Victor Otavio Carvalho Marques - PUC-SP

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Victor Otávio Carvalho Marques
Cultura e ruína: o punk rock britânico da década de 1980
Mestrado em comunicação e semiótica
São Paulo
2015
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Victor Otávio Carvalho Marques
Cultura e ruína: o punk rock britânico da década de 1980
Mestrado em comunicação e semiótica
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de mestre
em Comunicação e semiótica, sob a orientação da
Profa. Dra. Jerusa Pires Ferreira.
São Paulo
2015
Banca examinadora
______________________________
______________________________
______________________________
Agradecimentos
Como gosto de começar pelo começo, agradeço aos meus pais, Maria Lúcia e
Adilson, e minha tia Ivone; minha presença no curso (em verdade, no mundo) não seria
possível sem eles. A Julia, irmã e parceira, por conviver comigo ao longo de todo o
processo de escritura. Aos amigos de longa data, que não me deixaram enlouquecer
ou vacilar ante as dificuldades aqui superadas. A Jerusa Pires Ferreira, orientadora da
pesquisa, que me mostrou um belo caminho percorrido com imensa alegria, norteou e
se mostrou uma grande parceira. Aos demais professores do curso, em especial
Amálio Pinheiro, Christine Greiner, Eugênio Trivinho, Lucio Agra Norval Baitello e
Oscar Cesarotto, cujos cursos frequentei e me foram de imensa valia. Aos colegas de
sala, que sempre levantaram debates enriquecedores às reflexões aqui apresentadas.
A todos os amigos que montaram suas bandas e foram capazes de mostrar como os
terrenos que não estão em evidência são férteis. Ao CNPq, que financiou e acreditou
nesta pesquisa. E a Flávia, a mais nova desta lista, pois nada na vida, ao menos na
minha, é possível sem amor.
4
Resumo
O presente trabalho visa analisar a maneira pela qual o punk rock britânico da década
de 1980 se insere em nossa cultura. Seu objetivo é enfocar um processo cultural
marginal através e a partir de elementos dispostos em materiais fonográficos. Faz-se
urgente tal discussão por esta abarcar compósitos possíveis para observar nossa
construção mediática, sobretudo musical, em fins do século XX, cujas mudanças,
principalmente de ordem técnica, avançavam velozmente. Destacamos, como hipótese,
que essa adesão às margens da cultura seja proveniente de escolhas que cada um dos
grupos aqui analisados fez em detrimento da fama, figurando uma relação diferente
com o desenvolvimento cultural das fronteiras, formulação prevista sobretudo por Iuri
Lótman. Para tanto, munimo-nos de aparatos teóricos que se dividem em duas grandes
frentes: estudos da voz e da cultura. Ressaltamos aqui as figuras de Paul Zumthor, o já
mencionado Iuri Lótman, Jesús Martín-Barbero, Walter Benjamin, Giorgio Agamben e
Jerusa Pires Ferreira, que integram todos os passos deste texto. A conclusão que
apontamos é haver uma mudança em todo o esquema de produção musical nos dias
de hoje, tendo este mercado conhecido alterações radicais e contradispositivos tácitos
vigentes nos undergrounds edificados pelo punk rock.
Palavras-chave: Punk rock, marginalidade, semiótica da cultura, oralidade, violência.
5
Abstract
The present work aims to analyze the way that the British punk rock from the 1980‟s be
part of our culture. Its intent is embrace a marginal cultural process through and from
disposed phonographic elements. It is urgent this discussion by this cover possible
composites to the observation of our mediatic, especially in music, on the end of the XX
century, that the changes, mostly technical, progress faster. We contrast, as a
hypothesis, that this subscription to the margins of culture is descendant of choices of
each group analyzed here made instead of fame, figuring another relationship with the
cultural development previewed by Iuri Lótman. Therefore, we embraced theoretical
apparatus divided in two big parts: studies about the voice and its insertion in cultural
series that it makes part and different cultural studies. We jut, here, the figures of Paul
Zumthor, the aforementioned Iuri Lótman, Jesús Martín-Barbero, Walter Benjamin,
Giorgio Agamben and Jerusa Pires Ferreira. The conclusion we point is a change of all
the musical production scheme nowadays, this market having known radical changes
and counter devices tacit for the undergrounds created by pun rock.
Key-words: punk rock, marginality, semiotics of culture, orality, violence.
6
Sumário
Introdução.......................................................................................................................8
1. Práticas orais em meio ao ruído: a performance oral e a agressividade.........14
1.1.
A voz inteligível e o grito...........................................................................16
1.2.
A performance vocal.................................................................................19
1.3.
Justificativa à violência..............................................................................28
1.4.
A materialidade da canção........................................................................38
1.5.
Media(tiz)ção.............................................................................................44
2. Cultura e ruína: uma análise da margem...........................................................53
2.1.
Cultura X contracultura: movimentos antitéticos?.....................................54
2.2.
O desenvolvimento de processos culturais: as fronteiras.........................62
2.3.
Periferia cultural........................................................................................65
2.4.
Bordas e margens.....................................................................................69
2.5.
Discos: materiais e materialidades...........................................................76
2.6.
Do-it-yourself: a afirmação da marginalidade...........................................85
3. Da margem para a cultura: dispositivos afirmativos e repelentes.....................94
3.1.
Semiosfera e punk rock: a busca de um lugar para o sentido..................95
3.2.
O direito da margem...............................................................................100
3.3.
Uma outra indústria cultural....................................................................106
Conclusão...................................................................................................................115
Bibliografia..................................................................................................................119
Discografia..................................................................................................................122
Anexos........................................................................................................................ 124
7
Introdução
O rebelde prolonga os prestígios nefastos do mito.
Octavio Paz.
Entre todas as possibilidades de pesquisa no campo da comunicação, a primeira
pergunta que devo colocar é por que eu, Victor Marques, brasileiro de São Paulo, aos
vinte e três anos, escolhi o punk rock inglês como corpus da pesquisa que aqui
apresento. A resposta a essa pergunta está longe de ser dada pelas teorias aqui
expostas, apesar de elas terem conduzido a respostas que busco desde o início de
minha adolescência. Havia, e em certa medida ainda há, um fascínio pela violência do
mundo. Com o passar dos anos, fez mais sentido, quando entendi que a violência nos
palcos era apenas uma fração da violência sofrida por todos nós em maior ou menor
grau a cada dia. Muito iluminador foi um dia em que não estava sabendo para onde
seguiam meus questionamentos e, num bar com um amigo, perguntei como funcionava
o processo de composição das letras de sua banda. Ele me surpreendeu dizendo que
não precisava escrever quase nada, tudo já estava dado quando ele, diariamente,
entrava no trem para ir trabalhar no centro de São Paulo.
Essas histórias foram se cruzando e resultam na pesquisa aqui apresentada.
Comecei a análise pelo começo; já que o gênero aqui analisado é a canção, trouxe a
voz e suas potências como primeiro assunto abordado. Neste aspecto, as teorias de
Paul Zumthor foram essenciais para compreender tal fenômeno. Através dele e de sua
aproximação com a voz, que vocaliza ao invés de simplesmente dizer, pude entender
melhor as ligações estabelecidas por essa voz que não canta, mas grita
incessantemente.
Esses
gritos
levaram
ao
conceito
de
performance
e
de
materialização, vendo-a como um recorte possível de mundo; a voz, num dos raros
casos de intransitividade do verbo ser, é. Por fim, se fez necessário aproximar essa voz
da mídia que a compreende: o disco. Vi nele um texto polissígnico que diz muito sobre
a forma como é executado, mas ao passar pela mediação, a voz sofria transformações
8
dessa performance: ela se torna manipulável, depende de máquinas para ser
executada, converte a música em trilha sonora doméstica e em um objeto,
consequentemente. Mas, como o próprio Zumthor adverte, essa mediatização tem
certas implicações e, no entanto, conserva as funções performanciais, pois também se
faz presente em seu potencial material.
Como é claro, trata-se o punk rock de uma manifestação que surge às margens
da cultura, sua ascensão enquanto estrutura nuclear implica sua morte, e a isso está
dedicado o segundo capítulo: observar os desdobramentos dessa margem. Fez-se
urgente uma aproximação com outros movimentos contraculturais anteriores ao punk
de maneira empírica: números de venda de discos, gravadoras, rumos tomados por
esses movimentos e etc. vêm culminar no surgimento do punk pela maneira como
vislumbrou há quase quarenta anos. Neste ponto da pesquisa, as vozes de Jerusa
Pires Ferreira, Iuri Lótman, Jesús Martín-Barbero e outros estudiosos se fazem muito
presentes. Precisa-se compreender a cultura que o cerca e o precedeu para que se
tenha uma noção mais clara do processo. Neste ponto, cheguei ao do-it-yourself e
consegui ver aí uma das mais inventivas edificações culturais do século passado. O
artista se coloca como responsável por sua obra junto a um processo industrial de
produção, sua particularidade não está ligada apenas ao trabalho artístico, mas ele
também precisa lidar com o processo nos mínimos detalhes para que as canções
compostas possam vir a público a um preço justo e envoltas em um material outro,
referindo-me às capas também de qualidade (os anexos darão conta de tais relações).
Por fim, o terceiro e último capítulo do trabalho é um alargamento da discussão
proposta no anterior, e nele observei os dispositivos responsáveis pela manutenção
dessa cultura, transitando entre os autores explorados anteriormente e procurando
juntar os pontos que ainda estavam nebulosos. Tentei observar a cultura e seus
processos de maneira orgânica a partir de uma sucessão temporal que, ao chegar à
década de 1980, se fragmentou fazendo com que seus frutos fossem colhidos ao redor
do mundo até os dias de hoje.
É importante justificar a escolha do corpus. Escolhi cinco álbuns que, a meu ver,
tiveram grande representatividade ao rumo estético que o punk rock tomou para si.
9
Levantei álbuns que atravessaram a década, surgidos em diferentes regiões da
Inglaterra. Cada um, à sua maneira, foi de extrema representatividade estética ao
estilo. Mas antes de passar a eles, tenho de justificar a presença constante da banda
Crass ao longo da pesquisa. Mesmo que ela não integre o corpus, é impossível falar da
marginalidade do punk sem levar em conta os avanços técnicos e ideológicos
fornecidos pela banda a todos os seus sucessores. Foram eles que deram o punk rock
como morto, os primeiros a montar uma gravadora independente e a colocar a música
como um campo de luta política em atitudes extremas. Conseguiram, com isso,
inúmeras brigas judiciais e a investigação das agências de segurança nacional dos
Estados Unidos e da Inglaterra: a banda forjou uma gravação telefônica entre
Margareth Thatcher e Ronald Reagan sobre uma possível intervenção militar. O ano
orwelliano que marca seu fim indica que aqueles garotos (Penny Rimbaud, o baterista,
um garoto de quase quarenta anos à época) já haviam ido longe demais. Acontece que
a semente já estava plantada e nada mais poderia parar o que eles próprios chegaram
a colher. Não por acaso, a gravadora homônima à banda permanece em parca
atividade até os dias de hoje (e, como uma grande decepção, luta pelos direitos
autorais de suas músicas na internet).
Mas a pesquisa seguiu por parâmetros estéticos, coisa que o Crass estava
muito aquém do passo dado pelo Discharge em relação à inovação e criação de um
padrão. A banda gravou o álbum mais antigo aqui analisado, Hear nothing, see
nothing, say nothing, gravado em Stoke-on-Trent no ano de 1982 pela Clay Records.
O disco mudou completamente a história do punk rock. A banda já havia adquirido
certa experiência com lançamentos menores, entre eles o clássico EP Why? (1981),
com uma prévia do que viria no ano seguinte. Antes de 1982, as músicas eram mais
lentas, claras e os discos menos pretenciosos. Quando da oportunidade de gravar um
disco inteiro, tudo mudou: uma massa sonora que mudaria a história da música pesada
de maneira geral (o disco agradou tanto o público do punk quanto o do metal, que
passaram a trocar figurinhas desde então, mesmo que em segredo), ele trouxe o que
ficaria conhecido por D-beat, ou seja, uma batida específica criada pela banda que
seria reproduzida por muitos outras bandas. Referências ao Discharge pululam até os
dias de hoje como se o disco ainda contivesse em si uma novidade. É claro que a
10
banda, como o próprio Crass, passou por altos e baixos, mas esse disco continua a ser
obrigatório a todos aqueles que pretendem adentrar neste universo preto e branco que
muitos quiseram para si (Disclose, Disfear, Dishammer, Dischaos, Discard e outras
bandas provam isso pelo sufixo adotado em seu nome, muitas vezes com fontes
idênticas à usada pelo Discharge).
Seguindo a linha do tempo, chego ao segundo álbum: Arise!, da banda Amebix,
lançado tardiamente em 1985 pela gravadora americana Alternative Tentacles,
administrada pelo ex-Dead Kennedys, Jello Biafra. O disco é tão seminal quanto o
citado anteriormente, porém em outro aspecto. Ele deixa de lado a massa sonora de
violência para se ocupar de músicas mais longas, densas e sombrias. Não por acaso, é
o único que traz uma música instrumental, uma versão de um réquiem de György Ligeti
utilizada no filme de Stanley Kubrick, 2001: uma odisseia no espaço. O disco é
sensivelmente mais lento que os demais e possui outra atmosfera que seria essencial
para o desenvolvimento de mais um dos fragmentos do punk: o crust. Entre as aqui
analisadas, esta é a banda que melhor ilustra o niilismo punk. Crust, a crosta que
nasce em corpos, emaranha cabelos e suja roupas, também serve para proteger esses
músicos que vivenciaram a miséria voluntariamente. Se o Discharge é responsável
pela criação de uma violência exacerbada, o Amebix é igualmente responsável pela
criação de um estilo de punk que é mais popular hoje do que há trinta anos. Bandas
como Warcollapse (Suécia), Hellshock (Estados Unidos), After the bombs (Canadá),
Nuclear Fröst (Brasil) têm muito a agradecer a esse primeiro passo dado.
O terceiro álbum analisado, Scum, do Napalm Death, representa um clássico
desde seu lançamento. Suas vinte e oito músicas, divididas em exatos trinta e três
minutos, elevam a crueza e agressividade a outro nível até então inimaginável a
qualquer banda. O primeiro vocalista do Napalm afirma que os shows tinham um quê
circense, uma vez que parte do público estava lá para ver como era possível um
baterista tocar tão rápido quanto Mick Harris. A banda abriu os horizontes a todos
aqueles que desejavam fazer algo o mais rápido possível, o que fez com que a própria
banda se afastasse cada vez mais do público punk habitual e se aproximasse mais do
metal, que à época já estava avançado na proposta de músicas mais extremas. Não se
11
pode mais dizer que se trata de uma banda punk, mas com certeza foi uma banda com
um passado punk latente que daria a esse estilo musical outra cara: Rot (Brasil),
Agathocles (Bélgica), Skitsystem (Suécia), Yacopsae (Alemanha) são provas de que a
herança deixada pelos integrantes do Napalm Death foi inestimável para o seu
desenvolvimento.
O quarto álbum analisado foi lançado em fins da década de 1980 e sintetiza
muito bem todos os demais em sua sonoridade. War crimes: inhuman beings da
banda Doom, lançado em 1988 pela Peaceville Records, possui um pouco de cada
particularidade dos demais álbuns analisados. Esse material foi escolhido para figurar o
corpus desta dissertação por ser uma espécie de resultado das diferentes gêneses
apresentadas. Possui a violência da banda Discharge, a velocidade do Napalm Death e
explora muito bem as particularidades sombrias do Amebix. É uma espécie de
resultado da intersecção de todas as possibilidades dadas anteriormente. É claro, ele
não é tão inovador quanto os demais, mas ainda assim trata-se de um disco
fundamental a quem quiser se aventurar por este campo. Além disso, a banda também
possui suas particularidades, sobretudo por ter entre seus membros pessoas mais
jovens que não mais representavam aqueles outros punks, que são fruto de suas
inúmeras repartições estilísticas. O disco também possui uma estória interessante no
que toca direitos autorais, sendo relançado em diferentes versões para trapacear a
gravadora que o lançou, como o emblemático Fuck Peaceville, disco que contém
músicas antigas regravadas para não favorecer a antiga gravadora.
