AULA-P5-B2 Ácido úrico _10-11

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Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
Ano Lectivo 2010/2011
Unidade Curricular de BIOQUÍMICA II
Mestrado Integrado em MEDICINA
1º Ano
ENSINO PRÁTICO E TEORICO-PRÁTICO
5ª AULA PRÁTICA
Doseamento da concentração plasmática de ácido úrico
ÁCIDO ÚRICO
O homem é um animal ureotélico, uma vez que o ácido úrico é o produto final do
catabolismo das bases púricas: adenina (6-aminopurina), guanina (2-amino-6-oxipurina),
hipoxantina (6-oxipurina) e xantina (2,6-dioxipurina). Outras xantinas de origem exógena,
como a cafeína, a teofilina e a teobromina (presentes, respectivamente, no café, no chá e
no chocolate) dão origem ao ácido úrico.
Tanto os nucleótidos púricos como os pirimídicos têm outras funções para além de serem
precursores dos ácidos nucleicos, DNA e RNA. Assim, os nucleótidos de purina são fonte
de energia (ex: ATP), participam na sinalização intra e extracelular (ex: cAMP e cGMP, que
actuam como segundos mensageiros) ou funcionam como dadores de grupo metilo (Sadenosilmetionina). Os nucleótidos de pirimidina podem ser usados como intermediários
de alta energia (ex: UDP-glucose, UDP-galactose, CDP-acilglicerol -síntese dos lípidos).
Os nucleótidos são ésteres fosforilados dos nucleósidos em um ou mais grupos do açúcar.
O nucleósido é uma base ligada a um açúcar (D-ribose ou 2-desoxirribose). O único
açucar que se liga ao uracilo é a ribose e o único açucar que se liga à timina é o 2desoxirribose.
Os nucleósidos púricos são:
- Adenosina (adenina + D-ribose) e desoxiadenosina (2-desoxirribose em vez da ribose);
- Guanosina (guanina + D-ribose) e desoxiguanosina (idem).
Os nucleósidos pirimídicos são:
- Citidina (citosina + D-ribose)
- Uridina (uracilo + D-ribose)
- Timidina (timina + 2-desoxirribose)
As bases mais importantes:
Pirimidinas:
- Citosina (C): 2-oxi-4-aminopirimidina
- Timina (T): 2,4-dioxi-5-metilpirimidina
- Uracilo (U): 2,4-dioxipirimidina
Purinas:
- Adenina (A): 6-aminopurina
- Guanina (G): 2-amino-6-oxipurina, e
- Hipoxantina: 6-oxipurina
- Xantina: 2,6-dioxipurina
Outras xantinas: Cafeína, Teofilina, Teobromina
1
O produto final da biossíntese das bases púricas é o IMP, que é convertido em AMP e GMP.
Os derivados das bases púricas não são incorporados directamente nos ácidos nucleicos ou
coenzimas, mas através de intermediários.
As purinas do nosso organismo têm fundamentalmente duas origens:
i)
catabolismo das nucleoproteínas endógenas e alimentares (reciclagem);
ii)
síntese de novo das purinas (purinossíntese de novo).
iii)
Na nossa alimentação existem alimentos ricos em purinas, nomeadamente as vísceras dos
animais, a carne de animais jovens e os mariscos. Noutros alimentos, a concentração das
purinas é baixa, como acontece nos ovos, leite e queijo. No organismo humano, a maioria
das purinas ingeridas são convertidas em ácidos nucleicos.
As nucleoproteínas ingeridas sofrem a acção de enzimas proteolíticas do intestino e
ribonucleases e desoxirribonucleases do suco pancreático. As cadeias polinucleotídicas
libertadas são o substrato de polinucleotidases e fosfoesterases, dando origem aos
nucleótidos. Estes sofrem a acção de nucleotidases e fosfatases.
As bases púricas podem, assim, ser absorvidas sob a forma de nucleósidos ou oxidadas a
ácido úrico (Fig. 1). Da hipoxantina derivam a adenina, por aminação em C6, e a xantina,
por oxidação em C2. A partir da xantina forma-se o ácido úrico, por oxidação em C2 e C8.
