Professora Maria do Carmo Brant - Sistema Tele

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CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL E GESTÃO DO SUAS
DISCIPLINA: A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
PROFESSORA AUTORA: MARIA DO CARMO BRANT DE
CARVALHO
COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA
MARIA UMBELINA CAIAFA SALGADO
MAIO/2011
1
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
Prezado aluno, prezada aluna,
Este texto foi elaborado para funcionar como Guia de Estudo da
disciplina “A política de Assistência Social”, que será tratada em duas aulas:
I. (aula do dia 8 de junho);
II. (aula do dia 22 de junho).
O texto está dividido em duas partes e cada uma delas será postada na
véspera do dia da aula correspondente (dias 7 e 22 de junho,
respectivamente).
A leitura deste Guia de Estudo é indispensável para a realização da
disciplina. Logo após cada aula (no caso desta disciplina, nos dias 8 e 22 de
junho à noite), será postada a indicação de um texto complementar, também de
leitura obrigatória. Nesse momento, serão ainda postadas 5 perguntas que
devem ser respondidas diretamente no Espaço do Aluno, no site da Escola
Satélite, até a véspera da aula seguinte (dias 21 de junho e 05 de julho,
respectivamente, no caso desta disciplina).
Os dois textos (o Guia de Estudo e o texto complementar) servirão de
referência mínima para a resposta às 5 perguntas sobre o tema de cada aula.
As demais referências constantes da bibliografia básica do curso serão de
leitura opcional, de acordo com o interesse de cada um.
A seguir, apresenta-se o texto Guia de Estudo: “A política de Assistência
Social e sua entrada no século XXI”.
2
A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E SUA ENTRADA NO SÉCULO XXI
Maria do Carmo Brant de Carvalho/2011
INTRODUÇÃO
No processo de constituição das políticas sociais públicas, a Assistência
Social cumpriu papel importante: significou a gênese da intervenção social do
Estado moderno. Como diz Sônia Draibe, a política assistencial constitui a
forma ancestral da política social. Na qualidade de ação pública no campo
social, a política de Assistência Social precedeu no tempo as outras formas de
intervenção social do Estado. (Draibe, 1990)
No Brasil do Século XX, pouco se avançou na consolidação de uma
política de assistência social. Como forma ancestral da política social apostouse em seu desaparecimento e na ascensão de políticas básicas de bem-estar
social. Havia no imaginário societário e também junto a gestores e
formuladores da política social uma resistência a essa política percebida como
subsidiária e transitória. Com o alcance de um “Welfare State” não seria
necessário um campo da assistência social; todos os cidadãos estariam
cobertos por políticas básicas e universais (saúde educação, previdência
social, trabalho...).
Não foi o que aconteceu no Brasil nem tampouco no mundo; a pobreza
persistiu e as desigualdades sociais cresceram e se tornaram mais agudas.
É por isso que, no Brasil, a política de Assistência Social foi reconhecida
como política de Estado muito tardiamente. Até o final do século XX, a
Assistência Social em nosso país esteve fortemente assumida pela sociedade
providência, seguindo os padrões da benemerência, seletividade, tutela,
filantropia. De fato, até 1988 a Assistência Social não era reconhecida como
missão do Estado, que atuava supletivamente.
Ao se apresentar na carta constitucional como função de seguridade
social, a Assistência Social passa a integrar o tripé da proteção social, ainda
constituído de forma fragmentada, sem um projeto comum: política de saúde
para todos os cidadãos, previdência social como segurança devida ao
trabalhador, assistência social para aqueles que, vivendo nas malhas da
vulnerabilidade social, necessitam da proteção do Estado.
De qualquer modo, sua inscrição na Carta Constitucional/88 foi o
primeiro passo para ser reconhecida como política de proteção social.
Desde então se afirmou como política inquestionável em sua relevância
social. Inovou e instituiu mecanismos de proteção social não contributiva como
direito do cidadão. Ganhou robustez junto à parcela da população atingida por
conjunturas, contextos ou processos produtores de vulnerabilidade social.
3
AVANÇOS
NO RECONHECIMENTO DA POLÍTICA DE
REGULAÇÃO
ASSISTÊNCIA SOCIAL
E SUA
Um primeiro avanço no reconhecimento da política de Assistência Social
e sua regulação, no Brasil, foi a promulgação da Lei Orgânica de Assistência
Social (Loas) em 1993. Na sequência, veio o refinamento de conceitos que a
afirmam como política pública de proteção social, obtendo sucesso em seu
reconhecimento político e conceitual.
