0.21. MAGNETISMO EM MEIOS MATERIAIS 0.21.5 91 Materiais supercondutores No âmbito das propriedades eléctricas e magnéticas dos materiais, importa detalhar os materiais supercondutores, cuja importância fundamental e tecnológica tem crescido imensamente nas últimas décadas, sobretudo depois da descoberta em 1986 de uma famı́lia de óxidos cerâmicos que apresentam propriedades supercondutores até temperaturas superiores á da temperatura da liquefacção do ar. A descoberta da supercondutividade deve-se a Kammerlingh Onnes, que em 1911, no âmbito de uma série de estudos de materiais em temperaturas muito baixas (da ordem da temperatura da liquefacção do hélio, que acontece para T ∼ 4 K, e que foi obtida pela primeira vez no laboratório de K. Onnes). De acordo com os modelos da condução eléctrica, a condutividade é proporcional ao tempo médio entre colisões dos transportadores de carga. Para temperaturas muito baixas, este tempo médio é muito grande e depende essencialmente dos defeitos e impurezas presentes, que origina um valor máximo da condutividade e um valor mı́nimo da resistividade. Foi este comportamento que K. Onnes descobriu, por exemplo, na prata e no ouro. No entanto, numa amostra muito pura de mercúrio, verificou que a resistividade diminuia gradualmente com a diminuição de temperatura, tal como para a prata e o ouro, mas que subitamente, abaixo de 4.1 K, desapareciam todos os sinais de resistividade. Esta transição ocorre a uma temperatura bem definida, dita temperatura crı́tica, TC , o que indica que se trata de uma transição de fase (tal como a ebulição da água, que ocorre a 373 K) entre duas fases (por vezes também designados imprecisamente por ”estados”): a fase ”normal” e a fase supercondutora. Resistividade nula e correntes persisitentes Sendo nula a resistividade no estado supercondutor, a equação J = (1/ρ)E só mantém a sua consistência, se ocorrer E=0 (272) o que permite que haja uma corrente finita no interior do supercondutor. No entanto, experimentalmente é difı́cil (leia-se: impossı́vel) estabelecer que a resistividade é exactamente zero. Uma das evidências mais fortes em favor não é directa, mas provém do estabelecimento de correntes persistentes num supercondutor. Vejamos como. Consideremos um anel supercondutor sujeito a um campo magnético B; o fluxo φ que atravessa a superfı́cie delimitada pelo anel é: φ= B · dS (273) 92 A lei de Faraday, que recordaremos no próximo capı́tulo, assegura que a taxa de variação do fluxo magnético corresponde à força electromotriz induzida, que é simplesmente a circulação do campo eléctrico num circuito (fechado): dφ = − = − dt E · dl (274) C Podemos tomar a circulação no interior do anel supercondutor. Sendo nula a resistividade, então temos E = 0 no interior do supercondutor e também: dφ =0 dt (275) O fluxo do campo magnético permanece assim constante. A forma de estabelecer uma corrente persistente num supercondutor é a seguinte. Começa-se com um anel supercondutor acima da temperatura crı́tica, que se submete a um campo magnético externo B, que origina um fluxo φ no anel. Se agora arrefecermos o material até uma temperatura inferior á temperatura crı́tica, obtemos a fase supercondutora, onde o fluxo magnético permanece constante. Se desligarmos o campo magnético externo, o fluxo permanece, o que implica que o próprio supercondutor gera o fluxo magnético que o atravessa através da geração de uma corrente I. Gerámos assim uma corrente no anel supercondutor, que permanece inalterada enquanto se mantiver o material na fase supercondutora. Experimentalmente, verificou-se já a permanência deste tipo de corrente durante anos, o que constitui o melhor indício de que a resistividade é exactamente nula. Efeito de Meissner-Ochsenfeld e diamagnetismo perfeito Os supercondutores apresentam ainda outras propriedades magnéticas caracterı́stizam, mais ainda do que a resistividade nula. O chamado efeito de Meissner-Ochsenfeld constitui modernamente a identificação definitiva da ocorrẽncia da fase supercondutora. Consideremos novamente a nossa espira supercondutora e, partindo de T > TC (fase normal)consideremos a seguinte sequência de passos experimentais: • arrefeçamos até T < TC ; • liguemos de seguida um campo magnético externo fraco; Tal como anteriormente, o supercondutor garante que o fluxo magnético se mantém constante no seu interior (neste caso φ = 0), o que equivale a dizer que o campo magnético externo fraco não é capaz de penetrar o supercondutor, devido à geração de correntes persistentes. 