Senhor Senador A PEC 241 (agora, no Senado, PEC 55) é um

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Senhor Senador
A PEC 241 (agora, no Senado, PEC 55) é um ajuste apenas sobre os mais pobres, o que
é inconcebível. Tenho a esperança de que V. Excia. leia atentamente meus argumentos
que a) não esgotam as razões pelas quais peço vosso voto contrário à PEC 55; b)
abrangem outras medidas já anunciadas pelo Governo Temer. Incluí, como nota de
rodapéi trecho da PEC 55 (conforme Parecer do Senador Eunício Oliveira à Comissão
de Constituição, Justiça e Cidadania) para dirimir qualquer dúvida sobre o
congelamento também das despesas com saúde e educação. Estas serão congeladas,
sim, e servem como exemplos que evidenciam a regressividade da PEC 55, pois
atua somente contra os mais pobres.
Argumento 1
A PEC 241(55) propõe despesas sem aumento real por vinte anos. A referida PEC
decorre do projeto Temer/PMDB apresentado à Nação em outubro de 2015 como
“Ponte para o futuro”. A proposta do projeto e da PEC é a chave do Governo Temer
para alterar radicalmente as políticas públicas, minimizando a ação do Estado e
entregando as decisões econômicas e sociais ao arbítrio do Setor Privado/Mercado. O
Vice-Presidente Temer foi eleito, juntamente com a Presidente Dilma, por 54 milhões
de votos, sob um outro projeto muito diferente apresentado à Nação, um projeto que
mantinha a concepção de inclusão social. Não tem, assim, o Presidente em exercício,
autoridade moral para completa inversão de valores relativos ao desenvolvimento
econômico e social. Ainda mais que perdurará, caso a PEC 241(55) seja aprovada, por
muitas décadas dado que, ao cabo dos 20 anos propalados, o Estado terá sido
desmontado, como veremos a seguir. A PEC 241(55) é apresentada como sendo a única
solução para a salvação nacional. Não é a única alternativa e nem se trata de salvação
nacional. O ajuste, qualquer que seja, deve ser feito sobre os mais ricos, não atingidos
nem minimamente pela PEC 241(55). Compete ao Congresso Nacional impedir que
tamanho esbulho aos mais pobres se concretize. A Câmara dos Deputados já perdeu a
oportunidade de impedi-lo, o Senado ainda não.
Comprovo agora o que acabei de dizer. Se o Brasil crescer 2,5% ao ano, taxa média
histórica e assumida pelo projeto “Ponte para o futuro”, o PIB passará de 100 hoje para
164 em 2036. As despesas totais atuais de 35% PIB, congeladas em termos reais
(objetivo central da PEC), cairão para 21% (35 de 164). Descontando os gastos com
juros em 2015, 9% PIB, tem-se que as despesas primárias (todas as despesas
governamentais menos as com juros), cairão de 26% PIB (35 menos 9) para 12% PIB
(21 menos 9). Desconsiderar o aumento do PIB como proposto pela PEC é
inadmissível, pois é com ele que se torna possível reduzir as desigualdades sociais.
Outro dado que mostra a gravidade dos efeitos da PEC é o calculado pelo Prof. Daniel
Vazquezii: se em vigor de 2003 a 2015, a PEC teria sugado os gastos sociais em R$ 3,2
trilhões (moeda de dezembro de 2015). Ou seja, a PEC propõe brutal redução do Estado
e, portanto, das políticas públicas que hoje beneficiam a imensa maioria de pobres. O
setor privado não assumirá tais políticas por falta de atratividade econômica, uma vez
que aos mais pobres faltam recursos para comprar os bens e serviços objeto de tais
políticas. Esta ideia de maximizar a atuação do Mercado e minimizar a do Estado é
incompatível não só com a desigualdade ainda reinante mas, pior, com seu aumento, a
advir de outras propostas constantes do projeto “Ponte para o futuro”, das quais trato
nos Argumentos 2 a 5. O mercado, sob demanda efetiva concentrada (e a nossa é das
mais concentradas do mundo, com quase a metade da renda nacional nas mãos de 10%
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da população), aloca os recursos sociais de modo a descasar cada vez mais o perfil de
produção de bens e serviços do perfil das necessidades, piorando a situação dos mais
pobres. É em sintonia com este desmonte social que temos assistido a manifestações de
ministros por cortes na Saúde (os assistidos pelo SUS se fingiriam doentes e seriam
perdulários com remédios e exames; a solução estaria em planos de saúde privados mais
baratos para "beneficiar" aos mais pobres), na Educação, no Minha Casa Minha Vida
etc. A desigualdade, e a pobreza dela decorrente, conclamam-nos por mais políticas
públicas, não por menos.
