GAZETA DO POVO – Vida e Cidadania Alunos desenvolvem alimento mais barato para fenilcetonúricos ESTUDANTES DA PUCPR CRIAM LEITE E FARINHA APROPRIADOS AOS PORTADORES DA DOENÇA Publicado em 02/02/2007 | MAURI KÖNIG Foi a partir de uma contestação que surgiu nos laboratórios da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) uma boa notícia para os portadores de uma doença rara que afeta um em cada 20 mil brasileiros nascidos vivos: a fenilcetonúria. Certo dia o presidente da Fundação Ecumênica de Proteção ao Excepcional (Fepe), José Alcides Marton, se perguntou por que custava tão caro o leite especial importado para os fenilcetonúricos. Levou a inquietação ao curso de Engenharia de Alimentos da PUCPR. A resposta não tardou e junto veio uma grande novidade. A descoberta da PUCPR – na verdade um duplo achado científico – mudará para melhor a vida dos portadores de fenilcetonúria, doença metabólica caracterizada por um erro inato do metabolismo protéico. Quem nasce com ela está condenado a passar o resto da vida sem consumir proteína. Imagine o cardápio de uma criança sem o leite materno, sem o arroz e feijão, sem carne ou soja, sem café ou leite e seus derivados. As proteínas nesses alimentos iniciaria já nas primeiras semanas ou meses de vida um processo irreversível de retardo mental. O quê resta então para comer? O remédio e também o “feijão com arroz” dos fenilcetonúricos é um leite em pó especial, que constitui a base de um tratamento necessário desde que a doença é detectada. O problema, no entanto, é o custo do composto alimentar. O Brasil tem cerca de 2,5 mil fenilcetonúricos, 111 no Paraná. Eles pertencem a um grupo de 109 mil portadores de um dos 70 tipos de doenças excepcionais incluídas numa cesta de medicamentos que custa R$ 449 milhões por ano ao Ministério da Saúde. No Paraná, a importação do leite em pó especial era feita pela Fepe até 2002, quando foi incorporado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Hoje, a conta é da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), que compra, em média, 360 latas de 500 gramas por mês, a um custo de R$ 112 mil. São três tipos do produto: a lata para criança até 1 ano de idade custa R$ 276,63; de 1 a 8 anos, R$ 328,88; e acima de 8 anos, R$ 297,17. Levando em conta o gasto médio paranaense, as despesas nacionais com o leite em pó especial são de R$ 2,5 milhões por mês. Apenas uma empresa nacional faz uma modesta concorrência ao leite importado, mas perde nas concorrências para as multinacionais. A compra deixou de onerar a Fepe e as famílias atendidas, tornandose problema do governo. Nem por isso a preocupação diminuiu. “Estamos num país pobre e o preço abusivo pode comprometer a continuidade do programa”, diz Marton. Há casos de crianças que precisam de quatro latas por mês e o tratamento dura a vida toda. Foi atrás de alternativas que dois bolsistas do curso de Engenharia de Alimentos da PUCPR saíram a campo. Sob a coordenação da professora Sílvia Deboni Dutcosky, Gabriela de Lima Correia encontrou meios para produzir no Brasil um leite igual ao importado, só que por um preço três vezes mais baixo. Num estudo paralelo, Remom Bortolozzi encontrou formas de baratear em até seis vezes a produção de uma farinha livre das proteínas para fazer pães, biscoitos, pizzas. Gabriela conseguiu uma fórmula com equilíbrio dos nutrientes essenciais para os primeiros seis meses do bebê, ao preço de R$ 70,50. O valor final, incluindo demais despesas de produção, ficaria em torno de R$ 100 a lata de 500 gramas. É um terço do preço pago pelo governo ao mesmo produto importado. “Concluise, portanto, que o leite é altamente viável”, diz Gabriela. O trabalho de Bortolozzi é o aprimoramento de um processo já existente para retirar a fenilalanina da farinha do pão. No processo convencional, a farinha passa por muitas lavagens para se extrair as proteínas insolúveis, aproveitando as solúveis e o amido. É demorado, caro e precisa de muito espaço. No estudo, Bertolozzi cruzou amido de milho, de mandioca e de trigo. Fez várias misturas com graduações diferentes de cada produto até encontrar a composição mais parecida com o pão convencional e apropriada aos fenilcetonúricos. Bortolozzi garante que o processo custa entre cinco e seis vezes menos do que o método usado pela única indústria nacional que produz essa farinha. Além de baratear custos, ele destaca outra vantagem: o efeito psicológico. O paciente poderá literalmente saciar a vontade de comer pão, uma vez que este terá verdadeiramente gosto de pão. Segundo a professora da dupla, uma grande empresa está analisando a viabilidade econômica para incluir os dois produtos na linha de produção.