Problemas sobre o doseamento da actividade de enzimas Perg. 1: Uma enzima E catalisa a transformação A→P. Num tubo de ensaio colocou-se A, tampão e ao minuto zero adicionou-se uma determinada quantidade de enzima E. Na Fig. 1 representou-se a quantidade de P que se foi acumulando no tubo de ensaio ao longo do tempo. De notar que, na ausência de adição de E, a formação Fig. 1 de P durante 30 min de incubação foi imperceptível. Perg. 1a: Qual a actividade da enzima E adicionada ao tubo de ensaio? Explique os cálculos e as opções que fez. Perg. 1b: Considerando que a enzima E é hepática, que a fonte de enzima usada na experiência era homogeneizado hepático e que a quantidade de homogeneizado adicionada ao tubo de ensaio correspondia a 2 mg de fígado calcule a actividade da enzima expressando o resultado em UI/mg de fígado. Resp. 1a: A Fig. 1 mostra que velocidade com que P se acumulou no meio de ensaio diminuiu ao longo do tempo de ensaio: formaram-se 5 µmol de P nos primeiros 5 min mas apenas 4 µmol (9-5 µmol) entre o min 5 e o min 10... A velocidade da reacção antes de se acumular P e consumir A (vzero) seria, idealmente, o declive da curva P formado versus tempo no min zero. No entanto, no gráfico apresentado o valor experimental correspondente ao min 5 pode servir de base para uma boa estimativa de vzero. Assim, vamos considerar que a velocidade média nos primeiros 5 min de ensaio como uma boa estimativa de vzero. Estimativa de vzero = 5 µmol de P / 5 min = 1 µmol/min. [É de notar que, neste exemplo, se se tivesse escolhido a velocidade média nos primeiros 10 min de ensaio (9,5 µmol/10 min = 0,95 µmol/min) o resultado não seria muito diferente.] A actividade enzímica corresponde ao acréscimo de velocidade de reacção provocado pela adição de E ao sistema de ensaio. Dado que a velocidade de reacção era nula na ausência de E não há nada a subtrair ao valor de 1 µmol/min. 1 UI é a quantidade de enzima que provoca uma velocidade de reacção de 1 µmol/min: a actividade enzímica de E adicionada era 1 UI. Resp. 1b: Dado que 1 UI era a actividade da enzima E em 2 mg de fígado então a actividade no fígado pode ser facilmente calculada (1UI/2 mg) como 0,5 UI/mg de fígado. Página 1 de 5 Fig. 2 Perg. 2: A enzima E está presente no soro sanguíneo e catalisa a reacção X→Y. Um tubo de ensaio A continha 1 ml de solução (contendo X, tampão a pH adequado e cofactores essenciais para a actividade da enzima E) e, no tempo zero, adicionou-se 1 µl de soro sanguíneo. Ao longo do tempo de ensaio foi-se medindo a concentração de X no meio de ensaio (ver Fig. 2). No caso do ensaio B as condições foram as mesmas excepto no que se refere ao volume de soro sanguíneo adicionado. Perg. 2a: Qual a actividade da enzima E no soro em análise? Perg. 2b: No ensaio B qual o volume do mesmo soro adicionado ao tubo de ensaio? Resp. 2a: Consideremos o ensaio A. O primeiro ponto experimental obtido no min 10 poderá servir de base para a estimativa de vzero. O ponto correspondente ao min 20 na linha A corresponde já a alguma lentificação da reacção pelo que só admitindo um erro na estimativa o poderíamos considerar. Nos primeiros 10 min de ensaio, a concentração de X passou de 100 para 90 mM, ou seja, a concentração de X diminuiu 10 mM (=0,01 M). Dado que o volume de ensaio era de 1 mL, a quantidade de X que foi convertida em Y pode ser calculada como sendo (0,01 M * 0,001 L) 0,00001 mol (=10 µmol). A velocidade de reacção nos primeiros 10 min de ensaio foi assim de 1 µmol/min (=10 µmol de X/10 min) o que corresponde a 1UI. Se o volume de soro adicionado