: CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E GESTÃO DO SUAS DISCIPLINA: A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL PROFESSORA AUTORA: MARIA DO CARMO BRANT DE CARVALHO COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA MARIA UMBELINA CAIAFA SALGADO MAIO/2011 1 APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Prezado aluno, prezada aluna, Este texto foi elaborado para funcionar como Guia de Estudo da disciplina “A política de Assistência Social”, que será tratada em duas aulas: I. (aula do dia 8 de junho); II. (aula do dia 22 de junho). O texto está dividido em duas partes e cada uma delas será postada na véspera do dia da aula correspondente (dias 7 e 22 de junho, respectivamente). A leitura deste Guia de Estudo é indispensável para a realização da disciplina. Logo após cada aula (no caso desta disciplina, nos dias 8 e 22 de junho à noite), será postada a indicação de um texto complementar, também de leitura obrigatória. Nesse momento, serão ainda postadas 5 perguntas que devem ser respondidas diretamente no Espaço do Aluno, no site da Escola Satélite, até a véspera da aula seguinte (dias 21 de junho e 05 de julho, respectivamente, no caso desta disciplina). Os dois textos (o Guia de Estudo e o texto complementar) servirão de referência mínima para a resposta às 5 perguntas sobre o tema de cada aula. As demais referências constantes da bibliografia básica do curso serão de leitura opcional, de acordo com o interesse de cada um. A seguir, apresenta-se o texto Guia de Estudo: “A política de Assistência Social e sua entrada no século XXI”. 2 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E SUA ENTRADA NO SÉCULO XXI Maria do Carmo Brant de Carvalho/2011 INTRODUÇÃO No processo de constituição das políticas sociais públicas, a Assistência Social cumpriu papel importante: significou a gênese da intervenção social do Estado moderno. Como diz Sônia Draibe, a política assistencial constitui a forma ancestral da política social. Na qualidade de ação pública no campo social, a política de Assistência Social precedeu no tempo as outras formas de intervenção social do Estado. (Draibe, 1990) No Brasil do Século XX, pouco se avançou na consolidação de uma política de assistência social. Como forma ancestral da política social apostouse em seu desaparecimento e na ascensão de políticas básicas de bem-estar social. Havia no imaginário societário e também junto a gestores e formuladores da política social uma resistência a essa política percebida como subsidiária e transitória. Com o alcance de um “Welfare State” não seria necessário um campo da assistência social; todos os cidadãos estariam cobertos por políticas básicas e universais (saúde educação, previdência social, trabalho...). Não foi o que aconteceu no Brasil nem tampouco no mundo; a pobreza persistiu e as desigualdades sociais cresceram e se tornaram mais agudas. É por isso que, no Brasil, a política de Assistência Social foi reconhecida como política de Estado muito tardiamente. Até o final do século XX, a Assistência Social em nosso país esteve fortemente assumida pela sociedade providência, seguindo os padrões da benemerência, seletividade, tutela, filantropia. De fato, até 1988 a Assistência Social não era reconhecida como missão do Estado, que atuava supletivamente. Ao se apresentar na carta constitucional como função de seguridade social, a Assistência Social passa a integrar o tripé da proteção social, ainda constituído de forma fragmentada, sem um projeto comum: política de saúde para todos os cidadãos, previdência social como segurança devida ao trabalhador, assistência social para aqueles que, vivendo nas malhas da vulnerabilidade social, necessitam da proteção do Estado. De qualquer modo, sua inscrição na Carta Constitucional/88 foi o primeiro passo para ser reconhecida como política de proteção social. Desde então se afirmou como política inquestionável em sua relevância social. Inovou e instituiu mecanismos de proteção social não contributiva como direito do cidadão. Ganhou robustez junto à parcela da população atingida por conjunturas, contextos ou processos produtores de vulnerabilidade social. 