Outro avanço expressou-se na velocidade com que se implementaram
os mecanismos propugnados em lei na garantia de participação e gestão
compartilhada1.
Implementou e deu voz aos conselhos municipais, estaduais e nacional
de Assistência Social; implementou igualmente o Fundo de Assistência Social
nas três esferas de governo e avançou na construção e aprovação de planos
municipais, estaduais e nacional de Assistência Social.
As conferências municipais, estaduais e nacionais, por sua vez, se
tornaram grandes fóruns na formação de competências de gestão, consensos
e avanços nesta política.
Avançamos mais recentemente com a aprovação, em 2004, da Política
Nacional de Assistência Social – PNAS e a proposição de uma regulação dos
serviços socioassistenciais pautados em parâmetros, padrões, critérios e
respeito ao pacto federativo na sua operacionalização: o Sistema Único de
Assistência Social/SUAS.
Em julho de 2005, foi aprovada a regulação do Sistema Único de
Assistência Social – SUAS - um sistema nacional de ordenação da gestão das
ações socioassistenciais parametradas em regulação e obediência ao pacto
federativo e reconhecimento dos direitos socioassistenciais do cidadão.
Podemos dizer que o SUAS espelha-se no SUS (Sistema Único de Saúde).
Para comentar sobre o SUAS, retomo as reflexões realizadas por
Aldaíza Sposati2, , sem dúvida a maior estudiosa desta política.
“O SUAS é uma racionalidade política que inscreve o campo de gestão da
assistência social, uma das formas de proteção social não contributiva, como
responsabilidade de Estado a ser exercida pelos três entes federativos que
compõem o poder público brasileiro. Nesse sentido é uma forma pactuada que
refere o processo de gestão da assistência social, antes de iniciativa isolada de
cada ente federativo, a uma compreensão política unificada dos três entes
federativos quanto ao seu conteúdo (serviços e benefícios) que competem a um
órgão público afiançar ao cidadão” (Sposati, 2005).
O SUAS introduz nova organização da atenção pública redefinindo os
serviços socioassistenciais de modo hierarquizado em proteção básica e
especial.
1
As leis infraconstitucionais, objetivando assegurar uma maior participação da sociedade nos
fóruns de decisão, instituíram, entre outras medidas, conselhos nas diversas políticas públicas,
com participação paritária entre governo e sociedade civil, visando decisão e controle sobre as
ações da política.
2
Aldaíza Sposati, professora titular da PUCSP, coordenadora do Núcleo de Estudos e
Pesquisas em Seguridade e Assistência Social; coordenadora do Cedest – Centro de Estudos
das Desigualdades Sócioterritoriais.
4
Assim é que:

Traduz e especifica serviços socioassistenciais

Define serviços básicos de pouca, média e alta complexidade.
Introduz concepção importante de se criar e implementar sistemas de
vigilância da proteção social (monitoramento pela via de mapas da
pobreza e exclusão social; índices de vulnerabilidade social; mapas
de vulnerabilidade social...).

Elege como unidade de intervenção a família, objetivando romper
com as tradicionais segmentações de seu público alvo (crianças,
adolescentes, mulheres, idosos...).

Elege o CRAS - Centro Referência de Assistência Social - como
equipamento e serviço de proteção social básica3 localizado em
territórios de vulnerabilidade social, com função de organizar,
coordenar e executar os serviços de proteção social básica.

Elege o CREAS – Centro de Referência Especializado da Assistência
Social – como equipamento/ serviço de proteção especial de média
complexidade junto a famílias cujos vínculos familiares e
comunitários não foram rompidos e serviço de proteção especial de
alta complexidade para famílias que se encontram sem referência ou
em situação de ameaça” (Aldaíza Sposati, 2005).
Como se pode perceber, com o SUAS, há uma retomada pelo Estado de
uma ação pública delegada tradicionalmente a iniciativas filantrópicas da
sociedade civil.
