A filosofia de Kant enquanto propedêutica a toda teoria

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A filosofia de Kant enquanto propedêutica
a toda teoria estético-musical futura
Fernando R. de Moraes Barros
Doutor em Filosofia e Professor Adjunto no Departamento de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Estadual de Santa Cruz. E-mail:
[email protected]
Resumo: O propósito geral que aqui
se persegue é o de tentar caracterizar a filosofia de Kant – tal como esta
ganha forma e conteúdo, em especial, na Crítica do juízo – enquanto uma
espécie de propedêutica à teoria estético-musical – malgrado o estatuto
teórico-especulativo que a música
termina por adquirir em tal contexto. Para tanto, cumpre passar em revista certas considerações acerca do
juízo-de-gosto para, a partir da divisão das belas artes criada pelo célebre filósofo alemão, indicar as possíveis conseqüências a que suas ponderações podem impelir-nos – como,
por exemplo, a definição da arte dos
sons enquanto uma inovadora e frutífera “linguagem de sinais”.
Abstract: The present article aims at
characterizing Kant’s philosophy –
specially as it is formulated in the
Critic of Judgment – as a kind of
propaedeutics to the musicaesthetical theory – despite the
theoretical-speculative position that
music ends up assuming in this very
context. To accomplish this task,
we’ll take into account some
reflections on the aesthetic judgment
as well as Kant’s hierarchical
division of arts; finally, we hope to
indicate the possible consequences
which we are impelled to within
Kant’s aesthetical considerations –
for instance, the definition of music
as an innovative and fruitful “sign
language”.
Palavras-chave: juízo-de-gosto –
jogo das sensações – música – linguagem de sinais.
Key-words: aesthetic judgment –
game of sensations – music – sign
language.
BARROS, Fernando R. de Moraes
Que não exista, no pensamento de Kant, uma teoria da arte
acabada, bem como um discurso unívoco sobre o âmbito que habitualmente designa a atividade musical, eis algo que nenhum intérprete estaria disposto a negar. Nem por isso o célebre filósofo de
Königsberg deixou de refletir sobre questões relativas à arte de modo
geral. Em seus escritos, não são raros os momentos em que se detém, por exemplo, no exame das relações entre o gênio e as belas
artes e também aqueles em que procura indicar os próprios limites
da sensibilidade. Nenhuma forma artística, porém, recebe um tratamento contínuo e exaustivo. Embora atento a tal ordem de questões, Kant não se pretende crítico de arte e tampouco espera analisar a operosidade que comanda o fazer artístico propriamente dito.
Ao contrário, em sua obra, a arte vem à baila intimamente vinculada à questão acerca da atividade do juízo, sendo que é justamente
isso que irá constituir a chave para a compreensão do veredicto
contido na apreciação kantiana da música: esta, no entender do
filósofo alemão, não se deixa apreender, sem problemas, sob a forma de um juízo estético. Por que, então, tomar a filosofia de Kant
como propedêutica a uma teoria da arte, e, sobretudo, da arte dos
sons? O propósito geral do texto que se segue consiste precisamente em tentar fornecer uma resposta factível a essa impertinente pergunta.
Se no período de redação d’A crítica da razão pura o objeto da
estética era a intuição sensível - designando uma parte relevante
da teoria do conhecimento, porquanto se referia à recepção do
múltiplo dado na percepção -, outra será sua determinação no contexto atinente à elaboração d’A crítica do juízo. Desta feita, tal objeto
consistirá na maneira como o sensível passa a ser efetivamente produtivo na elaboração e instituição do juízo-de-gosto. Que tal juízo
apresenta inúmeras curiosidades, eis algo que salta aos olhos de
quem lê o texto de Kant. Em linhas gerais, isso se deve ao fato de
que, tal como os juízos-de-conhecimento - que se fiam na aplicação
de conceitos objetivos sobre as intuições -, subjaz ao juízo-de-gosto
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uma exigência de validade universal. Não é por meio dessa aplicação, porém, que reputamos belos os objetos que se nos apresentam.
