Os compostos orgânicos mais simples são os hidrocarbonetos: os hidrocarbonetos são constituídos apenas por átomos de carbono e hidrogénio. O carbono tem 4 electrões de valência. No metano um átomo de carbono liga-se a 4 hidrogénios… Os átomos de carbono podem ligar-se por ligações simples uns aos outros formando os alcanos. A Bioquímica e a Química Orgânica [email protected] CH3CH2CH2CH3 CH3CH2CH3 1 Laboratório de Bioquímica da Faculdade de Medicina do Porto C4H10 As cadeias carbonadas podem ser ramificadas como no isobutano (2-metil-propano). H 3C As cadeias podem ser cíclicas como no ciclopentano CH CH3 Fórmula molecular = C4H10 2 H2C CH3 CH2 CH2 o n-butano e o isobutano são isómeros porque têm a mesma fórmula molecular. CH2 Os alcenos são hidrocarbonetos que contêm, pelo menos, uma ligação dupla H (são insaturados). H H C H H C H H C H C H H C H Os alcanos são hidrocarbonetos saturados; os alcenos são insaturados podendo ser isómeros cis ou trans. 2 n-butano O tetradecano é um alcano Sou um alcano e estou saturado… de hidrogénios H H H Fórmula molecular = propano O 7-trans-tetradeceno é um alceno H H H H H H Se perder hidrogénios oxido-me e fico Eteno CH2=CH2 insaturado XH2 2-cis-penteno 2-trans-penteno 3 … são isómeros cis-trans 4 O 7-cis-tetradeceno é um alceno O benzeno é um hidrocarboneto aromático: é um anel com 6 carbonos e 3 duplas ligações conjugadas. Os hidrocarbonetos costumam classificar-se em Tal como o colesterol também o metanol e o etanol contêm um grupo hidroxilo: são álcoois. Aromáticos: com um ou mais anéis benzénicos O glicerol é um poliálcool e contém 2 hidroxilos primários e 1 secundário. Alifáticos: cadeias carbonadas lineares ou ramificadas A fenilalanina contém um anel benzénico: é um aminoácido aromático. Os éteres (R1-O-R2) podem ser entendidos como resultando da ligação de 2 álcoois com perda de água: o éter etílico é formado por 2 resíduos de etanol. perhidro-fenantreno Alguns lipídeos complexos contêm uma ligação éter entre o resíduo de um álcool gordo e o resíduo de glicerol ciclopentano Colesterol: ciclopentano-perhidro-fenantreno Fenantreno hidroxilado no carbono 3, dupla ligação no carbono 5 dois grupos metilo (nos carbonos 10 e 13) e 5 uma cadeia alifática ramificada com 8 carbonos no carbono 17. Se substituirmos o átomo de O por um átomo de S num grupo hidroxilo (-OH) obtemos um grupo tiol (-SH). 6 No éter etílico (R1-O-R2), R1 e R2 são grupos etilo Um plasmalógeno Quando dois compostos que contêm grupos tiol reagem entre si com perda de átomos de hidrogénio (oxidação) e ficam ligados pelos átomos de enxofre, a ligação resultante diz-se dissulfureto (R-S-S-R). Estou oxidado porque perdi hidrogénios Glutatião (forma reduzida); GSH GSH XH2 GSSG GSH Cisteína Coenzima A (CoA ou CoASH) Grupo (ou ligação) dissulfureto 7 Dissulfureto do glutatião (forma oxidada); GSSG Na metionina (um aminoácido) um grupo metilo liga-se à restante molécula por uma ligação sulfureto (R-S-R). 8 A oxidação de hidroxilos primários dá origem a aldeídos. A oxidação do etanol dá origem ao etanal (ou acetaldeído). Com a perda de hidrogénios fiquei mais oxidado que o etanol Os glicídeos são derivados aldeídicos (aldoses) ou cetónicos (cetoses) de poliálcoois. O HC HO C H2C gliceraldeído Com a perda de hidrogénios fiquei mais oxidado que o 2-propanol A oxidação de hidroxilos secundários dá origem a cetonas. A oxidação do 2-propanol dá origem à propanona (ou acetona). grupos 9 aldeído e cetónico = grupo carbonilo (nome colectivo) Os monossacarídeos (ou oses) com número de carbonos superior a 4 são mais estáveis quando formam estruturas cíclicas que nas formas lineares. O rearranjo molecular que resulta da reacção entre um grupo carbonilo e um grupo hidroxilo chama-se: O gliceraldeído (aldotriose) OH H2C e a di-hidroxiacetona (cetotriose) H OH …e são isómeros entre si. C3H6O3 H2C di-hidroxiacetona OH O HC OH H C OH a frutose (uma cetohexose) HO C H também C OH H C OH H2C glicose H2C A glicose (uma aldohexose) e H OH O C são os monossacarídeos