Como política de proteção social, a assistência social tem um campo
próprio de atenções e provisão social: articula uma rede de seguranças contra
riscos pessoais e sociais a indivíduos, famílias e coletividades, viabilizando um
conjunto de serviços, programas, benefícios e transferências de recursos
materiais e monetários, que devem ser planejados, monitorados e avaliados
continuamente. (Capacita SUAS, 2008)
Os serviços socioassistenciais – CRAS e CREAS - integram em seus
objetivos o desenvolvimento de ações de proteção social, vigilância e defesa
social, sempre na perspectiva territorializada com foco na matricialidade
sociofamiliar. É na integração dessas consignas que desenvolve um novo
modelo assistencial coerente ao SUAS. Uma ação que não integralize a
proteção, vigilância e defesa social deixa de ser uma proteção social efetiva
movida com processos e estratégias capazes de produzir redução de
vulnerabilidades e inclusão social.
A implantação de unidades CRAS e CREAS em todo o território nacional
tem sido expressiva nos anos recentes (estão implantados em quase todos os
municípios brasileiros – o que já é uma enorme conquista em tão pouco
tempo). Mas os benefícios assistenciais parecem ter ganhado maior expansão
e visibilidade no desempenho desta política.
3
(1 para cada 5.000 famílias)
5
Os benefícios monetários ou em espécie no âmbito da assistência social
sempre foram considerados insumos imprescindíveis na proposta de cobertura
da proteção social.
A LOAS (1993) já havia instituído o BPC/ benefício monetário de
prestação continuada para idosos e pessoas portadoras de deficiência
incapacitadas para o trabalho.
Porém, nos anos recentes, foi criada uma profusão de novos benefícios
temporários (bolsa família, renda mínima, agente jovem, e outros de decisão
dos estados ou municípios).
Podemos afirmar mesmo que programas robustos de transferência de
renda marcam a política nacional de assistência social. Cerca de 13 milhões de
famílias estão cobertas pelo programa Bolsa Família. Resultados de seu
impacto podem ser evidenciados na redução da pobreza e, ainda que
timidamente, nas taxas de desigualdades de renda.
É preciso lembrar que outros benefícios assistenciais foram introduzidos
nas demais políticas setoriais com vistas a promover o acesso e a equidade no
usufruto de bens e serviços de atenção básica. É o caso, por exemplo, da
locação social na habitação, merenda escolar na educação, aviamento de
receitas na saúde.
As vulnerabilidades sociais são cumulativas, interdependentes e
concentradas em coletivos (famílias e territórios / comunidades). A experiência
brasileira, diferente de outros países da OCDE, inovou ao incidir sobre a família
e território. A política de Assistência Social, destinando-se preferencialmente a
unidades grupais (famílias e comunidades) e não a indivíduos, maximiza seus
efeitos protetivos.
Os benefícios apresentam-se para muitos profissionais como um reassistencialismo da política pública; para outros, representa um
reconhecimento do direito do cidadão (com insuficiente ou nula renda) a
transferências monetárias; projetam, nesse caso, uma nova geração de política
social e um, ainda que tímido, projeto de redistribuição da riqueza produzida.
A NOVA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO SÉCULO XXI: NOVOS DESAFIOS
Em contundente fotografia do século 21, Gomà revela a emergência de
uma sociedade complexa e, nela, as novas expressões da questão social que
exigem mudanças no foco e na condução da política social, rompendo com
modelos de políticas assentadas em recortes setoriais, segmentados.
Estamos testemunhando a transformação de uma época [...]. A classe social, a
indústria fordista, a família tradicional e o Estado-Nação já são consideradas
categorias zumbis. Existem sim, mas se desintegram; não estruturam a ordem
social emergente, sua força parece esgotar-se com a desorganização do velho
mundo do século XX. De fato, a produção em massa e padronizada é substituída
por modelos muito mais flexíveis, o esquema patriarcal é substituído pela
diversidade de formas familiares e pelas novas relações de gênero, o estado é
submetido a pressões intensas e simultâneas de globalização e descentralização,
a crise da representação política tradicional conduz tanto ao neopopulismo de
caráter autoritário como a toda uma gama de experimentos de inovação
democrática, de alta intensidade participativa. Tudo isso, efetivamente, nos leva a
uma nova lógica cultural [...]. A primeira modernidade, a dos grandes agregados
sociais, das grandes cosmovisões e da confiança no progresso material e na
6
racionalidade, entra em decadência com o século XX, que é o seu século. As
sociedades avançadas entram em cheio em uma segunda modernidade ou
modernidade reflexiva, com lógicas culturais muito mais pluralistas e subjetivadas,
sem grandes narrativas, sem grandes ancoradouros coletivos de coesão e com a
consciência cada vez mais ampliada dos riscos ecológicos socialmente produzidos.