Senador: V. Excia. vai votar pelo congelamento das despesas por vinte anos, ainda
mais tratando-se das primárias, já que a PEC 241(55) protege as despesas com juros,
não as congelando?
Consistente com a PEC 241(55), o Governo Temer tem insistido com propostas que
aumentam a carga do “ajuste”, mas somente sobre os mais pobres. Aproveito para
apresentar também minha análise sobre algumas elas à V. Excia., numerando-as como
Argumentos 2 a 5.
Argumento 2
Idade mínima para a aposentadoria. Alguns dizem que o déficit previdenciário é
elevado e crescente, outros que não. Por isso, o debate não pode ser apressado, mas
organizado, amplo, intenso, transparente, sem pressa. Sobre adotar a idade mínima, não
se pode tomar cegamente os países desenvolvidos como parâmetros. Neles, a
expectativa de vida-EV chega a ser de 85 anos, dez a mais que a brasileira. E sua
desigualdade de EV é menor que no Brasil: aqui há, entre os mais pobres, grupos com
EV médio de 63 anos e, entre os mais ricos, grupos com média de 85 anos. Adotando os
65 anos de idade mínima, como o Governo Temer quer, em média os do grupo mais
pobre morreriam dois anos antes de se aposentarem e os do mais rico 20 anos depois.
Considere-se ainda que, no Brasil, os mais pobres começam a trabalhar muito mais cedo
que os mais ricos, por salários bem menores e grande parte não tem carteira assinada.
Senador: V. Excia. vai votar a favor da idade mínima para a aposentadoria, sem
compensações para os mais pobres?
Argumento 3
Supressão do aumento real da fórmula de reajuste do Salário Mínimo-SM. Conforme
gráfico construído pelo Dieese, o poder de compra do primeiro SM caiu de 100 em
1940 para cerca de 30 em 2000. Estes 70% de perda real se contrapõem de modo
gritante ao aumento real do PIB per capita de 380% no mesmo período (de 100 para
480). Tamanha injustiça começou a ser reparada neste séc. XXI, com o SM real
chegando a 63 em jan/2016 (110% em termos reais sobre os 30 de 2000). Todavia,
mesmo mantendo a fórmula de reajuste da lei atual (inflação do ano anterior mais
aumento do PIB de dois anos atrás), levaremos 62 anos para sair do SM hoje vigente,
R$ 880,00, e chegar ao SM Necessário para cumprir a Constituição (Artigo 7º.-IV) de
R$ 4013,00, calculado pelo Dieese para setembro de 2016. Isto, se o PIB vier a crescer
àquela taxa equivalente de 2,5% ao ano durante os 62 anos. Ou seja, a atual lei de
recuperação do SM é extremamente branda, possibilitando à economia e à sociedade
total adaptação ao crescimento do SM. Ao cabo destes, terão sido 138 anos de incrível
arrocho salarial sobre os trabalhadores. Hoje, se paga aquele ínfimo SM a 47 milhões de
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pessoas, sendo 24 milhões de trabalhadores e 23 milhões de aposentados, pensionistas e
beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC aos com mais de 65 anos ou
deficientes, desde que de famílias com renda per capita de ¼ do SM, ou R$
220,00/mês).
Senador: V. Excia. vai votar a favor da supressão do aumento real do SM?
Argumento 4
Desvincular do SM o aumento dos benefícios da previdência. Aqueles 23 milhões
citados acima são de pessoas velhas, inválidas ou dependentes que, na sua totalidade,
passaram a vida sobrevivendo de SM esquálido.
