DOI: 10.4025/actascilangcult.v30i2.813 Tarefas relativas a conhecimentos lingu linguísticos no ensino médio: médio: o que se prescreve e o que se faz Maria Augusta Gonçalves de Macedo Reinaldo Unidade Acadêmica de Letras, Universidade Federal de Campina Grande, Rua Aprígio Veloso, 882, 58429-990, Bairro Universitário, Campina Grande, Paraíba, Brasil. E-mail: [email protected] RESUMO. Este artigo discute as condições atuais do ensino do eixo conhecimentos linguísticos, em contextos de ensino médio público e privado de uma cidade do Estado da Paraíba. As referências para a discussão pertencem a dois campos: o das teorias linguísticas do texto e do discurso, subjacentes às orientações oficiais nacionais para o ensino desse eixo do ensino de língua materna; e o campo dos educacionais sobre os fatores determinantes do trabalho docente. A análise de dados, constituídos por tarefas de avaliação aplicadas em quatro escolas públicas e quatro escolas privadas, mostra que as diferenças entre os dois contextos de ensino residem apenas quanto ao favorecimento do aluno da escola privada, em termos de acesso a material impresso. Dois aspectos permanecem semelhantes nestes contextos escolares: as precárias condições de interação do professor com as fontes de referência para preparação das tarefas didáticas; e o enfoque do objeto de ensino, que, por ser predominantemente estrutural e normativo, encontra-se desvinculado da demanda nacional pela inovação no ensino do eixo Conhecimentos Linguísticos, sinalizada, no decorrer desta primeira década do século XXI, nas iniciativas oficiais de parametrização e avaliação do ensino de Língua Portuguesa. Palavras-chave: análise linguística, atividade didática, ensino de língua. ABSTRACT. Tasks on linguistic knowledge in the upper high school. Current teaching conditions on linguistic knowledge in public and private secondary education contexts in a town in the state of Paraíba, Brazil, are discussed. References for discussion involve two fields, or rather, linguistic theories concerning text and discourse underlying the Brazilian official guidelines for the teaching of the mother tongue, and the educational field pertaining to determining factors in the teaching task. Data analysis, comprising evaluation tasks performed in four public and four private schools, shows that the differences between the two teaching contexts lie within the context of a more favourable standing of the private school student, mainly in terms of access to printed material. Two aspects are similar in the two school contexts: the teacher’s poor conditions to interact with bibliographical sources in order to prepare classroom activities, and the focus of the teaching object. Since the latter is predominantly structural and normative, it is foreign to the national requirements for an innovatory form of teaching in Linguisitc Knowledge. In the first decade of the 21st century, these requirements have been embodies by the official initiative in the parameters and evaluation of Portuguese language teaching. Key words: linguistic analysis, teaching tasks, language teacher education. Introdução O objetivo deste artigo é discutir alguns aspectos relativos às práticas de ensino-aprendizagem de conhecimentos linguísticos e suas condições de realização no ensino médio. Para reflexão teórica sobre essas práticas, recorremos a dois campos. O primeiro constitui-se de referências a estudos educacionais sobre os condicionantes escolares do trabalho docente, componente fundamental e inseparável da formação docente. O segundo campo está representado pelas Acta Sci. Lang. Cult. concepções de gramática, oficializadas para o ensino de Língua Portuguesa, presentes nos Parâmetros Curriculares de Ensino Médio, em suas três edições (Brasil, 1999; 2002; 2006) e nos Critérios para Avaliação do Livro Didático de Língua Portuguesa do Ensino Médio – Ficha de Avaliação (Brasil, 2005). Esses documentos, inspirados em estudos linguísticos produzidos nas duas últimas décadas, defendem que o conhecimento gramatical, também denominado de conhecimento linguístico (denominação aqui adotada), é constitutivo do ler e do escrever. Como efeito desse pressuposto, as Maringá, v. 30, n. 2, p. 159-168, 2008 160 orientações oficiais têm apontado caminhos que possam fazer frente à tradição de se reduzir o ensino de Língua Portuguesa ao domínio de regras gramaticais descontextualizadas. Para isso, vem-se privilegiando a articulação entre a reflexão gramatical e as práticas de leitura e produção de textos orais e escritos. Nesse quadro oficial de reorientação do ensino de gramática, este artigo relata os resultados de uma investigação que pretendeu verificar em que medida e de que modo o novo modo de pensar a abordagem do conhecimento gramatical se encontra presente em instrumentos de avaliação de aprendizagem de conhecimentos linguísticos. Os resultados foram apresentados no relatório Gramática e análise linguística: as influências da prova de vestibular no ensino médio (Reinaldo, 2006), vinculado ao projeto integrado Avaliação do vestibular da UFCG: características, influências e discursos (Bezerra, 20042007). O recorte para este trabalho foi a observação de atividades escritas de avaliação destinadas a alunos do terceiro ano do ensino médio de escolas públicas e privadas da cidade de Campina Grande. Tendo em vista esse objetivo, o texto está organizado em duas partes: na primeira, são enfocadas contribuições dos estudos didáticos sobre as noções de tarefa e seus condicionantes no contexto do trabalho docente; na segunda parte, são analisadas, no primeiro momento, a oficialização das concepções de gramática defendidas pelos estudos linguísticos e as