Este é, muito sinteticamente, o contexto em que opera a idéia complexa e
emergente de exclusão social”. (GOMÀ 2004)
Como deixa claro o autor, está em curso uma redefinição conceitual e
operativa das políticas sociais: integralidade na formulação das políticas, e
transversalidade como lógica de implementação, abertura à participação;
redefinição da dimensão substantiva das políticas voltada a reduzir
desigualdades sociais e a promover a inserção social em suas múltiplas
dimensões. (Gomà, 2004). Isso implica desafios.
Primeiro desafio: afirmar-se como um campo próprio
Afirmar-se como um campo próprio implica perceber a dimensão setorial
da política social e, simultaneamente, integrar-se ao conjunto das políticas
sociais, articulando-se proativamente com elas na ação intersetorial.
Os novos valores sociopolíticos pressionam gestores públicos a inovar
arranjos e desenho da política e programas sociais:
 Quer-se políticas fundamentadas na lógica da cidadania, mas com
clara direção em favor de ações integradas em torno do cidadão e do
território como eixos de um desenvolvimento sustentável.
 Quer-se foco no território e em suas populações como portadoras de
identidades, saberes, experiências e projetos de futuro que precisam
ser reconhecidos no fazer dos serviços. Os cidadãos querem dos
serviços públicos abertura para sua participação.
 Quer-se romper com a ênfase nas vulnerabilidades e carências da
população, apostando-se, ao contrário, no reconhecimento e destaque
em suas potencialidades e fortalezas.
 Quer-se novas relações entre estado e sociedade civil para recuperar
a confiança social perdida.4
Costumamos dizer que a gestão da política pública tornou-se complexa.
Obedece as consignas gestoras de descentralização, territorialização da
política, autonomia dos serviços e participação deliberativa da sociedade
(prescritas na Constituição Federal de 1988 e leis infraconstitucionais) – e
outras, como a intersetorialidade, derivadas das pressões mais recentes na
busca da efetividade da política.
Tanto a intersetorialidade na condução da ação pública, quanto o
principio de compartilhar ações com organizações da sociedade civil são uma
4
Uma das atribuições inerentes ao papel do Estado é desenvolver a confiança social pública.
Os agentes dos serviços públicos têm uma atribuição nobre que é a de gerar confiança social
pública. Quando a confiança social está perdida, o serviço perde igualmente seu atributo
principal que é o de qualificar a cidadania. A confiança é a própria potência, a própria força ou
o trampolim que nos impulsiona mais adiante. (Teixeira, 2006)
7
conseqüência das demandas colocadas ao Estado na gestão contemporânea
da ação pública.
Há um claro consenso de que nenhuma política de per si ganha
efetividade social. Nenhum serviço pode tudo! Carece de complementaridades
multissetoriais. Da mesma forma, carece da participação das redes sociais
presentes no território.
Também a territorialização ganha novo reconhecimento: os serviços
estão no território, pertencem ao coletivo comunitário e, portanto devem operar
de forma integrada e articulada aos vários sujeitos e espaços de convivência,
interlocução e aprendizagem existentes no território, com o propósito de
ampliar e otimizar as oportunidades de pertencimento e inclusão social de seus
habitantes.
Nesta nova compreensão, a gestão da política pública é chamada a
imprimir sistemas abertos de coordenação e conduzir ações articuladas em
redes multiinstitucionais e intersetoriais com vistas a mobilizar vontades,
induzir, pactuar e fazer acontecer processos e ações de maior densidade e
maior impacto na vida do cidadão.
A novidade maior na gestão da política social pública é a de ação em
redes e conformação de programas em rede.
Segundo desafio: enfrentar as desigualdades
O crescimento alarmante das desigualdades sociais e a pauperização da
população introduziram diferentes opções que as políticas podem tomar no seu
enfrentamento.