Senador, V. Excia. vai votar negando-lhes agora, no fim da vida, um aumento gradativo
de seu benefício em direção ao SM constitucional, cuja plenitude certamente nenhum
deles alcançará (lembrar dos 62 anos)?
Argumento 5
É preciso reduzir o Estado, privatizando ao máximo. Esta idéia é a que “fundamenta” a
limitação do reajuste das despesas públicas à variação da inflação, que fará o Estado
cair do equivalente a 35% do PIB para 21%, conforme vimos no item 4. Há empresas
que não podem ser privatizadas por questões estratégicas: de segurança, identidade e
orgulho nacionais (ex., a Petrobrás); de essencialidade pública (ex., saneamento, ao qual
estarão impedidos os pobres se a alocação dos projetos for pelo lucro e não por
objetivos de saúde pública); de freio à ganância do mercado (ex., a CEF, sempre uma
possibilidade para o enfrentamento do avassalador sistema financeiro privado).
Empresas como estas têm sua eficácia medida pelo retorno social e não pelo lucro; e sua
eficiência pode ser garantida por contratos de gestão. As privatizáveis devem ser objeto
de intensa fiscalização, pois os métodos de avaliação econômica e financeira
possibilitam esmagar "legalmente" o preço mínimo de leilãoiii, como foi feito, por
exemplo, com a Vale do Rio Doce: foi vendida por um preço que equivalia ao lucro de
apenas um ano de funcionamento.
Senador, V. Excia. vai votar a favor da proposta de privatização a qualquer custo?
O plano Temer, "Ponte para o futuro", se uma vez aprovado seu primeiro passo, a PEC
241(55), será enfiado goela abaixo também nos estados e municípios "aliados" ao
Presidente Temer. A História registrará este período como o de maior retrocesso e,
talvez, de convulsão social.
Conto com que os senhores Senadores possam desfazer o grande equívoco cometido
pelos senhores Deputados Federais.
Assinado
José Pascoal Vaz, economista, Dr. em História Econômica/USP, professor na
Unisantos - Universidade Católica de Santos
Av. Pres. Wilson, 180/apto. 131 - José Menino - Santos/SP – 11065.201
13 2202 1243 e 13 9 9788 7199
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i
Trecho da PEC 55 sobre o congelamento dos gastos com saúde e educação:
“...A consequência do disposto nesse art. 105 do ADCT, em conjunto com o art. 2º da PEC, que revoga o
art. 2º da Emenda Constitucional (EC) nº 86, de 17 de março de 2015, será a elevação dos gastos mínimos
com saúde de 13,7% da Receita Corrente Líquida para 15% em 2017. Já, de 2018 em diante, o piso de
gastos com saúde corresponderá ao piso do ano anterior, corrigido pelo IPCA, da mesma forma como será
corrigido o total de gastos primários. Em relação à educação, para 2017, o piso de gastos corresponderá
ao atualmente praticado, conforme o disposto no caput do art. 212 da Constituição, ou seja, 18% da
receita de impostos, líquida de transferências. A partir de 2018, o piso [dos gastos com educação] passa a
ser corrigido pela inflação, nos moldes das demais despesas...”
ii
Dr. em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp; Pós-Dr. pela London School of Economics; Prof. e
Coordenador do Curso de Economia na Unifesp/Guarulhos
iii
O cálculo do preço mínimo de leilão pode ser aviltado de diversas maneiras (quando utilizado o
método, bom em si, do Valor Presente do Fluxo de Caixa Líquido Futuro do empreendimento). Entre
outras: 1) subestimando-se o valor projetado dos lucros líquidos futuros da empresa (como, por exemplo,
não considerando reservas minerais no caso da privatização de empresas de mineração, reservas essas que
poderão reverter lucro para a empresa); 2) encurtando-se o prazo para a revenda futura da empresa; 3)
subestimando-se, no final deste prazo, o valor residual da empresa; 4) vinculando ao conjunto de
equipamentos, itens como imóveis, estoques financeiros e de materiais, etc não necessários à
operacionalização da empresa (bens que na verdade devem ser vendidos em separado); 5)
superestimando-se a taxa de juros a ser utilizada como taxa de desconto real a submeter o fluxo líquido da
empresa; 6) não se considerando valores estratégicos para a empresa ou o país
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