ao ensaio era 1 µL então a actividade da enzima E no soro era de 1 UI/µl soro. Resp. 2b: A actividade no tubo B pode ser facilmente calculada usando o mesmo raciocínio da Resp. 2a. Na realidade, é intuitivo observar que no caso B o valor da velocidade da reacção é metade do caso A (0,5 µmol/min = 0,5 UI): se, no tubo B nos mesmos 5 min iniciais a quantidade de substrato consumido foi metade de que se consumiu no tubo A é porque, em B, a actividade enzímica era metade da que se observou em A. No tubo B adicionou-se um volume diferente do mesmo soro e a actividade enzímica é directamente proporcional à quantidade de enzima. A velocidade de reacção observada em B era metade da observada em A porque em B havia metade do número de moléculas da enzima E. Ou seja, em B o volume de soro era, não 1 µL, mas 0,5 µL. Página 2 de 5 Absorbância Perg. 3: A substância P é o produto de uma reacção enzímica catalisada 0.8 pela enzima E presente no fígado 0.7 (S→P). A substância P absorve luz do comprimento de onda que foi 0.6 usado para fazer a curva de 0.5 calibração que a Fig. 3 representa. Esta curva de calibração foi realizada 0.4 com o objectivo de dosear a enzima 0.3 E e, por isso, as condições usadas Fig. 3 (nomeadamente o pH do meio) eram 0.2 semelhantes às que se usaram 0.1 quando se fez a leitura espectrofotomética dos ensaios 0 enzímicos. No estudo enzímico 0 1 2 3 4 5 usaram-se 2 cuvetes (A e B). Na [P] (mM) cuvete A, a mistura reactiva (1 mL) continha S, tampão e homogeneizado hepático (correspondente a 2,5 mg de fígado) medindo-se a Absorbância ao longo do tempo. De notar que, na cuvete A, o tempo zero correspondia à adição do homogeneizado hepático ao restantes componentes da mistura. Na cuvete B o ensaio decorreu na ausência de homogeneizado hepático e, no minuto 10, adicionou-se homogeneizado hepático correspondente a 2,5 mg de fígado fazendo logo de seguida a leitura correspondente. A tabela I representam-se as leituras de Absorbância em diferentes tempos de ensaio nas cuvetes A e B. Perg. 3a: Qual a velocidade da reacção na ausência de homogeneizado hepático? Perg. 3b: Qual a actividade da enzima E? Tabela I Absorvância min A 0 0,1 2 0,2 4 0,3 6 0,38 8 0,45 10 0,52 12 0,58 14 0,64 B 0,05 0,05 0,05 0,05 0,05 0,10 0,20 0,30 Resp. 3a: De acordo com a tabela I, na ausência de homogeneizado (cuvete B antes do minuto 10) a variação de absorbância foi nula donde devemos deduzir que a velocidade de formação de P também o foi. Resp3b: Nos primeiros minutos de ensaio (entre o minuto 0 e o minuto 4) a velocidade de variação de Absorbância na cuvete A era de 0,05/min. Este resultado pode ser obtido usando, por exemplo, o valor tabelado correspondente ao min 2 (Abs_min_2 – Abs_min_zero)/2 min = 0,05 min-1. (Tendo em conta que o gráfico Absorbância versus tempo é uma recta até ao min 4, também se poderia usar o min 4 em vez do min 2 que o resultado seria exactamente o mesmo). Usando a curva de calibração da Fig. 3 pode calcular-se que a 0,05 de Absorbância corresponde uma concentração de 0,25 mM de P. O volume de ensaio era de 1 mL; logo o número de µmoles de P formados por minuto na presença de enzima era de 0,25 (0,001 L x 0,00025 M = 0,00000025 mol). O homogeneizado adicionado ao ensaio correspondia a 2,5 mg de fígado; assim a actividade da enzima era 0,25 µmol min-1 / 2,5 mg = 0,1 UI/mg de fígado. Este texto foi preparado por Rui Fontes que agradece todas as críticas que entendam fazer. Na versão anterior havia um erro na tabela I que foi detectado e já está corrigido (obrigado à Joana Meireles Pinto). Página 3 de 5 ADENDA: Dúvidas pertinentes colocadas por uma aluna (Joana Meireles Pinto) no ano de 2008: 1-As grandezas usadas para exprimir a actividade enzímica são sempre “quantidade de substância formada ou consumida”/unidade de tempo? Não se poderia exprimir em “variação de concentração do reagente ou produto”/unidade de tempo? E no caso da actividade específica; a única unidade para expressar a actividade específica de uma enzima é UI/(mg de fígado, mg de proteína ou ml de soro) ou existem outras unidades? 