Diante das enormes desigualdades sociais, pobreza e exclusão, a
política pública é tensionada entre duas opções diversas: uma que busca
enfrentar as desigualdades sociais e reduzi-las, outra que busca “acomodar” e
minorar as condições adversas resultantes da desigualdade social.
Muitos estudiosos contemporâneos constatam que, na América Latina,
estamos instaurando preferencialmente um estado de Proteção Social, na
perspectiva de minorar os efeitos da desigualdade social.
Afirma-se, assim, uma política de proteção social – e nela a assistência
social tem prioridade absoluta – com ênfase em um conjunto de transferências
e prestações não-contributivas, distintas das prestações contínuas dos serviços
sociais básicos.5 e 6
Há uma clara “defasagem entre o montante de recursos para o
financiamento de benefícios, face aos serviços, ou à rede socioassistencial.
Como exemplo, o recurso financeiro para o BPC no orçamento federal é oito
vezes maior do que o de serviços socioassistenciais. Caso se some a esse
montante os recursos do Programa Bolsa Família, a discrepância entre
5
A implantação do SUAS e o caráter massivo do Bolsa Família deixaram explícitas duas formas
de financiamento federal na assistência social: a) fundo a fundo direcionada para os serviços
socioassistenciais; b) valor de transferência em benefício direto ao cidadão. Trata-se de dois
modos de transferência: uma entre órgãos públicos, ou melhor, fundos públicos e outra, direta
ao beneficiário. Esta segunda forma é de montante muito superior ao financiamento dos
serviços.
6
Sobre o Estado de proteção social na América latina consultar Claudia Serrano/ Cepal/ 2005.
8
benefícios e serviços sobe para quatorze vezes. A cobertura da rede de
serviços socioassistenciais provida com recursos federais tem ainda baixa
incidência.” (Sposati, 2006)
“A função de Assistência Social registrou um gasto de exatamente 1%
do PIB em 2004. É um montante expressivo. Supera o gasto público somado
em Habitação, Saneamento, Gestão Ambiental e Cultura. (...) A divisão
federativa da Assistência foge do padrão dos demais gastos sociais e se
aproxima do caso da previdência, refletindo a opção por gastos crescentes nos
programas de transferência de renda: é expressiva a concentração no governo
central (72% do gasto nacional), enquanto os municípios pesam muito mais do
que os estados (19% contra 9%)”. ( Afonso2006)
As metas de cobertura atingidas pelos programas de transferência de
renda no Brasil atestam uma ruptura em relação aos focos anteriores da
política social.
Embora o programa Bolsa Família possua, pelas suas
condicionalidades, um desenho multissetorial, não conseguiu uma implantação
intersetorial. Não conquistou “uma abordagem integrada com outras políticas
públicas sociais, bem como com as políticas de desenvolvimento regional ou
local, que, em ambos os casos, permitissem enfrentar essa questão
estrutural”.7 (Afonso; 2006)
Na implantação do SUAS, observou-se um esforço inédito comparado a
outras políticas sociais quanto a expansão de serviços, em particular, a rede de
CRAS. Em 2007 eram 4195 CRAS implantados no território nacional; em 2009
foram registrados 5798 CRAS distribuídos em 4329 municípios (censo CRAS/
MDS).
No entanto, tais serviços padecem de um baixo investimento; as equipes
técnicas alocadas são insuficientes e apresentam, em geral, precária formação,
assim como se observa ausência de adequada infra-estrutura física e,
conseqüentemente, restrições a inovações substantivas.
Mas, é também imprescindível o investimento social nos serviços
públicos prescritos pelas demais políticas. O forte aumento dos benefícios
sociais nos últimos anos não foi acompanhado de melhoria na oferta e no
acesso universal a serviços públicos, especialmente no caso de saneamento e
habitação.
“O Brasil sem miséria”, programa recém lançado pelo governo federal
(2011) como prioridade da presidente Dilma Rousseff, sinaliza para mudanças
na opção política de enfrentamento da pobreza. Sem descartar o programa
Bolsa Família, ela pretende atrelá-lo à expansão de serviços públicos básicos.
Terceiro desafio: agir no binômio família e território
Não basta agirmos com a família; é preciso uma perspectiva que integre
o coletivo de moradores do território.
É condição necessária trabalhar família e território/comunidade como um
duplo dialético. Há ainda pouco investimento na relação família e território.