implicações metodológicas para o ensino; no segundo momento, são analisados, à luz das reflexões sobre os condicionantes do trabalho escolar e da concepção do objeto de ensino – Conhecimentos Linguísticos –, dados empíricos de avaliação de aprendizagem desse componente do ensino Língua Portuguesa no ensino médio. As noções de tarefa: a relação com o objeto de ensino e com os condicionantes do trabalho docente Para a definição do termo tarefa, recorremos inicialmente às contribuições de Goigoux (2002), representante da corrente de pesquisas que se apoiam na Ergonomia para estudo da atividade docente. Considerando o ensino como um trabalho e este como uma atividade de implicações psicológicas e sociais, o autor propõe um modelo integrado de análise da atividade do professor, focando vários objetos de estudo: o trabalho prescrito e esperado; as características do professor; as características dos alunos; o trabalho real do professor; o trabalho real dos alunos; os efeitos do trabalho docente sobre a instituição escolar; os Acta Sci. Lang. Cult. Reinaldo efeitos do trabalho docente sobre o próprio professor; os efeitos do trabalho docente sobre a aprendizagem dos alunos; a regulação e o controle da atividade docente em função da atividade dos alunos e de suas aquisições; os instrumentos profissionais. Restringimos nossa reflexão ao primeiro componente do modelo, em que o termo trabalho é associado ao termo tarefa, que remete a dois objetos de estudo. No primeiro caso, tem-se a tarefa de ordem 1, que remete ao trabalho prescrito e pretendido no âmbito institucional, e é comunicado ao professor, com o objetivo de ajudá-lo a conceber, organizar e realizar o trabalho docente nos moldes esperados pelas instâncias oficiais. Essa prescrição se dá, de modo direto, sob a forma de texto regulamentar, ou de modo indireto, via diversos mecanismos de controle de avaliação do trabalho docente. Nessa tarefa prescrita ao professor são apresentados os fins, as condições e as intenções dos órgãos prescritores. No ensino médio brasileiro, por exemplo, essa prescrição está materializada, de forma mais teórica, em documentos parametrizadores de Língua Portuguesa e, de forma operacional, em instrumentos de avaliação do ensino dessa disciplina, conforme será demonstrado adiante. No segundo caso, tem-se a tarefa de ordem 2, ou tarefa didática, que remete ao trabalho prescrito pelo professor ao aluno, com a pretensão de avaliar a aprendizagem deste. Constitui-se de um comando que define um fim a ser alcançado na atividade, as condições concretas de alcance desse fim e a ação a realizar, componentes indissociáveis do objeto de ensino e da disciplina que lhe dá coerência no processo de avaliação da aprendizagem. O termo atividade é entendido, neste trabalho, como folha de exercícios escritos (conjunto de tarefas) com o objetivo de avaliar a aprendizagem dos saberes relativos ao eixo Conhecimentos Linguísticos, no quadro da disciplina Língua Portuguesa. Desse modo, ambos os tipos de tarefa se apoiam em um objeto de saber (conceitos, noções ou saberfazer) que se pretende descobrir ou colocar em prática, do que decorre a relevância de se estudar o ponto de vista do objeto de ensino, em seus contextos epistemológico e escolar. Do ponto de vista epistemológico, é necessário considerar que existem saberes, teorias e formas discursivas de saberes que contribuem para melhor situar a tarefa: o conhecimento mais amplo dos saberes a ensinar tende a instrumentalizar o professor, na organização da tarefa, em termos de antecipação dos obstáculos à aprendizagem e, consequentemente, em termos de pertinência dos conteúdos selecionados. No ensino Maringá, v. 30, n. 2, p. 159-168, 2008 Tarefas relativas a conhecimentos linguísticos de língua, por exemplo, é difícil separar a natureza da tarefa prescrita em uma atividade de análise gramatical, sem considerar os conceitos e modelos teóricos de referência a ela subjacentes. Já do ponto de vista do contexto escolar, é preciso considerar que as tarefas representam formas escolares do saber que são determinadas pelas implicações históricas e institucionais e são condicionadas pela sala de aula como lugar material e social de trabalho. Este aspecto da tarefa didática pode ser associado à discussão empreendida por Tardif e Lessard (2005), que, numa perspectiva sociológica do trabalho docente, propõe duas dimensões complementares a serem consideradas. A primeira é a estrutura organizacional da escola, construção social contingente que envolve atores individuais e coletivos, com interesses próprios, mas que, por razões diversas, são levados a colaborar numa mesma organização. Como em toda edificação coletiva, os elementos organizacionais condicionam as ações de seus membros e canalizam seus projetos por determinados caminhos. Nessa perspectiva, a descrição das ações docentes deve levar em conta o contexto organizacional, fator condicionante do modo como o trabalho docente é organizado, controlado, segmentado e planejado. A segunda dimensão a ser considerada refere-se à dinâmica das atividades docentes, em termos das interações contínuas no processo concreto do trabalho, entre o trabalhador (o professor), seu produto, seus objetivos, seus recursos, seus saberes e os resultados do trabalho. Portanto, a indicação de uma tarefa de ensino e aprendizagem estabelece relações, de um lado, com a concepção do objeto de ensino, e de outro, com os condicionantes organizacionais do sistema escolar e interativos da docência. Colocar ambos os tipos de tarefas aqui descritos no centro dos debates é procurar compreender o que se faz nas práticas da sala de aula. Conhecimentos lingu linguísticos como objeto de ensino: entre o