2-Não se poderiam ter seguido estratégias diferentes das usadas nos exemplos acima, obtendo o mesmo resultado? 3- Não se poderia exprimir a actividade enzímica de outra maneira? Que significa kcat na equação vinicial = k cat [S ] [Etotal ] . Km + [S ] 1-A forma mais comum de definir a actividade enzímica inclui o pressuposto de que é uma grandeza extensiva. Quando se diz que num frasco existe 1 UI (medida de actividade enzímica) da enzima E (que catalisa a conversão S→P) quer-se dizer que se verter todo o conteúdo desse frasco para um meio de ensaio adequado1 a velocidade de reacção será 1 UI (1 µmol de P formado ou 1 µmol de S consumido/min). Obviamente que se tiver dois frascos iguais, terei no conjunto dos dois frascos, 2 UI de enzima e se verter o conteúdo dos dois fracos para um outro meio de ensaio semelhante ao primeiro a velocidade de reacção será de 2 µmol min-1. No entanto, às vezes exprime-se a velocidade de uma reacção enzímica, não como uma grandeza extensiva, mas sim como uma grandeza intensiva: como a variação da concentração do produto (ou do substrato) / unidade de tempo. Neste caso, as unidades da velocidade de reacção não poderiam ser µmol min-1 mas, eventualmente, mM min-1, por exemplo. É obvio que é fácil converter grandezas intensivas em extensivas: basta multiplicar pelo volume do meio de ensaio. As enzimas têm origem em amostras de material biológico (fígado, músculo, soro ou plasma sanguíneo, etc) e quando se fala de actividade específica estamos a referir-nos à “concentração” de enzima nesse material biológico. Ou seja, a actividade específica, é uma grandeza intensiva em que o numerador é uma medida da actividade enzímica e o denominador uma quantidade que, de alguma forma, expressa a quantidade de preparação enzímica adicionada ao meio de ensaio. No caso do soro e plasma sanguíneos o mais frequente é exprimir o resultado em “velocidade de reacção como uma grandeza extensiva” / volume de soro o que se aproxima bastante de uma unidade de concentração no sentido mais vulgar do termo. Se, em vez de soro, usarmos como fonte de enzima fígado (ou homogeneizado hepático) e dissermos que a actividade específica de E é de 1UI/mg de fígado, estamos a falar da concentração da enzima E no fígado; neste caso usando como base para o cálculo, não o volume, mas a massa de fígado. Pode ficar um pouco confuso quando usamos como base a massa de proteínas. Se dissermos que a actividade no fígado é de 1UI/mg de proteína o que estamos a dizer é que a adição ao meio de ensaio de uma quantidade de homogeneizado hepático que contém 1 mg de proteína provocará uma velocidade de reacção que é 1 µmol min-1 (UI), ou seja, que 1 mg de proteína hepática contém 1UI de enzima E. 2- Nos exemplos dos problemas apresentados segui sempre a mesma estratégia. Depois de calcular a velocidade no tubo de ensaio, não em termos de variação de concentração, mas sim em termos de quantidade (grandeza extensiva) de produto formado (ou substrato consumido) dividi o valor obtido por uma grandeza 1 Há vários meios e várias condições