O último disco analisado, A holocaust in your head, foi o primeiro álbum do
grupo Extreme Noise Terror, já cogitado como a banda mais punk da história (nas
palavras de João Gordo). Essa produção independente, lançada em 1988, é uma
espécie de premonição musical de que o punk se ocuparia, a partir de então, de seu
lado mais pesado. O grupo lançou uma tendência que seria reproduzida por outras
bandas: a divisão dos vocais entre duas pessoas, Dean Jones (que aparece na
contracapa do primeiro disco cheirando uma carreira de cocaína) e Phil Vane (morto
em 2011 por um AVC). A banda nunca deixou as atividades musicais de lado,
acumulando passagens pelo mundo inteiro, inclusive no Brasil. Não mudou
12
radicalmente seu estilo, inclusive endossando a ideia de que seus primeiros registros
fonográficos são, sem sombra de dúvida, os melhores da banda (o álbum aqui
analisado e o split com a banda Chaos UK, intitulado Radioactive earslaughter). Ela
possui um caráter oracular que previa os rumos que o punk tomaria na década
seguinte e, à sua maneira, mudou até mesmo os discos lançados anteriormente.
Todos eles têm algo em comum além da década e o país que foram lançados.
São os primeiros álbuns de cada uma das bandas que ainda estão ativas, seja
ininterruptamente ou com intervalos. São os primeiros passos dados, através do do-ityourself, para mudar toda a forma de se pensar e se fazer música, sobretudo no rock,
que assistia passivamente ao fim das excêntricas figuras encarnadas nos rockstars.
Ante a profecia que cedo ou tarde iria acontecer – e aconteceu na década de 1990,
com o fim do grunge como tendência –, o punk rock se antecedeu aos dizeres
deleuzeanos (2013) de que não cabia esperar ou temer, mas buscar novas armas.
Neste ínterim, contradispositivos, ou dispositivos contra-hegemônicos, urgem ser
criados, uma vez que o próprio mercado musical jamais permitiria que essas pessoas
adentrassem em seu métier.
13
1. Práticas orais em meio ao ruído: a performance oral e a
agressividade
I screamed into the wind my goodbye to the world
We are swimming in the lunar sea
Drowning in insanity
Between the devil and the deep blue sea
Our world is dying
And nobody's driving!
Amebix, 1987.
The world is under constant threat.
Against this background of fear
We struggle to create our own authority.
While being bludgeoned into conformity
We struggle to find our inner selves.
Of course I feel uncomfortable when I'm laughed at in the streets,
But I don't want to be one of them.
I want to be an outsider,
At the same time I'd like to come in out of the cold.
Crass, 1983.
À sua maneira, o punk foi (e de certa maneira ainda o é) uma forma muito
particular de se dizer-no-mundo, na qual, por mais importante que seja a transmissão
de uma mensagem ao ouvinte, isso se faz evidente de diversas outras maneiras: as
capas, encartes, letras separadas de sua performance (que por vezes soam um pouco
14
ingênuas). A união de todos esses elementos em um material físico: o álbum dá conta
de justificar as escolhas vocais em detrimento de outras.
A voz tem um lugar preponderante em tais produções: por mais que haja
músicas que sejam completamente instrumentais, estas configuram uma minoria
absoluta dentre as aqui analisadas1. Isso mostra que o punk rock é majoritariamente
uma manifestação vocal que, a partir da conjunção de todos os elementos que
constituem cada uma das músicas, produz propostas curiosas. Não por acaso, a banda
Extreme Noise Terror lança uma tendência nova ao estilo: a presença de dois
vocalistas, mesmo que com uma só guitarra2.
Tais considerações não podem ignorar que a presença desta voz se insere no
estilo musical de maneira rítmica e preponderante; é através dela que as músicas
eclodem. Disso surge uma aproximação possível com a poesia, pois, por mais que os
valores da escrita sejam proeminentes, ambas possuem uma ligação que se dá no
cerne do ritmo e se realizam através da voz. Octávio Paz, em sua comparação entre
verso prosa, afirma que:
A prosa é um gênero tardio, filho da desconfiança do pensamento ante as
tendências naturais do idioma. A poesia pertence a todas as épocas: é a forma
natural de expressão do homem. Não há povos sem poesia, mas existem os
que não têm prosa. Portanto, pode-se dizer que a prosa não é uma forma de
expressão inerente à sociedade, enquanto que é inconcebível a existência de
uma sociedade sem canções, mitos ou outras expressões poéticas. A poesia
ignora o progresso ou a evolução e sua origem e seu fim se confundem com os
3
da linguagem .
1
Há apenas uma música inteiramente instrumental nos discos aqui analisados: “The Moor”, da banda
Amebix, que é a introdução do disco Arise! e que é uma versão de “Requiem”, de György Ligeti, famosa
por fazer parte da trilha sonora de 2001: uma odisseia no espaço.
2
A banda demorou muitos anos para incorporar um segundo guitarrista, mas nunca abriu mão de
possuir dois cantores. Curiosamente, Dean Jones, vocalista da banda, não utilizou a mesma forma em
suas demais bandas (Raw Noise e Disgust), mas esta foi utilizada por outros, por exemplo, a banda
americana Nausea, os suecos do Skitsystem e a banda Crush, da Holanda.
3
PAZ, O. Signos em rotação. São Paulo, Perspectiva, 1996, tradução de Sebastião Uchoa Leita (pág.
12).
15
O que mais nos é interessante não é a comparação entre verso e prosa, mas
sim o fato de que as manifestações do ritmo estão presentes em todas as culturas
humanas – afinal, a voz é um instrumento inerente ao corpo. Há sociedades inteiras
que se movimentam pelo ritmo de suas falas (como os malinke), fazendo com que tal
separação inexista. A nós, que assimilamos a prosa como gênero corrente em nossa
comunicação, cabe ter essa presença vocal em diferentes instâncias que não as mais
elementares de nossa comunicação, como em nossas canções.
Esta voz faz abolir aquilo que Vilém Flusser (2009; 2010) chama de
“pensamento em linha”, pois sabota a escrita em sua linearidade e cria algo para além
dela. O que não pode passar despercebido é que esse movimento se concretiza até
mesmo na prosa e na poesia visual: não é um acaso a existência de poetas e
escritores que visaram reproduzir a fala em seus romances, como a tentativa LouisFerdinand Céline, ou poetas que viram a urgência de gravar suas leituras, como Allen
Ginsberg, Gertrude Stein e Décio Pignatari. Esse eterno retorno à voz mostra que não
podemos tratá-la como algo subordinado à escrita, mas como algo que sempre estará
presente em nossa cotidianidade, mesmo que majoritariamente através de canções,
que talvez sejam o único reduto de uma verdadeira poesia para as massas nos dias de
hoje (Zumthor, 2010).
Essas relações se tornam óbvias quando pensamos em poetas musicando seus
versos, ou em músicas em que o canto se apresente como elemento melódico e
plenamente inteligível, mas não tão claras quando trazemos à luz dessa discussão o
punk rock. A seguir, veremos de que maneira essa voz afirma seu sentido e seus
mecanismos para caminhar entre a compreensão de seu texto e sua carga de
incompreensibilidade.
1.1. A voz inteligível e o grito
16
Se pensarmos no princípio de comunicação verbal estabelecido por Jakobson
(1970), constataremos seis elementos básicos para o seu estabelecimento, a saber:
remetente, destinatário, mensagem, contexto, contato e código. Para que a
comunicação se estabeleça, há a necessidade da partilha desses elementos para que
o remetente e o destinatário se entendam plenamente. No entanto, fica claro que a
compreensão não é a chave para a decifração de todos os textos, tampouco que a
parcela de incompreensão de determinados textos não venha de maneira proposital.
Isso se aplica tanto em relação à fala quanto à escrita, e ambas operam em parcelas
de apreensão de mensagens para determinados destinatários e de obscurantismo para
outros. Podemos ilustrar tais dizeres a partir de dois exemplos.
O primeiro é a conversa entre Stéphane Mallarmé e Oscar Wilde, relatada por
Peter Gay (2009). O escritor inglês afirma ao seu colega francês a sua maestria em
produzir versos incompreensíveis em francês que, caso fossem traduzidos ao inglês,
se tornariam claros. Por estranho que soe a afirmação, ela não é de todo infundada.
Como coloca Augusto de Campos (2006), Mallarmé sempre trabalhou como um
sabotador da língua francesa4, ou seja, um trapaceador do código de Jakobson.
Contudo, todos os elementos observados pelo teórico russo estão presentes nos
mencionados versos.
O segundo caso se trata de algo totalmente oposto. Paul Zumthor (2005), em
entrevista, fala da universalidade das canções de amor, não apenas por sua
onisciência, mas por uma partilha de elementos que as fazem ser reconhecidas por
interlocutores em diferentes línguas. Elas apresentam elementos formais que excedem
o código linguístico, pois a maneira como a voz é colocada é mais importante do que a
própria língua, uma vez que ela se constitui de uma profusão de sentimentos e sentidos
independentes de seu conteúdo.
4
Esta afirmação está presente em Poesia da recusa, compilação poética traduzida pelo autor, na qual
figuram diversos poetas que, à sua maneira, romperam com algum padrão estético ou formal da poética.
Ao se referir a Mallarmé, não leva em conta a sua grandiosa obra Un coup de dés, mas os trabalhos
anteriores, ou seja, não se trata apenas da transição para o texto visual, mas do conjunto da obra do
poeta francês.
17
A música, portanto, pode tomar patamares universais, enquanto a poesia pode
se tornar estrangeira para o mais proficiente leitor da língua partilhada por ela própria.
Olhemos para as palavras de Zumthor:
Talvez na canção de amor o importante seja a voz que canta mais que a
própria língua que só faz manifestar esta voz. A energia desta voz emana do
corpo, emanação profunda, intensa, transbordante, carregada de valores
inconscientes que fazem com que ela seja um meio de transmissão, da
mensagem erótica, muito mais direto, mais agressivo, mais aliviador do que
poderia ser a escrita, tão mais intensa também, sem dúvida, mais diretamente
do que poderia ser o olhar. Daí, quando se passa ao registro poético é
5
marcante a existência de canções universais de amor .
Verifica-se que esta universalidade se dá em função da voz, não daquilo que é
dito por ela e, no fim das contas, isso talvez seja o que menos importa. A escrita não
consegue abarcar o poder atingido pela voz sobre seus interlocutores. Por mais válido
que seja o pensamento de Jakobson, ele não consegue dar conta das dimensões
possibilitadas pela voz em ação (seja ela mediatizada ou não). Ela viabiliza um campo
da expressão que não está ligado ao entendimento, mas sim ao ato de dizer, da
transmissão de formas preexistentes que não podem ser manifestadas de outra
maneira que não pelo ato vocal. Aquele que se vale das palavras para se expressar um
ato poético não o faz para ser entendido, mas para mutilar as regras impostas pelas
gramáticas e dicionários (PAZ, 2012).
Isso também foi muito lucidamente percebido por Félix Guattari e Gilles Deleuze
(2011), que afirmam que a linguagem se ocupa muito mais em comunicar do que
informar. Essa comunicação não pode residir apenas no que se pretende dizer ao
próximo, mas, além disso, em transmitir formas de sentido e de se fazer sentir. Uma
voz comunica muito mais do que o dito, ela carrega sentidos e sentimentos na maneira
em que se coloca para o ouvinte, criando uma relação que excede tanto a mensagem
quanto o código – daí a possibilidade de haver certas manifestações universais, como
apontou Zumthor.
5
ZUMTHOR, P. Escritura e nomadismo. São Paulo, Ateliê Editorial, 2005 (pág. 67, o grifo é nosso).
Tradução de Jerusa Pires Ferreira e Sônia Queiroz.
18
No caso do punk rock, os elementos se apresentam diferentemente, mas a
presença da voz se dá da mesma maneira, e através dela que algo é transmitido. Há
uma junção entre a voz e o som-da-voz que nos obrigam a abandonar o termo
semântica por ver a necessidade de estabelecer relações de sentido com o conteúdo, e
não necessariamente com a força expressiva que se dá através dele. Trata-se de uma
observação da voz que se divide em unidades microfônicas, por isso Paul Zumthor cria
o termo “vocema” e o define da seguinte maneira:
[...] o vocema se torna ao mesmo tempo som, frase, discurso,
inesgotavelmente; e tudo isso ocorre em sua própria continuidade rítmica. É
assim que podemos, com Fontana, assegurar que a poesia não somente está
com a voz, na voz, mas por detrás da voz, no lugar corporal interior de onde
são conduzidos o canto, os suspiros, os sopros, tudo o que, aquém e além do
6
dizer, consciência primordial da existência, é sinal do inexprimível .
Mais uma vez vemos a necessidade de aproximar a música e a poesia como
manifestação plena do que canta e do que grita. Não se trata de buscar a compreensão
discursiva do ouvinte, mas, além disso, de lhe transmitir algo que não necessariamente
será explicado pela fonética ou pela semântica e que, no entanto, traduz aquele texto
(num sentido estrito) em uma prática performática. Posto isto, pode-se avaliar que um
grito inserido em uma obra vocal, como acontece em todos os casos aqui analisados,
tem a dizer tanto quanto uma canção de amor, mas busca outra emanação corpórea,
outra relação de sentido com seu auditório que não está lá para decifrar uma
mensagem, mas para apreender uma performance, como veremos a seguir.
1.2. A performance vocal
Podemos arguir, portanto, que o sentido da voz vem a partir de um ato
performancial, ou seja, de sua colocação em prática, mesmo que nada se entenda do
6
ZUMTHOR, P. Op. Cit. Pág. 164.
19
que é dito. Trata-se da forma que se diz, e não de seu conteúdo, mesmo este tendo a
sua parcela de importância, aquela se sobressai, muitas vezes a fim de reiterar os
conteúdos presentes no texto escrito. Como o próprio nome diz, a voz performatizada
dá forma a um texto escrito ou o cria a partir de sua captura, mas sempre estabelecerá
relações de sentido totalmente outras em sua relação com o outro.
Essa questão foi muito importante para o desenvolvimento do rock. Desde sua
gênese, como afirma Zumthor (2010), há uma espécie de retorno às culturas orais,
uma retomada da ancestralidade da voz, seja ela de culturas inteiras ou do primeiro
som que emitimos ao nascer: o grito. Wisnik (2014) propõe que os sons que nos
cercam são, em sua maioria, ruídos, e, ao reintegrá-los à música, não deixamos de
devolver a ela a harmônica desordem do mundo. Há uma transmutação em
manifestação plena de sentido no grito quando não há outra maneira de se exprimir o
conteúdo. Vejamos um exemplo:
I don't wanna die in a nuclear war!
Fear, fear, fear of the futureI don't wanna starve from corporate greed.
I don't wanna live in a world of hate.
7
I wanna live in peace 'till I'm old & grey.
A letra em si não apresenta um grande aprofundamento poético; a não ser a
repetição das palavras, não há a presença de sofisticados recursos rítmicos no que
concerne à construção textual. Devemos observar a forma como esse discurso é
colocado em prática. Com duração de dois minutos, a música é iniciada por um
emaranhado de instrumentos e microfonias de aproximadamente trinta segundos, uma
voz rouca emana de uma confusão invariável e repete a letra três vezes. Da mesma
maneira que se ausentam elementos rímicos caros à instituição poética, há, também, a
omissão de elementos tácitos à música tal qual esta se desenvolveu no último século e
7
DOOM. War crimes: inhuman beings. Heckmondwike, Peaceville, 1988 (Faixa 16). Em tradução livre:
“Eu não quero morrer em uma Guerra nuclear!/ Medo, medo, medo do futuro./ Eu não quero passar fome
por causa da ganância corporativa./ Eu não quero viver em um mundo de ódio./ Eu quero viver até ficar
velho e grisalho” (a tradução é nossa).
20
que se tornaram extremamente valorizados no rock: excetuam-se solos de
instrumentos que, como a voz, pouco variam, dando conta de uma breve introdução e
um encerramento. O grito integra os demais elementos transformando-se em algo que
corrobora com essa repetição, compondo uma música diminuta (e, mesmo assim, uma
das mais longas do álbum).
É possível, também, observar o contraponto dessa construção, mas que,
quando do momento de seu ato, colhe resultados muito semelhantes. Se olharmos
atentamente para o disco Scum, da banda Napalm Death, veremos que há a presença
de elementos concernente à poética:
Advertise the product you make,
never give, but always take.
Kill and lie for security.
On supermarket shelves death to see.
Instinct of survival
Advertise the product you make,
never give and always take,
clingfilmed flesh and genocide,
contented life, while millions die.
Instinct of survival
The multinational corporation
takes its profits from the starving nations.
