levando a sério; - discutir com o paciente a origem de seus sintomas e minimizar as preocupações do mesmo. 19 É importante conversar com o paciente durante todo o processo em que se busca conhecer as causas de seu sofrimento e na mesma medida também com que se vai descartando as causas prováveis, até se chegar ao desencadeante emocional. O paciente deve entender porque em determinado ponto o médico abandona a investigação e a procura por motivos orgânicos. Se não houver mudanças na vida do paciente, a somatização pode se arrastar pela vida inteira. Um passo importante é ajudá-lo a lidar de forma positiva com suas emoções e conflitos que são os fatores que geram os transtornos psicossomáticos. 20 4 METODOLOGIA Deteremos-nos neste momento a metodologia utilizada para o desenvolvimento deste estudo. Para Minayo et al. (1997, p. 14), “entendemos por metodologia, o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade.” No método é importante mantermos a coerência com o trabalho científico. Isto faz com que o pesquisador não se deixe contaminar pela técnica e perca a ligação com sua percepção própria, o que é uma das características essenciais para uma boa pesquisa. Sendo assim, o pesquisador deve estar atento às concepções teóricas em conformidade com a articulação da realidade e utilizar estas associações dentro de seu estudo, como lembra Minayo et al. (1997, p. 15), “a teoria e a metodologia caminham juntas, intricavelmente inseparáveis.” 4.1 Tipo de pesquisa O tipo de estudo utilizado para o desenvolvimento desta pesquisa é do tipo de pesquisa de campo. A pesquisa de campo é o lugar natural onde acontecem os fatos e fenômenos. É a que recolhe os dados in natura, como percebidos pelo pesquisador. Normalmente a pesquisa de campo se faz por observação direta, levantamento ou estudo de caso. (SANTOS, 2000, p. 30). 4.2 Local da pesquisa A pesquisa foi realizada em três instituições que desenvolvem atendimento médico e multidisciplinar em diagnóstico-terapia a clientes do Sistema Único de Saúde (SUS), após consentimento das mesmas conforme Apêndice A. Foram realizadas nas seguintes instituições: a) Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), que tem como objetivo diminuir o intervalo terapêutico para os pacientes vítimas de traumas e urgências clínicas. O Samu na cidade de Tubarão está situado na Rua Januário 21 Alves Garcia, nº 99, centro – Tubarão-SC. Para a realização deste serviço utiliza duas ambulâncias formadas, por equipes com treinamento em atendimento de suporte básico e avançado de vida. b) Emergência do Hospital Nossa Senhora da Conceição, situado a Rua Vidal Ramos, nº 215, Centro, Tubarão-SC. Esta unidade possui um efetivo de 41 funcionários, entre Enfermeiros, Médicos, Técnicos de enfermagem e pessoal de apoio, envolvidos em atividades diversas dentro do contexto das urgências e emergências. c) Por último temos a Unidade de Saúde da Família São Luís, o qual está inserida na unidade denonimada Etelvina Bopprê Felipe, localizada no Bairro São Luís, no município de Tubarão-SC. A escolha destes locais deu-se em virtude de suas características em atenderem com muita freqüência portadores com transtornos de somatização.2 4.3 Sujeitos da pesquisa Conforme escreve Laville e Dione (apud MINAYO et al., 2007, p. 48), “conhecer a oportunidade de um sujeito ser selecionado permite estimar o erro da amostragem, o que ajuda ao pesquisador não generalizar equivocadamente uma situação específica a toda sua população.” Foram convidados para este estudo, duas categorias profissionais, os quais estão inseridos em cada local descrito neste estudo. Os critérios definidos para a escolha destes profissionais são: ser médico (a) e enfermeira (o), independente de sua faixa etária, credo religioso, sexo e que aceite a participar do estudo formalizando este aceite por meio de assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, conforme apêndice B. 4.4 Considerações Éticas Para o desenvolvimento deste estudo, de forma a garantir os princípios éticos que envolvem a pesquisa envolvendo seres humanos, consideramos a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde de 10 de Outubro de 1996 e 2 Pacientes com sintomas físicos múltiplos, recorrentes e mutáveis não considerados como fruto de uma patologia física. 