mais simples são monossacarídeos …e também são isómeros entre si. C6H12O6 C O HO C H H C OH H C OH H2C frutose OH 10 Os acetais podem ser compreendidos como resultando da reacção entre um semiacetal e um álcool com perda de água. glicose glicose grupo (ou ligação) semiacetal maltose Ligação acetal 11 A hidrólise (a inversa da reacção representada) da ligação acetal (ou glicosídica tipo 12 O) da maltose leva à libertação de duas moléculas de glicose: a maltose é formada por dois resíduos de glicose. A oxidação de grupos aldeído origina grupos carboxilo. Os compostos que têm grupos carboxilo são ácidos carboxílicos. Ao perder um protão fiquei desprotonado; neste caso tb fiquei com carga eléctrica: fiquei ionizado Ao ganhar um oxigénio fiquei oxidado ácido palmítico ácido acético O C H3C + palmitato O OH C H3C acetato acetaldeído Em Bioquímica, se não estamos a tratar de reacções ácido base, pode dizer-se palmitato (ou ácido palmítico) para nos referirmos colectivamente ao conjunto: O - …a mesma regra se aplica a todos os ácidos e respectivas bases (ou sais). Reacção de dissociação protónica (ou protólise). Ácido propiónico ou propionato Ácido pirúvico ou piruvato Ácido láctico ou lactato Os grupos carboxílicos que sofreram dissociação protónica chamam-se grupos carboxilato. Reacção de oxidação Em Bioquímica, se não estivermos a falar de reacções ácido-base (como as de dissociação protónica), podemos dizer ácido acético (ou acetato) para13nos referirmos colectivamente ao conjunto ácido acético + acetato. Ácido succínico ou succinato Ácido cítrico ou 14 citrato Quando um ácido carboxílico é dissolvido em água tende a ionizar-se (sofrer protólise) libertando protões e o respectivo sal (ou base). Quando uma base é dissolvida num meio que contém protões tende a ligar protões convertendo-se no ácido correspondente. Resumindo. Quando um álcool se oxida gera-se um aldeído (ou uma cetona). Quando um aldeído se oxida gera-se um ácido carboxílico. Quando um ácido carboxílico sofre protólise gera-se o sal (ou base) correspondente. CH3CHOHCOOH → CH3CHOHCOO- + H+ CH3CHOHCOO- + H+ → CH3CHOHCOOH A ligação de um grupo carbonilo a um álcool com rearranjo molecular gera uma ligação semi-acetal etanol Quando o pH do meio é mantido a um determinado valor a proporção relativa das formas dissociada (desligada do protão) e não dissociada (ligada ao protão) depende da força do ácido e do valor do pH. acetaldeído ácido acético acetato A ligação de um grupo semiacetal a um álcool com perda de água gera uma ligação acetal. Semi-acetal + hidroxilo H2O pH = 1 > pH = 3,7 = pH = 7 < 15 16 Os ésteres podem ser entendidos como resultando da reacção entre um álcool e um ácido com perda de água: a hidrólise de um éster liberta os resíduos constituintes do éster, ácido + álcool. A hidrólise de um tioéster liberta ácido + tiol: a acetil-coenzima A contém coenzima A ligada ao ácido acético (acetato) por uma ligação tioéster. éster de colesterol colesterol ácido gordo Acetil-CoA + H 2O → CoA + ácido acético Ao contrário dos grupos ésteres (e tioésteres) que são aprótidos (não ligam nem libertam protões) um dos produtos da sua hidrólise é um ácido. H2O Um triacilglicerol glicerol + 3 ácidos gordos 17 Quando, num éster, o ácido é o ácido fosfórico (ou o seu sal, o fosfato) a ligação diz-se fosfoéster. A hidrólise da ligação Ácido fosfórico; Pi fosfoéster que existe na glicose-6fosfato leva à libertação de glicose + fosfato (ou Pi); Glicose6-fosfato glicose a glicose-6-fosfato contém um resíduo de glicose e outro resíduo de fosfato. hidrólise 18 protólise As ligações que podem ser entendidas como resultando da reacção entre dois ácidos (ou sais) com perda de água designam-se de ligações anidrido. grupo carboxilo ligação anidrido ácido fosfórico; fosfato inorgânico; Pi A hidrólise da ligação fosfoanidrido (liga dois fosfatos) do pirofosfato (ou difosfato) gera fosfafo inorgânico: PPi + H2O → 2 Pi. O pirofosfafo contém dois resíduos de fosfato. Quando, num éster, o ácido é o