Indigenous people become their slaves
from their births into their graves.
The multinational corporation
takes its profits from the starving nations.
Another product for you to buy,
8
you'll keep paying, until you die .
Esta é uma canção que trabalha de maneira diferente da anterior, pois
estabelece um maior número de versos e, além disso, retoma os elementos que a
8
NAPALM DEATH. Scum. Nottingham, Earache, 1987 (faixa 2). Em tradução livre: “Instinto de
sobrevivência/ Anuncie os produtos que você faz,/ nunca dê, mas sempre pegue./ Mate e minta por
segurança./ Nas prateleiras do supermercado, morte para se ver./ Instinto de sobrevivência/ Anuncie os
produtos que você faz,/ nunca dê e sempre pegue./ Carne embalada e genocídio/ Feliz com a vida
enquanto milhões morrem./ Instinto de sobrevivência./ A corporação multinacional/ tira o seu proveito de
nações famintas./ Indígenas se transformam em seus escravos/ do nascimento ao túmulo/ A corporação
multinacional/ tira o seu proveito de nações famintas./ Outro produto para você comprar,/ você
continuará pagando até morrer” (a tradução é nossa).
21
anterior optou por não inserir, uma maior incidência de elementos organizacionais que
regem sua poeticidade. Mas quando a ouvimos, todo o esquema rítmico e rímico
presente na letra desaparece e forma uma massa sonora semelhante à música
anterior. Há a presença de uma introdução (vinte segundos), a voz entra em ação após
pouco menos de quarenta e cinco segundos. Por mais que os instrumentos soem mais
claros do que os da música da banda Doom, a voz cai no mesmo emaranhado de
gritos, sendo possível a distinção de algumas palavras no refrão, e os demais versos
se misturam aos sons distorcidos dos instrumentos.
O ato da leitura pode ser válido para a justificação do que é colocado em prática,
afinal de contas, pelo que percebemos ao ler letras como as elencadas aqui, não seria
possível propor algo que difira do resultado. Haveria uma incongruência formal, uma
vez que não podemos esperar que os temas tratados nos cheguem de outra maneira
que não através do grito e da desordem presente em todo o gênero. Não se poderia
falar de bombas atômicas ou da exploração imperialista em termos artísticos através de
formas presentes em nosso cotidiano; portanto, o grito, aqui, não é uma opção estética,
mas uma imposição temática. É curioso observar que, quando há vontade de algo que
não exceda o tom de voz tranquilo, isto acontece, mesmo que raramente. A banda
Amebix foi provavelmente uma das poucas a explorar tais aspectos de oscilação
rítmica, ainda que obedecendo a parâmetros que justificam a problemática anterior:
escolhe-se o caos para se dirigir a ele. Contudo, há momentos em que se escolhe algo
mais tênue, que não tende a se conservar durante toda a música, e esse é o caso de
“Drink and be merry”. Observemos duas estrofes:
Drink and be merry, for tomorrow we may die
It's better to laugh than it is to cry
My cup runneth over with blood and not wine
The last was the flood, it's fire this time
I took a walk on the beach, no sand dunes just oil
Dead gulls and dead fish were trod underfoot
The sky was tinted with yellow and black
10
11
And the air smelt like Dachau today .
10
Campo de concentração alemão construído em 1933 e demolido em 1945.
22
Seguindo o esquema rudimentar de composição poética (ignorando, aqui, a
performance), o texto possui um deslocamento temático que parte do individual
(primeira estrofe) ao coletivo (segunda estrofe), evidenciado por uma mudança rítmica.
Em conversa com Stig Miller12, guitarrista do Amebix, nos foi dito que, apesar da banda
ter sido a primeira inglesa a assinar um contrato com uma gravadora americana
(Alternative Tentacles, comandada pelo punk, vocalista da banda Dead Kennedys e excandidato a governador do estado da California, Jello Biafra), o álbum demorou muitos
anos para ser compreendido pelos fãs de punk rock e hoje é algo seminal 13, sucesso
este inesperado pelo guitarrista e que, por trabalhar com essa alternância de
temporalidades musicais, não foi tão bem aceito.
Podem-se estabelecer relações de sentido entre as formas de se colocar a
música em prática com a própria história de cada uma das bandas, que, por sua vez,
interfere em todo o processo performático. Como podemos ver no livro The day that a
country died (2012), a história da banda Amebix é marcada por diversos momentos
complicados na relação de seus integrantes; a saída voluntária de casa para viver em
ocupações e casas abandonadas por toda a Inglaterra, os problemas com drogas (que
foram responsáveis pela prisão de um dos bateristas em função de um homicídio14) e
etc., faz com que isso se reflita no produto final.
Esse reflexo que se dá individualmente em cada um dos produtos das bandas
que, à sua maneira, são importantes para justificar o porquê de certas escolhas
rítmicas e temáticas. Esses produtos são frutos do acúmulo de experiências individuais
de um todo abarcado pelo punk rock. Mas, ao mesmo tempo, são também resultado de
11
AMEBIX. Arise! Alternative Tentacles, São Francisco, 1985 (faixa 5). Em tradução livre: “Beba e seja
feliz, porque amanhã nós podemos morrer/ É melhor rir do que chorar/ Corre sangue em meu copo ao
invés de vinho/ O último foi a inundação, agora é tempo do fogo./ Dou uma volta na praia, não há dunas,
apenas petróleo/ Gaivotas e peixes mortos pisados sobre meus pés/ O céu está pintado de amarelo e
preto/ E o ar cheira como o de Dachau”.
12
Troca de e-mails entre os dias 27 e 30 de janeiro de 2015.
13
A banda, hoje, conta com lançamentos de tributos gravados no Japão (Amebix Japan) e outro dos
Balcãs (Amebix Balkans: a tribute to Amebix) e com o relançamento de seus discos pela mesma
gravadora da década de 1980.
14
AMEBIX. No Sanctuary. São Francisco, Alternative Tentacles, 2008. A informação está contida em
depoimento do baixista e vocalista da banda no encarte do disco.
23
uma evolução15 própria ao estilo musical no sentido de que todo o movimento criou
nexos de interdependência desenvolvidos ao longo de toda a década de 1980 (e que já
era um prenúncio no decênio anterior). Há características tácitas de cada uma das
bandas aqui citadas, mas, como veremos nos próximos capítulos, grande parte delas
estava em relação direta, dividindo palcos e, por vezes, havia músicos que dividiam
sua atenção entre várias bandas.
Paul Zumthor, em Escritura e nomadismo (2005), faz considerações de
extrema valia para melhor explicarmos os dizeres anteriores. O autor acrescenta que:
O rock não cessou ainda de produzir seus frutos, de gerar movimentos novos,
movimentos de corpo, movimentos do espírito. O rock and roll se inscreve na
linha mais direta e mais antiga da poesia vocal de contestação, de protesto, de
revolta, de violência que drena toda a história da humanidade. No começo dos
anos 60, eu me encontrava na Europa, e lá assisti à chegada do rock que vinha
da América, já ganhava uma juventude de blusões negros já
semimarginalizada, e que fermentava violência reprimida. O rock lhe deu,
senão precisamente um exutório, uma expressão, no sentido forte da palavra.
E, na medida em que, como movimento, é movimento partido; como palavra,
palavra lascada, às vezes apenas audível; como música, marca o triunfo da
percussão, das rupturas de ritmos. Na medida em que reivindica uma violência
[...], trazia consigo algo insubstituível para uma geração no vazio. Para essa
geração e para a minha (que aproveitou indiretamente, através de outras, essa
16
experiência), uma coisa é certa: depois do rock nada mais será como antes .
A julgar pelo não aprofundamento no tema por parte do autor, devemos observar
tal período como fruto de grande lucidez que provém da observação de uma espécie
de fenômeno de massas que parte da voz. Salientamos a importância que é dada ao
movimento partido, ou seja, algo que não se consolida como retilíneo e progressivo.
Pois ao mesmo tempo que insere elementos novos à performance, sempre há um
retorno ao primitivo, no melhor sentido da palavra. Aproximando-se de algo que ainda
não havia sido colocado em prática, o punk rock retorna à simplicidade dos primórdios
do rock que, por sua vez, se aproxima de músicas negras em voga nos Estados Unidos
nas primeiras décadas do século XX.
15
Não trazemos o termo numa perspectiva progressista de sucessões temporais, mas de algo que tange
muito mais um acúmulo de experiências pessoais e praticadas por outras bandas que culminaram em
novos direcionamentos assumidos pelo estilo musical.
16
ZUMTHOR, P. Op. Cit. Pág. 102.
24
Curioso pensarmos nesta aproximação de algo mais rudimentar já em fins da
década de 1970 como uma espécie de réplica à tecnicidade explorada por outras
vertentes do rock. Por isso, é impossível (ou no mínimo ingênuo) pensá-lo como algo
que se insere em uma progressividade técnica ou que vise sempre uma superação de
algo feito anteriormente1. Se quisermos pensar no punk como algo da ordem da
superação, esta vem sem dúvida do que foi dito por Zumthor como mais uma
repartição deste fenômeno, mais uma voz que vem aos gritos dizer o seu lugar, mesmo
que este seja impelido diretamente à margem da música em diversos aspectos: de sua
apreciação pelo gosto médio (um tanto duvidoso) até a sua inserção na indústria.
O que se desdobra a partir do estilo musical é uma forma de retroceder a algo
que pode ser considerado como anterior à própria canção – como afirma Zumthor
(2005): no princípio, o grito dá lugar ao verbo. Daí a importância do termo vocema; é a
voz em sua qualidade máxima e, ao mesmo tempo, mais elementar. Não se trata do
que se quer comunicar objetivamente, mas sim de vocalizar, transmitir algo que exceda
a sintaxe e a semântica que regem o discurso verbal. É daí que o punk rock tira seu
nexo relacional de sentido: a partir de algo preestabelecido como entendimento que se
dá em função de elementos verbais, visuais e sinestésicos que se acumulam quando
performatizados.
Performance, como já foi dito, é algo que dá forma e, no que tange a questão da
música, se desenvolve de diversas maneiras que não exclusivamente pelo texto
colocado em prática, mas por um escalonamento de diversos signos que compõem um
grande texto17. Assim, estabelece-se, através dessa série de compósitos colocados em
correlação (com preponderância vocal), que os elementos se destacam de sua rudeza
para construir um sentido particular, mesmo que seja através do barulho.
1
Como coloca Caroline Coon, uma das razões pela qual o punk rock assistiu sua parcela de sucesso foi
em função do tédio vivido entre os jovens de duas maneiras. A primeira em relação ao mundo que os
cercava e, em segundo lugar, em relação ao rumo que o rock, de maneira geral, ia traçando a partir de
meados da década de 1960, supervalorizando elementos técnicos e, automaticamente, excludentes. In.
DUNN, Andrew; BRIDGER, Sam. Punk Britannia. Londres, BBC, 2012, ep. 2 (59 mins.).
17
No caso do disco, diversos subtextos que compõem um produto midiático que pode ser decomposto
em partes menores, mas cujo conjunto dá a noção de uma unidade textual que se completa.
25
Em Introdução à poesia oral (2010), Paul Zumthor, ao falar do folkmusic,
evidencia que:
[...] o ruído a dramatiza [a voz], a intensifica, a prolonga até além dos sentidos
convencionais, [...]. A causa do barulho se coloca então entre o pressuposto do
discurso poético; ela própria é discurso, ausente mas real: o poema, cujos
termos, em última análise, a ela remete, e funcionam como elementos de uma
anáfora global. [...] A função comunicadora se sobrepõe à significância, textos,
ritmos, tempo e lugar concentrados em uma implosão de sentido mais que
18
dispersos em cadeias de significantes .
Os dizeres de Zumthor ora se aproximam e ora se distanciam das
considerações feitas anteriormente; está próximo em relação à importância dada à
função e funcionalidade do ruído em meio à música, uma vez que é reconhecido que
ele não é, necessariamente, destituído de sentido, mas representa parte fundamental
da mensagem performatizada19, considerando-a como parte do discurso, o que cria no
discurso poético um efeito impar que se liga ao conteúdo (função comunicadora), e não
apenas nas combinações fonéticas (cadeia significante).
O que está em jogo não é a questão de colagens de ruídos externos à música,
mas da mensagem-em-si ser mormente constituída de ruídos. Há processos de
colagens,
mas
estas
sim
representam
discursos
completamente
inteligíveis.
Exemplifiquemos: no álbum Hear nothing, see nothing, say nothing (1982), entre as
faixas “Cries of Help” e “The Possibility of Life‟s Destruction” (faixas 9 e 10), há uma voz
clara que fala, como em um discurso, sobre os efeitos do uso de armas atômicas. Por
mais que as músicas abordem os mesmos temas, elas tomam uma forma
completamente diferente quando executadas musicalmente.
O mais importante é que o grito está presente em todos os casos aqui
analisados e permeou toda uma manifestação cultural que não foi isolada. Antes de
18
ZUMTHOR, P. Introdução à poesia oral. Belo Horizonte, UFMG, 2010. Tradução de Jerusa Pires
Ferreira, Maria Inês de Almeida e Maria Lúcia Diniz Pochat (pág. 175).
19
Não apenas Zumthor nos fala da importância do ruído. Morin, em sua Introdução ao pensamento
complexo (1990), também trabalha a importância do ruído, considerando-o parte fundamental da
mensagem.
26
voltarmos à prática vocal, vejamos um dos conceitos do semioticista estoniano Iuri
Lótman (1996), no qual autor afirma que o texto e seu auditório se relacionam de
maneira intrínseca, interdependendo um do outro, uma vez que são reflexos um do
outro:
Apreciar-se-á o texto não apenas pela medida de compreensibilidade para um
destinatário, mas também pelo grau de incompreensibilidade para outros.
Assim, a orientação a um ou outro tipo de memória de destinatário o faz
recorrer ora a “uma linguagem para outros”, ora a uma “linguagem para si”. [...]
Ao reconstruir o caráter da “memória comum” indispensável à compreensão do
21
texto, obteremos a “imagem do auditório” oculta no texto .
Desta forma, verifica-se uma necessidade de incompreensão (tal qual falamos
do diálogo entre Wilde e Mallarmé) que, no caso do punk, se traduz no seu amontoado
vocal. Não tratamos, aqui, do público que assistia aos concertos de cada uma das
bandas, mas não podemos ignorar um princípio muito básico de qualquer instância na
comunicação: quem se expressa, independentemente da maneira de como o faz, tem
em vista um destinatário, mesmo que este não possa decompor a fala de seu
remetente em linhas plenamente inteligíveis. Há algo que os aproxima num sentido
mais amplo do que a mera decodificação: a função comunicadora de que nos fala
Zumthor excede os limites da compreensão, e o próprio autor reconhece isso:
A performance é uma realização poética plena: as palavras nela são tomadas
num conjunto gestual, sonoro, circunstancial tão coerente (em princípio) que,
mesmo se se distinguem mal as palavras e frases, esse conjunto como tal faz
sentido. [...] Um certo tipo de indivíduo cantará um gênero para tal público, em
tal lugar e tempo. Em boa parte dos casos, uma verdadeira coação social pesa
sobre a performance, com o objetivo de conferir à manifestação poética a
22
totalidade de um sentido .
21
LOTMAN, I. “El texto y la estructura del auditorio”. In: La semiosfera: semiótica de la cultura y del
texto. Madri, Frónesis, 1996. Tradução de Desidério Navarro (pág. 113). A tradução para o português e o
grifo são nossos.
22
ZUMTHOR, P. Op. Cit. Pág. 87. Os grifos são nossos.
27
A coerência citada pelo autor não reside em seu destinatário realizar uma
operação mental lógica que ordena e decodifica determinado discurso, mas sim em
entrar em contato com uma ação performancial que compreende um espaço e um
tempo no qual tal manifestação atinge sua completude máxima de sentido
independentemente da forma como é colocada em prática. Não podemos afirmar que a
ruidosa música aqui estudada atinge sua completude de sentido a partir de um único
elemento predeterminado, pois trata-se de todo um nexo de relações estabelecidas de
maneira a atingir plenamente o seu auditório.