À diferença das apreciações teóricas, é a um sentimento que o juízode-gosto deve sua condição de possibilidade. Trata-se, em realidade, de uma curiosa espécie de satisfação, cuja exposição conceitual
tem lugar, de modo lapidar, no parágrafo 2 da “Analítica do belo”:
Interesse é denominada a satisfação que vinculamos com a
representação da existência de um objeto [...]. Mas, se a questão é se algo é belo, não se quer saber se, para nós ou para
quem quer que seja, importa algo a existência da coisa, ou
sequer se pode importar; mas sim como a julgamos na mera
consideração (intuição ou reflexão). Se alguém me pergunta
se acho belo o palácio que vejo diante de mim, posso, por
certo, dizer: não gosto de coisas como essa, que são feitas
meramente para embasbacar, ou, como aquele ‘sachem’
iroquês, que nada em Paris lhe apraz mais do que os restaurantes [...]. Tudo isso podem conceder-me e aprovar; só que
disso não se trata agora. Querem apenas saber se a mera representação do objeto, em mim, é acompanhada de satisfação, por mais indiferente que eu possa ser quanto à existência do objeto dessa representação [...]. É preciso não ter a
mínima preocupação pela existência da coisa e, a esse respeito, ser inteiramente indiferente, para fazer papel de juiz
em assuntos de gosto (KANT, 1984, § 2, p. 210).
Vigora aqui a idéia segundo a qual os objetos considerados belos
aprazem por si próprios, passando ao largo de conceitos objetivos,
bem como das sensações ocasionadas por aquilo que há de bom e
agradável. Todavia, enganar-se-ia quem pressentisse, em tal passagem, apenas uma simples tentativa de obter acesso, por assim dizer, ao belo “nu”, à estrutura ontológica da “beleza”, uma vez que
o espírito se livrasse de todos os condicionamentos subjetivos aos
quais se acha fatalmente submetido. Outro é o motivo pelo qual
Kant quer conduzir-nos à esfera do desinteresse. A exigência de
desinteresse concorre precisamente para que o sentimento de prazer possa ser imputado a todos. Algo que se assegura por meio da
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introdução e da afirmação de uma noção específica de finalidade.
A esse propósito, lê-se: “Um juízo-de-gosto, sobre o qual atrativo e
emoção não têm nenhuma influência [...] e que portanto tem meramente a finalidade da forma como fundamento-de-determinação,
é um juízo-de-gosto puro” (Id., ibidem, § 13, p. 224).
Doravante, belo passa a ser considerado algo no qual tudo o
que é particular se enquadra “finalisticamente” no todo, mas sem
que, com isso, o todo ainda possua um fim ulterior. Reflexiva, a
faculdade estética de julgar não prevê um universal que lhe servisse de suporte. Subjetivo, seu fundamento-de-determinação não
pode ser um princípio conceitualmente determinado – convertendo-se o próprio sujeito, a título de uma preciosa ficção heurística,
na condição mesma de possibilidade de tal princípio. Pergunta-se,
porém: como pode uma satisfação arvorar-se em validez universal? Kant, de sua parte, julga poder tornar patente essa tênue possibilidade mediante o aceite de que, na satisfação desinteressada à
base do juízo-de-gosto, encontra-se em ação uma operação intelectual que, em seu conjunto, não pode mais subsistir nem no âmbito
prático da razão nem em sua instância teórica, enquadrando-se,
pois, nas hostes de uma complementaridade subjetiva propiciada
por um novo aprofundamento crítico. Trata-se, em realidade, de
um concerto cognitivo. Guardando autonomia com relação ao entendimento - apesar de com ele concordar -, o juízo-de-gosto irá
sugerir, então, uma comunhão vivificante e potencializadora entre
as faculdades da imaginação e do entendimento, sendo que é justamente o tomar-consciência-de-si desse acordo que, segundo Kant,
pode dar-nos a chave para a compreensão da suposta universalidade contida no juízo-de-gosto. É nessa direção que o filósofo alemão escreve:
A comunicabilidade universal subjetiva do modo-de-representação em um juízo-de-gosto [...] não pode ser outra coisa
que o estado-da-mente no livre jogo da imaginação e do entendimento (na medida em que concordam entre si, como é
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requerido para um conhecimento em geral), na medida em
que temos consciência de que esta proporção subjetiva apropriada para o conhecimento em geral tem de valer igualmente
para todos e, conseqüentemente, ser universalmente comunicável (Id., ibidem, § 9, p. 220).