0.21. MAGNETISMO EM MEIOS MATERIAIS 93 No entanto, se a fase supercondutora for (e é) um estado de equilı́brio termodinâmico, então o estado final não pode depender da sequência de passos experimentais. Façamo então o procedimento ao contrário, partindo da fase normal: • ligamos um campo magnético externo, que penetra o material, uma vez que este não está na fase supercondutora; • arrefeçemos de seguida até T < TC : o supercondutor expele o campo magnético, através da geracção de correntes persistentes! Este resultado inesperado da expulsão de um campo magnético externo fraco do interior de um supercondutor designa-se efeito de Meissner-Ochsenfeld e, constitui, conforme indicámos inicialmente, uma das manifestaccões mais caracterı́sticas da fase supercondutora. Concluı́mos assim o seguinte: sob acção de um campo externo fraco H, o campo magnético B no supercondutor é nulo. Da equação (266), obtemos então: M = −H (276) isto é, da definição de susceptibilidade (eq. 268): χm = −1 (277) Os supercondutores designam-se assim diamagnetes perfeitos. Supercondutividade de tipo I e de tipo II O que é que acontece se aumentarmos a intensidade do campo magnético externo aplicado? Será que o campo magnético é sempre expulso do interior do supercondutor, independentemente da respectiva intensidade? Experimentalmente, verifica-se existir um campo máximo a partir do qual a supercondutividade é destruı́da. Nalguns supercondutores, ditos supercondutores do tipo I, é esta destruição da supercondutividade acontece abruptamente a partir de um campo aplicado Hc , dito campo cr’ıtico; noutros supercondutores, ditos supercondutores do tipo II, a destruição ocorre progressivamente a partir de um campo crı́tico inferior Hc1 , em que a fase normal passa a coexistir com a fase supercondutora, ocorrendo o desaparecimento completo da fase supercondutora para campos aplicados superiores ao campo crı́tico superior Hc2 . As curvas da magnetização em função do campo aplicado encontram-se esquematizadas na figura 18 para os dois tipos de supercondutores. Os campos crı́ticos para os dois tipos de supercondutores são dependentes da temperatura, diminuindo com a temperatura até se anularem na temperatura crı́tica, conforme ilustra a figura 19. 94 Tipo I Tipo II Figure 18: Curvas de magnetização tı́picas de supercondutores do tipo I e do tipo II. Tipo I Tipo II Figure 19: Dependência com a temperatura dos campos crı́ticos, para supercondutores do tipo I e do tipo II. 95 0.21. MAGNETISMO EM MEIOS MATERIAIS A penetração parcial do campo magnético no material que ocorre para os supercondutores do tipo II pode explicar-se recorrendo ao conceito de vórtice, proposto por Abrikosov, em que uma supercorrente circula em torno de um centro de material na fase normal, através do qual penetra o campo magnético. A equação de London e o comprimento de penetração O modelo mais simples capaz de descrever o efeito de Meissner-Ochsenfeld é devido aos irmãos F. e H. London, que o propuseram em 1935. No caso de um supercondutor sujeito a um campo magnético externo estático B, o modelo de London descreve uma supercorrente j cuja circulação é simplesmente proporcional ao fluxo do campo magnético aplicado B: ns e2 j · dl = − me C B · dS (278) onde ns é a densidade de electrões na fase supercondutora, e e me são a carga e a massa do electrão, respectivamente. Desta equação resulta, por aplicação do teorema de Stokes: ∇×j= − ns e2 B me (279) e, sendo B = ∇ × A, vem: j=− ns e2 A me (280) Esta última expressão é válida também no caso não estático e costuma designar-se equação de London. Da equação de London na forma estática (eq. 279) e da lei de Ampère ∇ × B = µ0 j resulta: ∇ × (∇ × B) = −µ0 ns e2 1 B = − 2B me λ (281) onde λ tem dimensões de comprimento e costuma designar-se comprimento de penetração, sendo: me λ=− µ0 ns e2 1/2 (282) 96 De facto, se considerarmos um supercondutor plano cuja superfı́cie seja paralela ao plano y − z, e aplicarmos um campo paralelo à superfı́cie, B = B0 êz , rapidamente concluı́mos (verifique!) que a equação (281) se reduz a: d2 Bz (x) 1 = 2 Bz (x) 2 dx λ (283) x Bz (x) = B0 exp − λ (284) cuja solução é: Assim, a equação de London prevê que o campo magnético decaia exponencialmente no interior do supercondutor, sendo λ o comprimento tı́pico de decaimento (o campo magnético reduz-se do factor e ao fim de um comprimento de penetração). Figure 20: Decaimento do campo magnético na superfı́cie de um supercondutor, ilustrando o conceito de comprimento de penetração.