Essa relação estabelecida entre o ruído e o punk rock nos leva a rever o lugar
que aquele operou em toda a música ocidental. Desde a sua sistematização em
partituras, repeliu-o quase que com ojeriza, evitando-o ao máximo e excluindo-o das
salas de concerto, em concomitância com o banimento da percussão, para dar lugar a
instrumentos melódicos executados ante uma plateia imersa em silêncio. A partir do
início do século XX isso começa a mudar e, quando instrumentos elétricos passam a
ser utilizados em larga escala, outra relação com esses sons obliterados da música
ocidental começa a se delinear e disso surge tanto as figuras vanguardistas (como
Stockhausen) quanto a do rock star (Wisnik, 2014). O punk rock é responsável por uma
radicalização de tais posições de maneira diferente daquela almejada por músicos de
vanguarda (como John Cage, que fez com que o próprio ruído da plateia se fizesse
música em meio ao silêncio de seu piano), pois o vê em situação de radicalidade
levada às últimas consequências a fim de justificar a violência abordada em todos os
textos gerados por ele.
1.3. Justificativa à violência
Que o grito se justifique enquanto manifestação vocal, isso fica claro com as
considerações anteriores. No entanto, o que dá origem a tal ato performativo é
inquietante; o punk rock, por ser uma manifestação marginal e que não vê necessidade
de se alinhar a um padrão pressuposto por esquemas mercadológicos (ao menos das
28
produções aqui referidas), vale-se de um discurso agressivo que vai contra diversos
setores
da
sociedade:
Estado,
capitalismo,
militarismo,
certas
problemáticas
individuais, imperialismo, religiões. Porém, muitos foram contra essas mesmas
instituições de forma mais atenuada. Bob Dylan ou mesmo Bezerra da Silva são bons
exemplos, pois realizaram suas canções de protesto com muitos focos em comum ao
punk e, no entanto, empreenderam a comunicação de maneira clara23.
É claro que, ao opor essas figuras, temos que lidar com recortes temporais e
espaciais totalmente diferentes. Podemos dizer que a década de 1980 viu, em partes, a
ineficácia na forma que seus antecessores escolheram para lidar com tais questões.
Contudo, é curioso notar que a canção foi remodelada, mas nunca deixou de se
aproximar das formas que a regem; a música ainda é um canal disponível para a voz
do protesto. Em Violência (2014), Slavoj Zizek explora uma questão cara à linguagem
de protesto e sua simbolização, de um lado, e de suas vias de concretude, de outro.
Vendo exemplos trabalhistas, ele postula que:
[...] quando os trabalhadores protestam contra sua exploração, não estão
protestando contra uma simples realidade, mas contra uma experiência de uma
situação real que ganha sentido através da linguagem. A realidade em si
própria, em sua estúpida existência, nunca é intolerável: é a linguagem (sua
24
simbolização) que a torna intolerável .
Podemos estabelecer relações entre o fato cantado e a articulação escolhida
para prefigurar o canto. Como pudemos observar em algumas letras já citadas, há uma
exploração hiperbólica do que se pretende expor como realidade tanto no que toca as
letras quanto as capas dos discos25, colocando em evidência construções feitas a partir
de impressões de uma determinada realidade.
23
Ou pelo menos não se valeram do grito para fazê-lo.
ZIZEK, S. Violência: seis reflexões laterais (pág. 63). São Paulo, Boitempo, 2014. Tradução de Miguel
Serras Pereira.
25
Em termos lacanianos (para acompanhar o pensamento de Zizek), podemos dizer que essas relações
se estabelecem no âmbito do imaginário (capas e encartes) e do simbólico (letras), atingindo o real
apenas pela realização de um produto (o disco em si). Tais conceitos foram explorados por ZIZEK, S.
24
29
A construção de textos a partir de seu valor de hipérbole também não é por
acaso, ela não visa apenas um panorama distópico daquilo que o real poderia vir a ser,
mas porta uma espécie de caráter oracular partindo de um presente que, à luz
daqueles que o viviam, era incompatível com o plano de desenvolvimento progressista
vivido à época (e ainda o é em sua maneira mais plena). Tais aspectos se evidenciam
através de elementos extravocais, como os dizeres: “What I‟ve said maybe makes nosense, but if it does, there‟s still a chance” e, ainda, “What would happens when the
bomb dropped? How many casualties would there be?” em ilustrações contidas em
material da banda Doom27, dizeres estes que se concretizam através do grito quando
nos deparamos com o produto final: a música-em-si.
Cercada de elementos desestabilizadores, a voz se materializa através do grito,
da desarticulação de um discurso linear e objetivo, para se desdobrar em algo que
beira o primitivismo (tanto musical quanto comunicacional). Neste ponto, podemos
estipular três hipóteses que, em certa medida, concatenam-se e justificam essa forma
peculiar de se colocar a voz em prática.
Primeiramente, podemos observar tal uso através da observação diacrônica da
música. Deixando de lado as questões mercadológicas, podemos justificar tal uso por
uma questão de inoperabilidade de seus antecessores, Como ocorre com a folk music
da década de 1960 – cantada contra os conflitos no Vietnã (por exemplo, “Masters of
War”, de Bob Dylan28) –, no funk da mesma época e na década seguinte – cantados
contra as questões raciais (James Brown29) – e até mesmo as primeiras bandas punks
que ganharam notoriedade (“English Civil War”, da banda The Clash30 ilustra muito
bem nossos dizeres).
Os casos citados são emblemáticos para explorar a música de protesto
(sobretudo o rock e seus influenciadores) e seu desenvolvimento ao longo das décadas
“Gestos vazios e performativos: Lacan se defronta com a conspiração da CIA”. In: Como ler Lacan. Rio
de Janeiro, Zahar, 2010. Tradução de Maria Luiza Borges.
27
DOOM. Total Doom. Turku, Svart Records, 2012 (edição limitada em 300 cópias). Pág. 6 de livreto
que acompanha a edição e parte interna da capa, respectivamente.
28
DYLAN, B. The freewhelin’ Bob Dylan. Washington, Columbia Records, 1963. Faixa três.
29
BROWN, J. Say it loud – I’m black and I’m proud. Los Angeles, King, 1968 (disco compacto). Faixas
um de dois.
30
CLASH, The. Give us enough rope. Londres, CBS, 1978. Faixa dois.
30
de 1960 e 1970, que culminou em movimentos como o punk. No entanto, devemos
questionar a eficácia de tais movimentos, uma vez que, por mais que palavras contra
determinada ordem tenham sido proferidas em suas mais diversas maneiras, estas
nunca conseguiram subverter as questões às quais se opuseram. Tal fato é essencial
para o desdobramento da violência que permeia os cantos de protesto das décadas
sucessoras. A busca de uma nova forma de protestar sem ser convertido em um
produto mercadológico se mostra urgente para estas novas manifestações culturais.
Esses desdobramentos, que culminam em uma música carregada muito mais de
desordenamento do que de organização, são, de alguma forma, resultados de seus
antecessores inauditos ou ineficazes. Em função disto, muniam-se de algo que
subvertesse a lógica da canção (em partes) como um meio de propagação da palavra,
um canal que serviu para expor de maneira análoga os horrores aos quais se queria
dizer contra. Vejamos um exemplo:
The savage mutilation of the human race is set on course
Protest and survive, protest and survive
It's up to us to change that course
31
Protest and survive, protest and survive .
De maneira genérica, a letra aponta para desdobramentos que são dignos de
nota, mas que, ao mesmo tempo, são inomináveis (the savage mutilation of the human
race). Essa macabra instituição sem nome que aparece e reaparece em muitos outros
casos não é apenas uma mera construção in-imagética de algo suposto, mas que, ao
contrário, participa de uma gênese exploratória às quais o conjunto musical visa ir de
encontro. O que conta, aqui, não é contra o que se protesta, tampouco o protesto, mas
31
DISCHARGE “Protest and Survive”. In. Hear nothing, see nothing, say nothing. Stoke-on-Trent,
Clay records, 1982. (Faixa 4). Em tradução livre: “A selvagem mutilação da corrida humana é colocada
em curso/ Proteste e sobreviva, proteste e sobreviva/ Depende de nós mudar este curso,/ Proteste e
sobreviva, proteste e sobreviva” (a tradução é nossa).
31
sim o ato de dizê-lo32, dando materialidade à canção e, sobretudo, a maneira como isso
é feito.
A proeminência do grito em detrimento de algo mais melódico se dá em função
de uma desterritorialização idiomática33. Da mesma forma que os dizeres se
transformam em ataques generalizantes, a voz se converte em algo que excede o
próprio idioma. Por mais que este não perca sua importância, há uma expansão de
seus limites àquilo que seu auditório espera receber de maneira diferente do que os
outros cantores de protesto o fizeram. Não nomear, no caso das letras, é o equivalente
ao não-dizer, de maneira que elas não sejam compreendidas, mas simplesmente
ouvidas. Urra-se em função da pouquidão de palavras, mas, além disso, por conta de
uma construção de sentido que não está no plano significante. Tampouco caminha-se
em conjunto com o plano do significado pela sua falta de entendimento, pois este tem
de ser compreendido em um plano terceiro: o performático.
Esta abordagem diacrônica da canção de protesto nos leva à nossa segunda
hipótese, que diz respeito às microunidades vocais presentes em cada canção. Como
postula Zumthor (2005), não se trata de um estabelecimento semântico dos dizeres
que devem ser valorizados, mas sim qualidades da própria voz que se multiplicam em
unidades independentes do aspecto semântico, que, através e a partir da voz,
estabelecem seus nexos relacionais de sentido.
Vemos que os semantemas de outrora falharam na transmissão de mensagens
de paz, direcionando o punk rock a um repensamento da função vocal enquanto meio
transmissivo do protesto; formas panfletárias2 que não davam conta de dizer aquilo que
se havia desejado são substituídas por uma nova. Edificam-se outros modos
32
Em entrevista, o sociólogo Boaventura de Souza Santos afirma que, por vezes, os jovens não sabem
exatamente o que querem, mas têm certeza daquilo que não querem. Por mais que Santos trate de
temas mais atuais, podemos estender tal consideração à época aqui referida, pois não se trata apenas
de uma oposição a algo predeterminado, mas sim do simples ato de se opor. Disponível em:
<http://saraiva13.blogspot.com.br/2013/10/marina-silva-e-uma-cara-nova-para.html?spref=fb>
(consultado em 3 de setembro de 2014).
33
O termo desterritorialização é aqui utilizado nos moldes cunhados por Gilles Deleuze e Félix Guattari
em Mil Platôs.
2
Empregamos o termo “panfletário” para designar algo que se aproxima do discurso do homem comum,
e não necessariamente uma mensagem pobre em seu conteúdo. Nosso objetivo não é, aqui, analisar o
conteúdo das canções de protesto, mas a forma como se materializam através da voz.
32
transmissivos que excedem os limites impostos pelo ato de dizer e que se manifestam
em quase todos os elementos constituintes do material fonográfico do punk rock: fotos,
letras, colagem de gravações que se concatenam para a constituição de algo que
sequer precisa ser dito ou entendido.
No âmbito da voz, ela se torna mais importante do que a própria fala,
ressignificando todos os esquemas estipulados à “função” da voz; vê-se desobrigada a
cumprir com tais pressupostos e dá mais atenção às maneiras de se sentir a voz do
que à propagação de sua mensagem. Ao gritar em vez de cantar, o vocalista (termo
este mais justo do que cantor) opta por uma forma de dizer que foge tanto dos padrões
da fala quanto do canto, direcionando o entendimento da música não pelo seu
conteúdo formal, mas através da coesão dos demais elementos que a cercam.
Nossa terceira hipótese é a de que a representação do grito não significa,
necessariamente, um grito de ódio ou de indignação (por mais que estejam presentes),
mas algo ligado a angústias e medos. O grito aparece muito mais nos termos de
libertação do que de ódio. Renato Cohen, em Performance como linguagem, postula
que a década de 1980 foi um momento de quebra da esperança entre os jovens, que
assistiram à conversão de seus protestos em slogans comerciais (retomando a primeira
hipótese), o que, em partes, foi responsável por essa roupagem mais agressiva. O
autor acrescenta que:
O criador punk, consciente dessa corrupção [do discurso], e não compactuante
com o cinismo do sistema, vai utilizar o horror, o culto à tanatologia como forma
de externação de ideologia. Metaforicamente, é um movimento semelhante ao
do mar que devolve à terra todas as impurezas que nele foram jogadas. [...]
Apesar da postura de destruição, o punk não é totalmente niilista, na medida
em que, propondo o choque, está propondo luta – e, na medida em que se
coloca como movimento de resistência, o punk se imbui de vida (luta-se por
3
alguma coisa) .
3
COHEN, R. Performance como linguagem. São Paulo, Perspectiva, 2013 (p. 153).
33
A hipótese da observação desses gritos como forma de engajamento que
objetiva a construção de uma luta que não mais reside no “paz e amor” dos hippies,
mas como uma tentativa de devolução ao mundo daquilo que compunha seu protesto;
como coloca Luís Nazário (2008), os jovens, que representavam outrora uma
esperança ao mundo, estão imbuídos de devolver a sua parcela de feiura com suas
roupas sujas, cortes de cabelo estranhos e, é claro, através de seus gritos. O autor vê,
com muito pessimismo, que esses jovens traíram as promessas que lhes cabiam,
criando um movimento antiestético esvaziado de sentido. No entanto, devemos colocar
uma questão: essas mesmas promessas não haviam se autossabotado4?
Podemos notar que o medo reside no cerne do desenvolvimento do punk rock,
pois, como colocou Cohen (2013), os que quiseram construir sociedades alternativas
através de mensagens de amor logo foram logo convertidos em peças publicitárias 5 e o
possível futuro brilhante oferecido anteriormente se mostrou uma grande ilusão em prol
do avanço de interesses neoliberais e bélicos. A resposta para tal hipótese parte do
seminário de Jacques Lacan que tem como tema central a angústia. Nele, o
psicanalista nos mostra que a relação estabelecida para criar a angústia se dá a partir
da falta de algo que se manifesta no plano simbólico, ou seja, através da linguagem.
Por mais que os elementos que desencadeiam esse medo tenham sua origem no plano
do real, sua simbolização é que representa, nas palavras do autor, o ato de sentir a
falta.
Tais
considerações
podem
evidenciar
a
relação
entre
a
falta
real
(simbolicamente dada), sua forma manifesta através da performance e a sua
simplicidade (técnica) dos textos produzidos. Não se trata de uma falta simples, mas de
um paradigma que se estende aos mais variados setores da sociedade, caracterizando
uma perda de referencial e estabelecendo uma relação diferente entre o objeto
4
Cf. BARBROOK, R. Futuros imaginários: das máquinas pensantes à aldeia global. São Paulo,
Peirópolis, 2009. Tradução de Adriana Veloso et. al.
5
Seria errôneo dizer que isso não ocorreu com o punk rock. Apesar de ter se dado de maneira diferente,
há uma adesão por parte da publicidade que se deu mormente através da moda, mas a música ainda
continua a ser vista como um exotismo. Não por acaso, conseguimos identificar elementos do vestuário
punk, seus cortes de cabelo e etc., mas pouco temos a dizer sobre sua música.
34
criticado e seus desdobramentos. Nas palavras de Lacan, não se trata de querer negálo ou mesmo anulá-lo:
Anulação e negação são formas constituídas pelo que o símbolo permite
introduzir no real, ou seja, a ausência. Anular e negar são tentativas de nos
desfazermos do que, no significante, afasta-nos da origem e do vício original de
estrutura, ou seja, tentativas de reencontrar no significante sua função de
signo, coisa em que se empenha e se extenua o obsessivo. A anulação e a
negação, portanto, visam esse ponto de falta, mas nem por isso unem-se a ele,
porque, como explica Freud, só fazem duplicar a função do significante ao
36
aplicá-la a ela mesma .
O que Lacan estabelece nesses dizeres é uma relação que, por vezes,
independe da ligação entre o significante e sua representação (pensando no signo em
sua tripartição), uma vez que esta não é necessariamente dada. Isso fica evidente
quando o significante negado se torna algo imaterial, como o Estado ou o dinheiro, que
são signos permeados de outros signos e que se desdobram em pluralidades
significantes e de maior complexidade combativa. Não há pretensões de levar tal
estudo a uma análise clínica, mas sim decompor nosso objeto em diferentes extratos e
mostrar que, por detrás da falta, há certa instabilidade sígnica que aparece como
sintoma. Isso se dá no estabelecimento da relação de sentido necessária para adotar
uma performance aguerrida a partir da voz e validar um discurso que destoava da
lógica que a afirmava.