Desde já, “belo” não será nenhum predicado objetivo, mas irremediavelmente relativo. Exortando-nos a um nível superior de
auto-reflexão, a referência estética deve-se, agora, a uma
infranqueável realização criativa, à representação estética do objeto no sujeito. Vejamos por que a música irá, aqui, obstaculizar tal
realização, bem como por que Kant, malgrado ele mesmo, pode ser
legitimamente considerado o precursor de toda teoria estéticomusical futura.
Fazendo coro com a estética filosófica setecentista, Kant empreende uma divisão das diferentes artes conforme seus respectivos gêneros. Ao fazê-lo, no entanto, ele não deixa de explicitar, ao
mesmo tempo, o expediente metodológico de que se serviu. Tratase, de acordo com suas palavras, de uma “analogia da arte com o
modo de expressão de que os homens se servem no falar, para, tão
perfeitamente quanto possível, comunicarem-se entre si, isto é, não
meramente segundo seus conceitos, mas também segundo sensações” (KANT, 1984b, § 51, p. 256). E tampouco deixa de confessar,
numa concisa, mas relevante observação, que tal esboço de divisão
está longe de ser algo conclusivo, permanecendo à parte, aliás, do
próprio sistema da filosofia transcendental. Ad hoc, ele é tão-só uma
dentre as muitas tentativas que ainda “se podem e devem fazer”
(Id., ibidem, p. 256). Assim é que, dando cumprimento a tal plano,
Kant irá, de seu lado, distinguir três traços principais no interior da
linguagem humana: a palavra (articulação), o gesto (movimento) e
o som (modulação). Hauridos dessa divisão tripartite, os correlatos
artísticos de tais modos de expressão são, logo após, agrupados em
torno dos seguintes núcleos: as artes elocutivas (eloqüência e arte
poética), as artes figurativas (plástica [escultura e arquitetura] e
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pintura) e a assim chamada “arte do belo jogo das sensações (que são
engendradas do exterior)” (Id., ibidem, p. 259). Não se deterá aí,
porém, a classificação. Sobre o belo jogo das sensações recairá ainda uma última subdivisão, que vem à luz sob a forma de uma inesperada disjunção entre o jogo artístico atinente à audição e à visão,
ou, como se lê, entre “música e arte das cores” (Id., ibidem, p. 259).
Caudatária de uma significação notadamente ampla da sensibilidade artística, a caracterização da arte dos sons e das cores enquanto “jogo das sensações” cederá terreno, no entanto, a uma suspeita. Empreende-se a pergunta pela possibilidade mesma de a
música, bem como a arte das cores, ter algo a ver com as belas artes, ou, melhor dizendo, com obras cuja beleza é por nós experimentada sob a égide do livre jogo das faculdades de conhecimento
na qualidade de uma satisfação desinteressada. Irremediavelmente submetidas à força arrebatadora do interesse e das inclinações,
as sensações parecem estar como que destinadas, de antemão, a
ocasionar sentimentos agradáveis ou desagradáveis - e, portanto,
nos quais apenas juízos de validade individual se deixariam fundamentar. Ora, o caminho entrevisto por Kant para tentar solucionar a questão está longe de ser unívoco. Tanto é assim que ele irá
confessar: “Não se pode dizer com certeza: se uma cor ou um tom
(som) são meramente sensações agradáveis, ou em si já um belo
jogo de sensações e, como tal, trazem consigo uma satisfação face à
forma no julgamento estético” (Id., ibidem, p. 260). À primeira vista
incontornável, essa dificuldade irá, não por acaso, impelir a análise
kantiana a uma outra conseqüência. Bifronte, a arte dos sons implicará a adoção de um duplo ponto de vista sobre o jogo operado
pelas sensações.