22 respeitado a lei do Exercício Profissional de Enfermagem. (SANTA CATARINA, 2003). Demos ênfase aos seguintes aspectos: a) A garantia do anonimato dos participantes do estudo – como forma de preservar a identidade dos mesmos, sendo utilizados nomes fictícios. b) Sigilo das informações não consentidas: foram divulgadas somente as informações permitidas pelos participantes. c) Liberdade de participação: os participantes puderam recusar-se a participar ou não do estudo, de permanecer ou desistir em qualquer momento da pesquisa. d) Garantia de esclarecimento: antes e durante o estudo. Foram apresentados os objetivos, as contribuições, o método e a participação dos envolvidos na pesquisa. e) Respeito aos valores culturais, religiosos, morais e éticos. Para Perry (1997, p. 269), existem três pontos importantes a considerar em pesquisa envolvendo seres humanos: Se os clientes receberam a informação completa e plena sobre o objetivo do estudo, seus procedimentos, coleta de dados, danos potenciais, e os métodos alternativos de tratamento. Se os sujeitos da pesquisa compreendem que o sigilo e o anonimato são mantidos. Se forem capazes de compreender integralmente a pesquisa e as implicações da participação. Observando as implicações éticas que envolvem esta pesquisa, abordamos estas questões junto aos sujeitos participantes deste estudo para posteriormente obtermos o consentimento por escrito dos mesmos. 4.5 Coleta e Registro dos dados Para operacionalização desta prática, utilizamos como instrumento de coleta de dados, a pesquisa bibliográfica em livros, artigos científicos, revistas científicas, além da entrevista aberta realizada aos profissionais. Salientamos que o questionário constou de perguntas abertas e fechadas conforme o (Apêndice C), baseado no objetivo da pesquisa: “Conhecer a percepção dos profissionais da área da saúde frente aos portadores de transtorno de somatização.” 23 Para Minayo (2007, p. 64), a entrevista tomada no sentido amplo de comunicação verbal, e no sentido restrito de coleta de informações sobre determinado tema científico é a estratégia mais usada no processo de trabalho de campo. A pesquisa foi desenvolvida em momentos, sendo relatados a seguir: Primeiro momento: Neste momento, foi realizada a apresentação da proposta de pesquisa ao gestor responsável pela instituição e aplicação dos formulários para compreensão e aceite do pedido por escrito para a realização da pesquisa na referida instituição. Segundo momento: Neste momento, foi realizada a abordagem aos profissionais que foram envolvidos na pesquisa para apresentação do estudo e adesão por escrito. Terceiro momento: Neste momento, foram realizadas as entrevistas e aplicação dos formulários aos profissionais envolvidos na pesquisa. Neste momento, as impressões foram registradas no diário de campo, onde posteriormente foram analisadas e interpretadas, convertendo-se em informações de pesquisa. Para Trentini e Paim (1999, p. 90), o diário de campo: Possui a finalidade de registrar as experiências incluindo idéias, dúvidas, sentimentos, reações, erros e acertos, problemas, dificuldades e facilidades que surjam durante a coleta de informações. Ainda servirá como mais uma fonte de informações, de grande utilidade na interpretação e discussão dos resultados. 4.6 Análise de dados Os dados foram analisados conforme Minayo (apud GOMES, 1994, p. 67) e envolve: 24 - Ordenação dos dados: neste momento, foi realizado um mapeamento dos dados obtidos, transcrição de gravações, leitura do material, organização dos relatos e dos dados da observação do participante. - Classificação dos dados: neste momento, por meio de diversas leituras, foram estabelecidas indagações para identificar o que surge de relevante. - Análise final: foram estabelecidas articulações entre os dados e o referencial teórico utilizado na pesquisa. 