3 AVANÇOS NO RECONHECIMENTO DA POLÍTICA DE REGULAÇÃO ASSISTÊNCIA SOCIAL E SUA Um primeiro avanço no reconhecimento da política de Assistência Social e sua regulação, no Brasil, foi a promulgação da Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) em 1993. Na sequência, veio o refinamento de conceitos que a afirmam como política pública de proteção social, obtendo sucesso em seu reconhecimento político e conceitual. Outro avanço expressou-se na velocidade com que se implementaram os mecanismos propugnados em lei na garantia de participação e gestão compartilhada1. Implementou e deu voz aos conselhos municipais, estaduais e nacional de Assistência Social; implementou igualmente o Fundo de Assistência Social nas três esferas de governo e avançou na construção e aprovação de planos municipais, estaduais e nacional de Assistência Social. As conferências municipais, estaduais e nacionais, por sua vez, se tornaram grandes fóruns na formação de competências de gestão, consensos e avanços nesta política. Avançamos mais recentemente com a aprovação, em 2004, da Política Nacional de Assistência Social – PNAS e a proposição de uma regulação dos serviços socioassistenciais pautados em parâmetros, padrões, critérios e respeito ao pacto federativo na sua operacionalização: o Sistema Único de Assistência Social/SUAS. Em julho de 2005, foi aprovada a regulação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS - um sistema nacional de ordenação da gestão das ações socioassistenciais parametradas em regulação e obediência ao pacto federativo e reconhecimento dos direitos socioassistenciais do cidadão. Podemos dizer que o SUAS espelha-se no SUS (Sistema Único de Saúde). Para comentar sobre o SUAS, retomo as reflexões realizadas por Aldaíza Sposati2, , sem dúvida a maior estudiosa desta política. “O SUAS é uma racionalidade política que inscreve o campo de gestão da assistência social, uma das formas de proteção social não contributiva, como responsabilidade de Estado a ser exercida pelos três entes federativos que compõem o poder público brasileiro. Nesse sentido é uma forma pactuada que refere o processo de gestão da assistência social, antes de iniciativa isolada de cada ente federativo, a uma compreensão política unificada dos três entes federativos quanto ao seu conteúdo (serviços e benefícios) que competem a um órgão público afiançar ao cidadão” (Sposati, 2005). O SUAS introduz nova organização da atenção pública redefinindo os serviços socioassistenciais de modo hierarquizado em proteção básica e especial. 1 As leis infraconstitucionais, objetivando assegurar uma maior participação da sociedade nos fóruns de decisão, instituíram, entre outras medidas, conselhos nas diversas políticas públicas, com participação paritária entre governo e sociedade civil, visando decisão e controle sobre as ações da política. 2 Aldaíza Sposati, professora titular da PUCSP, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Seguridade e Assistência Social; coordenadora do Cedest – Centro de Estudos das Desigualdades Sócioterritoriais. 4 Assim é que: Traduz e especifica serviços socioassistenciais Define serviços básicos de pouca, média e alta complexidade. Introduz concepção importante de se criar e implementar sistemas de vigilância da proteção social (monitoramento pela via de mapas da pobreza e exclusão social; índices de vulnerabilidade social; mapas de vulnerabilidade social...). Elege como unidade de intervenção a família, objetivando romper com as tradicionais segmentações de seu público alvo (crianças, adolescentes, mulheres, idosos...). Elege o CRAS - Centro Referência de Assistência Social - como equipamento e serviço de proteção social básica3 localizado em territórios de vulnerabilidade social, com função de organizar, coordenar e executar os serviços de proteção social básica. Elege o CREAS – Centro de Referência Especializado da Assistência Social – como equipamento/ serviço de proteção especial de média complexidade junto a famílias cujos vínculos familiares e comunitários não foram rompidos e serviço de proteção especial de alta complexidade para famílias que se encontram sem referência ou em situação de ameaça” (Aldaíza Sposati, 2005). Como se pode perceber, com o SUAS, há uma retomada pelo Estado de uma ação pública delegada tradicionalmente a iniciativas filantrópicas da sociedade civil. Como política de proteção social, a assistência social tem um campo próprio de atenções e provisão social: articula uma rede de seguranças contra riscos pessoais e sociais a indivíduos, famílias e coletividades, viabilizando um conjunto de serviços, programas, benefícios e transferências de recursos materiais e monetários, que devem ser planejados, monitorados e avaliados continuamente. (Capacita SUAS, 2008) Os serviços socioassistenciais – CRAS