Artigo 04

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Relato de Caso
Tireoide ectópica submentoniana sem
glândula em topografia normal
Ectopic submentonian thyroid without normally
located gland
Resumo
Introdução: A presença de tecido tireóideo ectópico é uma
entidade rara. Na maioria dos casos relatados, o tecido ectópico
está localizado no trajeto do ducto tireoglosso, na linha média do
pescoço. A localização mais comum de tireoide ectópica é a região
lingual, sendo a localização submentoniana uma apresentação
rara. Casos com tecido tireóideo ectópico sem tireoide em
topografia normal são muito incomuns. Objetivo: Apresentar
um caso de tireoide ectópica submentoniana sem tireoide em
topografia normal. O tratamento escolhido foi a sua ressecção
cirúrgica completa. Relatório: Paciente, sexo feminino, 45 anos,
apresentou uma massa submentoniana indolor e móvel com 5
cm em seu maior diâmetro. A ultrassonografia cervical, a punção
aspirativa por agulha fina, o exame cintilográfico e a tomografia
computadorizada sugeriram que a massa era compatível com
tireoide ectópica, e a paciente foi submetida a uma tireoidectomia
total. O exame histopatológico revelou um bócio coloide.
Linfonodos submentonianos não se apresentavam acometidos.
Hormônio tireóideo exógeno está sendo administrado, e a paciente
está clinicamente estável depois de nove meses de seguimento.
Conclusão: A apresentação submentoniana de tireoide ectópica
corresponde à minoria dos casos desta rara enfermidade. Foi
relatado um caso de uma mulher de 45 anos que apresentou um
tecido tireóideo ectópico ao nível do osso hioide e foi submetida a
uma tireoidectomia total.
Descritores: Glândula Tireóide; Diagnóstico Clínico; Bócio
Nodular; Condições Patológicas Anatômicas; Relatos de Casos.
INTRODUÇÃO
A presença de tecido tireóideo ectópico é uma
desordem embriológica rara, com uma incidência
aproximada de 1 caso para cada 300.000 nascimentos1.
Na maioria dos casos relatados, o tecido ectópico está
localizado no trajeto do ducto tireoglosso2, sendo as
apresentações mais comuns ao longo da linha média,
desde a base da língua até o mediastino3. Dentre as
diversas localizações que o tecido ectópico pode se
Francisco de Assis Castro Bomfim Junior 1
Walber de Oliveira Mendes 2
Yuri Pinto Nunes 2
Abstract
Introduction: Ectopic thyroid tissue is a rare entity. In most
reported cases, the ectopic tissue is located in the route of the
thyroglossal duct, in the midline of the neck. Most common site for
an ectopic thyroid is lingual region, being the submental location
a rare presentation. Cases with ectopic thyroid tissue without
normally located thyroid are very unusual. Objective: To present
a case of submental ectopic thyroid without orthotropic thyroid
gland. The chosen treatment was the complete surgical resection.
Report: The patient was a 45-year-old woman who presented with
a painless and mobile submental mass with 5 cm in its greatest
diameter. The cervical ultrasonography, the fine needle aspiration
cytology, the scintigraphy and the computed tomography
suggested that the mass was compatible with ectopic thyroid gland
and the patient underwent a total thyroidectomy. Histopathological
examination revealed a nodular goiter. Submental lymph
nodes were not involved. Exogenous thyroid hormone is being
administered and the patient is clinically stable after nine months
of follow-up. Conclusion: The submental presentation of ectopic
thyroid corresponds to the minority of cases of this rare entity. It
was reported a case of a 45-year-old woman who presented a
ectopic thyroid tissue at the level of the hyoid bone and underwent
a total thyroidectomy.
