Relato de Caso Tireoide ectópica submentoniana sem glândula em topografia normal Ectopic submentonian thyroid without normally located gland Resumo Introdução: A presença de tecido tireóideo ectópico é uma entidade rara. Na maioria dos casos relatados, o tecido ectópico está localizado no trajeto do ducto tireoglosso, na linha média do pescoço. A localização mais comum de tireoide ectópica é a região lingual, sendo a localização submentoniana uma apresentação rara. Casos com tecido tireóideo ectópico sem tireoide em topografia normal são muito incomuns. Objetivo: Apresentar um caso de tireoide ectópica submentoniana sem tireoide em topografia normal. O tratamento escolhido foi a sua ressecção cirúrgica completa. Relatório: Paciente, sexo feminino, 45 anos, apresentou uma massa submentoniana indolor e móvel com 5 cm em seu maior diâmetro. A ultrassonografia cervical, a punção aspirativa por agulha fina, o exame cintilográfico e a tomografia computadorizada sugeriram que a massa era compatível com tireoide ectópica, e a paciente foi submetida a uma tireoidectomia total. O exame histopatológico revelou um bócio coloide. Linfonodos submentonianos não se apresentavam acometidos. Hormônio tireóideo exógeno está sendo administrado, e a paciente está clinicamente estável depois de nove meses de seguimento. Conclusão: A apresentação submentoniana de tireoide ectópica corresponde à minoria dos casos desta rara enfermidade. Foi relatado um caso de uma mulher de 45 anos que apresentou um tecido tireóideo ectópico ao nível do osso hioide e foi submetida a uma tireoidectomia total. Descritores: Glândula Tireóide; Diagnóstico Clínico; Bócio Nodular; Condições Patológicas Anatômicas; Relatos de Casos. INTRODUÇÃO A presença de tecido tireóideo ectópico é uma desordem embriológica rara, com uma incidência aproximada de 1 caso para cada 300.000 nascimentos1. Na maioria dos casos relatados, o tecido ectópico está localizado no trajeto do ducto tireoglosso2, sendo as apresentações mais comuns ao longo da linha média, desde a base da língua até o mediastino3. Dentre as diversas localizações que o tecido ectópico pode se Francisco de Assis Castro Bomfim Junior 1 Walber de Oliveira Mendes 2 Yuri Pinto Nunes 2 Abstract Introduction: Ectopic thyroid tissue is a rare entity. In most reported cases, the ectopic tissue is located in the route of the thyroglossal duct, in the midline of the neck. Most common site for an ectopic thyroid is lingual region, being the submental location a rare presentation. Cases with ectopic thyroid tissue without normally located thyroid are very unusual. Objective: To present a case of submental ectopic thyroid without orthotropic thyroid gland. The chosen treatment was the complete surgical resection. Report: The patient was a 45-year-old woman who presented with a painless and mobile submental mass with 5 cm in its greatest diameter. The cervical ultrasonography, the fine needle aspiration cytology, the scintigraphy and the computed tomography suggested that the mass was compatible with ectopic thyroid gland and the patient underwent a total thyroidectomy. Histopathological examination revealed a nodular goiter. Submental lymph nodes were not involved. Exogenous thyroid hormone is being administered and the patient is clinically stable after nine months of follow-up. Conclusion: The submental presentation of ectopic thyroid corresponds to the minority of cases of this rare entity. It was reported a case of a 45-year-old woman who presented a ectopic thyroid tissue at the level of the hyoid bone and underwent a total thyroidectomy. Key words: Thyroid Gland; Clinical Diagnosis; Goiter, Nodular; Pathological Conditions, Anatomical; Case Reports. apresentar, a mais comum é a apresentação lingual4. A presença de tireoide ectópica submentoniana em região sublingual é rara, respondendo por menos de 10% de todos os casos de tecido tireóideo ectópico2,5. Casos apresentando tireoide ectópica com ausência total de tecido tireóideo tópico são bastante incomuns1, 4. Neste artigo, será relatado um caso de uma paciente de 45 anos apresentando tireoide ectópica em região submentoniana sem a presença de tecido tireóideo em sua topografia habitual e que foi submetida à tireoidectomia total. 