e CREAS - integram em seus objetivos o desenvolvimento de ações de proteção social, vigilância e defesa social, sempre na perspectiva territorializada com foco na matricialidade sociofamiliar. É na integração dessas consignas que desenvolve um novo modelo assistencial coerente ao SUAS. Uma ação que não integralize a proteção, vigilância e defesa social deixa de ser uma proteção social efetiva movida com processos e estratégias capazes de produzir redução de vulnerabilidades e inclusão social. A implantação de unidades CRAS e CREAS em todo o território nacional tem sido expressiva nos anos recentes (estão implantados em quase todos os municípios brasileiros – o que já é uma enorme conquista em tão pouco tempo). Mas os benefícios assistenciais parecem ter ganhado maior expansão e visibilidade no desempenho desta política. 3 (1 para cada 5.000 famílias) 5 Os benefícios monetários ou em espécie no âmbito da assistência social sempre foram considerados insumos imprescindíveis na proposta de cobertura da proteção social. A LOAS (1993) já havia instituído o BPC/ benefício monetário de prestação continuada para idosos e pessoas portadoras de deficiência incapacitadas para o trabalho. Porém, nos anos recentes, foi criada uma profusão de novos benefícios temporários (bolsa família, renda mínima, agente jovem, e outros de decisão dos estados ou municípios). Podemos afirmar mesmo que programas robustos de transferência de renda marcam a política nacional de assistência social. Cerca de 13 milhões de famílias estão cobertas pelo programa Bolsa Família. Resultados de seu impacto podem ser evidenciados na redução da pobreza e, ainda que timidamente, nas taxas de desigualdades de renda. É preciso lembrar que outros benefícios assistenciais foram introduzidos nas demais políticas setoriais com vistas a promover o acesso e a equidade no usufruto de bens e serviços de atenção básica. É o caso, por exemplo, da locação social na habitação, merenda escolar na educação, aviamento de receitas na saúde. As vulnerabilidades sociais são cumulativas, interdependentes e concentradas em coletivos (famílias e territórios / comunidades). A experiência brasileira, diferente de outros países da OCDE, inovou ao incidir sobre a família e território. A política de Assistência Social, destinando-se preferencialmente a unidades grupais (famílias e comunidades) e não a indivíduos, maximiza seus efeitos protetivos. Os benefícios apresentam-se para muitos profissionais como um reassistencialismo da política pública; para outros, representa um reconhecimento do direito do cidadão (com insuficiente ou nula renda) a transferências monetárias; projetam, nesse caso, uma nova geração de política social e um, ainda que tímido, projeto de redistribuição da riqueza produzida. A NOVA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO SÉCULO XXI: NOVOS DESAFIOS Em contundente fotografia do século 21, Gomà revela a emergência de uma sociedade complexa e, nela, as novas expressões da questão social que exigem mudanças no foco e na condução da política social, rompendo com modelos de políticas assentadas em recortes setoriais, segmentados. Estamos testemunhando a transformação de uma época [...]. A classe social, a indústria fordista, a família tradicional e o Estado-Nação já são consideradas categorias zumbis. Existem sim, mas se desintegram; não estruturam a ordem social emergente, sua força parece esgotar-se com a desorganização do velho mundo do século XX. De fato, a produção em massa e padronizada é substituída por modelos muito mais flexíveis, o esquema patriarcal é substituído pela diversidade de formas familiares e pelas novas relações de gênero, o estado é submetido a pressões intensas e simultâneas de globalização e descentralização, a crise da representação política tradicional conduz tanto ao neopopulismo de caráter autoritário como a toda uma gama de experimentos de inovação democrática, de alta intensidade participativa. Tudo isso, efetivamente, nos leva a uma nova lógica cultural [...]