A forma predominante do ácido úrico é determinada pelo pH do meio. O pK do protão do N9
é 5,75 e o do N1 é de 10,3.
Assim:
se pH< 5,75 predomina a forma não ionizada: ácido úrico;
se pH = 5,75 [ácido úrico] = [urato de sódio];
se pH > 5,75 predomina a forma ionizada (urato em solução).
No sangue (pH=7 e sendo o Na+ o catião mais abundante), o ácido úrico existe na forma de
sal monossódico: urato de sódio.
Como o sal de ácido úrico é muito pouco solúvel; quando a concentração de ácido úrico
aumenta (concentração plasmática de ácido úrico > 7 mg/dl), este sal pode precipitar.
Síntese de novo
Purinas
Dieta
Ácidos nucleicos alimentares
Degradação endógena
Catabolismo das nucleoproteínas
Nucleótidos
Purina
2
Degradação
1/3
Intestino
Uricólise
Ácido úrico
Ácido úrico CO2 + NH3
Excreção renal
2/3
(Bactérias)
Excreção
renal
Filtração glomerular: 100%
Reabsorção tubular proximal: 99%
Secreção tubular distal: 50%
Reabsorção tubular distal: 40%
Excreção: 10%
Figura 1- Origem e vias de eliminação do ácido úrico.
Vias de eliminação do ácido úrico:
- eliminação renal (2/3)
- uricólise intestinal (1/3).
A excreção renal de ácido úrico aumenta com o aumento da taxa de filtração glomerular e
diminui (aumento da uricémia) na insuficiência renal crónica, com taxas de filtração
glomerular < 20 ml/min/1,73m2 (N=120). Normalmente, só 30% do urato excretado é
proveniente da dieta.
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HIPERURICÉMIA
O ácido úrico é o produto final do metabolismo das purinas, as quais podem ter duas
origens: catabolismo das nucleoproteínas (endógenas ou alimentares), ou a síntese de
novo, das purinas (Fig. 1). O excesso de ácido úrico pode originar doença, devido à sua
deposição tecidular (ex. Gota) que corresponde à inflamação e consequente lesão, nos
locais de acumulação.
As fontes alimentares de purinas são várias: carnes de animais jovens, mariscos, anchovas,
mioleiras, fígado, sardinhas, conservas, etc. As bebidas alcoólicas têm também papel
importante na fisiopatologia da doença, por condicionarem aumento de produção e
diminuição da excreção (bebidas alcoólicas em geral). A cerveja em particular, além deste
mecanismo, tem um elevado teor de purinas.
Após a sua produção, cerca de 2/3 do ácido úrico é eliminado pelo rim (250 a 750 mg/dia),
sendo o restante, cerca de 1/3, eliminado pelo intestino. O ácido úrico serve também como
uma forma de eliminação de azoto. No rim, após a filtração glomerular, 99% são
reabsorvidos no túbulo proximal, sendo depois secretados 55% no túbulo contornado distal,
ocorrendo aqui nova reabsorção de 40 %. No final, são excretados cerca de 10 % de todo o
filtrado glomerular. De todos os uratos excretados, só 30 % pertencem à dieta, sendo os
restantes de origem endógena. Normalmente a mulher pré-menopáusica tem taxas de
excreção de ácido úrico superiores às do homem, sendo semelhantes nos dois sexos, após
a menopausa.
A hiperuricémia define-se pelo nível plasmático de ácido úrico acima de 7,0 mg/dl, e pode
resultar de: (1) aumento na produção; (2) diminuição na eliminação (renal) ou (3)
conjugação de ambas. Quimicamente, fala-se de hiperuricémia quando a concentração
plasmática de urato excede os limites de solubilidade do urato monossódico. Sendo um
produto final do metabolismo das purinas, o pH do meio influencia a solubilidade do ácido
úrico, tal como referimos anteriormente. Sendo o sal de ácido úrico pouco solúvel, quando
aumenta a sua concentração pode haver precipitação, o que ocorre habitualmente para
valores plasmáticos superiores a 7,0 mg/dl. A hiperuricémia é mais frequente nos indivíduos
de sexo masculino.
A hiperuricémia pode ser classificada de acordo com a etiologia ou com o mecanismo
fisiopatológico.