Key words: Thyroid Gland; Clinical Diagnosis; Goiter, Nodular;
Pathological Conditions, Anatomical; Case Reports.
apresentar, a mais comum é a apresentação lingual4. A
presença de tireoide ectópica submentoniana em região
sublingual é rara, respondendo por menos de 10% de
todos os casos de tecido tireóideo ectópico2,5. Casos
apresentando tireoide ectópica com ausência total de
tecido tireóideo tópico são bastante incomuns1, 4. Neste
artigo, será relatado um caso de uma paciente de 45 anos
apresentando tireoide ectópica em região submentoniana
sem a presença de tecido tireóideo em sua topografia
habitual e que foi submetida à tireoidectomia total.
1)Cirurgião de Cabeça e Pescoço. Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza, Fortaleza, Ceará, Brasil.
2)Acadêmico de Medicina. Membro da Liga de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UFC, Fortaleza/CE.
Instituição: Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza.
Fortaleza / CE – Brasil.
Correspondência: Walber de Oliveira Mendes - Rua Barão do Rio Branco, 20 – Centro - CEP: 60025-060 – Fortaleza / CE – Brasil - E-mail: [email protected]
Artigo recebido em 18/03/2013; aceito para publicação em 31/10/2014; publicado online em 15/04/2015.
Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há
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Tireoide ectópica submentoniana sem glândula em topografia normal.
Bomfim Junior et al.
RELATO DE CASO
Paciente de 45 anos, sexo feminino, natural e
procedente de Fortaleza, Ceará. Procurou atendimento
médico em julho de 2012 apresentando massa
palpável em região submentoniana de evolução lenta,
consistência fibroelástica, indolor, móvel à deglutição,
predominante à esquerda e que media aproximadamente
cinco centímetros em seu maior eixo. A superfície da
massa apresentava um nódulo palpável, esférico, de
aproximadamente dois centímetros.
A ultrassonografia (US) cervical (Figura 1) revelou
formação sólida heterogênea de 45 x 28 mm, com
hipervascularização, sugestiva de tireoide ectópica.
Solicitou-se, então, punção aspirativa por agulha fina
(PAAF), que evidenciou tecido tireóideo ectópico, com
citologia sugestiva de bócio adenomatoso. Não havia
células neoplásicas na amostra coletada. A cintilografia
qualitativa da tireoide com Tc-99 pertectenato (Figura
2) mostrou área de hipercaptação focal anômala
em projeção de região submentoniana, além de
ausência de captação na loja tireóidea. A tomografia
computadorizada helicoidal do pescoço (Figura 3)
evidenciou formação expansiva, sugestiva de tireoide
ectópica sublingual. Na ultrassonografia, na cintilografia
e na tomografia não foi visualizada glândula tireoide em
sua topografia habitual.
Em uma evolução de cinco meses, durante a qual a
paciente esteve em uso diário de 50 mcg de Puran T4®,
observou-se decréscimo progressivo do TSH sérico e
aumento progressivo do T4 livre sérico (Tabela 1). O
nível de Anti-TPO manteve-se <10 UI/mL, e o de Antitireoglobulina <20 UI/ mL. A tireoglobulina aferida em
outubro obteve concentração de 438,0 ng/mL. Todos
os exames expostos foram realizados com método de
quimioluminescência.
Dado que a condição clínica da paciente era
satisfatória e as condições financeiras eram condizentes
com a manutenção da terapia de reposição, a opção
pela tireoidectomia total surgiu essencialmente frente ao
desejo da paciente pela cirurgia, ao comprometimento
estético e à possibilidade de transformação maligna e
de crescimento da lesão, que poderia gerar sintomas
compressivos.
Durante a cirurgia (Figura 4), que ocorreu no inicio
de dezembro, notou-se que a localização da tireoide
ectópica mantinha íntima relação com osso hioide,
situando-se ao nível deste. Logo, necessitou-se retirar
a porção central, como em uma cirurgia de Sistrunk,
para tornar possível a tireoidectomia. Não foi feito
esvaziamento cervical. Não houve intercorrências,
e a paciente recebeu alta hospitalar no dia seguinte.