que se pretende e o que se faz Durante as três últimas décadas do século XX, e nesta primeira década do século XXI, tem-se firmado, nos estudos linguísticos teóricos e aplicados desenvolvidos no Brasil, um movimento de revisão crítica do ensino de Língua Portuguesa, a partir do questionamento sobre a validade do modelo de ensino de gramática para o domínio efetivo da língua. Orientado pelas reflexões da Linguística de texto e do discurso, esse movimento sobre novas concepções de gramática fez surgir a proposta da Acta Sci. Lang. Cult. 161 prática de análise linguística, expressão que passou a referir um conjunto de atividades, com foco nas reflexões que se atêm mais estritamente ao interior dos textos, considerando as estratégias do dizer, no conjunto historicamente constituído das configurações textuais, denominadas de gêneros textuais (Geraldi, 1993; Nóbrega, 2000; Costa Val, 2002; Travaglia, 2004; entre outros). Como resultado dessas reflexões desenvolvidas no contexto acadêmico-científico, passou-se a defender o ensino de gramática centrado na observação conjunta dos recursos linguísticos, considerando: a) as diferentes dimensões (fonológica, morfológica, sintática, semântica e pragmática); b) os níveis (lexical, frasal e textualdiscursivo, enquanto pistas e instruções de sentidos); e c) os mecanismos, princípios e fatores coadjuvantes do funcionamento dos recursos linguísticos nas sequências textuais integrantes de um gênero textual, escrito e falado, em situações públicas e formais, ou em situações privadas e informais (Travaglia, 2004). Fortalecido pelo reconhecimento do Estado, este novo modo de pensar as relações entre gênero, texto e gramática, construído pelos estudos textuais e enunciativos, passou a constituir-se, a partir da segunda metade da década de 90 do século XX, como vetor de inovação e desenvolvimento/modernização do ensino de Língua Portuguesa, configurando-se como fundamentos teórico-metodológicos de orientação para o ensino dessa disciplina no País, como bem indicam os estudos de Aparício (1999) e Pietri (2003). No contexto de ensino médio, essa inovação tem sido sinalizada por meio da divulgação de documentos parametrizadores, da adoção de instrumentos de avaliação do livro didático e do desempenho do aluno egresso desse nível de ensino. Procuramos demonstrar, nos dois itens a seguir, de que modo duas dessas iniciativas oficiais sinalizam para o professor conceitos e procedimentos inovadores do ensino, como o componente relativo a conhecimentos linguísticos ou análise linguística, e como são realizadas atividades de avaliação desse componente em salas de aula do ensino médio. O que prescrevem os parâmetros curriculares e a ficha de avaliação do livro didático do ensino médio O componente Conhecimentos Linguísticos tem recebido tratamento teórico-metodológico diferenciado nas sucessivas edições dos Parâmetros Curriculares para o Ensino Médio. Na edição de 1999, embora seja possível depreender das considerações sobre a elaboração/organização do Maringá, v. 30, n. 2, p. 159-168, 2008 162 Reinaldo currículo de Língua Portuguesa que o objetivo do trabalho pedagógico deve concentrar-se nos usos sociais da língua e não nos conteúdos de tradição gramatical, não são sinalizadas ao professor as linhas gerais desse trabalho. A consciência dessa lacuna parece estar registrada ao final do texto, quando se antecipa a possível indagação dos leitores preferenciais – os educadores – acerca, entre outros, do conteúdo Gramática. A resposta é dada de forma bastante genérica, por meio da afirmação de que este conteúdo, a exemplo de outros, está associado às competências apontadas no documento: Os conteúdos tradicionais foram incorporados por uma perspectiva maior, que é a linguagem, entendida como um espaço dialógico, em que os locutores se comunicam. Nesse sentido, todo conteúdo tem seu espaço de estudo, desde que possa colaborar para a objetivação das competências em questão (Brasil, 1999, p. 144). Nesse documento, tem-se, com efeito, em termos do trabalho prescrito e pretendido no âmbito institucional, apenas a defesa de uma nova concepção do objeto de ensino – a linguagem –, que incorpora os conteúdos tradicionais, dentre os quais se destaca a Gramática. Está ausente, por sua vez, a explicitação dessa nova concepção do objeto de ensino, bem como da organização e realização efetiva do trabalho docente, nos moldes esperados pela instância prescritora – MEC. Na edição complementar de 2002, são apresentados, de forma mais detalhada, os elementos de ordem cognitiva e sócio-interacionista que denotam a concepção de gramática defendida, bem como algumas diretrizes em termos de metodologia do trabalho pedagógico. Recomenda-se, de início, a exploração da competência gramatical associada às competências interativa e textual: - domínio progressivo das situações de interlocução; por exemplo, a partir do gênero entrevista; • o conhecimento das articulações que regem o sistema linguístico, em atividades de textualização: - conexão; - coesão nominal; - coesão verbal; - mecanismos enunciativos (Brasil, 2002, p. 58). A gramática, em particular, é apresentada como um construto que se relaciona com a heterogeneidade e o dinamismo da língua, posição que relativiza o caráter normativo das regras gramaticais, substituindo o caráter de fixidez a elas dado pela tradição do ensino de Língua Portuguesa. A seguinte passagem ilustra esse novo modo de conceber as regras gramaticais: Ainda que se reconheça como legítima a conceituação da gramática como um conjunto de regras a partir das quais uma língua se corporifica, parece conveniente lembrar que há pelo menos três visões para esse conjunto de regras: • aquelas que são