ácido sulfúrico (ou o seu sal, o sulfato) a ligação diz-se sulfoéster. Pi Pi PPi Ácido sulfúrico Glicose3-sulfato glicose A glicose-3-sulfato contém um resíduo de glicose e outro de sulfato ligados por uma 19 ligação sulfoéster A hidrólise da ligação fosfoanidrido que liga os fosfatos beta (β) e gama (γ ) do ATP ATP + H2O → ADP + Pi. gera fosfato inorgânico + ADP: ATP γ β α ADP 20 O amoníaco (NH3) é uma base que, quando aceita um protão, se converte no ião amónio (NH4+). Resumindo. Quando um éter sofre hidrólise libertam-se dois álcoois. acetal + H2O → semiacetal + álcool éster + H2O → ácido + álcool tioéster + H2O → ácido + tiol As aminas resultam da substituição de um ou mais hidrogénios do amoníaco (ou do ião amónio) por cadeias carbonadas. fosfoéster + H2O → ácido fosfórico (fosfato) + álcool OH sulfoéster + H2O → ácido sulfúrico (sulfato) + álcool H anidrido + H2O → 2 ácidos (sais) OH amida + H2O → ácido + amina ou amoníaco (amónio) 21 prolina (contém amina secundária = azoto liga-se a 2 carbonos) lisina H N H Glicosamina 22 Glicosamina com o grupo amina protonado Os aminoácidos são compostos orgânicos que contém, pelo menos, um grupo carboxílico e um grupo amina. Nos aminoácidos que fazem parte das proteínas existe sempre um grupo amina no carbono 2 (ou α) e um grupo carboxílico que contém o carbono 1. São exemplos: histidina (contém anel imidazol… que é um heterociclo aromático) H H E também: (também contém um grupo amina no carbono 6) H HO fosfoanidrido + H2O → 2 ácido fosfórico (fosfatos) glicina, o aminoácido mais simples O OH H Os grupos amida podem ser compreendidos como sendo o resultado da reacção entre um ácido e o amoníaco (ou de um ácido e um grupo amina) com perda de água. amida A hidrólise de uma amida gera um ácido e amoníaco... R N C H amoníaco O …que aceitando um protão se converte em amónio. (ao contrário do amoníaco e das aminas, os grupos amida não aceitam nem cedem protões, são aprótidos) glutamina glutamato ou ácido glutâmico (contém grupo carboxilo no carbono 5) H H+ ácido carboxílico NH4+ amoníaco ácido glutâmico triptofano (contém anel indol 23 …que é um heterociclo aromático) A glutamina é um aminoácido com um grupo amida no carbono 5; a hidrólise do grupo amida gera amónio e glutamato... 24 Nos peptídeos e nas proteínas os resíduos dos aminoácidos estão ligados por ligações amida. Quando a ligação amida envolve o grupo α-amina de um aminoácido e o grupo carboxílico do carbono 1 doutro aminoácido a ligação diz-se peptídica. Uma molécula diz-se quiral quando a sua imagem num espelho plano não é sobreponível consigo própria mesmo se a rodarmos e fizermos rodar as ligações simples. ácido aspártico α aspartame H2O α ligação éster Fenilalanina esterificada com metanol ligação amida “As nossas mãos são enantiómeros. “ O único carbono assimétrico do(s) gliceraldeído(s) é o carbono 2. n H2O A hidrólise completa de uma proteína (das suas ligações peptídicas) liberta os aminoácidos constituintes dessa proteína. Todas as moléculas quirais têm, pelo menos, um O gliceraldeído-L e o gliceraldeído-D são moléculas quirais; entre si são enantiómeros (um tipo de isómeros ópticos). 25 Ao contrário dos gliceraldeídos L e D, a glicina e a di-hidroxiacetona O não são moléculas quirais (não têm nenhum carbono assimétrico). Estes dois modelos representam a mesma molécula: a glicina, o único aminoácido “relevante” que não tem carbonos assimétricos. O O O N N De acordo com a convenção de Fischer, quando se representam no plano do papel estruturas com carbonos assimétricos, os carbonos alinham-se por ordem numérica na vertical e os carbonos a ele ligados estão, na estrutura tridimensional, atrás do plano do papel. carbono assimétrico: um carbono ligada a quatro átomos (ou grupos de 26 . átomos) todos diferentes Sempre o mesmo gliceraldeído-D A identidade dos dois modelos é evidente se fizermos rodar a ligação (simples) assinalada. Tal como a glicina também a dihidroxiacetona não tem carbonos assimétricos. Estes dois modelos representam