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Etiologicamente, as hiperuricémias podem ser:
1. Primárias:
•
Idiopáticas (causa desconhecida);
•
Défice de hipoxantina-guanina fosfo-ribosiltransferase (HGPRT);
•
Aumento da actividade de fosfo-ribosilfosfatase.
2. Secundárias:
•
Insuficiência renal;
•
Doenças
com
elevado
“turnover”
celular
(neoplasias,
doenças;
mieloproliferativas, crises blásticas, anemias hemolíticas, etc);
•
Sarcoidose;
•
Obesidade;
•
Intoxicação por chumbo;
•
Drogas (citotóxicos usados na quimioterapia para tratamento de neoplasias,
diuréticos, pirazinamida, etambutol, etanol, etc).
Quando ocorre uma subida dos valores séricos da uricémia, e ultrapassados os limites de
solubilidade do urato plasmático, ocorre precipitação do mesmo. Os orgãos mais atingidos
são habitualmente as articulações e o rim, podendo ser afectados outros locais como os
lóbulos das orelhas. Nas articulações ocorre depósito de cristais de ácido úrico quando há
hiperuricémia de longa duração. Após a sua fragmentação, são fagocitados pelos
lisosomas, com lesão subsequente das membranas destes organelos e libertação para o
espaço articular de mediadores de inflamação. Este facto origina um processo inflamatório,
normalmente de tipo agudo. Classicamente, a primeira articulação a mostrar sinais de
doença é a MTF (metatarso-falângica) do 1º dedo do pé (dor conhecida como podagra e
muitas vezes acompanhada de febre, mas de origem química e não infecciosa).
Posteriormente, outras articulações podem ser afectadas, como o joelho, os cotovelos, etc.
Os tofos gotosos são sinais visíveis da doença e consistem em depósitos de ácido úrico no
tecido celular sub-cutâneo. São encontrados nos lóbulos das orelhas, mas surgem
frequentemente nas extremidades (mãos e pés). No rim, simultaneamente com a deposição
de cristais de ácido úrico e consequente nefropatia úrica, há tendência para a formação de
cálculos, o que pode originar crises de cólica renal. Acompanhando a deposição progressiva
no rim, surge perda progressiva da função renal, a qual por seu lado, pode também ser
causa de hiperuricémia.
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Tratamento:
O tratamento da hiperuricémia assenta em duas vertentes, a farmacológica e a dietética,
podendo considerar-se o tratamento de fundo e o da crise.
1. Tratamento de fundo:
MEDIDAS DIETÉTICAS:
•
Diminuição da ingestão de alimentos ricos em purinas
•
Reforço da hidratação oral
•
Ingestão de águas bicarbonatadas, ou mesmo toma de bicarbonatos, com controlo
rigoroso do pH urinário, (úteis na medida em que favorecem a solubilização do ácido
úrico, facilitando a sua eliminação).
MEDIDAS FARMACOLÓGICAS:
•
Diminuição da síntese do ácido úrico: alopurinol (inibidor da xantina-oxidase; Fig. 2);
•
Aumento da excreção renal, com recurso a medicamentos que aumentem a excreção.
Nos doentes que já apresentem uma taxa de excreção aumentada, são de pouca
utilidade e naqueles que sofram de litíase (cálculos) renal úrica, a estratégia mais
correcta é a inibição da síntese.
•
Nos casos em que existem tofos gotosos muito exuberantes, pode haver necessidade
de cirurgia para a sua extracção.
2. TRATAMENTO DA CRISE:
•
Colchicina
•
Anti-inflamatórios (não esteroides)
•
Analgésicos
•
Repouso
6
GMP
AMP
Adenosina deaminase
IMP
Guanosina
5’-Nucleotidase
Inosina
Guanina
Purina nucleósido
fosforilase
Hipoxantina
Guanase
Xantina oxidase
Xantina
Xantina oxidase
Ácido Úrico
Urina
Figura 2- Degradação das purinas. O alopurinol inibe a síntese de ácido úrico, pois inibe a
enzima xantina oxidase.