seguidas; • aquelas que podem ser seguidas; • aquelas que devem ser seguidas (Brasil, 2002, p. 78) Sob esta ótica, o documento aponta, como habilidades específicas a serem alcançadas pelo aluno de ensino médio, a distinção entre os enfoques gramaticais descritivo e normativo e o estabelecimento da relação desses enfoques com as modalidades e usos da língua: • Distinguir gramática descritiva e normativa, a partir da adequação ou não a situações de uso. • Considerar as diferenças entre língua oral e escrita. • Conceber a gramática como uma disciplina viva, em revisão e elaboração constante (Brasil, 2002, p. 70). Nesse sentido, defende-se que as competências apontadas como necessárias ao usuário da língua remetem ao conhecimento das situações interativas e dos planos linguístico e textual de sua materialização, o que sinaliza um trabalho contextualizado, além da frase, como atesta o trecho a seguir: Outro avanço desse documento, em relação ao editado em 1999, diz respeito à apresentação, para o professor, de orientações metodológicas decorrentes da visão de gramática defendida. Alguns procedimentos de didatização são apresentados com base em descritores construídos no âmbito dos estudos sociolinguísticos e da linguística de texto e discurso. Nesse sentido, são sugeridos quatro blocos de atividades que mobilizam a reflexão situada em torno da língua: consideração de uma situação sóciocomunicativa determinante dos fatores de variabilidade linguística, dos mecanismos textuais e enunciativos, bem como da construção de imagens entre locutor e interlocutor: Ser falante e usuário de uma língua pressupõe: • a utilização da linguagem na interação com pessoas e situações, envolvendo: - desenvolvimento da argumentação oral por meio de gêneros como o debate regrado; a) à variação linguística/competência interativa: • avaliar a adequação ou inadequação de determinados registros em diferentes situações de uso da língua (modalidades oral e escrita, níveis de registro, dialetos); O ensino de gramática não deve ser visto como um fim em si mesmo, mas como um mecanismo para a mobilização de recursos úteis à implementação de outras competências, como a interativa e a textual (Brasil, 2002, p. 78). Acta Sci. Lang. Cult. Maringá, v. 30, n. 2, p. 159-168, 2008 Tarefas relativas a conhecimentos linguísticos • a partir da observação da variação lingüística, compreender os valores sociais nela implicados e, conseqüentemente, o preconceito contra os falares populares em oposição às formas dos grupos socialmente favorecidos; • aplicar os conhecimentos relativos à variação lingüística e às diferenças entre oralidade e escrita na produção de textos; • avaliar as diferenças de sentido e de valor em função da presença ou ausência de marcas típicas do processo de mudança histórica da língua num texto dado (arcaísmo, neologismo, polissemia, empréstimo). b) à competência textual, e particularmente às noções de coerência e coesão no processamento do texto: • comparar textos de diferentes gêneros quanto ao tratamento temático e aos recursos formais utilizados pelo autor; • estabelecer relações entre partes de um texto a partir de repetição e substituição de um termo; • estabelecer relações entre partes de um texto a partir de mecanismos de concordância verbal e nominal; • estabelecer relação entre a estratégia argumentativa do autor, bem como os recursos coesivos e os operadores argumentativos usados por ele; • analisar as relações sintático-semânticas em segmentos do texto (gradação, disjunção, explicação ou estabelecimento de relação causal, conclusão, comparação, contraposição, exemplificação, retificação, explicitação). c) ao estabelecimento de relações entre os recursos expressivos presentes em um texto e os efeitos de sentido que provocam no leitor: procedimento de leitura intrinsecamente ligado aos mecanismos gramaticais, em que se avaliem: • o efeito de sentido conseqüente do uso da pontuação expressiva (interrogação, exclamação, reticências, aspas); • a propriedade do uso dos recursos lexicais (jogos metafóricos e metonímicos, expressões nominais definidas, hiponímia, hiperonímia, repetição) em função da estratégia argumentativa do autor; • a propriedade do uso dos recursos sintáticos (paralelismo, enumeração, inversão, intercalação, coordenação, subordinação etc.) na estratégia argumentativa do autor; • a propriedade do uso de recursos semânticos (relações de oposição ou aproximação, gradação, campo semântico, atenuação, eufemismo, hipérbole, ironia) na estratégia argumentativa do autor. d) à construção da imagem de locutor e de interlocutor: procedimento aplicável tanto à leitura e produção do texto escrito quanto às situações de interlocução oral: • identificar índices contextuais e situacionais (marcas dialetais, níveis de registro, jargão, gíria) que permitem a construção da imagem de locutor e de interlocutor; Acta Sci. Lang. Cult. 163 • analisar mudanças na imagem de locutor e de interlocutor em função da substituição de certos índices contextuais e situacionais (marcas dialetais, níveis de registro, jargão, gíria) por outros; • analisar as implicações sócio-históricas dos índices contextuais e situacionais (marcas dialetais, níveis de registro, jargão, gíria) na construção da imagem de locutor e interlocutor (Brasil, 2002, p. 79-80). Esse conjunto de procedimentos metodológicos representa, pois, um esforço de didatização de conceitos construídos no campo científico com o objetivo de apontar alternativas à tradição do ensino gramatical, privilegiando a articulação entre a reflexão gramatical e as práticas de leitura e produção de textos orais e escritos. Demonstrando a mesma preocupação em dialogar com o professor, a terceira