O exame histopatológico evidenciou bócio coloide, e
os linfonodos submentonianos não se apresentavam
acometidos. A paciente iniciou uso de Puran T4® na dose
diária de 100mcg, encontrando-se estável clinicamente
nove meses após a cirurgia.
Figura 1. Ultrassonografia cervical evidenciando formação sólida
(palpável) composta de dois nódulos: um hiperecóico, homogêneo,
esférico, com margens definidas e contornos regulares, medindo 10
x 11 mm (à esquerda) e outro isoecóico, medindo 21 x 26 mm, com
grande área de degeneração cística central (à direita).
Figura 2. Cintilografia tireóidea. Visões panorâmicas (A e B) e laterais
esquerdas (C e D).
Tabela 1. Avaliação laboratorial dos hormônios tireóideos.
TSH
T4 Livre
12/julho
6,460
0,630
31/outubro27/novembro
6,053
0,830
3,220
1,140
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Tireoide ectópica submentoniana sem glândula em topografia normal.
Bomfim Junior et al.
Figura 3. Tomografia computadorizada do pescoço evidenciando
formação expansiva sólido-cística no espaço sublingual anterior
medindo 4,3 cm no maior eixo. A lesão exibe na fase sem contraste
(A) densidade elevada do seu componente sólido, o qual realça
intensamente após a injeção de contraste (B). Observam-se ainda as
paredes espessadas do componente cístico.
Figura 4. Cirurgia. Exposição da tireoide ectópica (A). Retirada da
peça cirúrgica (B). Região sublingual após retirada do tecido tireóideo
ectópico e realização de hemostasia (C). Peça cirúrgica (D).
DISCUSSÃO
A glândula tireoide é originada de um divertículo
localizado em posição mediana na parede ventral
da faringe primitiva. O tecido tireóideo derivado
desse divertículo penetra profundamente no tecido
mesenquimal subjacente e desce por alongamento
anteriormente ao osso hioide e às cartilagens laríngeas
até a região inferior do pescoço. O caminho formado
pela retração do divertículo forma o ducto tireoglosso e
este irá originar em sua porção proximal o forame cego
e, em sua porção distal, poderá originar o lobo piramidal
da tireoide6.
A tireoide ectópica pode ser encontrada em qualquer
posição do trajeto supracitado e até mesmo em órgãos
subdiafragmáticos7. É geralmente cervical mediana (90%),
e sua malignização é rara4. Porém, é importante avaliar
todos os pacientes com tecidos tireóideos ectópicos1.
A localização lingual corresponde a 90% dos casos2, 5, 7.
Consequentemente, todas as outras localizações, incluindo
a sublingual, correspondem a apenas 10% dos casos. A
tireoide sublingual pode ser supra-hioidea, infra-hioidea ou
estar ao nível do osso hioide8, como no caso relatado.
Assim como no presente estudo, a apresentação
sublingual geralmente caracteriza-se por paciente
predominantemente do sexo feminino, assintomática,
com massa cervical anterior, indolor, móvel, de
consistência macia, com crescimento progressivo,
podendo se mover com a deglutição8.
Estima-se que a frequência de tecido tireóideo
ectópico associado à glândula na sua topografia habitual
se aproxime da frequência do tecido sem glândula
tópica. Logo, a cintilografia com Tc-99 pertectenato
é um exame essencial e deve ser feito antes do ato
cirúrgico7, evitando, quando possível, a ressecção total
do único tecido produtor de hormônios tireóideos, o que
obrigaria o paciente a fazer reposição hormonal pelo
resto da vida.