. A primeira modernidade, a dos grandes agregados sociais, das grandes cosmovisões e da confiança no progresso material e na 6 racionalidade, entra em decadência com o século XX, que é o seu século. As sociedades avançadas entram em cheio em uma segunda modernidade ou modernidade reflexiva, com lógicas culturais muito mais pluralistas e subjetivadas, sem grandes narrativas, sem grandes ancoradouros coletivos de coesão e com a consciência cada vez mais ampliada dos riscos ecológicos socialmente produzidos. Este é, muito sinteticamente, o contexto em que opera a idéia complexa e emergente de exclusão social”. (GOMÀ 2004) Como deixa claro o autor, está em curso uma redefinição conceitual e operativa das políticas sociais: integralidade na formulação das políticas, e transversalidade como lógica de implementação, abertura à participação; redefinição da dimensão substantiva das políticas voltada a reduzir desigualdades sociais e a promover a inserção social em suas múltiplas dimensões. (Gomà, 2004). Isso implica desafios. Primeiro desafio: afirmar-se como um campo próprio Afirmar-se como um campo próprio implica perceber a dimensão setorial da política social e, simultaneamente, integrar-se ao conjunto das políticas sociais, articulando-se proativamente com elas na ação intersetorial. Os novos valores sociopolíticos pressionam gestores públicos a inovar arranjos e desenho da política e programas sociais: Quer-se políticas fundamentadas na lógica da cidadania, mas com clara direção em favor de ações integradas em torno do cidadão e do território como eixos de um desenvolvimento sustentável. Quer-se foco no território e em suas populações como portadoras de identidades, saberes, experiências e projetos de futuro que precisam ser reconhecidos no fazer dos serviços. Os cidadãos querem dos serviços públicos abertura para sua participação. Quer-se romper com a ênfase nas vulnerabilidades e carências da população, apostando-se, ao contrário, no reconhecimento e destaque em suas potencialidades e fortalezas. Quer-se novas relações entre estado e sociedade civil para recuperar a confiança social perdida.4 Costumamos dizer que a gestão da política pública tornou-se complexa. Obedece as consignas gestoras de descentralização, territorialização da política, autonomia dos serviços e participação deliberativa da sociedade (prescritas na Constituição Federal de 1988 e leis infraconstitucionais) – e outras, como a intersetorialidade, derivadas das pressões mais recentes na busca da efetividade da política. Tanto a intersetorialidade na condução da ação pública, quanto o principio de compartilhar ações com organizações da sociedade civil são uma 4 Uma das atribuições inerentes ao papel do Estado é desenvolver a confiança social pública. Os agentes dos serviços públicos têm uma atribuição nobre que é a de gerar confiança social pública. Quando a confiança social está perdida, o serviço perde igualmente seu atributo principal que é o de qualificar a cidadania. A confiança é a própria potência, a própria força ou o trampolim que nos impulsiona mais adiante. (Teixeira, 2006) 7 conseqüência das demandas colocadas ao Estado na gestão contemporânea da ação pública. Há um claro consenso de que nenhuma política de per si ganha efetividade social. Nenhum serviço pode tudo! Carece de complementaridades multissetoriais. Da mesma forma, carece da participação das redes sociais presentes no território. Também a territorialização ganha novo reconhecimento: os serviços estão no território, pertencem ao coletivo comunitário e, portanto devem operar de forma integrada e articulada aos vários sujeitos e espaços de convivência, interlocução e aprendizagem existentes no território, com o propósito de ampliar e otimizar as oportunidades de pertencimento e inclusão social de seus habitantes. Nesta nova compreensão, a gestão da política pública é chamada a imprimir sistemas abertos de coordenação e conduzir ações articuladas em redes multiinstitucionais e intersetoriais com vistas a mobilizar vontades, induzir, pactuar e fazer acontecer processos e ações de maior densidade e maior impacto na vida do cidadão. A novidade maior na gestão da política social pública é a de ação em redes e conformação de programas em rede. Segundo desafio: enfrentar as desigualdades O crescimento alarmante das desigualdades sociais e a pauperização da população introduziram diferentes opções que as políticas podem tomar no seu enfrentamento. Diante das enormes desigualdades sociais, pobreza e exclusão, a política pública é tensionada entre duas opções diversas: uma que busca enfrentar as desigualdades sociais e reduzi-las, outra que busca “acomodar” e minorar as condições adversas resultantes da desigualdade social. Muitos estudiosos contemporâneos constatam que, na América Latina, estamos instaurando preferencialmente um estado de Proteção Social, na perspectiva de minorar os efeitos da desigualdade social. Afirma-se, assim, uma