diferentes para ensaiar uma enzima e todas se podem, eventualmente, revelar adequadas para medir a actividade de uma enzima. No entanto nem todas vão dar a mesma velocidade de reacção. Por isso quando se escreve o rótulo do frasco que contém a enzima e se diz que há X UI de enzima E nesse frasco, há que especificar as condições (substrato utilizado, sua concentração, tampão, sua concentração, pH, temperatura, etc) em que o ensaio foi realizado. Página 4 de 5 também extensiva (volume de soro, mg de tecido, mg de proteínas) que de alguma forma expressa a quantidade de preparação enzímica adicionada ao meio de ensaio. Como a velocidade (grandeza extensiva; moles/min por exemplo) é uma medida da quantidade de enzima adicionada (também grandeza extensiva) ao dividir a velocidade por uma medida que expressa a quantidade (também grandeza extensiva) de amostra que se adicionou ao ensaio obtém-se algo que poderá ser entendido como uma medida da "concentração" de enzima na amostra biológica adicionada. No entanto poder-se-iam usar outras estratégias para chegar ao mesmo resultado. Usando o exemplo do problema 2a. Se se disser que a velocidade de reacção era 1 mM/min ou seja 1 mmol L-1 min-1 (grandeza intensiva) e que a concentração de soro no meio de ensaio era 1 µL/mL (1 mL L-1; também uma grandeza intensiva) e se calcular 1 mmol L-1 min-1/1 mL L-1 obtém 1 mmol min-1 /mL de soro que é igual a 1 µmol min-1 /µL de soro ou 1UI/µL de soro. 3- Existem, de facto, outras formas de expressar a actividade enzímica que, embora aparentemente mais simples, raramente são possíveis. Imagine que se sabe a concentração de enzima no meio de ensaio e que esta se pode exprimir em termos de molaridade (M; mol/L; grandeza intensiva; por exemplo 1 nM = 0,000000001 M). Isto só muito raramente é possível mas admitamos que sim. Agora admitamos que se calcula a actividade enzímica no meio de ensaio como a variação de concentração de produto (grandeza intensiva) por unidade de tempo; usando o problema 2a daria 1 mM/min = 0,001 M min-1. Se dividir a velocidade de reacção pela concentração de enzima, obteria a actividade enzímica expressa em min-1. No nosso exemplo ao dividir 0,001 M min-1 (medida da velocidade como uma grandeza intensiva) por 0,000000001 M (medida da concentração de enzima; também grandeza intensiva) o resultado seria 1000000 min-1. Este valor tem um nome chama-se turnover number ou kcat e significa o número de moléculas de produto produzidas (ou de moléculas de substrato consumidas) por uma molécula de enzima num min. (Também pode dividir 1000000 min-1 por 60 e o resultado virá em segundo-1). Como já referido, o termo actividade específica é usado para nos referirmos à concentração de uma enzima (expressa em actividade) numa preparação biológica. Neste caso, se eu souber o valor do kcat da enzima E (por exemplo 106 min-1) e souber também que o soro tem 1 pmol (10-12 mole = 10-6 µmol) de enzima E por µL, a actividade específica de E será de 1 UI/µL de soro (106 min-1 X 10-6 µmol / 1 µL = 1 µmol/min /µL). Os cálculos acima foram feitos usando a fórmula vinicial = k cat [S ] [Etotal ] expressando, quer vinicial quer a Km + [S ] concentração de enzima no meio de ensaio ( [Etotal ] ), como grandezas intensivas e admitindo concentração saturante de substrato (valor de concentração em que [S]>>Km e em que [S]/(Km + [S]) ≈ 1). Podíamos chegar ao mesmo resultado usando a fórmula vinicial = kcat [S ] Etotal ; se soubéssemos o volume do meio de Km + [S ] ensaio podíamos exprimir vinicial e Etotal como grandezas extensivas. Página 5 de 5