Diretivas Antecipadas de Vontade - Conceito 2. A autonomia do paciente e o seu consentimento informado 1. Introdução Tendo sido durante muito tempo um tema controverso e polémico, as diretivas antecipadas de vontade (muitas vezes com a denominação testamento vital) encontraram consenso na Assembleia da República, que viu aprovar o diploma relativo àquele tema com os votos de todas as bancadas parlamentares. Tal diploma, Lei n.º25/2012, foi publicado em Diário da República no A Lei vem estabelecer o regime das Antecipadas matéria de de cuidados Vontade de em saúde, designadamente sob a forma de Testamento Vital e nomeação de procurador de cuidados de saúde. Por outro lado, o diploma vem, ainda, criar o corpo do paciente, este deverá conformar-se com ela, tendo a faculdade de a recusar. Para tal, mostra-se necessário que o paciente tenha a consciente informação e necessária capacitada a decisão. uma A autonomia do paciente é, na verdade, um valor essencial, que deve ser respeitado na prática médica. O artigo 5.º da Convenção sobre os passado dia 16 de julho. Diretivas Antes de uma intervenção na esfera do Registo Nacional do Testamento Vital. Direitos do Homem e a Biomedicina,1 ratificada em 2000 por Portugal, estabelece que “Qualquer intervenção no domínio da saúde só pode ser efectuada após ter sido prestado pela pessoa em causa o seu consentimento livre e esclarecido. Esta pessoa deve receber previamente a informação adequada quanto ao objectivo e à natureza da intervenção, bem como às suas consequências e riscos”. Por seu turno, o Código Penal estabelece Sobre este tema serão publicados dois que o consentimento dado por um paciente artigos. Este primeiro procura enquadrar o só será eficaz quando “o paciente tiver sido conceito de DAV e o contexto nacional 1 Convenção para a protecção dos Direitos do Homem e da prévio à entrada em vigor do novo regime. A Dignidade do Ser Humano face à aplicação da Biologia e nova lei será objeto do segundo artigo. da Medicina: Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina publicada pela Resolução da Assembleia da República n.º1/2001, de 3 de Janeiro. devidamente esclarecido sobre o diagnóstico e a informado cabe dentro das leges artis, a que índole, está obrigado o médico. Parece claro que um alcance, envergadura e possíveis consequências da intervenção ou do tratamento”.2 Também o Código Deontológico da Ordem dos Médicos3 não descura esta temática. Desde logo o artigo 40.º estabelece médico medianamente competente, prudente e sensato irá informar e obter o consentimento do paciente antes de uma intervenção clínica. o princípio da “Livre escolha pelo doente” do médico. O artigo 44.º dispõe que o “doente tem o direito a receber e o médico o dever de prestar o esclarecimento sobre o diagnóstico, a 3. O que são as Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV) terapêutica e o prognóstico da sua doença”. No Questão problemática quanto à autonomia artigo seguinte define que o consentimento do paciente prende-se com a situação em que só será válido se o doente “tiver capacidade de este não está em condições de prestar o seu decidir livremente”. consentimento informado. O paciente poderá estar inconsciente, sem capacidade para aceitar ou recusar certo tratamento, ou optar Das disposições consideradas, facilmente se conclui que não basta que haja consentimento do paciente. Para ser válido, o consentimento terá de ser informado, esclarecido, compreendido e prestado de forma livre. entre duas alternativas de tratamento. Neste panorama, surgem as diretivas antecipadas de vontade (adiante DAV), que são instruções previamente a que estar o paciente no estado deu de incapacidade para decidir. No momento em que é preciso decidir, o paciente não o pode O respeito pelo paciente, e pela sua autonomia privada, faz parte da conduta exigível ao médico. Assim, pode afirmar-se que o respeito pelo consentimento 2 Artigo 157.º do Código Penal. 3 Publicado pelo Regulamento n.º14/2009, de 13 de Janeiro de 2009. fazer, mas expressou antecipadamente a sua vontade. Desta forma, estaremos a respeitar a autonomia do doente ao permitir que este decida a priori que tipo de tratamento deseja vir a receber ou não no futuro. Assim, através das DAV, o doente está a determinar quais os tratamentos que consente e os que não consente que lhe sejam administrados no meio, exprimiu a sua opinião sobre este assunto, e futuro, quando não possa decidir. aquele que nunca o fez”.4 Acrescente-se que este mesmo raciocínio Mesmo sem qualquer legislação, note-se que nada obstava a que, em Portugal, se fizesse um testamento vital. Na verdade, caso existisse um documento que expressasse a vontade do paciente, que estivesse momentaneamente incapaz de decidir, tal deveria ser respeitado. Porém, tal não era vinculativo, o que deixa de suceder. O artigo 9.º da Convenção de Oviedo, ratificada em Portugal, estabelece que “A deverá valer, na vigência da nova lei, para os documentos de diretivas antecipadas de vontade que não cumpram as formalidades previstas na lei. Não poderão ser vinculativos por falta de forma, mas deverão assumir-se como indiciários da vontade do paciente. Aquela nova lei é objeto do artigo “Diretivas Antecipadas de Vontade – Lei das Diretivas Antecipadas de Vontade”. vontade anteriormente manifestada no tocante a uma intervenção médica por um paciente que, no momento da intervenção, não se encontre em condições de expressar a sua vontade, será Daniel Torres Gonçalves 10 de setembro de 2012 tomada em conta”. Assim sendo, a vontade expressa pelo paciente em momento anterior, teria, no mínimo, valor indiciário para a descoberta da vontade presumível do paciente. O seu poder não seria vinculativo, mas não poderia ser desprezado. Pois, como afirma Rui Nunes, “existe uma diferença assinalável entre aquele doente que, alguma vez, por qualquer 4 R Nunes, “Dimensão Ética na Abordagem do Doente Terminal”, Cadernos de Bioética n.º5 (1993).