política de proteção social – e nela a assistência social tem prioridade absoluta – com ênfase em um conjunto de transferências e prestações não-contributivas, distintas das prestações contínuas dos serviços sociais básicos.5 e 6 Há uma clara “defasagem entre o montante de recursos para o financiamento de benefícios, face aos serviços, ou à rede socioassistencial. Como exemplo, o recurso financeiro para o BPC no orçamento federal é oito vezes maior do que o de serviços socioassistenciais. Caso se some a esse montante os recursos do Programa Bolsa Família, a discrepância entre 5 A implantação do SUAS e o caráter massivo do Bolsa Família deixaram explícitas duas formas de financiamento federal na assistência social: a) fundo a fundo direcionada para os serviços socioassistenciais; b) valor de transferência em benefício direto ao cidadão. Trata-se de dois modos de transferência: uma entre órgãos públicos, ou melhor, fundos públicos e outra, direta ao beneficiário. Esta segunda forma é de montante muito superior ao financiamento dos serviços. 6 Sobre o Estado de proteção social na América latina consultar Claudia Serrano/ Cepal/ 2005. 8 benefícios e serviços sobe para quatorze vezes. A cobertura da rede de serviços socioassistenciais provida com recursos federais tem ainda baixa incidência.” (Sposati, 2006) “A função de Assistência Social registrou um gasto de exatamente 1% do PIB em 2004. É um montante expressivo. Supera o gasto público somado em Habitação, Saneamento, Gestão Ambiental e Cultura. (...) A divisão federativa da Assistência foge do padrão dos demais gastos sociais e se aproxima do caso da previdência, refletindo a opção por gastos crescentes nos programas de transferência de renda: é expressiva a concentração no governo central (72% do gasto nacional), enquanto os municípios pesam muito mais do que os estados (19% contra 9%)”. ( Afonso2006) As metas de cobertura atingidas pelos programas de transferência de renda no Brasil atestam uma ruptura em relação aos focos anteriores da política social. Embora o programa Bolsa Família possua, pelas suas condicionalidades, um desenho multissetorial, não conseguiu uma implantação intersetorial. Não conquistou “uma abordagem integrada com outras políticas públicas sociais, bem como com as políticas de desenvolvimento regional ou local, que, em ambos os casos, permitissem enfrentar essa questão estrutural”.7 (Afonso; 2006) Na implantação do SUAS, observou-se um esforço inédito comparado a outras políticas sociais quanto a expansão de serviços, em particular, a rede de CRAS. Em 2007 eram 4195 CRAS implantados no território nacional; em 2009 foram registrados 5798 CRAS distribuídos em 4329 municípios (censo CRAS/ MDS). No entanto, tais serviços padecem de um baixo investimento; as equipes técnicas alocadas são insuficientes e apresentam, em geral, precária formação, assim como se observa ausência de adequada infra-estrutura física e, conseqüentemente, restrições a inovações substantivas. Mas, é também imprescindível o investimento social nos serviços públicos prescritos pelas demais políticas. O forte aumento dos benefícios sociais nos últimos anos não foi acompanhado de melhoria na oferta e no acesso universal a serviços públicos, especialmente no caso de saneamento e habitação. “O Brasil sem miséria”, programa recém lançado pelo governo federal (2011) como prioridade da presidente Dilma Rousseff, sinaliza para mudanças na opção política de enfrentamento da pobreza. Sem descartar o programa Bolsa Família, ela pretende atrelá-lo à expansão de serviços públicos básicos. Terceiro desafio: agir no binômio família e território Não basta agirmos com a família; é preciso uma perspectiva que integre o coletivo de moradores do território. É condição necessária trabalhar família e território/comunidade como um duplo dialético. Há ainda pouco investimento na relação família e território. 