Concebidas única e exclusivamente enquanto efeitos sobre o
sistema receptivo do ouvinte, as sensações sonoras adquirem um
sentido ligado ao indelineável âmbito dos sentimentos de
agradabilidade ou descontentamento. Mas, se por aí não fazemos
senão nos abandonarmos aos “estremecimentos sobre a parte elás-
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tica de nosso corpo” (Id., ibidem, p. 260), talvez nos fosse facultada
uma saída por meio da adoção de uma outra perspectiva em face
das mesmas sensações. Tomadas enquanto intuições na forma do
tempo e do espaço e, a ser assim, enquanto portadoras de uma estrutura formal, as impressões atinentes à música quiçá pudessem
fornecer - a título de vibrações do ar proporcionalmente apreendidas - suficientes pontos de referência para a realização de um efetivo jogo artístico das sensações. Implicando atinar com as relações
espácio-temporais estabelecidas nas progressões harmônicas, bem
como nos arcos melódicos – ou, como nos diz Kant, com “a divisão
do tempo” (Id., ibidem, p. 260) -, tal disposição pressuporia uma atividade cognitiva por parte das faculdades do conhecimento, tornando exeqüível, nesse trilho, uma apreciação estética mediante a
faculdade do juízo. Nas diferentes tensões da escala de cores ou de
sons, deparam-se, agora, outras considerações. Desta feita, dirá o
filósofo alemão, “poderíamos ver-nos obrigados a considerar as
sensações de ambos [das cores e dos sons] não como mera impressão sensível, mas como o efeito de um julgamento da forma no jogo
de muitas sensações” (Id., ibidem, p. 260).
Contudo, e apesar dessa dupla referência, Kant parece não
mudar radicalmente de atitude diante da arte dos sons. Passa então a considerar uma hierarquia das belas artes conforme o critério
da cultura que proporciona ao intelecto, tomando como fundamento
“a ampliação das faculdades que no Juízo têm de reunir-se para o
conhecimento” (Id., ibidem, p. 263). Em tal ordenação, a música –
devido à sua atávica falta de conteúdos conceitualmente descritíveis
– termina por ocupar um lugar inferior a todas as demais artes. E
não só. À música é imputada, nesse contexto, uma determinada
ausência de “civilidade”, que vem à tona sob a forma do seguinte
comentário: “Além disso, prende-se à música uma certa falta de
urbanidade, pois ela, principalmente conforme a índole de seus
instrumentos, amplia sua influência além do que se lhe pede (à vizinhança), a assim como que se impõe, portanto faz dano à liberda-
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de de outros, fora da sociedade musical; o que as artes que falam
aos olhos não fazem, na medida em que basta desviar os olhos, se
não se quer aceitar sua impressão” (Id., ibidem, p. 264).
A julgar pelo pano de fundo formado pela distinção entre sentimentos de prazer e desprazer, bem como pela exigência de uma
satisfação desinteressada apta a ser universalmente comungada,
não é de admirar que a avaliação kantiana acerca da música seja
ambivalente. Assegurar à música o status de bela arte faz todo sentido, desde que se sublinhe, em sua operosidade artística, os momentos estruturais e formais das sensações. Em contrapartida, conceber a arte dos sons enquanto uma mera expressão irrefletida de
afetos tem razão de ser, na medida em que se procura caracterizála apenas como uma vivência singular de sentimentos aprazíveis.
Enquanto fonte de deleite, porém, a arte dos sons estaria longe de
imprimir, aqui, o selo de sua grandeza. É o que basta para Kant
comparar o resultado da música sobre o ouvinte com o efeito de
um lenço perfumado que, ao ser retirado do bolso, “serve todos em
torno de si e a seu lado contra a vontade destes, e os obriga, se
quiserem respirar, ao mesmo tempo a fruir” (Id., ibidem, p. 264).