1)Cirurgião de Cabeça e Pescoço. Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza, Fortaleza, Ceará, Brasil. 2)Acadêmico de Medicina. Membro da Liga de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UFC, Fortaleza/CE. Instituição: Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza. Fortaleza / CE – Brasil. Correspondência: Walber de Oliveira Mendes - Rua Barão do Rio Branco, 20 – Centro - CEP: 60025-060 – Fortaleza / CE – Brasil - E-mail: [email protected] Artigo recebido em 18/03/2013; aceito para publicação em 31/10/2014; publicado online em 15/04/2015. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há 172 e��������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.43, nº 4, p. 172-175, Outubro / Novembro / Dezembro 2014 Tireoide ectópica submentoniana sem glândula em topografia normal. Bomfim Junior et al. RELATO DE CASO Paciente de 45 anos, sexo feminino, natural e procedente de Fortaleza, Ceará. Procurou atendimento médico em julho de 2012 apresentando massa palpável em região submentoniana de evolução lenta, consistência fibroelástica, indolor, móvel à deglutição, predominante à esquerda e que media aproximadamente cinco centímetros em seu maior eixo. A superfície da massa apresentava um nódulo palpável, esférico, de aproximadamente dois centímetros. A ultrassonografia (US) cervical (Figura 1) revelou formação sólida heterogênea de 45 x 28 mm, com hipervascularização, sugestiva de tireoide ectópica. Solicitou-se, então, punção aspirativa por agulha fina (PAAF), que evidenciou tecido tireóideo ectópico, com citologia sugestiva de bócio adenomatoso. Não havia células neoplásicas na amostra coletada. A cintilografia qualitativa da tireoide com Tc-99 pertectenato (Figura 2) mostrou área de hipercaptação focal anômala em projeção de região submentoniana, além de ausência de captação na loja tireóidea. A tomografia computadorizada helicoidal do pescoço (Figura 3) evidenciou formação expansiva, sugestiva de tireoide ectópica sublingual. Na ultrassonografia, na cintilografia e na tomografia não foi visualizada glândula tireoide em sua topografia habitual. Em uma evolução de cinco meses, durante a qual a paciente esteve em uso diário de 50 mcg de Puran T4®, observou-se decréscimo progressivo do TSH sérico e aumento progressivo do T4 livre sérico (Tabela 1). O nível de Anti-TPO manteve-se <10 UI/mL, e o de Antitireoglobulina <20 UI/ mL. A tireoglobulina aferida em outubro obteve concentração de 438,0 ng/mL. Todos os exames expostos foram realizados com método de quimioluminescência. Dado que a condição clínica da paciente era satisfatória e as condições financeiras eram condizentes com a manutenção da terapia de reposição, a opção pela tireoidectomia total surgiu essencialmente frente ao desejo da paciente pela cirurgia, ao comprometimento estético e à possibilidade de transformação maligna e de crescimento da lesão, que poderia gerar sintomas compressivos. Durante a cirurgia (Figura 4), que ocorreu no inicio de dezembro, notou-se que a localização da tireoide ectópica mantinha íntima relação com osso hioide, situando-se ao nível deste. Logo, necessitou-se retirar a porção central, como em uma cirurgia de Sistrunk, para tornar possível a tireoidectomia. Não foi feito esvaziamento cervical. Não houve intercorrências, e a paciente recebeu alta hospitalar no dia seguinte. O exame histopatológico evidenciou bócio coloide, e os linfonodos submentonianos não se apresentavam acometidos. A paciente iniciou uso de Puran T4® na dose diária de 100mcg, encontrando-se estável clinicamente nove meses após a cirurgia. Figura 