7 Novos Desafios à Descentralização Fiscal no Brasil: Transferências de Renda, documento Cepal, 2006 As Políticas Sociais e as de 9 Para assegurar proteção a famílias em situação de vulnerabilidade, já falamos enfaticamente sobre a importância de assegurar o acesso a serviços básicos. Mas, não só! As redes sociais presentes no território precisam ser envolvidas na garantia de vínculos relacionais e de pertencimento, condição imprescindível para ganhos duradouros de proteção e inclusão social. Assim, conjugada à ação junto às famílias, é importante mobilizar e articular os ativos sociais do território - organizações, serviços, projetos do território – visando ao fortalecimento da proteção e ao desenvolvimento social. Essa, porém, não é uma tarefa simples. Os CRAS atuam em territórios marcados por vulnerabilidade e isolamento social. Desta forma, a proteção social deve chegar a esses territórios combinando ações voltadas ao fortalecimento das redes sociais existentes; estas precisam ser alimentadas com aportes socioculturais. . O excesso de desigualdade impõe uma nova agenda de políticas de inclusão orientadas a debilitar os fatores geradores de dinâmicas produtoras de desigualdade e vulnerabilidades sociais, inserção social em suas múltiplas dimensões. (Gomá, 2004) Aportes socioculturais funcionam como motor estratégico que pode alavancar e ampliar capital sociocultural necessário para promover mudanças desde dentro do próprio coletivo, aprisionado àsgarras da desigualdade social. Capital sociocultural alargado funciona como potência capaz de debilitar os fatores que fazem esta população sucumbir às malhas da desigualdade. Obviamente, seria ingênuo não reconhecer o papel central da própria política pública: as estruturas de oportunidades advêm de políticas comprometidas com a redução das desigualdades. Porém, ainda que acreditemos na vontade política e poder das políticas, ainda assim há um esforço endógeno à população, que pode emergir quando alimentado por um maior capital sociocultural8. A escassez ou limitação das relações sociais é um dos componentes da vulnerabilidade social, pois solapam as oportunidades de acessar capital sociocultural. Da mesma forma que o precário ou mesmo nulo acesso a serviços públicos que as políticas públicas ofertam nos campos da saúde, habitação, educação, cultura, priva indivíduos e grupos de desenvolvimento de suas capacidades substantivas. Priva-os igualmente dos espaços e fóruns públicos de interlocução política, o que também os impede de uso real de suas liberdades substantivas. (Sen, 2000) Não possuem voz e vez na expressão política de seus interesses e demandas. Há uma redução de oportunidades para acumular capital sociocultural. O CRAS, por sua natureza, se localiza em territórios cujos índices de desigualdade e vulnerabilidade social são expressivos; mesmo com um modelo 8 Capital social é, freqüentemente, definido em termos dos grupos, redes, normas e confiança de que as pessoas dispõem. Ao contrário dos outros tipos de capital, que são tangíveis e beneficiam principalmente seu proprietário, o capital social está integrado nos relacionamentos entre indivíduos ou entre instituições, e beneficia a todos. (Coleman(1988,1990) 10 sócio assistencial mais orgânico, as características que assumem a desigualdade social estão a exigir uma intervenção pública que transversalize as ações da política social combinadas a maior investimento social junto às redes sociais existentes. Os territórios marcados pela alta vulnerabilidade social introduzem um círculo perverso e reiterativo de dupla mão: populações que resistem às poucas, rarefeitas e descontínuas intervenções públicas; e de outro lado, políticas públicas que não chegam a esses territórios na forma de equipamentos/serviços com um articulado espectro de possibilidades de ampliação de repertório sociocultural e alteração de qualidade de vida. Há mesmo um risco que atravessa todos os serviços públicos e suas intenções de mudança. Os serviços - em nosso caso, o CRAS - enredam-se rapidamente num processo homogeneizador - CRAS/ família/território (coletivo) - e assim ratificam a segregação de oportunidades culturais. Por maior investimento que o CRAS faça na família, sem intervenção simultânea no território não se reduzem duradouramente os efeitos de vulnerabilidades sociais cumulativas. Quarto desafio: articulação e intersetorialidade Como já referido anteriormente, o CRAS deve conquistar ancoragens intersetoriais e interinstitucionais no território, para propiciar uma rede mais alargada de proteção social. A articulação é, hoje, uma das habilidades mais valorizadas no trabalho social, pois os programas sociais cada vez mais contêm arranjos multissetoriais e multiinstitucionais. Os processos de articulação partem do princípio de que intersetorialidade e complementaridade entre serviços das diversas políticas públicas e entre sujeitos sociais do governo, da sociedade e da comunidade são indispensáveis para produzir alteração na qualidade de vida de nossas populações. São as articulações que costuram a oferta de