Júlia Kristeva, em seu cruzamento entre semiologia e psicanálise, dá maior
materialidade à afirmação de Lacan ao se debruçar sobre a abjeção e sua função na
literatura. A autora vê uma ligação muito pertinente entre a questão da falta – aqui
referida em relação com a perspectiva dos jovens – e a agressividade que toma corpo
através da música. Em suas palavras:
Digamos, então, que a falta e a agressividade são cronologicamente
separáveis, mas logicamente coextensivas. A agressividade nos aparece como
36
LACAN, J. O Seminário: livro 10: a angústia. Rio de Janeiro, Zahar, 2005 (pág.152). Tradução de
Vera Ribeiro.
35
uma réplica à privação original aprovada desde a miragem dita “narcisismo
primário”: ela não faz mais do que vingar frustrações iniciais. Mas o que se
pode conhecer de seu relato é que elas são, falta e agressividade, medidas
uma da outra. Falar apenas da falta vem novamente ao encerramento da
obsessão da agressividade [...].
Acrescentando que:
O falar do fóbico adulto se caracteriza por uma agilidade extrema. Mas esta
habilidade vertiginosa é como um esvaziamento de sentido, rolando a toda
velocidade para baixo do abismo intocado e intocável, no qual, por um
momento, apenas o afeto vem dar não um signo, mas um sinal. Isto porque a
linguagem deveio um objeto contrafóbico, não mais representando o papel de
38
elemento de uma introjeção desperdiçada [...] .
A questão da fobia na linguagem é claramente constatada no punk, mas,
diferentemente do que a autora afirma, o esvaziamento do sentido não se realiza
plenamente porque esse apagamento se dá ao colocarmos a mensagem no esquema
de comunicação jakobsoniano que, como vimos, não se aplica necessariamente à
música. Como a própria autora evidencia, tal ferramenta funciona como uma resposta
corpórea à fobia, ou seja, realiza-se naturalmente. No caso do punk rock, estamos
lidando com uma estratégia corpórea contrafóbica induzida: o medo não está de fato
presente, mas é induzido pelo universo eleito para figurar os fios com os quais o punk
rock teceria a si próprio.
A colocação de jactos fóbicos de maneira proposital não pode ser lida
exclusivamente como um esvaziamento conteudístico de uma mensagem, mas sim
como uma articulação diferente da relação preestabelecida pela linguagem, pois
devemos ver uma bipartição da letra musical e sua forma cantada. Vejamos um
exemplo:
Dull and mundane, but safe and secure
Phobia for, phobia for change
38
KRISTEVA, J. Pouvoirs de l’horreur: essai sur l‟abjection. Paris, Seuil, 1980. (Pág. 52-3). (A tradução
é nossa).
36
39
Caged and trapped, afraid of responsibility .
Ou ainda:
I don't wanna die in a nuclear war!
Fear, fear, fear of the futureI don't wanna starve from corporate greed.
I don't wanna live in a world of hate.
40
I wanna live in peace 'till I'm old & grey .
Por mais que o texto (no sentido de sua escritura) esteja em sua ordem linear e
carregue uma mensagem clara, é curioso notarmos que, quando colocado em sua
função inicial, cantado e circundado de instrumentos musicais, essa clareza se perde
para dar lugar ao que Kristeva chama de “fala fóbica”. Parte-se de uma construção
preestabelecida, uma espécie de simulação do medo, mas que, por sua vez, dá contas
desse nexo de relação entre a falta e a agressividade como uma estratégia de colocar
esses medos em evidência através de sua simulação.
Recuperemos algo curioso, abordado por Paul Zumthor em Introdução à
poesia oral (2010). O autor nos fala que, quando de sua juventude em Paris, algo que
lhe chamava a atenção eram jovens franceses cantando músicas em inglês sem ter
noção alguma do conteúdo das canções que tanto admiravam. O sentido dessas
canções não reside em sua letra, mas, pelo contrário, em uma relação rítmica
estabelecida pela presença de uma voz que quer ser reproduzida independentemente
do que nela está contido. À sua maneira, o punk rock conseguiu estabelecer relações
muito próximas com tais pressuposições. No entanto, o que todas as bandas aqui
citadas queriam cantar era algo que estava diretamente ligado a uma massa de medos
e a uma forma de superação. A combinação desses elementos colocados em situação
relacional dá conta de justificar o porquê da performance se desenvolver de tal maneira
e não de outra. Essa gênese de substâncias dá ao punk rock o seu leitmotiv e, de
maneira peculiar, faz com que este siga progressivamente a algo mais barulhento, em
que o grito se torna cada vez mais regra e menos exceção. O mais importante de tal
39
40
DOOM, Op. Cit. Faixa 18.
DOOM, Idem. Faixa 16.
37
edificação é que a violência reside apenas em um plano simbólico manifesto em meio a
uma juventude que não mais poderia se ver dissociada de seus demônios internos e de
seus meios de entretenimento, que, por sua vez, materializam-se nas canções.
1.4. A materialidade da canção
Em Performance, recepção, leitura (2007), Paul Zumthor fala sobre a
materialidade da canção, vendo-a fora de termos parafraseados ou metafóricos. Para
ele, a música é um fato-em-si; ela não veicula apenas um texto de maneira cantada,
mas toma dimensões que não podem ser contidas apenas no âmbito da significação,
não se subordina, mas o utiliza de maneira a dar outras dimensões ao que é dito. O
autor afirma que:
Havia o grupo, o riso das meninas, sobretudo no fim da tarde, na hora em que
as vendedoras saíam de suas lojas, a rua em volta, os barulhos do mundo e,
por cima, o céu de Paris que, no começo do inverno, sob as nuvens de neve,
se tornava violeta. Mais ou menos tudo isto fazia parte da canção. Era a
canção. Ocorreu-me de comprar o texto. Lê-lo não ressuscitava nada.
Aconteceu-me cantar de memória a melodia. A ilusão era um pouco mais forte
mas não bastava, verdadeiramente. O que eu tinha então percebido, sem ter a
possibilidade intelectual de analisar era, no sentido pleno da palavra, uma
“forma”: não fixa nem estável, uma força-forma, um dinamismo formalizado;
[...]: não um esquema que se dobrasse a um assunto, porque a forma não é
regida pela regra, ela é a regra. Uma regra a todo instante recriada, existindo
apenas na paixão dos homens que, a todo instante, adere a ela num encontro
41
luminoso .
A música cantada por artistas de rua em Paris, na década de 1930, não era
apenas uma reprodução melódica de um texto vendido na rua; o papel comercializado
com as letras era apenas um acessório, um artifício mercadológico daqueles que o
musicavam; sua realização plena de sentido precisava de um público, dos barulhos da
41
ZUMTHOR, P. Performance, recepção, leitura. São Paulo, Cosac Naify, 2007 (p. 32-33). Tradução
de Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich.
38
rua, do céu da cidade. O que nela é cantado, naquele momento, é aquilo que se diz
ser.
A canção atinge sua materialidade a partir da concatenação de todos os seus
elementos constituintes, sua repartição acarreta uma perda significativa de sua
concretude de tudo o que poderia vir a ser. Daí a importância de ressaltar seu valor
performático, que não se reduz à letra e melodia, conteúdo e forma, constituindo-se de
algo que está além disso e que não podemos ignorar.
O caso do punk rock não é diferente daquilo que foi vivido pelo autor suíço:
trata-se de uma experiência musical que, ao falar da guerra, a reproduz; quando canta
os horrores da fome, eles estão ali presentes, são emoldurados por uma relação de
sentido que se revela em cada uma de suas partes. Cada canção se apresenta como
um texto que, como previu Iuri Lótman (In: MACHADO, 2003), trabalha a partir da
conjunção de sistemas (unidades ordenadas abertas) para compor um todo
significante. Para entendermos a lógica das músicas aqui analisadas, faz-se necessário
a observação do conjunto a fim de buscar a materialidade referida por Zumthor. Além
disso, precisamos pensá-la ao lidarmos com o ininteligível, uma vez que a poeticidade,
o ritmo e as melodias, quando vistos separadamente, pouco nos dizem. Observemos
um exemplo:
The way I see it
Just ain't your way
You won't listen
To what I have to say
I won't tolerate
The things you want me to see
Say you're here to help
But you just fuck me.
No more lies and deceit
It‟s not our fault
We are this way
We all have our views
And different things to say
You judge me, I judge you
39
Nothing will change
42
What are we to do?
Como nas demais letras aqui apresentadas, notamos que não há recursos
estilísticos dignos de nota. No entanto, devemos entender que os dezesseis versos
apresentados são cantados em quarenta segundos (dez dos cinquenta segundos da
música são partes instrumentais) divididos entre dois vocalistas, Dean Jones e Phil
Vane, tornando a letra-em-si totalmente ininteligível43 e nos fazendo notar que ela
quase se torna um elemento acessório em meio ao amontoado de gritos.
A performance é o que dá a materialidade à música e, portanto, não se trata
exclusivamente da letra, sobretudo quando levamos em conta sua composição e a
contrapomos a possíveis recursos poéticos ausentes quase que plenamente. Da
mesma maneira que os cantores de rua observados por Zumthor, não se trata
exclusivamente da compreensão de determinado texto (ou de certa fala), mas da
observação de um sentido material a partir da composição do todo. À sua maneira, os
instrumentos também se tornam ininteligíveis. O que se busca não é a clareza, mas a
exploração desse obscurantismo.
A discordância, o não ouvir, a falta de tolerância e de solução se materializam na
música através desse aparente caos. Todos esses elementos se reproduzem de
maneia a criar uma relação de sentido que se justifique pela junção de suas partes
constituintes dentro de sua própria lógica organizacional. Todas as músicas
reproduzem o que nelas é veiculado em sua mensagem.
O grito retoma elementos primevos (e elementares) da comunicação que, nos
casos aqui analisados, vêm a tona e em hipótese alguma poderia ser diferente. Um
42
EXTREME NOISE TERROR. “Deceived”. In. A holocaust in your head (faixa 2). Gotemburgo,
Distortion, 1999 (relançamento). Tradução livre: “A forma como eu vejo isso/ Apenas não é a mesma que
a sua/ Você não irá ouvir/ O que eu tenho a dizer/ Eu não vou tolerar/ As coisas que você quer que eu
veja/ Dizendo que está aqui pra ajudar/ Mas você só quer me foder/ Chega de mentiras e de
enganações/ Não é nossa culpa/ Nós estamos neste caminho/ Todos nós temos nossos pontos de vista/
E coisas diferentes para dizer/ Você me julga, eu te julgo/ Nada irá mudar/ O que iremos fazer?” (a
tradução é nossa).
43
A mesma música foi regravada no álbum Retro-bution, de 1994, com a mesma letra, só que desta
vez, contabilizando pouco mais de dois minutos, tornando-a mais inteligível.
40
bom exemplo disto é a música “Free Speech for the Dumb”44, da banda Discharge, na
qual a frase título é repetida dezesseis vezes em um minuto (a música contabiliza dois
minutos e quinze segundos, sendo o primeiro uma introdução composta de dois
acordes acompanhados repetidamente de percussão). A exigência dessa liberdade de
expressão, ainda mais aos mudos, é reclamada aos gritos, mesmo que ainda nesta
fase inicial (1982, seis anos antes do referido álbum da banda Extreme Noise Terror) o
entendimento da fala estivesse mormente presente45, sendo que a questão do entender
vai se tornando cada vez mais frágil e desimportante.
No álbum de estreia da banda Discharge, essa liberdade de expressão (bem
como o seu oposto) é explorada de diversas maneiras. Músicas como “I Won‟t
Subscribe”, “Drunk With Power” e “Cries of Help” (faixas quatro, cinco e nove,
respectivamente), são exemplos disto: os mudos (ou silenciados) podem falar. Até
mesmo a música que intitula o álbum e as imagens que compõem a capa são bons
exemplos dessa materialização; há a construção de uma liberdade que, naquele
momento, não é algo abstrato, aparecendo inclusive na taxação do preço do disco para
que o produto não fosse supervalorizado46.
Partindo de tal discussão, podemos inserir um ponto teórico desenvolvido por
Max Bense (1971) em Pequena estética. O autor alemão, no capítulo intitulado “Teoria
geral do repertório”, aborda questões de uma semântica interna à própria obra,
afirmando que “o fato de um mundo artificial de objetos artísticos depender de um
repertório sugere que o modo de contemplar esse mundo deva ser descontínuo,
discreto, vinculado a seus elementos” (1971). Essa concepção artificial de mundo
apresentada por Bense nos coloca diante da materialidade considerada por Zumthor:
parte-se de um recorte de mundo que se insere na obra e, no instante de sua
realização, torna-se tão palpável como linguagem quanto o próprio repertório de que é
vertido.
44
DISCHARGE. “Free Speech for the Dumb”. In: Hear nothing, see nothing, say nothing (faixa 13).
Minneapolis, Havoc Records, 2010.
45
Mesmo que não queiramos utilizar uma abordagem diacrônica dos álbuns aqui analisados, não
podemos ignorar certos fatores que culminam numa evolução sonora e, ao mesmo tempo, numa
involução do entendimento da fala.
46
O lançamento de 1982 possui uma pequena tarja com a inscrição “Não pague mais de £ 3,99”, muito
comum à época.
41
O autor defende a ideia de que produções artísticas são amparadas por uma
moldura, ou seja, sua singularidade não é algo dado, mas estabelecido por relações
sintáticas, semânticas e pragmáticas enraizadas em repertórios exploráveis em sua
finitude. Por mais que o punk rock quisesse se distanciar de tais premissas, sobretudo
do plano semântico, a sua pré-ordenação para que haja relações de sentido depende
de sua inserção na moldura bensiana e nos faz reconhecer elementos comuns à obra e
ao mundo que a circundam.
Sua materialidade se estabelece a partir das possibilidades combinatórias
predeterminadas reconhecidas tanto pelo emissor (banda) quanto pelo receptor
(público)47, criando um campo de entendimento (e apreciação) estético do que está ali
impresso e gravado. Sua construção se dá a partir de uma dupla articulação dos
objetos amparados em um plano pré-ordenado. Ao mesmo tempo que é por ele
amparado (graficamente latente), destitui a composição ordeira da música; há uma
desconstrução da lógica musical, seja pela opção de micromúsicas (que, por vezes,
não excedem um minuto), seja pela colocação do grito como elemento permanente, ou
pela indiferença à falta de domínio técnico dos instrumentos musicais, havendo
também, em concomitância, um alinhamento de formas tácitas do cânon musical (ainda
as ouvimos e reconhecemos, ali, uma música).
Essa repartição ambivalente que ora coloca elementos do mundo em sua
representação clara e ora os distorce para atingir os efeitos almejados é resultado de
uma relação semântica muito particular; levando em conta que Bense toma como
semântica “a localização espacial de representações do conteúdo” (1971), ela não
pode ser vista como um epifenômeno não figurativo, uma vez que não se trata de algo
isolado e tampouco pontual48.
Desta maneira, podemos adentrar no produto gerado por esse processo cultural:
o disco, algo composto de diversos textos a partir dos quais podemos constatar certa
ordenação por vezes perdida nas gravações ao vivo (muito disto em função da
47
Não entraremos, aqui, na teoria da recepção estabelecida por Hans Jauss e outros.
Uma vez que nosso recorte de corpus é somente uma forma de amostragem espaciotemporal de um
movimento que não apenas moveu multidões inglesas na década de 1980, mas que o fez, e continua
fazendo, em todo o mundo.
48
42
precariedade) e que, além disso, concatena diversos elementos que emprestam maior
materialidade à performance em si.
43
1.5. Media(tiz)ação
Para melhor compreendermos a mediatização de uma performance, é
necessário, em um primeiro momento, entender que as máquinas de ouvir (gramofone,
fonógrafo, hi-fi, mp3) criam relações completamente outras com seu auditório. A mais
radical delas é, sem dúvida, o domínio que possibilita a manipulação da música:
controle de volume, ordem das faixas, interrupção e equalização são algumas das
possibilidades
exercidas
pelos
registros
sonoros
gerados
desde
seu
pleno
desenvolvimento a partir da segunda metade do século XX (IAZZETTA, 2009),
excetuando a necessidade de presença física dos agentes envolvidos. A conversão da
música em objeto é algo tão potente que acarreta uma mudança na própria execução
(e apreciação) de uma performance, pois agora ela não se trata mais de uma surpresa
para o público leigo6, mas da reprodução daquilo que fora registrado sonoramente em
um estúdio. O rock, desde sua gênese, produz seus frutos através desses objetos de
escuta.