edição dos parâmetros, agora denominada de Orientações curriculares para o ensino médio (Brasil, 2004), dá continuidade ao trabalho mais específico de prescrição para o ensino do componente Conhecimentos Linguísticos. Inspirando-se na articulação das práticas de uso → reflexão → uso, proposta nos PCNEF (Brasil, 1998), as OCEM apresentam este componente como o segundo eixo do ensino de Língua Portuguesa, sob a denominação Prática de análise dos fatores de variabilidade das (nas) práticas de linguagem, no qual se prescreve: [...] a análise discursiva integradora das diferentes dimensões envolvidas na produção de sentidos como meio de favorecer que os alunos construam uma consciência lingüística e metalingüística essencial para sua formação (Brasil, 2006, p. 31). Recomenda-se, para o trabalho com os fatores de variabilidade das/nas práticas de linguagem, que as atividades devem abranger cinco dimensões analíticas: a) ‘Elementos pragmáticos’: envolvidos nas situações de interação em que emergem os gêneros em estudo e sua materialidade – os textos em análise: papéis sociais e comunicativos, propósito discursivo, função sócio-comunicativa do gênero; b) ‘Estratégias textualizadoras’: uso dos recursos lingüísticos em relação contexto de construção do texto; em processos de coesão textual; modos de organização da composição textual; organização da macroestrutura semântica (dimensão conceitual), articulação entre as idéias/proposições (relações lógico-semânticas); organização e progressão temática; c) ‘Mecanismos enunciativos’: formas de agenciamento de diferentes pontos de vista na textualização (identificação dos elementos que sinalizam as vozes e o posicionamento dos enunciadores trazidos à cena no texto), uso dos Maringá, v. 30, n. 2, p. 159-168, 2008 164 Reinaldo elementos de modalização (identificação dos segmentos que funcionam como indicações do modo como o enunciador se posiciona em relação ao que é dito, ao seu interlocutor, ou a si mesmo); d) ‘Intertextualidade’: estudo das diferentes relações intertextuais (em termos de configuração formal, circulação em domínio discursivo, pontos de vista no tratamento do tema); e) ‘Ações de escrita’: ortografia e acentuação; construção e reformulação de segmentos textuais de diferentes extensões e natureza; função e uso da topografia do texto (Brasil, 2006, p. 29-30). Como se vê, as três primeiras dimensões representam o que, no sócio-interacionismo discursivo bronckartiano, é denominado de estratos do folhado textual: considerações que vão desde os elementos externos ou situacionais que explicam o uso da língua, até sua materialização no texto, realizada por meio de recursos textualizadores (responsáveis pela materialização das relações formais e lógico-semânticas) e enunciativos (responsáveis pela marcação das vozes e do posicionamento do enunciador em relação ao tema, ao interlocutor ou a si mesmo). Propõe-se, como quarta dimensão de análise, a relação entre os textos, quanto à configuração, ao funcionamento na esfera de circulação e ao tratamento do tema. Por último, recomenda-se a análise dos elementos convencionais da escrita e seu funcionamento no texto. O segundo instrumento oficial, que vem mobilizando novo modo de pensar o ensino de gramática no ensino médio, é a ficha de avaliação do Livro Didático de Ensino Médio (Brasil, 2005a). Neste instrumento, os critérios para avaliação estão orientados pelo enfoque textual-enunciativo, acentuando os fatores de variabilidade linguística e dos gêneros, já sinalizados nos Parâmetros Nacionais. Duas macrocategorias orientam a avaliação das propostas apresentadas nos livros didáticos de ensino médio, que podem ser sintetizadas em: a) Construção de conhecimentos linguísticos ou reflexão sobre o uso linguístico, situação que requer do aluno a capacidade de refletir sobre o uso de construções lingüístico-enunciativas aplicadas em situações particulares, com ênfase na reflexão sobre a natureza e o funcionamento da linguagem, em especial, da língua portuguesa. Essa capacidade deve colaborar para o desenvolvimento da proficiência em leitura e escrita; b) Reflexão metalinguística, situação que requer do aluno a capacidade de descrição e sistematização dos conhecimentos lingüísticos, utilizando-se de nomenclaturas. Enfatiza-se a concepção de gramática como sistema de regras de Acta Sci. Lang. Cult. funcionamento da língua, com enfoque normativo e descritivo segundo a funcionalidade e a relevância específica de cada um. Defende-se, como conseqüência, a presença de terminologia alternativa diferente da tradição normativa, com a consideração das dimensões discursivo-pragmática, semântica e textual (Adaptado de Brasil, 2005b, p. 71-72). Duas preocupações são salientes nos critérios acima relacionados: a articulação do componente gramatical com os componentes leitura e escrita, o que demanda a criação de situações de análise da gramática dos usos efetivos da língua, e a distinção entre gramática normativa e gramática descritiva, observando-se nesta a presença de descritores que remetem às dimensões construídas pelas abordagens do texto e do discurso. O que prescrevem as tarefas sobre Conhecimentos Linguísticos em sala de aula do ensino médio Neste item, conforme anunciado na introdução, são apresentados os resultados de uma pesquisa diagnóstica que pretendeu apreender as tarefas do ponto de vista do objeto de ensino, tendo em vista compreender, na perspectiva da didática de língua materna, as concepções do objeto de ensino Conhecimentos Linguísticos e alguns fatores condicionantes das tarefas de avaliação desse objeto no contexto escolar do ensino médio. O conjunto de dados selecionados para análise consta de atividades (exercícios ou simulados de vestibular) aplicadas para alunos do terceiro ano do ensino médio. A coleta foi realizada durante visitas a oito escolas (quatro da rede pública e quatro da rede privada), no período de setembro de 2005 a fevereiro de 2006. Os professores responsáveis pela aplicação das atividades tinham especialização em Letras, com atuação profissional entre cinco e 15 anos. Para efeito de sistematização da análise, os dados gerados nos dois contextos escolares foram observados segundo os condicionantes escolares e o enfoque do objeto de ensino. A Tabela 1 descreve as ocorrências dos aspectos constitutivos dessas categorias. Tabela 1. Frequência das atividades/tarefas e do enfoque do objeto de ensino nas tarefas nos dois contextos escolares. Condicionantes escolares Tipo de Nº de Nº de Escola Atividades Tarefas Pública 22 23 Particular 19 90 Total 41 113 Enfoque do objeto de ensino Foco da reflexão Dimensão analítica Uso Metalinguagem Estrutural Integrada 10 13 21 2 23 67 81 9 33 80 102 11 A observação do material destinado a alunos do ensino médio permitiu constatações acerca das condições escolares de organização das tarefas de Maringá, v. 30, n. 2, p. 159-168, 2008 Tarefas relativas a conhecimentos linguísticos avaliação de Conhecimentos Linguísticos, bem como acerca do enfoque dado a esse objeto de ensino, nos contextos da escola pública e particular, conforme descrição a seguir. Condicionantes escolares das tarefas Entendendo a atividade como a ação específica de montar um conjunto de tarefas, a relação atividade/tarefa constituiu-se num fator relevante na comparação dos modos de organização do trabalho docente nos dois contextos de ensino médio pesquisados. Sob este ponto de vista, os dados são reveladores da diferença saliente em favor da escolar particular, em termos de favorecimento do acesso do aluno ao letramento escolar. Embora haja aproximação em termos da quantidade de atividades recolhidas nos dois contextos pesquisados, registra-se distância significativa quanto ao número de tarefas que integram tais atividades: as 22 atividades totalizadas nas escolas públicas estão constituídas de quase o mesmo número de tarefas (23), isto é, uma questão por atividade; enquanto as 19 atividades aplicadas nas escolas particulares totalizam 90 tarefas, correspondendo, em média, a quatro tarefas por cada folha de atividades. A ausência de condições infraestruturais para reprodução de material didático impresso na maior parte das salas de aula das escolas públicas visitadas responde de forma expressiva pela presença, ao longo do ano letivo, de escassas folhas de atividades impressas, ou de curtas folhas de atividades, copiadas da lousa e extraídas do caderno do aluno. Enquanto isso, as condições de reprodução de materiais impressos nas escolas privadas pesquisadas garantem a presença regular das folhas de exercícios distribuídas a cada aluno na sala de aula. O segundo condicionante do trabalho docente, considerado na observação dos contextos escolares selecionados, refere-se ao modo de interação do professor com seus recursos, seus saberes e os resultados do seu trabalho, considerando-se mais especificamente o formato e as fontes das tarefas aplicadas. A observação do material recolhido em ambos os contextos mostra que as folhas de atividades estão constituídas, em sua quase totalidade, de tarefas representadas por questões objetivas de múltipla escolha, extraídas de livros didáticos, reproduzidas, na maior parte, dos exames vestibulares das Instituições de Ensino Superior. Esse dado revela, de forma eloquente, a ausência de autonomia do professor, no campo específico da autoria de material didático. As condições infraestruturais das escolas particulares, em termos Acta Sci. Lang. Cult. 165 de favorecer o acesso à reprodução de materiais e suportes didáticos, não garantem ao professor planejamento e autoria das tarefas aplicadas. Enfoque do objeto de ensino O levantamento dos dados mostra que há semelhanças, nos contextos pesquisados, quanto ao enfoque do objeto de ensino – reflexão centrada no uso e/ou na metalinguagem – e dimensão de análise descritiva adotada. A primeira constatação, nesse sentido, é que o foco da reflexão na variabilidade dos usos linguísticos ocupa pouco espaço, no conjunto de tarefas pesquisado. A preocupação acentuada é com o aspecto normativo do padrão escrito. Os exemplos (1) e (2) ilustram essa tendência, em ambos os contextos: Exemplo 1: Assinale a alternativa correta: Comunique ______ professora que a reunião terá início _____ oito horas. Peça-lhe que chegue____ tempo. a) à – às – à b) à – às – a c)à – as – a d) a – às – a (Escola A - Pública). Exemplo 2: (Fuvest-SP) Assinale a frase gramaticalmente correta: a) Não sei por que discutimos. b) Ele não veio por que estava doente. c) Mas porque não veio ontem? d) Não respondi porquê não sabia. e) Eis o porque da minha viagem (Escola E Particular). Em (1), exemplo da escola pública, registra-se a reflexão sobre o uso escrito padrão relacionado à representação gráfica da combinação de formas linguísticas em contextos morfossintáticos diferenciados. Em (2), observa-se também reflexão sobre as convenções gráficas de contextos morfossintáticos distintos. Outra semelhança registrada nos dados dos contextos pesquisados, em termos do foco da reflexão, está na presença recorrente da metalinguagem com um fim em si mesma, com solicitações de reconhecimento e classificação do fenômeno linguístico, desacompanhadas de reflexões relevantes para a sua compreensão. Assim, na escola pública, a metalinguagem está ilustrada em 13 das 23 tarefas aplicadas; na escola particular, em 67 das 90 tarefas. Exemplo 3: (UFGO) Na frase: Ela tem um quê