7
Novos Desafios à Descentralização Fiscal no Brasil:
Transferências de Renda, documento Cepal, 2006
As Políticas Sociais e as de
9
Para assegurar proteção a famílias em situação de vulnerabilidade, já
falamos enfaticamente sobre a importância de assegurar o acesso a serviços
básicos. Mas, não só! As redes sociais presentes no território precisam ser
envolvidas na garantia de vínculos relacionais e de pertencimento, condição
imprescindível para ganhos duradouros de proteção e inclusão social.
Assim, conjugada à ação junto às famílias, é importante mobilizar e
articular os ativos sociais do território - organizações, serviços, projetos do
território – visando ao fortalecimento da proteção e ao desenvolvimento social.
Essa, porém, não é uma tarefa simples. Os CRAS atuam em territórios
marcados por vulnerabilidade e isolamento social. Desta forma, a proteção
social deve chegar a esses territórios combinando ações voltadas ao
fortalecimento das redes sociais existentes; estas precisam ser alimentadas
com aportes socioculturais. .
O excesso de desigualdade impõe uma nova agenda de políticas de
inclusão orientadas a debilitar os fatores geradores de dinâmicas produtoras de
desigualdade e vulnerabilidades sociais, inserção social em suas múltiplas
dimensões. (Gomá, 2004)
Aportes socioculturais funcionam como motor estratégico que pode
alavancar e ampliar capital sociocultural necessário para promover mudanças
desde dentro do próprio coletivo, aprisionado àsgarras da desigualdade social.
Capital sociocultural alargado funciona como potência capaz de debilitar os
fatores que fazem esta população sucumbir às malhas da desigualdade.
Obviamente, seria ingênuo não reconhecer o papel central da própria
política pública: as estruturas de oportunidades advêm de políticas
comprometidas com a redução das desigualdades. Porém, ainda que
acreditemos na vontade política e poder das políticas, ainda assim há um
esforço endógeno à população, que pode emergir quando alimentado por um
maior capital sociocultural8.
A escassez ou limitação das relações sociais é um dos componentes da
vulnerabilidade social, pois solapam as oportunidades de acessar capital
sociocultural. Da mesma forma que o precário ou mesmo nulo acesso a
serviços públicos que as políticas públicas ofertam nos campos da saúde,
habitação, educação, cultura, priva indivíduos e grupos de desenvolvimento de
suas capacidades substantivas. Priva-os igualmente dos espaços e fóruns
públicos de interlocução política, o que também os impede de uso real de suas
liberdades substantivas. (Sen, 2000) Não possuem voz e vez na expressão
política de seus interesses e demandas. Há uma redução de oportunidades
para acumular capital sociocultural.
O CRAS, por sua natureza, se localiza em territórios cujos índices de
desigualdade e vulnerabilidade social são expressivos; mesmo com um modelo
8
Capital social é, freqüentemente, definido em termos dos grupos, redes, normas e
confiança de que as pessoas dispõem. Ao contrário dos outros tipos de capital, que são
tangíveis e beneficiam principalmente seu proprietário, o capital social está integrado nos
relacionamentos entre indivíduos ou entre instituições, e beneficia a todos.
(Coleman(1988,1990)
10
sócio assistencial mais orgânico, as características que assumem a
desigualdade social estão a exigir uma intervenção pública que transversalize
as ações da política social combinadas a maior investimento social junto às
redes sociais existentes.
Os territórios marcados pela alta vulnerabilidade social introduzem um
círculo perverso e reiterativo de dupla mão: populações que resistem às
poucas, rarefeitas e descontínuas intervenções públicas; e de outro lado,
políticas públicas que não chegam a esses territórios na forma de
equipamentos/serviços com um articulado espectro de possibilidades de
ampliação de repertório sociocultural e alteração de qualidade de vida.
Há mesmo um risco que atravessa todos os serviços públicos e suas
intenções de mudança. Os serviços - em nosso caso, o CRAS - enredam-se
rapidamente num processo homogeneizador - CRAS/ família/território (coletivo)
- e assim ratificam a segregação de oportunidades culturais.
Por maior investimento que o CRAS faça na família, sem intervenção
simultânea no território não se reduzem duradouramente os efeitos de
vulnerabilidades sociais cumulativas.