É claro que questões referentes à tactilidade da performance se perdem nesse
processo de conversão da música em coisa, como aponta Zumthor (2005). Transformaa em algo perfectível em função de sua transposição a um estúdio comandado por uma
figura até então desconhecida: os técnicos de som. Contudo, por mais esmerados que
sejam, esses materiais são compostos de conjuntos de signos que exprimem de
maneira mais clara (não necessariamente melhor) o que é almejado por seus
emissores, sobretudo por ser um produto polimidiático que detém uma diversidade de
manifestações além da música propriamente dita. Podemos vê-lo como uma
concatenação de ideias que culminam numa justificativa da performance. O disco, ao
ser visto como um todo significante (uma espécie de metatexto), toma um sentido que
está muito além de sua mera decomposição em elementos desconexos entre si.
6
Para os músicos amadores, tal premissa é válida desde a possibilidade de impressão de partituras, no
século XVI, mas essa parcela do público era (e ainda é) minoritária em relação àqueles que
simplesmente ouviam música sem nenhum domínio técnico.
44
O objeto aqui analisado, por exemplo, não pode ser comparado a discos que
foram superexplorados por grandes gravadoras e reproduzidos à exaustão 50. Há uma
grande diferença que tange toda a sua produção por se tratar de algo que não tinha
como objetivo inicial o enriquecimento ou atingir o mercado mundial, mas de produzir, a
partir de uma situação precária, registros de determinada época 51. Por mais
reprodutível que seja a obra e por mais que seu ouvinte tenha certa autonomia em
relação a ela, não podemos compará-la a todo e qualquer álbum lançado.
Posto isso, relembremos o clássico ensaio de Walter Benjamin acerca da
reprodutibilidade técnica do objeto artístico; apesar de sua discussão central sobre a
perda da aura ao passar pela reprodução, o autor traz outro ponto que neste momento
nos parece mais interessante: a colocação do cidadão comum como um produtor
midiático. Quando Benjamin tece seus comentários sobre o cinema da época, ele
afirma que: “Cada pessoa, hoje em dia, pode reivindicar o direito de ser filmado” (1985)
e estende isto ao universo jornalístico, dizendo que a divisão entre leitores e escritores
se mostra cada vez mais frágil. Cria-se uma membrana permissiva que separa o autor
de seu público, atribuída ao crescimento da imprensa. Podemos dizer que o processo
de proliferação de bandas punk em fins da década de 1970 e sua manutenção até o
atual momento é análogo. Benjamin coloca que:
Num processo de trabalho cada vez mais especializado, cada indivíduo se
torna bem ou mal um perito em algum setor, mesmo que seja num pequeno
comércio, e como tal, pode ter acesso à condição de autor. O mundo do
trabalho toma a palavra. Saber escrever sobre o trabalho faz parte das
habilitações necessárias para executá-lo. A competência literária passa a
fundar-se na formação politécnica, e não na educação especializada,
52
convertendo-se, assim, em coisa de todos .
50
Como é o caso de alguns discos de punk rock que venderam milhões de cópias.
A gravadora Alternative Tentacles, em seu site oficial, afirma ter lançado entre 300 e 450 bandas
diferentes, com tiragens entre 500 e 1000 cópias de cada disco em seu catálogo, uma quantidade
inexpressiva em comparação a uma grande gravadora como a CBS (que lançou 4 milhões de cópias de
um disco como o London Calling, da banda The Clash, em 1979). Isso nos mostra que não se trata da
exploração exaustiva de determinados títulos, mas da viabilização do lançamento do maior número
possível de títulos diferentes.
52
BENJAMIN, W. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Primeira versão” (pág. 184). In:
Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política (vol. 1). São Paulo, Brasiliense, 1985. Tradução de
Sérgio Paulo Rouanet (o grifo é nosso).
51
45
Essa conversão em coisa de todos faz muitos paradigmas caírem por terra,
sobretudo aquilo que separa o emissor do receptor. Estes não estão mais separados
por barreiras formais e estanques, mas se alinham e jogam essa inversão de funções
simultaneamente. A relação público-mídia toma as mesmas proporções do diálogo em
função da possibilidade de interação. Ao mesmo tempo, podemos pensar em outro
pormenor interessante a partir da colocação benjaminiana: esse câmbio entre
produtores e público levado às últimas consequências viabiliza a sua colocação na
mídia que melhor condiz com as propostas e ideias de seu público produtor. Ian
Glasper, autor que compilou entrevistas com diversas bandas em seus livros, faz uma
colocação muito interessante no prefácio de The Day That a Country Died:
53
No começo havia Crass ... mesmo como líderes relutantes do movimento
anarco-punk, que essencialmente evitava qualquer liderança, e eu duvido que
eles irão me agradecer por ter dito isso. Mas eles foram o ano-zero, uma linha
realmente linear traçada na areia que se traduzia em “Já é o bastante!” Sem
mais corporações desrespeitando nossa música; esse foi o nascimento das
54
genuínas marcas DIY , as quais os discos eram vendidos por valores virtuais,
e sustentando “Não pague mais que...” em advertências para ter certeza que
(os valores) seriam respeitados. Sem mais agentes controlando shows punks e
cobrando valores extraordinários; agora fãs da música poderiam se comunicar
diretamente com as bandas e agendar concertos com elas de maneira
alternativa por um valor pagável [...]. Sem mais revistas de moda ditando como
punks deveriam parecer, soar e se comportar; qualquer um que pudesse
colocar duas palavras juntas e usar um grampeador era um potencial editor de
55
fanzines .
O caso do punk rock é diferente daquele observado por Benjamin por não se
tratar da inserção do cidadão comum nos meios de comunicação 7. O punk rock se
torna, assim, uma maneira de dar voz a um grupo de pessoas que já não estavam de
53
A banda Crass, fundada em 1977, foi a primeira a levar para fora da música o estilo punk.
DIY é uma sigla muito adotada no universo punk, que significa “do-it-yourself” (faça você mesmo),
muito comum à época. Daí surgiram pequenas gravadoras que lançavam a tarja “Não pague mais que...
neste disco”, editores de revistas caseiras (os fanzines) e produtores de shows que eram fãs e
entusiastas do estilo musical. O estilo, após essa reviravolta, esforçou-se ao máximo para ser
autossuficiente em relação aos demais setores industrias que influiriam diretamente na música.
55
GLASPER, I. The day the country died: a history of anarcho-punk 1980-1984 (pág. 8). Cherry Red
Books, Londres, 2012 (a tradução e o grifo são nossos).
7
De certa maneira, o tópico abordado por Benjamin está muito mais próximo das interações propiciadas
ao público de um programa de auditório do que como produtores de suas próprias mídias, como é o caso
do punk.
54
46
acordo com os pressupostos midiáticos impostos por grandes gravadoras e agentes e,
em função disso, precisaram se apoiar em vias alternativas que dessem conta de
abarcar
seus
ideais,
consistindo
numa
produção
midiática
que
não
era
necessariamente musical e que contava com inúmeras possibilidades de atuação
(inclusive no papel de técnico de estúdio).
Isso nos mostra que o processo de transposição da performance ao vivo para o
material fonográfico não se deu da mesma maneira que as grandes gravadoras o
faziam (veremos isso mais detalhadamente nos próximos capítulos). Ela não se dá
unicamente pela proximidade entre os envolvidos ou por ser majoritariamente feita por
pessoas que faziam parte do movimento como um todo; há, aqui, outros elementos que
são cruciais. A precariedade e a falta de domínio técnico (tanto dos instrumentos
quanto dos aparatos de um estúdio) seriam responsáveis por registros fonográficos que
até então seriam inimagináveis:
56
57
“Mick era guitarrista em Condemned 84”, explica Pete . “Ele sofreu um
acidente em uma indústria e recebeu uma indenização substancial, então ele
investiu em alguns equipamentos de estúdio e os colocou em uma parte de seu
58
quintal. Dean disse que seriam oito faixas, Mas eu pensei em algo mais
considerável que isso. Eu também me lembro de notar que os ensaios estavam
59
indo rápido: Eu imaginava que nós sabíamos as músicas muito bem” .
Os comentários tecidos acima narram o primeiro registro fonográfico da banda
Extreme Noise Terror, o split60 Radioactive earslaughter61, e evidenciam essa
precariedade referida anteriormente; um acidente de trabalho foi o que viabilizou o
tosco e primeiro registro de ambas as bandas (considerado o melhor material gravado
pelos dois grupos). Mas essa não é uma exceção. Vejamos outro exemplo:
56
Mick Cliff, guitarrista da banda Condemned 84.
Pete Hurley, guitarrista da banda Extreme Noise Terror entre 1985 e 1995.
58
Dean Jones, vocalista da banda Extreme Noise Terror de 1985 até o presente momento.
59
GLASPER, I. Trapped in a scene: UK Hardcore 1985-1989 (pág. 45). Londres, Cherry red books,
2009 (a tradução e os grifos são nossos).
60
Álbum gravado com duas bandas. No caso do disco de vinil, cada lado era ocupado por uma das
bandas.
61
EXTREME NOISE TERROR; CHAOS UK. Radioactive earslaughter. Bedfordshire; Hannover, Boss
Tuneage; Farewell records, 2013.
57
47
62
“Eu me lembro que Hammy disse que não poderia pagar a gravação naquela
63
época porque ele estava atrás de fazer apenas o LP de Deviated instinct ,
então eu peguei o dinheiro da gravação emprestado com a minha avó.”
64
Recordou Stick . “E nós gravamos todas as músicas que tínhamos até aquele
momento. Não sabíamos nada sobre o processo de gravação e de mixagem,
isso deixava os técnicos loucos, por isso, quando foi sugerido que eu usasse
uma antiga bateria eletrônica Simmons para a cilada da bateria, eu aceitei. O
engenheiro de som disse que ele poderia fazer soar do jeito que queríamos...
65
[...] Eu me lembro de que Pete era muito jovem também, e ele disse à sua
66
mãe que iria trabalhar para não ter problemas com ela” .
O mais importante é observarmos de que maneira a precariedade pode gerar o
registro de um processo cultural legítimo e que acarreta uma produção que não poderia
deixar de existir. Afinal, esse material físico opera uma função muito importante: a
propagação.
Além disso, não se trata apenas do registro de uma banda que se distancia das
demais – como podemos notar nas falas dos grupos aqui recortadas –, mas também
vemos um processo de composição coletivo, direta ou indiretamente. Integrantes de
outras bandas, donos de gravadoras e até mesmo familiares viabilizaram essa inserção
em um universo de geração de produtos, o que nos remete ao ensaio de Octavio Paz
intitulado “Invenção, subdesenvolvimento e modernidade”, no qual o autor coloca:
Agora o leitor e o ouvinte participam na criação do poema e, no caso da
música, o executante também participa do arbítrio do compositor. As antigas
fronteiras se apagam e reaparecem outras; assistimos ao fim da ideia da arte
como contemplação estética e voltamos a algo que o Ocidente havia
69
esquecido: o renascimento da arte como ação e representação coletiva [...] .
A criação coletiva é algo que permeia todo o movimento punk e que, no entanto,
se torna bem menos óbvio quando de sua performance, uma vez que, neste momento,
62
Funcionário da gravadora Peaceville Records, então gravadora da banda Doom.
DEVIATED INSTINCT. Rock’n Roll Conformity. Heckmondwike, Peaceville records, 1988.
64
Tony “Stick” Dickens, Baterista da banda Doom de 1987 até o presente momento.
65
Pete Nash, baixista da banda Doom entre 1987 e 1992.
66
GLASPER, I. Ibid. Cit. (pág. 100).
69
PAZ, O. “Invenção, subdesenvolvimento e modernidade” (pág. 137). In: Signos em rotação. São
Paulo, Perspectiva, 2009. Tradução de Celso Lafer.
63
48
há uma separação formal entre banda e público, por mais transponível que esta seja.
Como coloca Janice Caiafa: “Nas apresentações punks a plateia nunca é secundária,
ela interfere o tempo todo [...]” (1985). Já o álbum, por mais que haja uma autoria
envolvida por vezes ignorada (a grande maioria dos discos vem apenas com os
primeiros nomes dos integrantes, às vezes com pseudônimos), é um produto de
construção coletiva que excede os integrantes da banda. Estes processos que fazem a
performance mediatizada fugir de um padrão mediador de grandes estúdios, pois,
como coloca Fernando Iazzetta:
Hoje é quase impensável reconhecer um nicho da cultura musical cuja
sobrevivência não esteja diretamente ligada ao uso regular das facilidades do
estúdio de gravação. Parte deste quadro é determinado pelos mecanismos de
disseminação musical que impõem que qualquer música seja gravada para ser
difundida (2009:64).
Essa lógica opera em todos os setores musicais, do mais enlatado pop star ao
mais marginal dos músicos. Com o punk rock, não seria diferente: ele também é
submetido a uma mediação musical que, na maioria dos casos, se dava de maneira
endógena. Tal processo se deu de punks para punks: todas as gravadoras que
produziram os álbuns aqui analisados não lançavam outros estilos de música, não
dispunham de grandes tiragens e é pouco provável que visassem o mesmo impacto
que as grandes gravadoras tinham e ainda têm. Quando essa barreira é transposta,
resta à gravadora o rechaço das bandas. O caso mais ilustrativo desse cenário é o
álbum Fuck Peaceville (2009), da banda Doom. O disco, lançado pela gravadora
alemã Twisted Chords, foi uma resposta à antiga gravadora (Peaceville), que, após ter
sido vendida parcialmente a outra gravadora maior (Music for Nations), notificou seus
artistas dizendo que metade de seus direitos autorais passariam a pertencer a eles; a
resposta foi um disco com os seguintes dizeres em sua contracapa:
Esse lançamento não contém músicas novas. Isso está sendo lançado devido
ao tratamento que a banda recebera da Peaceville records, que agora vendeu
metade da marca à “Music from Nations”. Isso aconteceu após eles terem
assegurado à banda que as gravações não cairiam nas mãos de um grande
selo. Além disso, por alguns anos, a banda quis regravar alguns de suas
49
músicas mais antigas por não terem ficado felizes com a produção original
(especialmente War Crimes). Não comprem “Peaceville Records”, vocês sabem
8
que isso faz sentido! Doom .
Desobedecendo a política de direitos autorais, a banda, ao se ver lesada pelo
processo de mediação, relança o álbum em dez versões diferente entre 1995 e 2012,
ignorando o contrato estabelecido anteriormente. Assiste-se, desta maneira, ao
estabelecimento de uma política própria em relação ao poder exercido pelos
copyrights, revelando uma relação diferente tanto com a mediação quanto com a
mediatização, agregando aspectos que tornam esee processo algo, no mínimo,
curioso.
O registro imortalizado pela gravação pode ser visto a partir de uma relação
hierárquica; é mediatizado aquilo que performaticamente cativa. Há certa obediência
regida por fatores de influência externa. O punk rock estabelece suas exceções: como
pudemos notar no relato de Stick, baterista da banda Doom, todas as músicas que a
banda havia composto foram gravadas na ocasião do lançamento de seu primeiro
disco. A banda Amebix fez algo muito parecido. Em conversa com Stig Miller, fomos
informados de que parte das músicas, integral ou parcialmente, foi composta em
estúdio, o que demonstra que este deixa de ser apenas um espaço para gravações
para se tornar um espaço de criação.
Tais episódios configuram algo muito singular, pois, no caso da banda Doom, o
álbum possui vinte e uma músicas divididas em pouco menos de quarenta minutos,
explorando unidades muito pequenas quando comparadas a uma espécie de medida
padrão de duração, que varia entre dois e três minutos e meio 70 (quinze músicas
possuem menos de dois minutos, uma delas apresentando apenas cinquenta e cinco
segundos).
8
DOOM. Fuck Peaceville. Twisted Chords, Pfinztal, 2009 (a tradução é nossa).
Cf. EVERETT, W. Expression in Pop-Rock Music: A Collection of Critical and Analytical Essays.
Oxford, Routledge, 1999.
70
50
Diferentemente, por exemplo, da música que melhor explora tal relação com
microunidades, “You Suffer”71, da banda Napalm Death, que conta com quatro
segundos de duração. A música, que foi composta em estúdio durante a gravação do
álbum, busca inspiração na banda americana Whermacht, que possui outra música de
seis segundos. Neste caso, a microunidade está presente de maneira pensada, é
resultado de uma ligação externa, mas também busca uma função criativa na função
do estúdio de gravação.