25 5 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS Este capítulo tem por finalidade apresentarmos a análise dos dados que surgiram a partir da pesquisa realizada, com o objetivo de responder a questão norteadora da pesquisa: “Por que os profissionais de saúde rotulam os transtornos de somatização como piti“? Os dados apresentados foram colhidos a partir de entrevista aberta com profissionais de saúde, ou seja, médicos e enfermeiros do Programa Saúde da Família, Emergência de um Hospital Geral e SAMU. Neste instrumento constaram as seguintes perguntas: Descreva o que você lembra sobre os transtornos de somatização? O que você sente ao perceber que o cliente está manifestando um sintoma orgânico, mais que na verdade, você percebe que é de fundo emocional? Como você identifica um cliente somatizador? Você já ouviu o termo “piti”? Fale a respeito. 5.1 Percepção dos profissionais de saúde frente aos portadores de transtornos de somatização A análise dos depoimentos dos sujeitos da pesquisa revela que os profissionais de saúde lembram sobre os transtornos de somatização como sintomas orgânicos, psicológicos, psicóticos e de conduta. Em relação a sintomas orgânicos alguns sujeitos da pesquisa referem ao transtorno de somatização quanto: [...] síndrome conversiva... com sintomas como taquicardia, sudorese tremores [...]. [...] falsos sintomas, onde ele alega existirem dores, sensações que não existem [...] [...] o paciente apresenta um quadro clínico não atribuível a algum quadro orgânico conhecido a tudo que ele está apresentando [...]. A esse respeito, a American Psychiatric Association (2002, p. 470), nos explica sobre estes transtornos como: 26 um padrão de múltiplas queixas somáticas recorrentes e clinicamente significativas, devem iniciar antes dos 30 anos e ocorrer por um período de vários anos e não podem ser plenamente explicadas por qualquer condição médica geral conhecida ou pelos efeitos diretos de substâncias. Nas falas acima observamos que os profissionais relacionam o transtorno de somatização com sintomas orgânicos. Porém, alguns profissionais com sintomas relacionados ao transtorno de ansiedade. Sob esta perspectiva Lipowski (1988, p. 1358), propõe que o transtorno de somatização, é uma tendência que o indivíduo tem de vivenciar e comunicar suas angústias de forma somática, isto é, através de sintomas físicos que não têm uma evidência patológica, os quais atribuem a doenças orgânicas, levando-o a procurar ajuda médica. Por sua vez, alguns sujeitos da pesquisa referem o transtorno de somatização relacionado com problemas de ordem psicológica. O transtorno de somatização tem relação com vários sintomas que o paciente começa a apresentar sendo estes de fundo psicológico. [...] não estão associados ao problema orgânico mas é um problema de ordem psicoemocional [...]. [...] os sintomas são de origem psicológica, não existe nenhum tipo de doença orgânica conhecida que se encaixe naquilo que ele está apresentando. A presença de pacientes com sintomas sem uma base orgânica correspondente ocorre em todas as áreas da medicina e é reconhecida há muitos anos. Kroenke e Mangelsdorff (1989) não encontraram causas orgânicas em mais de 80% das consultas de atendimento primário agendadas para avaliação de sintomas comuns, como dor no peito, tontura ou cansaço. A partir das falas dos sujeitos notamos que os profissionais compreendem a doença quanto às causas psicológicas, pois os fatores psicológicos possuem um papel importante na causa do transtorno de somatização. De acordo com Lazzaro (2004, p. 2) refere que “em pacientes com transtornos de somatização, o sofrimento emocional ou as situações de vida difíceis são experimentados como sintomas físicos.” Na categoria referente à conduta e psicose, alguns profissionais percebem o transtorno de somatização quanto: 27 [...] são transtornos de conduta [...]. [...] tem relação com pacientes psicóticos [...]