misterioso, o Maringá, v. 30, n. 2, p. 159-168, 2008 166 Reinaldo processo de formação de palavras chama-se: a) composição b) aglutinação c) justaposição d) derivação imprópria e) parassíntese (Escola F - Particular) Outro aspecto do enfoque do objeto de ensino, que se apresenta semelhante em ambos os contextos escolares, é a dimensão de análise adotada na descrição do fato linguístico, contemplando apenas os níveis sintático e morfológico, de forma isolada. Como atesta a Tabela 1, 21 das 23 tarefas aplicadas na escola pública ilustram a análise centrada em um desses níveis, tendência também observada na escola particular, em 81 das 90 tarefas aplicadas. Essa forte tendência da amostra de utilizar frases descontextualizadas, considerando os aspectos estruturais das formas linguísticas, sem articulação com os possíveis efeitos de sentido resultantes das escolhas realizadas pelo falante, é atestada no Exemplo (4), a seguir: Exemplo 4: Identifique a alternativa em que os termos destacados exercem, respectivamente, as funções de sujeito e objeto indireto: a) Serão necessários aos alunos muitos dias de férias. b) Faltam poucos dias para que se entregue à prefeitura o manifesto popular. c) Voltaram todos e ficaram surpreendidos com o acontecimento. d) Há muitas flores a serem oferecidas ao professor. e) O entusiasmo com que ele entra na sala de aula revela o seu amor à sua profissão (Escola A – Pública). Da mesma forma que o comando presente em (3), o comando de (4) focaliza a reflexão metalinguística, com reconhecimento da nomenclatura do fenômeno linguístico considerado, contemplando apenas a dimensão analítica, de ordem morfológica, no primeiro caso, e de ordem sintática, no segundo. Essa tendência a reduzir as reflexões metalinguísticas à descrição da forma não contribui para que o aluno de ensino médio construa uma compreensão das implicações textuais e enunciativas envolvidas no uso da língua. A reflexão em torno dos fatos linguísticos contemplando a dimensão integrada do sentido e da forma, com a presença da nomenclatura recente, como prescrevem as orientações oficiais, está proporcionalmente representada em reduzida parte da amostra coletada: duas ocorrências na escola pública e nove ocorrências na escola particular. Exemplo 5: (UFSM-RS) “Se Deus cantasse, cantaria com a voz Acta Sci. Lang. Cult. de Milton” (Elis Regina). Analise a frase proposta e escolha a alternativa que apresenta a afirmação INCORRETA. a) A conjunção se inicia uma oração subordinada que indica uma hipótese. b) A vírgula separa a oração que antecede a principal. c) O emprego de cantasse e cantaria evidencia uma correlação adequada entre os modos subjuntivo e indicativo. d) O segmento com a voz de Milton expressa a idéia de instrumento. e) O sujeito da segunda oração é indeterminado (Escola B - Pública). Exemplo 6: (UEPB) Na afirmação Ela é ótima motorista, apesar de ser mulher. I - Há um discurso explícito afirmando que as mulheres dirigem bem. II - Há na expressão um termo concessivo que introduz um argumento contrário ao que foi dito antes. III - Há um pressuposto usado como recurso argumentativo de que toda mulher dirige mal. Assinale a alternativa correta: a) Apenas III está correta. b) Apenas I está correta. c) II e III estão corretas. d) I e II estão corretas. e) Apenas II está correta ( Escola G – Particular). Ambos os exemplos, que reproduzem questões de provas de vestibular, abordam, de forma integrada, com nomenclatura diferenciada inspirada nas contribuições dos estudos de texto e discurso, mais de uma dimensão descritiva na análise dos fatos linguísticos enfocados. Em (5), a dimensão sintática está contemplada na alternativa (e); a sintático-semântica, nas alternativas (a) e (d); e a sintático-coesiva está ilustrada na alternativa (c). Observa-se, ainda, a combinação da dimensão normativa da pontuação e sua relação com a sintaxe, na alternativa (b). Em (6), há a presença da dimensão semântico-argumentativa, construída pelos estudos de semântica enunciativa. Os resultados aqui apresentados podem ser correlacionados com os de dois outros estudos vinculados ao projeto integrado já referido (Reinaldo, 2006; Oliveira e Rafael, 2006), nos quais ficou demonstrado que a nomenclatura recente e diferenciada, bem como a abordagem integrada dos fenômenos linguísticos, constituem as principais dificuldades enfrentadas por professores e alunos do ensino médio na resolução de questões de provas de vestibular, conforme atestam os depoimentos: São poucas as gramáticas que tem no mercado, que trabalha com esse tipo de questão [...] então o que é Maringá, v. 30, n. 2, p. 159-168, 2008 Tarefas relativas a conhecimentos linguísticos que a gente precisa pra praticar com os alunos? Material bem melhor preparado, nem que fosse apostilas, preparadas aqui na Paraíba mesmo, quem elabora essas questões, por exemplo [...] elaborar apostilas com esse nível (Professor de escola particular). Ao meu ver a questão assim [...] são provas muito bem elaboradas, mas, no entanto, tem um nível de dificuldade um pouco elevado [...] por quê? [...] porque foge os parâmetros que são vistos dentro de uma sala de aula [...] a professora tá adaptada a dar um assunto e [...] quando a gente chega lá na hora não tá aquilo pronto como é [...] como a gente vê na sala de aula [...] (Aluno de escola particular). No colégio a gente estuda determinado assunto e a gente vai trabalhar questões sobre aquele assunto [...] no vestibular não [...] a gente chega, em uma questão a gente vai abordar [...] um monte de assunto [...] pra responder uma única questão... então assim [...] complica muito [...] (Aluno de escola pública). As dificuldades salientadas nestes dados têm como