Quarto desafio: articulação e intersetorialidade
Como já referido anteriormente, o CRAS deve conquistar ancoragens
intersetoriais e interinstitucionais no território, para propiciar uma rede mais
alargada de proteção social.
A articulação é, hoje, uma das habilidades mais valorizadas no trabalho
social, pois os programas sociais cada vez mais contêm arranjos multissetoriais
e multiinstitucionais. Os processos de articulação partem do princípio de que
intersetorialidade e complementaridade entre serviços das diversas políticas
públicas e entre sujeitos sociais do governo, da sociedade e da comunidade
são indispensáveis para produzir alteração na qualidade de vida de nossas
populações.
São as articulações que costuram a oferta de oportunidades e de acesso
a serviços e relações no território. Conjuga e integra a população alvo a uma
cadeia de programas e serviços complementares entre si.
As vulnerabilidades que as famílias apresentam atravessam, em geral,
as dimensões de habitabilidade, renda, trabalho, saúde, identificação civil e
social, educação, convivência comunitária e dinâmica familiar. Para atender a
essas necessidades e demandas da família é preciso: atuar na mobilização e
na indução de ações públicas multissetoriais, no fortalecimento e na
disponibilidade de redes locais de intervenção social e readequação da oferta
programática disponível, quando necessária.
Assim, as principais ações junto às famílias supõem:

assegurar suporte e apoio individual às famílias;

assegurar um dinâmico e efetivo suporte comunitário às famílias;

assegurar uma cesta de oportunidades de aprendizagem às
famílias.
11
Essas garantias dependem do acionamento de processos e relações
que mobilizem a coautoria das famílias na própria melhoria de suas condições
de vida e na aquisição de habilidades necessárias à sua integração às redes
locais. Assim como nos ganhos de autonomia progressiva para enfrentar, com
êxito, as condições estruturais geralmente associadas a situações de pobreza.
Há, portanto, a ação de articular e fortalecer as redes comunitárias na
oferta e na produção de serviços e programas sociais complementares de
capacitação,
entretenimento,
convivência,
apoio
de
proximidade,
desenvolvimento
de
capacidades,
melhoria
da
habitabilidade,
empreendimentos produtivos geradores de trabalho e renda. Assim é preciso:
identificação, mobilização e articulação dos serviços, espaços, sujeitos,
oportunidades e relações existentes na comunidade.
REFLEXÕES SOBRE OS SERVIÇOS SOCIOASSISTENCIAIS CRAS/CREAS
Os serviços socioassistenciais são a parte mais substantiva da atenção
assistencial. São serviços de proximidade; exigem relação interpessoal; a
relação é em si condição de proteção.
Envolvem a produção de ações continuadas e, por tempo indeterminado,
dirigidas a situações identificadas e monitoradas nos territórios em que se
encontra a população demandante.
Os serviços socioassistenciais, conforme a NOB /SUAS ( 2005) devem
prover proteção social, articulando um conjunto de seguranças:
 segurança da acolhida: garantia de acolhimento pela via da escuta
profissional qualificada, informação, referência.Nos casos de alta
vulnerabilidade , o abrigamento de curta, média e longa duração.
 segurança social de renda mediante a concessão de benefícios
temporários ou continuados àqueles indivíduos ou famílias que
apresentem vulnerabilidades decorrentes do ciclo de vida e/ou
incapacidade para a vida independente e para o trabalho;
 segurança de convívio : visam a construção, restauração e
fortalecimento de laços de pertencimento e vínculos sociais de
natureza geracional, intergeracional, familiar, de vizinhança, societária;
 segurança de desenvolvimento da autonomia: ofertam oportunidades
diversas de desenvolvimento de capacidades e habilidades para que
possam acessar, circular e usufruir de recursos e possibilidades
presentes na sociedade contemporânea e construir projetos de futuro.
Essa perspectiva exige uma (nova) relação entre serviços, benefícios,
programas e projetos para, de modo articulado, fazer frente às demandas
sociais concentradas nos territórios de vida e de trabalho da população efetiva
e potencial da assistência social. (Capacita SUAS - Volume 1 Suas:
configurando os eixos de mudança; pag.46-47. 2008)
CRAS – Um Serviço de Proteção Social Básica:
O CRAS é a porta de entrada do SUAS, integrando em sua ação os
programas PAIF (Programa Federal de Atenção Integral à Família) e o PBF
12
(Programa Bolsa Família). Os demais benefícios, o Benefício de Prestação
Continuada - BPC e os benefícios eventuais também se incluem na dinâmica
de ação do CRAS. É pela via do CRAS que flui em maior parte a destinação de
benefícios articulados a serviços.