a mesma molécula: a di-hidroxiacetona (a cetose mais simples). A identidade dos dois modelos é evidente se fizermos rodar as ligações (simples) 27 assinaladas. gliceraldeído-L gliceraldeído-D Os gliceraldeidos L e D têm configurações invertidas no último (neste caso, o único) 28 carbono assimétrico. Orientados de acordo com a convenção de Fischer, o hidroxilo deste carbono fica à esquerda no gliceraldeído-L e à direita no gliceraldeído-D. As enzimas distinguem os isómeros D e L porque (em geral) apenas uma delas tem uma estrutura que é complementar e “encaixa” no centro activo da enzima. Enzima que liga o gliceraldeído-D A glicose-L e a glicose-D são enantiómeros e distinguem-se por terem uma configuração invertida em todos os carbonos assimétricos (os carbonos 2, 3, 4 e 5). As plantas e os animais sintetizam glicose-D. A glicose-L sintetizase no laboratório Gliceraldeído-D Gliceraldeído-L Isto permite compreender que na esmagadora maioria dos casos só exista na natureza um dos enantiómeros de uma determinada substância. Por isso, num contexto bioquímico, é desnecessário dizer gliceraldeído-D, glicose-D, lactato-L ou alanina-L …nos seres vivos todo o gliceraldeído é gliceraldeído-D toda a glicose é glicose-D todo o lactato é lactato-L 29 toda a alanina é alanina-L A galactose, a glicose e a manose são monossacarídeos distintos e todos têm 4 carbonos assimétricos. São todos de tipo D porque no último carbono assimétrico (o carbono 5) o OH está virado para a direita. Último carbono assimétrico com OH virado para a esquerda. Último carbono assimétrico com OH virado para a direita. 30 As moléculas das glicoses L e D são a imagem em espelho uma da outra. Quando as oses assumem a forma cíclica (formação do semi-acetal) passa a haver mais um carbono assimétrico (o que na forma linear era o do grupo carbonilo) que passa a designar-se de carbono anomérico. A glicose α e a glicose β são um tipo particular de isómeros ópticos: são anómeros. A galactose e a glicose são epímeros entre si A glicose e a manose são epímeros entre si A galactose e são diasteroisómeros. a manose Glicose β 31 Glicose α A glicose α e a glicose β estão em equilíbrio químico (não enzímico) interconvertendo-se uma na outra via forma linear. 32 Na maltose o resíduo de glicose que contribuí para a ligação acetal (glicosídica tipo O) com o grupo semi-acetal é o anómero α e a ligação diz-se α (1→4). Resumindo isomerias: Na celobiose o resíduo de glicose que contribuí para a ligação acetal (glicosídica tipo O) com o grupo semi-acetal é o anómero β e a ligação diz-se β (1→4). a) isómeros de cadeia como no caso do n-butano e do 2-metil-propano. Isómeros são substâncias diferentes com a mesma fórmula molecular. Podem ser: b) isómeros de posição como no caso do gliceraldeído (D ou L) e da hi-hidroxiacetona. c) isómeros cis-trans como no caso do 2-trans-buteno e do 2-cis-buteno. d) isómeros ópticos (diferem na configuração dos “substituintes” ligados aos carbonos assimétricos) (dois isómeros ópticos são sempre compostos quirais, compostos com, pelo menos, um carbono assimétrico, como os casos da glicose-D ou da alanina-L) enantiómeros como no caso das glicoses D e L Isómeros ópticos α(1→4) diasterisómeros β(1→4) diasteroisómeros que não são epímeros como o caso da glicose-D e da manose-D (não enantiómeros) epímeros como o caso da glicose-D e galactose-D 33 Bibliografia 1. Chang, R. (1994) Química, 5ª edn, McGraw-Hill, Lisboa. 2. Meisenberg, G. & Simmons, W. H. (1998) Principles of Medical Biochemistry, Mosby, St. Louis. 3. Murray, R. K., Granner, D. K. & Rodwell, V. W. (2006) Harper's Illustrated Biochemistry, 27th edn, Lange, Boston. 4. Vargas, J. J. & Macarulla, J. (1979) Fisiquimica fisiologica, 5ª edn, Interamerica, Madrid. 5. Morrison, R. & Boyd, R. (1992) Química Orgânica, 13ª edn, Fundação Caloust Gulbenkian, Lisboa. 6. Fontes R., Alçada M.N. (2009) A Bioquímica e a Química Orgânica. 35 anómeros são um caso particular dentro dos epímeros; 34 caso da glicose-D-α e da glicose-D-β