principal fonte de explicação a precariedade das condições do exercício docente, reveladas no presente estudo. A ausência de planejamento acarreta a compilação de material didático sem escolha qualificada, em termos do paradigma de ensino recomendado. Essa rotina responde pela ausência de interação do professor com as fontes do saber de referência científica da área e com a elaboração de materiais didáticos, a ponto de um dos sujeitos pesquisados atribuir este papel a outros atores que se encontram fora da escola Material bem melhor preparado, nem que fosse apostilas, preparadas aqui na Paraíba mesmo, quem elabora essas questões, por exemplo [...] elaborar apostilas com esse nível (Professor de escola particular). Considerações finais Concluindo o trajeto proposto para nossa reflexão, construída na interface das contribuições dos estudos educacionais, dois campos de discussão se abrem com os resultados aqui apresentados, que devem se tornar objeto de luta e conquista pelos professores da educação básica, tendo em vista o combate ao quadro de desvalorização, em que o profissional é levado a dar aulas em condições inadequadas para o desenvolvimento de uma prática pedagógica produtiva e atualizada. O primeiro ponto refere-se às condições organizacionais e à dinâmica do exercício do trabalho docente. Os dados analisados evidenciam que as condições infraestruturais de reprodução de Acta Sci. Lang. Cult. 167 material impresso ou digital não garantem a qualidade que se espera, atualmente, das tarefas envolvendo o ensino de Conhecimentos Linguísticos. Com efeito, tem-se um conjunto de dados visivelmente empobrecido, considerando as discussões e orientações prescritas nas instâncias oficiais, há quase uma década. O ponto crítico reside na precária interação do professor com os recursos necessários ao seu ofício, restando-lhe a completa dependência do suporte (livro) didático que está ao seu alcance, sem a seleção qualificada das tarefas. Dois fatores relevantes nos ocorrem, no momento, para a explicação da precariedade desse quadro: de um lado, a ausência de planejamento didático, prática indispensável, mas esquecida, porque não valorizada no contexto atual dos sistemas escolares, como bem indicam os dados de Rojo (2000), já que se trata de um tempo escolar não-remunerado, nem controlado na instância de ensino; de outro lado, a formação insuficiente do professor para aderir a uma prática inovadora, sobretudo do profissional que se encontra no mercado há algum tempo, tornando-se difícil rever toda a sua formação e abrir-se para repensar o alcance real de sua prática. O segundo campo objeto de luta e conquista do professor decorre do segundo fator assinalado no parágrafo anterior. Trata-se do direito à formação continuada, condição necessária para que o professor reformule seu modo de conceber o objeto de ensino. Conforme ficou demonstrado nas breves considerações sobre as passagens transcritas, o discurso oficial contemporâneo requer profissional qualificado e, principalmente, atualizado diante de teorias da linguagem que já ganham espaço nos livros didáticos, cuja escolha e uso qualificado dependem da formação docente. No momento de conclusão desta pesquisa, encontra-se em andamento, na Secretaria de Educação e Cultura do Estado, pela Coordenação do Ensino Médio (COEM), a divulgação dos Referenciais Curriculares de Língua Portuguesa para o Ensino Médio da Paraíba, acompanhada de um curso de formação de 40h/aula. Os efeitos dessa ação oficial sobre as práticas escolares, no entanto, estão condicionados a uma mudança de condições de trabalho do professor: a oferta frequente de novos cursos de formação continuada e a implantação da atividade de planejamento nas escolas, como parte de uma política de valorização do trabalho docente. Um papel relevante neste campo é desempenhado pela instância universitária, com a oferta de cursos de formação continuada. Trata-se de uma tarefa complexa que demanda tempo, devendo ser marcada por dois movimentos conjuntos: a Maringá, v. 30, n. 2, p. 159-168, 2008 168 reflexão teórica, a partir das diretrizes oficiais, com ampliação das referências acadêmico-científicas, seguida do processo de didatização, entendido particularmente como a transformação dos conceitos em tarefas didáticas. Nesse sentido, é preciso salientar que a simplificação com que são transpostas e recebidas algumas teorias linguísticas em cursos de curta duração pode levar a equívocos de ordem conceitual e metodológica e, como consequência, desestabilizar as iniciativas docentes. Destacamos a autoria de material didático como uma competência a ser enfatizada em tais cursos, dada sua importância para a autonomia e desenvolvimento profissional do professor. Salientamos, com Perrenoud e Thurler (2002), teóricos do desenvolvimento das matrizes de competências e habilidades na escola, que o professor contemporâneo precisa desenvolver algumas competências que terão reflexo direto no trabalho com os alunos e no desenvolvimento de sua profissionalização, e a autoria de material didático constitui um dos requisitos para o alcance dessa condição. Referências APARÍCIO, A.S.M. A renovação do ensino de gramática no primeiro grau no Estado de São Paulo. 1999. Dissertação (Mestrado em Lingüística Aplicada)-Programa de Pósgraduação em Lingüística Aplicada, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 1999. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental (PCNEF): Língua Portuguesa. Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de Educação Fundamental, 1998. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de Educação Média e Tecnológica, 1999. BRASIL. 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