. Sob este olhar, não é correto atribuirmos às manifestações de somatização apresentadas pelos pacientes como um transtorno de conduta uma vez que para ter relação com o mesmo segundo o DSM-IV-TR (2002, p. 120), é preciso a presença de três ou mais critérios nos últimos 12 meses de agressão a pessoas e animais, destruição de patrimônio, defraudação ou furto e sérias violações de regras. Ainda o DSM-IV-TR (2002, p. 120) explica que a psicose historicamente tem recebido diversas definições diferentes... porém a definição mais restrita de psicótico diz respeito a delírios ou alucinações proeminentes, com as alucinações ocorrendo na ausência de insight para a sua natureza patológica. Sabemos que o transtorno de somatização são caracterizados por uma combinação de dor, sintomas gastrintestinais, sexuais e pseudoneurológicos, o que não tem relação com os sintomas descritos na fala ao que o profissional se refere ou faz associação com os sintomas da psicose. 5.2 Sentimentos dos profissionais de saúde em relação ao portador de transtorno de somatização Ao questionarmos quanto aos sentimentos do profissional de saúde frente ao portador de transtorno de somatização encontramos as seguintes categorias: pena, irritação e preocupação. Na categoria “pena”, podemos observar este sentimento quando o sujeito da pesquisa refere: [...] o sentimento inicial é de pena, por que na verdade ele está pedindo ajuda [...]. Conforme Ferreira (1999) “pena” significa aflição, piedade, compaixão e dó. Sendo assim, observamos que o profissional corresponde com estes sentimentos, pois ele acredita que o portador de somatização está pedindo ajuda. 28 Enquanto alguns profissionais têm esse sentimento, em outros causam uma irritação. Como observamos na fala abaixo. [...] no começo a gente fica irritada, porque fica esperando algo mais e não é [...]. [...] a gente acaba valorizando a doença orgânica. O profissional da saúde está preparado para atender as doenças orgânicas e não as de fundo psicológicos, ou seja, quanto mais aparece nos exames laboratoriais mais fáceis de detectarmos e diagnosticar. Os portadores de transtorno de somatização possuem as queixas físicas, mas não são explicados por patologias orgânicas. Sendo assim, causa certa irritação no profissional que está atendendo, pois esperam achados laboratoriais. Na categoria “preocupação”, um profissional refere: [...] preocupação por que enquanto estou atendendo este tipo de paciente, outros mais graves deixam de ser atendidos [...]. Nesta perspectiva, observa-se que o profissional sente preocupação devido os outros pacientes que considera mais grave e deixa de atendê-los, mas não com o sofrimento que o portador de transtorno de somatização vivencia no seu cotidiano. Observamos ainda, que muitos profissionais não gostam de atender o portador de transtorno de somatização, conforme relatos: [...] não gosto muito da psiquiatria. [...] os profissionais de saúde não gostam de atender este tipo de paciente. [...] no Programa Saúde da família eu tolero um pouco mais do que na emergência. Estes sentimentos surgem possivelmente durante a abordagem do paciente somatizador, devido à dificuldade no estabelecimento de um vínculo médico-paciente positivo, em decorrência de um questionamento constante por parte do paciente em relação às assertivas emitidas pelo profissional, principalmente aquelas referentes à provável inexistência de condição orgânica detectável. 29 Conforme argumenta Martins (1988, p. 18): Espera-se que o paciente queixe-se de uma forma e em uma proporção razoável ao esperado para aquela patologia, relatando os sintomas físicos em termos orgânicos do corpo e as angústias emocionais em termos psicológicos, aceitando as orientações e demonstrando a frustração em não conseguir resolver o problema por meio de técnicas objetivas. 