11 PERSPECTIVAS CORREIO DO POVO - 24 e 25 de dezembro de 2002 FOTOS AE / CP No Rio, guerra contra o tráfico toma as ruas. Ousadia do crime organizado é ilimitada e inclui atentados a prédios públicos, ameaças à governadora Benedita da Silva e ordem de fechamento do comércio Elias Maluco, reconhecido chefão do tráfico carioca, só foi preso após comandar a execução do jornalista Tim Lopes, que mostrou a crueldade e o poder exercido pelos traficantes – que prendem, julgam e executam & imagens Violência: TRÁFICO IMPÕE SUAS PRÓPRIAS LEIS Está quase tudo dominado. Em 2002, facções criminosas organizadas debutaram nas ruas dos bairros centrais de várias capitais. A apresentação à sociedade foi à sua moda, com intimidação e violência. A temida tríade formada por Comando Vermelho (CV), Primeiro Comando da Capital (PCC) e Terceiro Comando (TC) entabulou as principais ações. O Rio de Janeiro soma ao status da capital do Turismo a pecha de capital nacional do crime organizado. Os grupos, que atuam nas mais variadas formas de criminalidade, sempre se notabilizaram pelas guerras que travaram entre si pelo controle do empreendimento nas periferias dos grandes centros urbanos e em presídios. No asfalto, as demonstrações de força começaram com uma série de ataques a fóruns, delegacias e instituições ligadas à Justiça, especialmente no Rio e em São Paulo. Passaram pela ousadia extrema de executar o jornalista Tim Lopes, da Globo, e desembocaram em toques de recolher. A Polícia vê na ação dos traficantes uma reação ao aumento da repressão – detenção e isolamento dos líderes em unidades de segurança máxima, condição mais dura das prisões, pressão sobre o tráfico de armas e drogas. Mas o fato é que, em 2003, o Estado vai ter que combater o poder do crime. Na avaliação do juiz Walter Fanganiello Maierovitch, várias vezes inspetor da ONU Walter Ma em ações contra o narcotráfico na América Latina e Ásia e tido como uma das maiores autoridades do país na área, a explosão da violência no Brasil é resultado de uma movimentação de mercados no tráfico mundial de drogas, determinada pelos comandos internacionais do crime organizado. “O Brasil tem instituições para combater este crime, mas elas não estão preparadas. A política de segurança pública está falida por uma questão de organização, amadorismo e excesso de corporativismo das instituições que deveriam cuidar do problema.” Maierovitch defende que a origem do problema está na globalização do narcotráfico. “A cocaína está no Brasil, no Japão, nos EUA e Europa. Os traficantes são os precursores da globalização.” Para ele, nenhuma rede criminosa se sustenta sem corrupção de autoridades. “O crime organizado é uma empresa mundial, com altíssimo poder econômico, inclusive para corromper e subverter. De acordo com dados da ONU, o movimento de dinheiro do crime organizado – tráfico de drogas, de armas, de órgãos e utilização e desfrutamento de seres humanos – chega a 1 bilhão de dólares por dia. Se nós pensarmos no Fernandinho Beira Mar, estamos pensando em um mero distribuidor regional”, argumenta. Além do poder do tráfico, aumenta a demanda de drogas no país. O Brasil, até há pouco um país sobretudo de trânsito de droga, passou a ser, nos últimos anos, de alto consumo, argumenta. O especialista cobra uma atitude mais enérgica na investigação do crime organizado. Admite que há uma legislação boa para reprimir a lavagem de dinheiro, mas não é suficiente. “O Sani Abacha, ditador nigeriano, era um narcotraficante e morreu de overdose de heroína durante um bacanal em 1998. Quando ele morreu, o novo governo da Nigéria pediu apoio da ONU e conseguiu bloquear milhões de dólares de Abacha no paraíso fiscal de Jersey. Já o Brasil não consegue sequer informações de Jersey. E por quê? Por erros políticos, de enfoque”, compara. O grande erro, para Maierovitch, é que hoje ainda se continua a falar de uma crimii e r o v i t c h nalidade comum, enquanto as proporções são outras. “A partir do momento em que a criminalidade tem controle de território e controle social, nós temos organizações que não podem mais ser classificadas apenas como quadrilhas e bandos. São organizações que tem que ter uma qualificação legal e um tratamento diferente”, argumenta. No Brasil, aponta, não há legislação qualificando essa diferença. “O problema é de segurança nacional. O governo federal tem, então, de olhar para cada estado e estabelecer a sinergia para trabalhar com base em uma política nacional. Não é questão de recursos”. Para Maierovitch, se não houver revolução nesta área, o Brasil continuará perdendo a guerra para o crime organizado. “O crime organizado é uma empresa mundial, com altíssimo poder para corromper.” Traficantes mostram que nem a prisão impede o crime. Dentro do presídio de segurança máxima de Bangu 1, Fernandinho Beira-Mar (E) comandou rebelião (D) e ordenou a execução de quatro presos de uma facção inimiga EXPEDIENTE Edição: Liana Pithan Diagramação: Simona Arnez Reportagem: Agência Estado Redação:Renato Panattieri Beth Mattos Revisão: Landro Oviedo