Mas o CRAS não é somente distribuição de benefícios. Se assim fosse,
converter-se-ia facilmente em plantão assistencial. O CRAS costura a
destinação desses benefícios com processos e projetos socioassistenciais
voltados a alcançar resultados protetivos da maior importância: a melhoria da
qualidade de vida, ganhos de pertencimento social, maior autonomia da família
para resolutividade de seus projetos de vida. Sobre isso falamos mais adiante.
A proteção social pressupõe tornar a família mais competente para
acessar e usufruir dos bens, serviços e riquezas societárias. Sabemos que são
necessários serviços e processos que dêem conta de desenvolver autonomia e
competências substantivas junto às famílias estigmatizadas pela pobreza, para
que circulem nessa sociedade em caráter preventivo e processador de inclusão
social. Destina-se a segmentos da população que vivem em condição de
vulnerabilidade social: vulnerabilidades decorrentes da pobreza, privação
(ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos,...) e ou
fragilização de vínculos afetivos - relacionais e de pertencimento social
(discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências...).
No CRAS ganham centralidade a família e a comunidade percebidas
como sujeitos estratégicos na proteção social de seus membros e como alvo
prioritário de proteção.
Por fim, já é consenso de que a proteção social básica desenvolvida
junto às famílias inclui uma oferta básica, porém não padronizada, de:

Serviços e processos de fortalecimento da convivência social e
desenvolvimento do sentido de pertencimento às redes existentes
ou a serem recriadas no microterritório;

inclusão nos serviços das políticas públicas;

desenvolvimento de competências substantivas (fluência
comunicativa – domínio da leitura, da escrita e da comunicação
oral; ampliação do universo informacional e cultural); inclusão no
circuito de relações da comunidade e da cidade de pertença;

inclusão no mundo de trabalho e renda; formações que
possibilitem aumento da empregabilidade e geração de renda.

melhoria habitacional, o que inclui pequenas reformas da
habitação e do meio circundante (habitabilidade e saneamento,
mesmo que alternativos).
Nesse contexto, a chamada rede de proteção social é perspectivada em
duas direções/movimentos complementares: o primeiro refere-se a organização
e articulação entre serviços sócio assistenciais de provisão pública para
atender as demandas de proteção social. O segundo refere-se a articulação
territorial com demais serviços e organizações sociais que funcionam como
artérias protetivas no território.
13
CREAS - Serviços de Proteção Social Especial
A proteção social especial é modalidade de atenção assistencial
destinada a indivíduos e famílias que se encontram em situação de alta
vulnerabilidade pessoal e social. São vulnerabilidades decorrentes de
abandono, privação, perda de vínculos, exploração,violência, delinquência...
A proteção especial inclui serviços de abrigamento de longa ou
curtaduração, e serviços de acolhimento e atenção psicossocial especializada
destinada a assegurar vínculos de pertencimento e reinserção social.
O abrigamento é oferecido em várias modalidades com objetivo de
atender diferentes grupos etários (criança, adulto, idoso...), e
situações/demandas distintas. Assim, oferece diversas modalidades de abrigos
inseridos na malha urbana, tais como casa-abrigo, casa-lar, república, pensão,
casa de passagem, albergues, entre outros.
São serviços que envolvem acompanhamento individual e maior
flexibilidade nas soluções protetivas. Por exemplo, o abrigamento pode ocorrer
em pequenos abrigos, casas lares, famílias substitutas em regime de guarda,
albergues ou casas de passagem. Da mesma forma, a “reinserção social”
comporta diversos encaminhamentos monitorados, apoios e processos que
assegurem qualidade na atenção protetiva e efetividade na reinserção
almejada.
São ações de natureza reabilitadora de possibilidades psicossociais,
com vistas à reinserção social. Por isso mesmo, exigem atenções mais
personalizadas e processos protetivos de longa duração.
Os serviços de proteção especial têm estreita interface com o sistema de
justiça, exigindo, muitas vezes, uma gestão mais complexa e compartilhada
com o poder judiciário e outras ações do executivo.
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