1. Ultrassonografia cervical evidenciando formação sólida (palpável) composta de dois nódulos: um hiperecóico, homogêneo, esférico, com margens definidas e contornos regulares, medindo 10 x 11 mm (à esquerda) e outro isoecóico, medindo 21 x 26 mm, com grande área de degeneração cística central (à direita). Figura 2. Cintilografia tireóidea. Visões panorâmicas (A e B) e laterais esquerdas (C e D). Tabela 1. Avaliação laboratorial dos hormônios tireóideos. TSH T4 Livre 12/julho 6,460 0,630 31/outubro27/novembro 6,053 0,830 3,220 1,140 Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.43, nº 4, p. 172-175, Outubro / Novembro / Dezembro 2014 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 173 Tireoide ectópica submentoniana sem glândula em topografia normal. Bomfim Junior et al. Figura 3. Tomografia computadorizada do pescoço evidenciando formação expansiva sólido-cística no espaço sublingual anterior medindo 4,3 cm no maior eixo. A lesão exibe na fase sem contraste (A) densidade elevada do seu componente sólido, o qual realça intensamente após a injeção de contraste (B). Observam-se ainda as paredes espessadas do componente cístico. Figura 4. Cirurgia. Exposição da tireoide ectópica (A). Retirada da peça cirúrgica (B). Região sublingual após retirada do tecido tireóideo ectópico e realização de hemostasia (C). Peça cirúrgica (D). DISCUSSÃO A glândula tireoide é originada de um divertículo localizado em posição mediana na parede ventral da faringe primitiva. O tecido tireóideo derivado desse divertículo penetra profundamente no tecido mesenquimal subjacente e desce por alongamento anteriormente ao osso hioide e às cartilagens laríngeas até a região inferior do pescoço. O caminho formado pela retração do divertículo forma o ducto tireoglosso e este irá originar em sua porção proximal o forame cego e, em sua porção distal, poderá originar o lobo piramidal da tireoide6. A tireoide ectópica pode ser encontrada em qualquer posição do trajeto supracitado e até mesmo em órgãos subdiafragmáticos7. É geralmente cervical mediana (90%), e sua malignização é rara4. Porém, é importante avaliar todos os pacientes com tecidos tireóideos ectópicos1. A localização lingual corresponde a 90% dos casos2, 5, 7. Consequentemente, todas as outras localizações, incluindo a sublingual, correspondem a apenas 10% dos casos. A tireoide sublingual pode ser supra-hioidea, infra-hioidea ou estar ao nível do osso hioide8, como no caso relatado. Assim como no presente estudo, a apresentação sublingual geralmente caracteriza-se por paciente predominantemente do sexo feminino, assintomática, com massa cervical anterior, indolor, móvel, de consistência macia, com crescimento progressivo, podendo se mover com a deglutição8. Estima-se que a frequência de tecido tireóideo ectópico associado à glândula na sua topografia habitual se aproxime da frequência do tecido sem glândula tópica. Logo, a cintilografia com Tc-99 pertectenato é um exame essencial e deve ser feito antes do ato cirúrgico7, evitando, quando possível, a ressecção total do único tecido produtor de hormônios tireóideos, o que obrigaria o paciente a fazer reposição hormonal pelo resto da vida. Pode-se utilizar a ultrassonografia cervical, tomografia computadorizada e ressonância magnética para melhor avaliar a extensão e a localização da tireoide ectópica. A PAAF também pode confirmar o diagnóstico e é o único exame pré-operatório que pode diferenciar uma lesão benigna de maligna7. No caso relatado, a ultrassom cervical, a cintilografia e a tomografia computadorizada confirmaram a suspeita de tireoide ectópica e a ausência de tecido tireóideo em sua topografia habitual. A PAAF foi negativa para células neoplásicas (Bethesda II), sendo o resultado enganoso em apenas 2,3% dos casos, segundo estudo de Bohacek et al9 que analisaram 1000 punções aspirativas por agulha fina realizadas por cirurgiões e analisadas utilizando-se o critério