5.3 Identificando o portador de transtorno de somatização Ao questionarmos os sujeitos da pesquisa quanto à identificação dos portadores de transtorno de somatização encontramos as seguintes categorias: anamnese e através dos sintomas apresentados pelos pacientes. Na categoria anamnese os sujeitos da pesquisa relataram: [...] pela anamnese e o exame físico... não tem nada melhor! Uma boa anamnese... sentar, conversar, pegar toda a história do paciente. Conforme Aguiar et al. (apud QUEVEDO, 2008, p. 239) “uma cuidadosa anamnese realizada com o paciente, além da obtenção de informações relevantes com familiares, é indicada para evitar tais erros.” De acordo com as falas acima, observamos que para uma melhor identificação desses pacientes é necessário que o profissional realize uma boa anamnese juntamente com uma entrevista clínica. Sabemos que quando realizado a história clínica e psicológica dos pacientes não corremos o risco de estigmatizá-los, pois eles sofrem com os sintomas apresentados. Na categoria através dos sinais e sintomas os sujeitos da pesquisa referem: [...] na maioria das vezes eles simulam uma crise convulsiva, se jogam no chão, piscam os olhos [...]. [...] a gente chama pelo nome o cliente reage, para com aqueles tremores [...]. [...] geralmente quando se ameaça um procedimento mais invasivo, na hora ele já volta. Aguiar et al. (apud QUEVEDO, 2008, p. 239) refere que: os transtornos somatoformes desafiam a acuidade diagnóstica dos médicos. Por serem caracterizados por sinais e sintomas sem uma causa orgânica 30 detectável, mas com expressão de sintomas físicos, é fundamental que o médico examine e detida e cautelosamente as queixas que o paciente apresenta. Sob este olhar, os profissionais devem estar atentos as queixas dos pacientes e entenderem que as crises conversivas e temores fazem parte do quadro emocional dos portadores de transtorno de somatização. Não devemos criticá-los ou banalizar os sintomas porque são pacientes que sofrem e possuem um prejuízo social e ocupacional. Bem como devemos escutá-los e propor um tratamento adequado, após termos certeza que os sintomas físicos não fazem parte de uma doença orgânica. 5.4 Transtorno de somatização versus “piti” Quando questionados em relação ao termo “pití” obtivemos as seguintes respostas: [...] pití é uma abreviação de se escrever sintomas psicossomáticos. [...] este termo pití é muito comum dos profissionais usarem, muito até mais que transtorno de somatização. [...] pití é o paciente que busca chamar atenção. A esse respeito Bombana et al. (2002, p. 180) refere que “as equipes de saúde passam a usar termos como “piripaque”, pacientes “pitizentos”, “hipocondríacos”, “poliqueixosos”, “difíceis”, “chatos”, quando não conseguem estabelecer uma relação com as queixas do paciente e suas manifestações físicas.” A partir deste momento cria-se um rótulo para identificar o paciente que possui manifestações somáticas difíceis de serem tratadas e inexplicáveis. 31 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com este estudo procuramos compreender a percepção dos profissionais de saúde frente aos portadores de transtornos de somatização e entendermos por que estes profissionais rotulam os pacientes que apresentam transtorno de somatização de pití, uma vez que este transtorno já possui uma base científica que a identifique em termos didáticos. Não temos a pretensão de julgar a posição dos profissionais em torno do tema somatização. O que observamos ao longo desta pesquisa é que os sentimentos apresentados pelos mesmos são muito diversos e subjetivos. O que é comum e percebido pelos próprios profissionais é a angústia dos pacientes que buscam auxilio nas unidades de saúde. Realmente como foram relatados pelos próprios sujeitos da pesquisa os profissionais aprenderam a valorizar mais as manifestações físicas mensuráveis e já conhecidas do que os sentimentos mal traduzidos em desequilíbrios orgânicos pelos pacientes. Se os portadores destes transtornos não puderem receber a devida atenção na medida da terapêutica correta, que fim terá este cliente senão em quadros muito mais complexos agora sim requisitando uma atenção maior por parte dos profissionais da saúde. Não cabe ao profissional que atende o paciente somatizador buscar argumentos para um atendimento mais adequado por compreender que este sujeito está manifestando um sintoma físico de ordem psicológica. Mesmo que o paciente finja o que ele demonstra na agitação dos músculos, nenhuma simulação é sem propósito. Deve o profissional lembrar que ele estará tratando sempre do paciente e não os sentimentos confusos que muitas vezes são facilmente