oportunidades e de acesso a serviços e relações no território. Conjuga e integra a população alvo a uma cadeia de programas e serviços complementares entre si. As vulnerabilidades que as famílias apresentam atravessam, em geral, as dimensões de habitabilidade, renda, trabalho, saúde, identificação civil e social, educação, convivência comunitária e dinâmica familiar. Para atender a essas necessidades e demandas da família é preciso: atuar na mobilização e na indução de ações públicas multissetoriais, no fortalecimento e na disponibilidade de redes locais de intervenção social e readequação da oferta programática disponível, quando necessária. Assim, as principais ações junto às famílias supõem: assegurar suporte e apoio individual às famílias; assegurar um dinâmico e efetivo suporte comunitário às famílias; assegurar uma cesta de oportunidades de aprendizagem às famílias. 11 Essas garantias dependem do acionamento de processos e relações que mobilizem a coautoria das famílias na própria melhoria de suas condições de vida e na aquisição de habilidades necessárias à sua integração às redes locais. Assim como nos ganhos de autonomia progressiva para enfrentar, com êxito, as condições estruturais geralmente associadas a situações de pobreza. Há, portanto, a ação de articular e fortalecer as redes comunitárias na oferta e na produção de serviços e programas sociais complementares de capacitação, entretenimento, convivência, apoio de proximidade, desenvolvimento de capacidades, melhoria da habitabilidade, empreendimentos produtivos geradores de trabalho e renda. Assim é preciso: identificação, mobilização e articulação dos serviços, espaços, sujeitos, oportunidades e relações existentes na comunidade. REFLEXÕES SOBRE OS SERVIÇOS SOCIOASSISTENCIAIS CRAS/CREAS Os serviços socioassistenciais são a parte mais substantiva da atenção assistencial. São serviços de proximidade; exigem relação interpessoal; a relação é em si condição de proteção. Envolvem a produção de ações continuadas e, por tempo indeterminado, dirigidas a situações identificadas e monitoradas nos territórios em que se encontra a população demandante. Os serviços socioassistenciais, conforme a NOB /SUAS ( 2005) devem prover proteção social, articulando um conjunto de seguranças: segurança da acolhida: garantia de acolhimento pela via da escuta profissional qualificada, informação, referência.Nos casos de alta vulnerabilidade , o abrigamento de curta, média e longa duração. segurança social de renda mediante a concessão de benefícios temporários ou continuados àqueles indivíduos ou famílias que apresentem vulnerabilidades decorrentes do ciclo de vida e/ou incapacidade para a vida independente e para o trabalho; segurança de convívio : visam a construção, restauração e fortalecimento de laços de pertencimento e vínculos sociais de natureza geracional, intergeracional, familiar, de vizinhança, societária; segurança de desenvolvimento da autonomia: ofertam oportunidades diversas de desenvolvimento de capacidades e habilidades para que possam acessar, circular e usufruir de recursos e possibilidades presentes na sociedade contemporânea e construir projetos de futuro. Essa perspectiva exige uma (nova) relação entre serviços, benefícios, programas e projetos para, de modo articulado, fazer frente às demandas sociais concentradas nos territórios de vida e de trabalho da população efetiva e potencial da assistência social. (Capacita SUAS - Volume 1 Suas: configurando os eixos de mudança; pag.46-47. 2008) CRAS – Um Serviço de Proteção Social Básica: O CRAS é a porta de entrada do SUAS, integrando em sua ação os programas PAIF (Programa Federal de Atenção Integral à Família) e o PBF 12 (Programa Bolsa Família). Os demais benefícios, o Benefício de Prestação Continuada - BPC e os benefícios eventuais também se incluem na dinâmica de ação do CRAS. É pela via do CRAS que flui em maior parte a destinação de benefícios articulados a serviços. Mas o CRAS não é somente distribuição de benefícios. Se assim fosse, converter-se-ia facilmente em plantão assistencial. O CRAS costura a destinação desses benefícios com processos e projetos socioassistenciais voltados a alcançar resultados protetivos da maior importância: a melhoria da qualidade de vida, ganhos de pertencimento social, maior autonomia da família para resolutividade de seus projetos de vida. Sobre isso falamos mais adiante. A proteção social pressupõe tornar a família mais competente para acessar e usufruir dos