Com tais apontamentos diante dos olhos é forçoso, agora, indagar: por que tomar a filosofia de Kant enquanto propedêutica a
toda teoria estético-musical futura? Certo é que o próprio filósofo
alemão não pretende tomar sobre os ombros a tarefa de fundamentar a ordenação por ele estabelecida entre os diferentes gêneros artísticos, denegando-lhe, tal como foi indicado, justificações teóricoespeculativas ulteriores. Nesse sentido, lê-se ainda: “O leitor não
julgará este esboço de uma divisão possível das belas-artes como
uma teoria visada” (Id., ibidem, p. 256). Em nosso entender, a importância da estética kantiana para uma ponderação filosófica sobre a música não está propriamente lá onde ela se propõe a discorrer acerca da arte dos sons – algo que se faz de um modo extremamente conciso, diga-se de passagem -, mas, em linhas gerais, na
sua teoria do juízo-de-gosto. Ao determinar uma operação reflexi-
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va de cunho eminentemente cognitivo – mediada, portanto, não
apenas pelo sentimento – como sendo constitutiva da experiência
estética, Kant termina por descerrar e pavimentar o caminho rumo
a uma teoria da música cuja condição de sustentabilidade reside na
compreensão mesma da arte sonora enquanto linguagem de sinais.
Pode-se dizer, se não for afirmar mais do que o necessário, que a
reflexão sobre a forma da finalidade sem fim ínsita a um objeto
intuitivamente representado deixa-se interpretar legitimamente
enquanto reflexão sobre signos de uma linguagem livre da tirania
da significação – isto é, isenta da habitual função representativa à
base das palavras, e, por isso mesmo, detentora de uma capacidade quase infinita de explicitação.
Inseparável de seu próprio conteúdo, a forma do signo musical cuidaria, já, de sua significação, sem ter de recobrir “coisas” ou
“objetos” por meio de designações conceituais, o que a obrigaria a
levar consigo os artigos de fé presentes na concepção essencialista
da linguagem, pressupondo substâncias, agentes, pacientes, propriedades, causas, efeitos etc. E, em verdade, as próprias dificuldades reveladas por Kant apontariam para o fato de que a música
carece de uma esfera de racionalidade própria, bem como de um
léxico condizente com sua originalidade. A título de mera sonoridade, a música destaca-se dos gestos vocálicos e consonantais que
dão origem à palavra articulada, emancipando-se, pois, do fundo
sonoro que se acha atrelado às posições do órgão da linguagem. Se
no texto que perfazem os cânticos melódicos os ditos significantes
permanecem, em rigor, atarraxados a determinados significados, a
crua teia de relações sonoras percebida pelo ouvinte formaria, anteriormente às imagens acústicas usadas para formação do signo
lingüístico, um campo liberto dos limites do significado, sendo que
a credencial que irá tornar o simbolismo musical mais estimável é
precisamente o fato de a música poder ser descrita como uma estrutura dinâmica sem um fundo semântico plenamente codificado.
Donde também se compreende que uma teoria geral do simbolis-
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mo sonoro não deve, em princípio, empreender a pergunta pelo
belo musical a partir de instâncias extra-musicais, mas localizando
o conteúdo da música em “idéias” que são, já de si, musicais. Livres formas em movimento, os conteúdos de tais idéias talvez só
servissem para mostrar que, em matéria de música, tudo só pode
ser um jogo. E quiçá não apenas nessa matéria, mas também coisas
do espírito. Afinal, como diz Kant, “sem jogo quase ninguém pode
entreter-se” (Id., ibidem, p. 265).
Recebido em: abril de 2006
Aprovado em: junho de 2006
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Filhos. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
______. Da arte do gênio. Trad. de Rubens Rodrigues Torres Filhos. In: Os
Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1984b.
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