Pode-se utilizar a ultrassonografia cervical, tomografia
computadorizada e ressonância magnética para melhor
avaliar a extensão e a localização da tireoide ectópica. A
PAAF também pode confirmar o diagnóstico e é o único
exame pré-operatório que pode diferenciar uma lesão
benigna de maligna7. No caso relatado, a ultrassom
cervical, a cintilografia e a tomografia computadorizada
confirmaram a suspeita de tireoide ectópica e a ausência
de tecido tireóideo em sua topografia habitual. A PAAF foi
negativa para células neoplásicas (Bethesda II), sendo o
resultado enganoso em apenas 2,3% dos casos, segundo
estudo de Bohacek et al9 que analisaram 1000 punções
aspirativas por agulha fina realizadas por cirurgiões e
analisadas utilizando-se o critério de Bethesda.
A experiência clínica permite-nos citar como
diagnósticos diferenciais para a apresentação clínica
acima exposta as seguintes afecções: cisto do ducto
tireoglosso, cisto dermóide, linfadenopatia, lipoma,
linfangioma, higroma cístico, além de neoplasias. A
associação da clínica com os exames complementares
contribuíram para o diagnóstico de tireoide ectópica no
caso exposto.
A posição desfavorável pode comprometer o
suprimento sanguíneo, o que pode ser uma explicação
para o hipotireoidismo clínico que ocorre em aproxima­
damente um terço dos pacientes com tireoide ectópica.
O hipotireoidismo pode ser evidenciado em períodos de
intensa demanda fisiológica como infecções, puberdade,
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Tireoide ectópica submentoniana sem glândula em topografia normal.
trauma e gravidez8. Vale ressaltar que a paciente não
apresentou, no curso da investigação, causas clinicamente
detectáveis de aumento de demanda tireóidea.
As dosagens de T4 livre e TSH mostram
hipotireoidismo na maioria dos pacientes, sendo o
restante geralmente eutireoideo10. A evolução das
dosagens hormonais da paciente (Tabela 1) mostrou
o controle do hipotireoidismo subclínico, que foi obtido
com o uso de hormônio exógeno.
Não há consenso sobre a melhor estratégia
terapêutica, dada a raridade da afecção7. O tratamento
resume-se a observação nos pacientes assintomáticos e
à tireoidectomia em pacientes com sintomas obstrutivos,
sangramento, degeneração cística e malignidade. Alguns
recomendam tireoidectomia total pela possibilidade
de transformação maligna da lesão11. Pacientes com
hipotireoidismo podem ser tratados clinicamente com
reposição exógena de hormônio tireóideo, suprimindo os
níveis de TSH e reduzindo o tamanho da glândula. Tal
tratamento não tem uma boa taxa de sucesso12. No caso
relatado, o tratamento hormonal teve sucesso apenas no
âmbito laboratorial, uma vez que não foi obtida redução
da glândula.
Em pacientes sem condições clínicas para serem
submetidos à cirurgia, naqueles que recusam tratamento
cirúrgico ou naqueles em que as dificuldades anatômicas
contraindicam
procedimento
cirúrgico,
pode-se
considerar tratamento com iodo 131 radioativo. Porém, a
redução do tecido tireóideo não é consistente12.
A cirurgia nesta localização apresenta risco de
complicação teórico menor do que a cirurgia em uma
tireoide tópica, pelo menos no que se refere à ausência
de proximidade com estruturas como o nervo laríngeo
recorrente e como as paratireoides.
A transformação maligna de uma tireoide ectópica é
rara e é geralmente diagnosticada após excisão cirúrgica
da lesão, através do exame histopatológico (4). No caso
exposto, o exame histopatológico revelou bócio coloide,
e o linfonodo submentoniano retirado durante a cirurgia
estava livre de neoplasia.
CONCLUSÃO
Bomfim Junior et al.
Relatamos no presente trabalho o caso de uma paciente
de 45 anos que apresentou tireoide localizada ao nível
do osso hioide e que foi submetida à tireoidectomia total.
O profissional deve ter em mente a possibilidade de que
uma massa em região submentoniana pode tratar-se
de uma tireoide ectópica, e que esta pode, ainda que
raramente, apresentar malignização.
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A tireoide ectópica situada em região sublingual
corresponde à minoria dos casos desta rara enfermidade.
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