bens, serviços e riquezas societárias. Sabemos que são necessários serviços e processos que dêem conta de desenvolver autonomia e competências substantivas junto às famílias estigmatizadas pela pobreza, para que circulem nessa sociedade em caráter preventivo e processador de inclusão social. Destina-se a segmentos da população que vivem em condição de vulnerabilidade social: vulnerabilidades decorrentes da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos,...) e ou fragilização de vínculos afetivos - relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências...). No CRAS ganham centralidade a família e a comunidade percebidas como sujeitos estratégicos na proteção social de seus membros e como alvo prioritário de proteção. Por fim, já é consenso de que a proteção social básica desenvolvida junto às famílias inclui uma oferta básica, porém não padronizada, de: Serviços e processos de fortalecimento da convivência social e desenvolvimento do sentido de pertencimento às redes existentes ou a serem recriadas no microterritório; inclusão nos serviços das políticas públicas; desenvolvimento de competências substantivas (fluência comunicativa – domínio da leitura, da escrita e da comunicação oral; ampliação do universo informacional e cultural); inclusão no circuito de relações da comunidade e da cidade de pertença; inclusão no mundo de trabalho e renda; formações que possibilitem aumento da empregabilidade e geração de renda. melhoria habitacional, o que inclui pequenas reformas da habitação e do meio circundante (habitabilidade e saneamento, mesmo que alternativos). Nesse contexto, a chamada rede de proteção social é perspectivada em duas direções/movimentos complementares: o primeiro refere-se a organização e articulação entre serviços sócio assistenciais de provisão pública para atender as demandas de proteção social. O segundo refere-se a articulação territorial com demais serviços e organizações sociais que funcionam como artérias protetivas no território. 13 CREAS - Serviços de Proteção Social Especial A proteção social especial é modalidade de atenção assistencial destinada a indivíduos e famílias que se encontram em situação de alta vulnerabilidade pessoal e social. São vulnerabilidades decorrentes de abandono, privação, perda de vínculos, exploração,violência, delinquência... A proteção especial inclui serviços de abrigamento de longa ou curtaduração, e serviços de acolhimento e atenção psicossocial especializada destinada a assegurar vínculos de pertencimento e reinserção social. O abrigamento é oferecido em várias modalidades com objetivo de atender diferentes grupos etários (criança, adulto, idoso...), e situações/demandas distintas. Assim, oferece diversas modalidades de abrigos inseridos na malha urbana, tais como casa-abrigo, casa-lar, república, pensão, casa de passagem, albergues, entre outros. São serviços que envolvem acompanhamento individual e maior flexibilidade nas soluções protetivas. Por exemplo, o abrigamento pode ocorrer em pequenos abrigos, casas lares, famílias substitutas em regime de guarda, albergues ou casas de passagem. Da mesma forma, a “reinserção social” comporta diversos encaminhamentos monitorados, apoios e processos que assegurem qualidade na atenção protetiva e efetividade na reinserção almejada. São ações de natureza reabilitadora de possibilidades psicossociais, com vistas à reinserção social. Por isso mesmo, exigem atenções mais personalizadas e processos protetivos de longa duração. Os serviços de proteção especial têm estreita interface com o sistema de justiça, exigindo, muitas vezes, uma gestão mais complexa e compartilhada com o poder judiciário e outras ações do executivo. REFERÊNCIAS AFONSO, José R. Las Relaciones Intergubernamentales dentro de Brasil. Revista de la CEPAL. n. 84 : 135-157. Santiago do Chile, CEPAL, Diciembre 2004. ___________. Novos Desafios à Descentralização Fiscal no Brasil: As Políticas Sociais e as de Transferências de Renda, documento Cepal, 2006. CAMARGO, José M. e FERREIRA, Francisco. “O Benefício Social Único: Uma proposta de reforma da política social no Brasil”. Texto para Discussão Depto. Economia n. 443. Rio de Janeiro, PUC-RJ, mar. 2001. CARVALHO, M. C. Brant. Ação em rede na implementação de políticas e programas sociais públicos. www.rits.org.br. 2002. ___________. A Política de Assistência Social e seu reordenamento, Revista Serviço Social e Sociedade, 2006. GOMÀ, Ricard. 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