Análise - O ano em que o Irã mudou a cena

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Análise - O ano em que o Irã mudou a
cena
MARIANA NASCIMENTO E MONICA HERZ* - O ESTADO DE S. PAULO
25 Dezembro 2015 | 15h 00
O acordo nuclear firmado entre o Irã, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha, retirou Teerã de
anos de isolamento, trazendo-o de volta às mesas de negociações internacionais. A assinatura desse documento permitiu a suspensão
parcial de sanções impostas ao Irã e o reinício de visitas de delegações internacionais interessadas em retomar as relações diplomáticas e
comercias.
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Depois de seis meses de negociações, chegou-se a um acordo que pretende garantir que nos próximos 15 anos o Irã não desenvolverá
armas nucleares. A força do acordo está na constante ameaça de imposição de sanções novamente e nos procedimentos detalhados de
controle. Na verdade, as medidas de controle previstas, que serão implementadas pela Agência Internacional de Energia Atômica, são as
mais intrusivas já aplicadas até hoje.
O acordo visa garantir que caso os governantes do país resolvam em algum momento produzir armas nucleares isso levaria pelo menos
um ano. O acordo está calcado em verificação e não em um pressuposto de confiança. A capacidade de enriquecimento de urânio é
limitada, assim como o depósito de urânio enriquecido disponível no país. Durante 15 anos, o nível de enriquecimento de urânio não
poderá ultrapassar 3,67%. A ratificação do Protocolo Adicional ao Tratado de Não Proliferação está prevista antes de oito anos após a
finalização do acordo. O acordo tem a preocupação, ainda, de controlar a produção de plutônio que poderia ter função bélica, proibindo o
reprocessamento de plutônio no Irã. Até mesmo o uso de certos modelos computacionais é proibido. Por sua vez, as sanções em relação a
armas perdurarão por mais cinco anos e, em relação à mísseis, por mais oito anos.
Interesses econômicos, estratégicos e políticos moveram as potências envolvidas no processo de negociação. O objetivo imediato é sustar
a possibilidade do desenvolvimento de armas nucleares, mas a complexidade dos interesses e motivações envolvidos deve ser lembrada.
O potencial econômico iraniano é inegável: possui a quarta maior reserva de petróleo e a segunda maior reserva de gás do mundo; é a
segunda maior economia do Oriente Médio e do norte da África, marcada pela diversificação, que inclui serviços, indústria e agricultura;
possui a segunda maior população do Oriente Médio, majoritariamente urbana e com elevado nível de escolarização. O alívio na
economia do país figura como a principal causa para a aceitação dos termos do acordo pelos iranianos. O Banco Mundial estima que a
completa retirada das sanções poderá elevar o crescimento do PIB do país para 5,8%, podendo alcançar 6,7% 18 meses após o fim das
penas.
Por outro lado, o acordo nuclear, e a própria recuperação econômica do Irã, permitem que o país preencha um papel considerado positivo
na geopolítica regional, contribuindo para administrar os conflitos da região. Ademais, a decadência do país poderia torná-lo
demasiadamente instável e suscetível às concepções extremistas e violentas defendidas por grupos que atuam nos arredores. O acordo
pode ainda ser considerado como um importante passo na direção da criação de uma zona livre de armas nucleares no Oriente Médio,
apesar dessa proposta ainda ser tratada como algo utópico.
Destaca-se que a retomada das relações do Irã com o Ocidente possui ligação direta com as discussões para a resolução da guerra civil na
Síria e dos conflitos no Iraque, além do combate à crescente influência do Estado Islâmico na região.
O convite para que delegação iraniana participasse das discussões em Viena sobre o conflito na Síria demonstra o reconhecimento dos
Estados Unidos e aliados sobre o papel que o Irã tem a desempenhar na construção de uma balança de poder regional estável.
Finalmente, vale destacar o impacto do acordo no balanço de poder interno no Irã e a expectativa de que forças mais moderadas e mais
dispostas a participar dos mecanismos de governança internacionais sejam fortalecidas.