reconhecidos pela causa de seus problemas. Ele busca por meio de suas manifestações conversivas pedir ajuda e por várias vezes acredita que receberá. Por isso os postos de saúde e unidades de emergência recebem com maior freqüência os mesmos pacientes. Seus problemas sejam eles de ordem física ou de fundo emocional, muitas vezes são ignorados e relegados a um segundo plano por considerarem uma representação de pouco valor. Consideramos que todos perdem com este problema. Pacientes, família, profissionais, instituições de saúde, sociedade. Acreditamos que este tema, o 32 transtorno de somatização, precisa ser mais aprofundado e discutido entre os profissionais de saúde e os serviços que recebem estes pacientes. Devemos abolir este termo “pití” de nossas concepções pessoais e profissionais. Reconhecemos que por enquanto a terminologia ainda é muito problemática para os pacientes, parecendo que o conceito de somatização questiona a realidade e a genuinidade do sofrimento, mais enquanto continuarmos a rotular o paciente com transtorno de somatização de “pití”, ou seja, enquanto continuarmos a dizer que o paciente está fingindo e que não tem “nada”, estaremos fadados a repetirmos os mesmos cuidados, sobrecarregando as instituições de saúde e prolongando o sofrimento destes portadores de transtorno mental. 33 REFERÊNCIAS AMERICAM PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4. ed. Texto revisado DSM-IV-TR. Porto Alegre: Artmed, 2002. ANDREASEN, Nancy Coover et al. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-IV-TR. 4. ed. Porto Alegre: Artemed, 2002. ASSUNÇÃO, Ari Nunes; SARTORI, Maria Salette. Revista científica de enfermagem nursing. 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Os dados obtidos serão guardados em segredo profissional e somente serão utilizados pelos pesquisadores para os propósitos desta pesquisa. Qualquer dúvida com relação a este estudo entrar em contato com o pesquisador pelo telefone número (XX) XXXXXXXX. Agradecemos a sua cooperação. Ivon Ferreira Júnior Profª. MSc. Eliane Mazzuco dos Santos Pós-Graduado UNESC Orientadora Consinto com a realização da pesquisa: INSTITUIÇÃO: RESPONSÁVEL: DATA: 38 APÊNDICE B - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido PROJETO DE PESQUISA: A PERCEPÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE FRENTE AOS PACIENTES PORTADORES DE TRANSTORNOS DE SOMATIZAÇÃO. Prezado (a) Senhor (a): Estamos realizando um estudo para conhecer a percepção dos profissionais frente ao atendimento dos pacientes com transtorno de somatização no Curso de Saúde Mental com modalidade para o magistério superior. Para tanto, gostaríamos de contar com sua participação, que consistirá em responder a um questionário com perguntas orientadas por meio de formulário e entrevista. Trata-se de um projeto que não irá identificá-lo (a). Na necessidade de qualquer outro esclarecimento, por favor, entre em contato pelo telefone número (XX) XXXXXXXX Data: ..../..../...... Nome do Pesquisador:.................................................................................................. Fone para contato:......................................................................................................... Declaro que estou ciente e concordo em participar do estudo para obtenção do grau de licenciado para o Magistério Superior no Curso de Saúde Mental ministrada pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), realizado pelo aluno................. Nome e assinatura............................................../......................................................... Documento de identidade............................................................................................. Data: ...../...../....... 39 APÊNDICE C - Instrumento para realização da entrevista 1) Qual a sua percepção frente aos transtornos de somatização? 2) O que você sente ao perceber que o cliente está manifestando um sintoma orgânico, mais que na verdade, você percebe que é de fundo emocional. 3) Como você identifica um cliente somatizador? 4) Você já houviu o termo “pití”? fale a respeito.