Mesmo admitindo a perda da circunstância em que a performance é colocada
em prática, Paul Zumthor não vê a mediatização apenas em seus aspectos negativos,
afirmando que:
A introdução dos meios audiovisuais, do disco à televisão e ao vídeo, modificou
profundamente as condições da performance. Ela não tocou na natureza
própria desta. A mediatização de uma mensagem lhe assegura uma
repetitividade análoga (embora não idêntica) àquela que ela poderia conservar
da escrita; ela não guarda menos, no seu modo de funcionamento efetivo, seu
caráter extra-temporal. A mediatização atenua ou apaga certos aspectos
corporais da performance (aqueles que se referem à “tactilidade”), mas ela
deixa subsistir um traço essencial: o jogo na transmissão da mensagem, de
72
estímulos e percepções sensoriais múltiplas .
A modificação performancial é inerente a uma evolução dos meios de
propagação em função da popularidade de seus suportes. O ponto central da
discussão proposta por Zumthor a ser aplicada no presente trabalho é a colocação
desta performance em uma relação perene com o tempo que a cerca; mesmo que se
apaguem as relações corporais, a mensagem está ali presente. Por mais que a
mediatização seja quase obrigatória, ela não anula a tactilidade requerida pelo público,
afinal, nenhuma das bandas eximia-se de fazer concertos. Ela opera como a produção
de algo físico que seria reproduzido em outro ato parcialmente embasado nesse
produto anterior. Tal processo configura uma nova relação estabelecida entre a
mediação, emissores e receptores, visto muitas vezes como algo negativo para o
71
72
NAPALM DEATH. “You Suffer” (faixa 12). Op. Cit.
ZUMTHOR, P. Op. Cit., 2005. Págs. 141-2.
51
processo de criação musical. Jesús Martín-Barbero, em uma lúcida releitura do ensaio
de Walter Benjamin, postula que:
[...] a nova sensibilidade das massas é a da aproximação; isso que para
Adorno era o signo nefasto de sua necessidade de devoção e rancor resulta
para Benjamin um signo, sim, mas não de uma consciência acrítica, senão de
uma longa transformação social, a da conquista do sentido para o idêntico no
mundo. [...] Agora, as massas sentem próximas, com a ajuda das técnicas, até
as coisas mais longínquas e mais sagradas. E esse “sentir”, essa experiência,
tem um conteúdo de exigências igualitárias que são a energia presente na
massa. Não será uma radical incompreensão desse sentir e sua energia o que
escapará a adorno para entender a nova arte que nasce com o cinema e o
9
jazz? .
Sob tal ponto de vista, podemos concluir que o punk rock, seja ao vivo ou em
estúdio, é fruto de uma tentativa de aproximação de um fazer almejado pelas massas
que, após séculos de relações obliteradas ou negligenciadas por um saber dominante,
viram-se na condição de produtores e tiveram acesso, mesmo que precário, a uma
rede de possibilidades em função de avanços técnicos e de simulações de participação
(como o já citado caso do programa televisivo de auditório).
Em um momento como a década de 1980, quando essa inserção midiática já
havia se consolidado e, de certa maneira, sido aceita pela massa consumidora, vemos
a delicadeza da situação dos jovens que queriam produzir seus próprios processos
culturais. Ao olhar para trás, eles perceberiam que os que haviam ido contra esses
modelos estavam afastados em suas sociedades alternativas ou enclausurados em
vitrinas, convertidos em produtos. O punk rock buscou a exclusão dessas relações
mediadas entre massa produtora e controle hegemônico dos meios a fim de borrar as
fronteiras que se impunham, estabelecendo relações diferentes entre ambos os setores
envolvidos, mesmo que a fórceps, como veremos nos capítulos a seguir.
9
MARTÍN-BARERO, Jesus. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de
Janeiro, UFRJ, 1997 (pág. 82). Tradução de Ronald Polito e Sérgio Alcides.
52
2. Cultura e ruína: uma análise da margem
Após a observação dos mecanismos performáticos do punk rock
analisados no capítulo anterior, observaremos sua inserção em nossa cultura
de uma maneira geral. Fica claro que há uma escolha antiestética em sua
composição musical, nas imagens escolhidas para figurar suas capas e na
própria imagem por eles escolhida; o punk estabelece um movimento de
quebra com a música. Por sua vez, ela é o instrumento utilizado para sua
afirmação e implica certas particularidades em sua inserção na cultura. Digno
de nota é o fato de que o rock e suas peculiaridades chamaram a atenção de
diversos estudiosos, pois nada até então havia causado o mesmo impacto em
nossa cultura no âmbito musical: tanto o fato de milhares de garotas gritando
em frente a um aeroporto onde quer que os Beatles aterrissassem quanto
centenas de jovens confinados em garagens e porões dando outra significação
ao termo músico amador.
Michel Foucault, em diálogo com Pierre Boulez, afirma que:
Não somente o rock (muito mais do que antigamente o jazz) faz parte
integrante da vida de muitas pessoas, como também é um indutor de
cultura: gostar de rock, gostar mais de tal tipo de rock do que de outro
é também uma maneira de viver, uma forma de reagir; é todo um
conjunto de gostos e atitudes.
O rock oferece a possibilidade de relação intensa, forte, viva,
“dramática” (no sentido de que ele próprio se oferece em espetáculo,
de que a audição constitui um acontecimento e é encenada), com
uma música que é pobre em si mesma, mas através da qual o ouvinte
se afirma; e, além disso, se mantém uma relação frágil, temerosa,
distante, problemática com uma música erudita da qual o público se
10
sente excluído .
Ele toca em dois pontos nodais que nos servirão de mote para dar início
à nossa discussão acerca da colocação do punk rock como uma manifestação
10
FOUCAULT, M. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro, Forense,
2009. Tradução de Inês Dourado Barbosa. (Pág. 393).
53
de cultura marginal: a forma pela qual ele se destaca de sua música para dar
às pessoas um modelo de vida e a sua relação problemática com determinada
cultura instituída. Para tanto, nos aproximamos dos primeiros escritos que
abordam o termo contracultura (por mais que este seja pouco usado em
relação ao punk rock). É a partir dele que o rock deixa de ser um estilo de
música para ser convertido em um estilo de vida que nortearia milhões de
jovens a partir da década de 1960.
2.1. Cultura X contracultura: movimentos antitéticos?
Em fins da década de 1960, Theodore Roszak publica um livro seminal
para a compreensão do desenvolvimento da contracultura nos Estados Unidos
e na Europa. O autor americano, mesmo que passando de maneira leviana
pela música, faz considerações de grande valia para que possamos nos situar
próximos à gênese deste momento histórico. Ele vê uma grande revolução do
pensamento jovem propiciada por interesses múltiplos, como o orientalismo,
drogas psicodélicas e experiências comunitárias, que poderiam culminar em
grandes mudanças paradigmáticas no desenvolvimento das sociedades centroocidentais. Contudo, precisariam de tempo para ser absorvidas e reproduzidas
até se converterem em uma realidade alternativa que nosso desenvolvimento
tecnocrático poderia ter conhecido como uma possibilidade de mundo – o que,
como fica claro, não aconteceu.
Por mais que alguns desses jovens da década de 1960 tenham trazido
contribuições que hoje se tornaram uma espécie de vulgata, como a ecologia, o
sonho de uma sociedade alternativa edificada desde nossa primeira revolução
industrial falhou quase que miseravelmente. Ao invés do poder das flores, a
década de 1980 assistiu à equação Margareth Thatcher e Ronald Reagan,
além de o regime soviético não mais representar nenhuma esperança e as
ditaduras latino-americanas, mesmo que próximas de seu fim, estavam em
plena atividade.
54
O futuro almejado pela década de 1960 se viu transformado em algo
totalmente inviável, mas não em um delírio juvenil. Esse sonho poderia ser
convertido em moeda de troca entre grandes capitais, justificando o
alinhamento de bandas a grandes gravadoras: Jefferson Airplane lança seu
álbum de sucesso, Surrealistic Pillow, com a RCA em dezenas de edições
diferentes no ano de 1967, Janis Joplin alterna-se entre a CBS e a Columbia,
os ingleses do Led Zeppelin alinham-se à Atlantic Records, os Rolling Stones
posam em fotos com a rainha, e os Beatles, talvez o mais forte expoente,
deixam de se apresentar ao vivo em 1966 por não suportarem mais a histeria
de sua plateia. Seus sonhos foram reduzidos aos três dias de paz, amor e
música de Woodstock, que, como uma premonição, previu o futuro conflito com
a polícia nos festivais gratuitos em Stonehenge, no ano de 1984.
O que restaria à cultura jovem das décadas seguintes? O que o mundo,
trocando o colorido hippie pelos escuros muros das grandes cidades, lhes
ofereceria? A configuração global muda e com ela a temática do rock se
encaminha a algo mais contundente. Podemos citar alguns exemplos, como a
já mencionada banda Jefferson Airplane, em “White Rabbit” (um hino de sua
geração, baseada na Alice de Lewiss Carrol), que canta para que alimentemos
nossas mentes e nos entreguemos às experiências lisérgicas no ano de
196711. Seis anos depois, Iggy Pop and the Stooges, um dos grandes
precursores do punk rock, autoproclama-se filho da bomba A, gritando que seu
coração está cheio de napalm12. Major Tom13, o astronauta perdido no espaço
criado por David Bowie em 1969, é convertido, na década de 1980, em um
viciado
em
heroína14.
A
banda
Black
Sabbath,
na
Inglaterra,
contemporaneamente aos americanos da banda Coven, substituem a paz e o
amor pelos portais do inferno, fazendo músicas para assustar as pessoas. Algo
havia definitivamente mudado e ecoaria em opções estéticas assumidas pelo
11
“Remember what the dormouse said/ Feed your head, feed your head”. JEFFERSON
AIRPLANE. Surrealistic Pillow. RCA, Nova Iorque, 1967 (faixa 10).
12
“I‟m a street walking cheetah/ With a heart full of napalm/ I‟m a runaway son of the nuclear A
bomb/ I‟m a world‟s forgotten boy/ The one who searches and destroys”. THE STOOGES. Raw
Power. Columbia, Washington, 1973 (faixa 1).
13
BOWIE, David. Space Oddity. Phillips, Londres, 1969 (faixa 1).
14
“We know Major Tom‟s a junkie/ Strung out on heaven‟s high/ Hitting all-time low”. BOWIE,
David. Scary Monsters and super creeps. RCA, Nova Iorque, 1980 (faixa 4).
55
rock. O punk rock, surgido no apogeu crepuscular desses ímpetos juvenis,
levaria isso ao extremo. Como coloca Renato Cohen:
Considerando os anos de 1980, o que se tem em relação à década
passada é uma nítida quebra com a esperança que marcou aqueles
anos. Não se sonha mais com a sociedade alternativa – o sonho
hippie foi absorvido pelo sistema, e slogans pela paz e pelo amor
soam ingênuos, quando não carolas.
Nos anos 80, vão continuar existindo movimentos de resistência,
como o punk, só que agora revestidos de uma persona muito mais
violenta – a ordem é combater o sistema com suas próprias armas.
Se Eros marcou os decênios de 1960-1970 com o flower-power, o
“amor livre”, o retorno à natureza e aos cultos místicos, é Thanatos
que rege os anos 80: cultuam-se as cores negras, a violência, o lado
15
podre do sistema .
Diante de tal realidade, o punk não mais se afirma, como outrora fizeram
os hippies, como um movimento contracultural. A questão não era mais a de
propor uma alternativa à sociedade dominante, mas de empreender uma
batalha processual contra o sistema que, por sua vez, lhes daria ele mesmo as
armas para tal combate. Em suma, o plano não era mais o de edificação de um
futuro possível, mas o da destruição de um presente concreto. Para isso, era
necessário se despir de regras impostas pela cultura e, paradoxalmente, viver
em meio a elas. O que nos leva a pensar nas mudanças trazidas pelo punk
através da revisão de certos preceitos culturais, bem como o estabelecimento
de linhas de fuga (DELEUZE; GUATTARI, 2011). O mais importante deles, sem
dúvida, é a desobrigação do domínio técnico dos instrumentos musicais
utilizados pelo rock. Entramos, aqui, no primeiro ponto que abordaremos da
fala de Michel Foucault: a sua relação de exclusão delimitada pelo erudito.
Ao pensarmos em tal exclusão devemos voltar no tempo e não pensar
exclusivamente no que tange a música em si. Deve-se levar em consideração
como a sala de concertos exclui o público através de imposições
comportamentais e financeiras; como é sabido, esses espaços nunca foram
15
COHEN. Renato. Op. Cit. (Pág. 144). Não estamos plenamente de acordo com a relação
temporal estabelecida por Cohen, pois, como exemplificamos anteriormente, o Eros por ele
concebido já começa a perder sua potência criativa na década anterior, dando espaço ao
desfile negro que conheceria seu ápice na década de 1980, mas se fazendo presente
anteriormente.
56
destinados às classes populares e foram responsáveis por uma domesticação
corpórea da música. Acerca disso, José Miguel Wisnik coloca que:
A inviolabilidade da partitura escrita, o horror ao erro, o uso exclusivo
de instrumentos melódios afinados, o silêncio exigido à plateia, tudo
faz ouvir a música erudita tradicional como representação do drama
sonoro das alturas melódico-harmônicas no interior de uma câmara
de silêncio de onde o ruído estaria idealmente excluído [...]. A
representação depende da possibilidade de encenar um universo de
sentido dentro de uma moldura visível, uma caixa de verossimilhança
que tem que ser, no caso da música, separada da plateia pagante e
16
margeada de silêncio .
E, enquanto isso, as festas populares (muito mais próximas de um
concerto de punk rock) enchiam-se de ruidosa animação. Devemos
compreender que, por mais que o autor construa tal afirmação com base em
relações muito antigas, elas são perenes; a plateia de um concerto clássico
deve permanecer sentada e em silêncio, e os que subverteram tais
pressupostos são tidos, até os dias de hoje, como vanguardistas (Stravinsky,
Cage, Stockhausen). Acontece que a rudeza do rock e, em especial, a
violência do punk não caberiam nunca naquele espaço e, provavalmente,
tampouco gostariam de estar ali. Isso os coloca automaticamente fora do que
Theodor Adorno, em Introdução à sociologia da música, chamou de música
séria.
A separação entre cultura e contracultura se mostra evidente em
determinado movimento estabelecido pelo rock a título de nomenclatura, mas
não necessariamente adere a ela por não pertencer – ou não querer pertencer
– a uma cultura institucionalizada. Em verdade, o rock vem, desde sua gênese,
para engrossar o barulhento carnaval de formas populares17, e não para entrar
em acordo com os ideais sérios da música que são, por vezes, sérios demais.
Entramos em um ponto nevrálgico para uma acepção do que
entendemos por cultura e sua separação em diversas esferas. Como fica claro,
16
WISNIK, José Miguel. Op. Cit. (Pág. 42). Os grifos são nossos.
É claro que alguns segmentos do rock, como o progressivo, aproximaram-se muito mais da
música erudita do que das raízes do rock, construindo algo muito mais próximo do melódico do
que do rítmico.
17
57
a sua segmentação em oposições binárias que tendam a compreender não
apenas o seu lugar, mas a sua validade, é deveras discutível, uma vez que sua
identificação depende de determinadas operações que tendem a excluir toda
uma massa produtora e tudo aquilo que foi para ela desenvolvido. Acerca
disso, Giorgio Agamben coloca que:
Estamos aqui em presença de um fenômeno muito curioso, que
precisamente nesse momento começa a assumir proporções
macroscópicas: isto é, parece que a arte prefere muito mais se dispor
no molde informe e indiferenciado do mau gosto a se espelhar no
precioso cristal do bom gosto. Tudo se passa, em suma, como se o
bom gosto, permitindo, a quem tem o seu dom, perceber o point de
perfection da obra de arte, terminasse, na realidade, por torna-lo
indiferente a ela; ou como se a arte, entrando no perfeito mecanismo
receptivo do bom gosto, perdesse aquela vitalidade que um
mecanismo menos perfeito, mas mais interessado, consegue, no
18
entanto, conservar .
Essas considerações nos levam a desconfiar da edificação cultural que
tantos autores defenderam ferrenhamente. O próprio Agamben comenta que:
“[...] os críticos da cultura de massa desenvolveriam certamente um trabalho
mais útil se começassem a se perguntar, antes de tudo, como foi possível que
justamente uma élite refinada tivesse sentido a necessidade de criar, para sua
própria sensibilidade, objetos vulgares” (2012). O que chama a atenção para tal
discussão é justamente o afastamento desses pressupostos teóricos que
tendam a validar separações estanques de processos culturais que nem
sempre estão em acordo com o reino do gosto. Quando tratamos de tais
aspectos da cultura, estamos lidando com séculos de olvido acadêmico em
relação às massas, bem como a realidade que as cercam, suas condições
produtivas e sua significação. Acerca disso, Roy Wagner, em A invenção da
cultura, coloca que:
Quando falamos de "centros culturais", ou mesmo da "cultura da
cidade de Chicago”, temos em mente um certo tipo de instituição.