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MÉTODOS DE DOSEAMENTO DO ÁCIDO ÚRICO:
- Reagente de Folin e Denis – é um método baseado na coloração que o ácido produz
após redução daquele reagente. Apesar de ser um método rápido, cómodo e aplicável ao
sangue e urina, não é um método específico, uma vez que os derivados purínicos e os
cromogéneos não uráticos falseiam o resultado, reagindo eles também com o reagente de
Folin e Denis.
- Método Enzimático – o ácido úrico é convertido em alantoína e peróxido de hidrogénio
por acção da enzima uricase. Por acção da peroxidase, o H2O2 oxida o ácido 3,5- dicloro-2hidroxibenzenosulfónico e a 4-aminofenazona para formar a quinoneimina, um composto
corado e detectado por espectrofotometria do visível:
uricase
1) Ácido úrico + O2 + 2 H2O Alantoína + CO2 + H2O2
peroxidase
2) H2O2 + Ácido 3,5-dicloro-2-hidroxibenzenosulfónico + 4-aminofenazona N-(4antipiril)-3-cloro-5-sulfonato-p-benzo-quinoneimina.
A determinação quantitativa da eliminação do ácido úrico na urina tem pouco valor clínico e
só tem interesse se se conhece o valor das bases púricas da dieta ou se se estabelece uma
dieta pobre em purinas (caso interesse quantificar a fracção endógena).
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Unidade Curricular de BIOQUÍMICA II, Mestrado Integrado em MEDICINA,
2010/2011
PROTOCOLO DE BANCADA - 5ª AULA PRÁTICA
Doseamento da concentração plasmática de ácido úrico (Uricémia)
GRUPOS 1 a 4
Amostra: Soro ou plasma isolado de sangue colhido em heparina ou EDTA.
Padrão: Ácido úrico 595 µM (10 mg/dl)
Tampão: Hepes (50 mM), pH 7,0 + ácido 3,5-dicloro-2-hidroxibenzenosulfónico (4 mM)
Reagente enzimático:
4-Aminofenazona (0,25 mM) + Peroxidase (1000 U/l) + Uricase (200 U/l)
Solução de Trabalho (proteger da luz): Reconstituição do Reagente enzimático com a
solução Tampão. Estabilidade: 5 dias a 15-25ºC ou 21 dias a 2-8ºC.
Preparação dos tubos:
Tubos
Amostra
Padrão
Solução de
trabalho
1
Padrão
-
20 µl
1 ml
2
Amostra
20 µl
-
1 ml
3
Branco
-
-
1 ml
• Misturar e incubar durante 5 minutos a 37ºC ou 15 minutos à temperatura ambiente.
• Ler a absorvância da amostra e do padrão, contra o branco (zero), a 520 nm.
A intensidade de cor é estável durante 30 minutos.
Linearidade: O método é linear até uma concentração de 20 mg% ou 1189 µM. Acima
deste valor, as amostras deverão ser diluídas (1:2) com NaCl 0,9%.
Cálculos:
DO (amostra)
[Ácido úrico] =
X Concentração do Padrão
DO (padrão)
Valores referência:
Mulheres: 2,4 – 5,7 mg% ou 142 – 339 µM.
Homens: 3,4 – 7,0 mg% ou 202 – 416 µM.
1
NOTA: Concentrações de hemoglobina e bilirrubina até 100 mg% e 20 mg%,
respectivamente, não afectam a determinação da concentração de ácido úrico.
ATENÇÃO!
Algumas soluções (ex. tampão para determinação da uricémia) contêm o conservante azida
de sódio, que é tóxico.
NOTAS IMPORTANTES SOBRE A AZIDA DE SÓDIO:
- Evite ingerir ou o contacto com a pele ou mucosas.
- No caso de contacto com a pele, lave imediatamente com bastante água.
- No caso de contacto com os olhos e se ingerido, dirija-se ao Centro de Saúde ou Hospital mais
próximo.
- A azida de sódio reage facilmente com o chumbo ou cobre dos lavatórios/superfície de metal e
forma compostos de azida altamente explosivos.
- Os tubos contendo azida de sódio devem ser colocados em contentor próprio para resíduos
perigosos.
- Em caso de derrame, as superfícies de metal deverão ser lavadas com uma solução de 10% de
hidróxido de sódio (NaOH) para descontaminação.
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