A assinatura do acordo possibilitou a volta do Irã ao centro da política e da economia mundial. Uma semana após a celebração do acordo,
foi realizada, em Viena, a Conferência Irã e União Europeia - comércio e investimento. Nas semanas seguintes, a Alemanha enviou o
ministro da Economia e uma missão de empresários a Teerã, seguida por França e Itália. No mesmo período, o Reino Unido reabriu sua
embaixada no país, fechada desde 2011. Desde então, o país recebeu visitas de ministros da Espanha, do Brasil, da Coreia do Sul, da
Grécia, entre outros. Assinou acordos com a Rússia no campo da pesquisa espacial e para receber baterias de artilharia antiaérea, um
pacto de investimento com o Japão, uma declaração de cooperação econômica com a Hungria e já negocia com diversos países os termos
de novos acordos para quando as sanções forem totalmente retiradas. Está clara a mudança significativa do papel do país no cenário
Internacional em muito pouco tempo.
Na segunda quinzena de dezembro, a Junta de Governadores da Agência Internacional de Energia Atômica decidiu, por consenso,
encerrar as investigações sobre um possível programa de construção de armas nucleares pelo Irã.
Em 15 de dezembro, em seu relatório sobre o programa nuclear iraniano, a Agência concluiu que existiram intensas atividades
relacionadas ao desenvolvimento de armamento atômico até 2003 e em menor escala até 2009, não havendo registro de ações com essa
finalidade após esse período.
A conclusão do relatório abre um novo capítulo de cooperação entre a Agência e Teerã, possibilitando a suspensão completa das sanções
marcada para ocorrer entre março e julho de 2016. Contudo, o programa nuclear iraniano estará sujeito, como outros, a novas
verificações.
A confiança e a cooperação entre os atores, no entanto, ainda não está estabelecida e está longe de ser completamente alcançada. Na
mesma semana em que o relatório foi divulgado, o Conselho de Segurança da ONU declarou que os testes realizados pelo Irã de um novo
míssil balístico de longo alcance capaz de carregar armas nucleares, em outubro de 2015, violou a resolução 1929, de junho de 2010, que
proíbe o Irã de desenvolver tal tecnologia.
A resposta para essa violação seria a adoção de novas medidas repressivas, mas a adesão do Irã ao acordo nuclear está vinculada ao fim
das sanções. Apesar de não desafiar as previsões do acordo nuclear, os testes realizados pelo Irã colocam em dúvida as suas intenções em
cumprir com o acordo e mostram a fragilidade da cooperação entre os atores. Senadores norte-americanos já se manifestaram, afirmando
que os testes realizados em outubro seriam uma demonstração da falta de comprometimento do Irã com os termos do acordo.
Este impasse se materializa em um paradoxo que desafia todos os atores envolvidos, justamente pela dificuldade (ou incapacidade) de
exercer controle sobre as intenções ou de garantir que ações futuras indesejadas não irão ocorrer.
A situação impõe um dilema ao governo dos EUA, que lutou contra forte oposição interna para fazer passar o acordo no Congresso e
busca não ser visto como complacente em relação ao Irã. O dilema é uma realidade também para as demais potências, que não desejam
ter uma nova Coreia do Norte ameaçando o Regime de Não Proliferação Nuclear. Os Estados não nucleares que possuem tecnologia de
enriquecimento de urânio para fins pacíficos, como o Brasil, também são afetados por essa situação, uma vez que o acordo com o Irã
reconhece o direito de enriquecer urânio, mas alimenta os críticos dessa decisão que acreditam que tal tecnologia não deva ser
amplamente permitida devido a possibilidade de desvio de material com uso duplo (civil e militar).
Concluímos, portanto, que a melhor solução para as ameaças que a posse de armamento nuclear impõe ao mundo seria um acordo global
de banimento das armas atômicas nos mesmos moldes do que foi negociado em relação às armas químicas. Enquanto houver armas
nucleares apenas nas mãos de alguns, haverá sempre quem tente alcançar esse status. A proliferação continuará a gerar crises e tensões.
Enquanto as armas nucleares existirem, a segurança internacional estará ameaçada.
* Mariana Nascimento Plum, assessora da Amazônia Azul Tecnologias de Defesa S.A, e Monica Herz, professora do
Instituto de Relações Internacionais PUC-Rio
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