de Bethesda. A experiência clínica permite-nos citar como diagnósticos diferenciais para a apresentação clínica acima exposta as seguintes afecções: cisto do ducto tireoglosso, cisto dermóide, linfadenopatia, lipoma, linfangioma, higroma cístico, além de neoplasias. A associação da clínica com os exames complementares contribuíram para o diagnóstico de tireoide ectópica no caso exposto. A posição desfavorável pode comprometer o suprimento sanguíneo, o que pode ser uma explicação para o hipotireoidismo clínico que ocorre em aproxima­ damente um terço dos pacientes com tireoide ectópica. O hipotireoidismo pode ser evidenciado em períodos de intensa demanda fisiológica como infecções, puberdade, 174 e��������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.43, nº 4, p. 172-175, Outubro / Novembro / Dezembro 2014 Tireoide ectópica submentoniana sem glândula em topografia normal. trauma e gravidez8. Vale ressaltar que a paciente não apresentou, no curso da investigação, causas clinicamente detectáveis de aumento de demanda tireóidea. As dosagens de T4 livre e TSH mostram hipotireoidismo na maioria dos pacientes, sendo o restante geralmente eutireoideo10. A evolução das dosagens hormonais da paciente (Tabela 1) mostrou o controle do hipotireoidismo subclínico, que foi obtido com o uso de hormônio exógeno. Não há consenso sobre a melhor estratégia terapêutica, dada a raridade da afecção7. O tratamento resume-se a observação nos pacientes assintomáticos e à tireoidectomia em pacientes com sintomas obstrutivos, sangramento, degeneração cística e malignidade. Alguns recomendam tireoidectomia total pela possibilidade de transformação maligna da lesão11. Pacientes com hipotireoidismo podem ser tratados clinicamente com reposição exógena de hormônio tireóideo, suprimindo os níveis de TSH e reduzindo o tamanho da glândula. Tal tratamento não tem uma boa taxa de sucesso12. No caso relatado, o tratamento hormonal teve sucesso apenas no âmbito laboratorial, uma vez que não foi obtida redução da glândula. Em pacientes sem condições clínicas para serem submetidos à cirurgia, naqueles que recusam tratamento cirúrgico ou naqueles em que as dificuldades anatômicas contraindicam procedimento cirúrgico, pode-se considerar tratamento com iodo 131 radioativo. Porém, a redução do tecido tireóideo não é consistente12. A cirurgia nesta localização apresenta risco de complicação teórico menor do que a cirurgia em uma tireoide tópica, pelo menos no que se refere à ausência de proximidade com estruturas como o nervo laríngeo recorrente e como as paratireoides. A transformação maligna de uma tireoide ectópica é rara e é geralmente diagnosticada após excisão cirúrgica da lesão, através do exame histopatológico (4). No caso exposto, o exame histopatológico revelou bócio coloide, e o linfonodo submentoniano retirado durante a cirurgia estava livre de neoplasia. CONCLUSÃO Bomfim Junior et al. Relatamos no presente trabalho o caso de uma paciente de 45 anos que apresentou tireoide localizada ao nível do osso hioide e que foi submetida à tireoidectomia total. O profissional deve ter em mente a possibilidade de que uma massa em região submentoniana pode tratar-se de uma tireoide ectópica, e que esta pode, ainda que raramente, apresentar malignização. REFERÊNCIAS 1. Sevinc AI, Unek T, Canda AE, Guray M, Kocdor MA, Saydam S, Harmancioglu O. Papillary carcinoma arising in subhyoid ectopic thyroid gland with no orthotopic thyroid tissue. American journal of surgery. 2010;200(1):e17-8. 2. Kumar Choudhury B, Kaimal Saikia U, Sarma D, Saikia M, Dutta Choudhury S, Barua S, Dewri S. Dual ectopic thyroid with normally located thyroid: a case report. Journal of thyroid research. 2011;2011:159703. 3. Babazade F, Mortazavi H, Jalalian H, Shahvali E. Thyroid tissue as a submandibular mass: a case report. Journal of oral science. 2009;51(4):655-7. 4. 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