Não estamos falando em siderúrgicas, aeroportos, mercearias ou
postos de gasolina, ainda que estes estejam incluídos nas definições
antropológicas de cultura mais católicas. As "instituições culturais" de
18
AGAMBEN, Giorgio. O homem sem conteúdo. São Paulo, Autêntica, 2012 (pág. 45).
Tradução de Cláudio Oliveira.
58
uma cidade são seus museus, bibliotecas, orquestras sinfônicas,
universidades e talvez seus parques e zoológicos. É nesses
santuários especializados, mantidos à parte da vida cotidiana por
regulamentos especiais, subsidiados por fundos especiais, e
cuidados por pessoal altamente qualificado, que os documentos,
registros, relíquias e corporificações das mais altas realizações
humanas são preservados e a "arte" ou "cultura" é mantida viva. A
ideia de um "conservatório" musical é um bom exemplo, pois ele
provê uma atmosfera reverente para a prática de estudos, ensaios,
recitais e concertos, essenciais à "vida" da música. As instituições
culturais não apenas preservam e protegem os resultados do
refinamento do homem: também o sustentam e propiciam sua
19
continuidade .
A cultura que reside, na acepção de Wagner, no universo de impressões
e gostos de determinadas parcelas da sociedade em detrimento de outras não
merece estar exposta em museus ou praticada em conservatórios. As
instituições responsáveis por tal difusão têm a função de elevar o espírito
humano ao dos gênios criadores, possibilitando ao inábil homem comum a
contemplação passiva ante o texto que ele jamais conseguirá reproduzir.
Podemos retomar a origem da palavra cultura. Ela vem do latim e era
usada para designar o cultivo agrário que se opunha à forma natural como as
plantas se desenvolviam. Cultura, portanto, é o empenho humano em agregar
em linhas aquilo que a natureza faz de forma indômita. Devemos nos lembrar,
todavia, de que as linhas organizam ao mesmo tempo que excluem. As
instituições que promovem a cultura da sala de concertos não opera de
maneira diferente. Não se trata de ir a favor dos que foram e são excluídos de
tais instituições, mas de observar que os processos culturais operam de
maneira mais complexa do que as resoluções dadas para que determinadas
obras adentrem nestes santuários enquanto outras são vistas quais ervas
daninhas.
A ideia de cultura concebida através de superações técnicas com a
função de refinar a vida humana nos parece inadequada para explicar
determinadas manifestações que não estão em acordo com seu caráter
institucional. Este motivo se aproxima da maneira que vemos o punk rock
19
WAGNER, Roy. A invenção da cultura. São Paulo, Cosac Naify, 2009 (págs. 78-9).
Tradução de Marcela coelho de Souza e Alexandre Morales.
59
inserido na cultura; através de um processo cultural que não se adapta aos
pressupostos de uma cultura dominante, mas tampouco se aproxima daquilo
que Adorno e Horkheimer denominaram como um produto da indústria cultural,
posto que suas recusas estéticas não o aproxima de um público de forma
massiva. Por exemplo: Tez Roberts, membro fundador da banda Discharge,
afirma que o grupo era capaz de organizar concertos com cerca de oitocentas
pessoas, pois a sua cidade tinha uma grande cena de punk rock. Como
podemos ver, o número é inexpressivo se comparado a qualquer grande
apresentação de rock.
Os undergrounds incorporados ao rock (não apenas ao punk)
configuram um ponto complicado em relação a essa cultura dominante. Apesar
de alguns poucos escolhidos conseguirem atingir o estrelato, a grande maioria
das bandas conseguiu espaços pequenos para dividir sua música com seus
pares, sobretudo após a consolidação do punk rock, responsável por mostrar
ao mundo que qualquer aglomerado de mais de duas pessoas poderia montar
uma banda sem a menor preocupação com o domínio técnico de seus
instrumentos20.
Estabelecem-se relações que até então a música ainda não conhecia e
sequer admitia, uma vez que os produtos criados não eram facilmente
convertidos em mercadorias fonográficas de grande expressão e tampouco
poderiam ser exaltados por sua realização técnica. Estabelecem-se relações
que podem ser explicadas a partir da consideração da cultura como algo que
apresenta certa elasticidade em seu desenvolvimento processual, criando
esferas de sentido particulares quando de sua realização. Isso nos leva ao
nosso próximo subcapítulo, que dará conta de explicar a afirmação de Michel
Foucault colocada anteriormente: o rock não apenas como um estilo de
música, mas de vida.
20
Em artigo, Mayoboat afirma que: “Punk rock was the best thing that ever happened to Heavy
Metal. Like the comet that struck the earth killed of the dinosaurs, Punk‟s impact destroyed the
status quo and wiped the slate clear for rock music to reinvent itself. Punk slayed the arena
gods of the 70‟s, and demanded that you didn‟t have to be a musical genius to express yourself
musically; anyone could form a band, and everyone should form a band” (Disponível em:
<https://mayobat.wordpress.com/2015/05/23/nwobhm-year-one/>. Acessado em: 24/07/2015).
Isso evidencia o impacto causado pelos desdobramentos do punk rock, bem como a gama de
novas possibilidades, independente de realizações técnicas.
60
61
2.2. O desenvolvimento de processos culturais: as fronteiras
A questão das fronteiras culturais é derivada de uma noção de esfera de
sentido, ou semiosfera, criada por Iuri Lótman. Ao pensarmos na cultura em
esferas, podemos presumir que não há extremidades lineares, mas um centro
e uma periferia que vivem em constante trânsito. Essas esferas podem ser
vistas de duas maneiras: primeiramente, podemos entender a relação
estabelecida entre diversos textos que compõem determinada cultura em sua
totalidade e, em segundo lugar, que cada conjunto de textos com certo grau de
similitude e partilhado por certo auditório cria para si uma semiosfera própria
em relação à outra, alheia.
Semiosfera é, portanto, um espaço no qual textos circulam e apontam
para uma relação processual e dinâmica na cultura, prevendo uma troca
constante entre eles, que ocorrem num intercâmbio entre centro e periferia.
Lótman, ao definir as noções de fronteira, diz que:
Paradoxalmente, o espaço interno da semiosfera é ao mesmo tempo
desigual ainda que unificado, assimétrico ainda que uniforme.
Composta como o é de estruturas conflitantes, ao menos marcados
por individuações. [...] A fronteira pode separa o vivo do morto,
sedentários de nômades, a cidade das planícies; ela pode ser um
estado fronteiriço, social, nacional, confessional, ou qualquer tipo de
fronteira (1990:131).
Podemos postular que as relações estabelecidas pela cultura precisam
ser mediadas por certa permissividade dessas fronteiras em aceitar novos
textos e, consequentemente, excluir outros, além de prever a transformação
das funções desses textos, passando, por exemplo, de um valor informativo ao
histórico.
Retomando a perspectiva diacrônica descrita no início do capítulo,
podemos observar que não apenas se delineia uma nova relação com a
música-em-si, mas também com a sua fronteira estabelecida pela cultura: o
movimento das décadas de 1960 e 1970 estabeleceu (ou pelo menos tentou)
uma recriação de fronteiras, daí a tentativa de sociedades alternativas, da fuga
62
para o Oriente, do uso de drogas alucinógenas, da ideia de amor livre; há uma
tentativa de que novos textos ocupem o lugar daqueles que já não mais
serviam a essa geração, de simplesmente esquecer os valores outrora
edificados e substituí-los por outros. Há uma mudança muito grande na década
seguinte, na qual não mais se ensaia a criação de novos textos a fim
simplesmente de uma substituição de seus antecessores. O punk rock não
mais parte da tentativa de criação de um outro sistema semiótico de
possibilidades. Diferentemente de seus antecessores, a questão deixa de ser a
busca por algo que está fora da fronteira para explorar o lado mais obscuro
dela. Ao invés da celebração de uma vida melhor fora da realidade imposta, a
banda Discharge canta “A possibilidade da vida é a destruição”21; a banda
Amebix coloca em um refrão a seguinte oração: “Beba e seja feliz porque
amanhã você pode morrer”22; o Napalm Death coloca uma sigla muito temida à
época como título de uma de suas músicas: M.A.D. (Mutually assured
destruction)23; o Doom, por sua vez, clama pelo fim de um sistema lacunar
“Stop Gap System”24; e o Extreme Noise Terror, ao ver um engajamento
necessário dos punks, afirmam que: “Se você só está aqui pela música, você
pode se foder”25.
Ao fazer tal movimento, o punk rock entra em relação direta com a
semiosfera que o cerca sem, no entanto, tentar criar outra realidade possível. O
que o direciona automaticamente às margens tanto por essa relação com os
textos que o cercam quanto pelas opções estéticas analisadas mais
minuciosamente no capítulo anterior. Não por acaso, Lótman coloca que:
21
DISCHARGE. Hear nothing, see nothing, say nothing. Havoc Records, Minneapolis, 2010
(The possibility of life‟s destruction”, faixa 10).
22
AMEBIX. Arise! +2. Alternative Tentacles, São Francisco, 2000 (Drink and be merry: faixa 5).
23
NAPAM DEATH. Scum. Earache, Nothingham, 1988 (faixa 27). A sigla provém da Guerra
Fria e, grosso modo, significava que caso os Estados Unidos atacassem a URSS diretamente,
ou vice-versa, seria atacado em sequência. À época, o arsenal atômico detido por ambos os
países, se utilizado, poderia acabar com o mundo todo.
24
DOOM. Fuck Peaceville. Pfinztal, Twisted Chords, 2005 (faixa 34).
25
EXTREME NOISE TERROR. A holocaust in your head. Gotemburgo, Distortion, 1999 (If
you‟re only in it for the music: faixa 14).
63
A função de qualquer fronteira ou filtro [...] é a de controlar, filtrar e
adaptar o externo em interno. Essa função invariante é percebida em
diferentes caminhos e diferentes níveis. No nível da semiosfera ela
implica a separação do “nosso” para o “alheio”, a filtragem do que
vem de fora e é tratado como texto em outra língua, e a tradução
deste texto em nossa própria língua. Neste sentido, o espaço externo
devém estruturado (1990:140).
Desta maneira, o punk rock opera em uma dupla notação: assenta-se
em uma gama de textos dados a fim de criticá-los ao mesmo tempo que se
afasta dessa língua de que fala Lótman. Trata-se da edificação de um processo
cultural que dê conta de se embasar em algo dado com o intuito de
desorganizá-lo. Isso o introjeta em um processo que residirá sempre à margem
da cultura. Por mais dinâmicas que sejam as relações entre margem e centro,
algumas barreiras se mostram intransponíveis, colocando-se como inaceitáveis
àqueles que fazem validar essas trocas de posição entre determinados textos;
para se afirmar por suas vias, o punk rock precisou ser minoritário.
Janice Caiafa, em seu estudo antropológico sobre os punks no Rio de
Janeiro, coloca que: “É fato que nenhuma banda punk tem a atitude de
conquistar a plateia, pelo som que faz, já em si exasperante, e mesmo pela
atuação sempre desafiadora das bandas no palco” (1985). O que esbarra no
que ressaltamos sobre o Extreme Noise Terror: se você está aqui apenas pela
música, caia fora, vá se foder. Tais considerações nos levam a conceber uma
periferia cultural que não será apenas física, mas também uma construção
espacial que independe de sua localização independe de sua localização ou de
operações estabelecidas.
64
2.3. Periferia cultural
A noção de periférico surge em oposição àquilo que é central. Como fica
claro, a cultura é composta de processos heterogêneos em constantes trocas
de posições e influências. Novos textos são criados nas periferias e, de acordo
com a relação que estabelecem com seus destinatários, vão ocupando o lugar
de outros que estiveram na mesma condição. Desta maneira, o centro
apresenta textos cristalizados, ao passo que a periferia será imbuída de
inventar e reinventar novos processos ou novas formas de apreensão
diferentes daqueles que já foram dados, como postula Lótman:
Na periferia – e quanto mais se distanciam do centro, mais notáveis
se tornam – a relação entre a prática semiótica e as normas impostas
sobre eles devém mais tensas. Textos gerados em acordo com essas
normas presas ao ar, sem nenhum contexto semiótico real; enquanto
criações orgânicas, nascidas do meio semiótico atual, entram em
conflito com essas normas artificiais. Essa é a área do dinamismo
semiótico. Esse é o campo de tensão no qual novas línguas nascem.
Por exemplo, como os acadêmicos já observaram, os gêneros
periféricos em artes são mais revolucionários do que aqueles do
centro da cultura; eles gozam grande prestígio e são percebidos
pelos seus contemporâneos como sendo arte real. A segunda meta
do século XX testemunhou uma agressiva insurgência de formas
marginais de cultura (1990:134).
Essas relações previstas por Lótman sempre vão experimentar um grau
de tensão para que possam se afirmar diante de um determinado público,
estabelecendo relações não apenas com outros textos, mas com uma parcela
de materialidade do meio semiótico no qual estão inseridos e sobre ela
interferindo com novas proposições, ressignificando-as à sua maneira. No
entanto, a segunda metade do século XX foi muito rica no que diz respeito a
tais produções marginais, gerando um contingente muito grande de
representantes. Pensando no dinamismo como parte fundamental da cultura,
devemos pressupor que, de acordo com tal noção, teremos inúmeros
processos que estarão mais à margem do que outros, dependendo de sua
capacidade de estabelecer relações com outros textos e a estabilidade
65
proporcionada pela sua radicalização (ou não) de metaestruturas nas quais se
insere.
O que é curioso, e ao mesmo tempo crucial no caso do punk rock, é a
maneira como este se vale de mecanismos para não ascender da periferia ao
centro. O que entra em jogo aqui é o alargamento dessa zona periférica em
detrimento de sua inserção neste processo do qual ele se exclui
voluntariamente. Em determinado momento de sua existência, há uma tentativa
de se dissociar desse movimento previsto pela semiose proposta por Lótman.
Isso ocorre muito provavelmente quando a banda Crass proclama a morte do
punk em 1979 por conta de seu alinhamento com setores comerciais, como o
próprio grupo coloca:
É isso aí, o punk está morto/ é apenas qualquer produto barato para
os consumidores [...] A CBS produziu o Clash/ Mas não por
revolução, foi apenas por dinheiro/ O punk se tornou uma moda
assim como os hippies/ E não há lugar para mim e para vocês/
Movimentos são sistemas e sistemas matam/ Movimentos são
expressões de anseios do povo/ O punk se tornou um movimento
porque todos nós nos sentíamos perdidos/ O narcisismo do punk foi
26
napalm social .
Aqui, o que está em jogo não é apenas a música, mas aquilo que
Foucault colocou: o rock deixa de ser um estilo musical para se tornar um estilo
de vida. Conforme a banda expõe, o punk rock era tido nos termos de uma
manifestação de indivíduos perdidos em meio a uma sociedade que tende a
converter os processos culturais em produtos, mas que deixava brechas que
eram (e são) usadas contra essas formas de controle, como a banda Discharge
coloca: “Não há música real, eu estou apenas esbravejando e gritando”27.
O que fica evidente em tais letras é a exclusão voluntária de um
processo que poderia viabilizar uma maior aceitação do grande público. Mas
como a banda Crass colocou: o punk pode ser (e foi) convertido em apenas
mais um produto barato e, assim, a urgência de focos de resistência se fez tão
26
CRASS. The feeding of 5000. Crass Records, Essex, 1979 (“Punk is dead”: faixa 5).
DISCHARGE. Realities of war. Havoc Records, Minneapolis, 2011 (“But after the gig”: faixa
4).
27
66
evidente que deu voz a uma gama de bandas que simplesmente viraram as
costas ante tal possibilidade. A margem não era um ponto de partida, mas uma
condição estanque que foi alargada dentro de suas possibilidades a fim de
englobar aqueles que não quiseram aderir às regras do jogo.
Edgar Morin afirma que: “Nos faz necessário conceber os princípios que
permitam compreender que uma cultura pode produzir aquilo que a arruinará”
(1991). O punk é uma tentativa de trazer à evidência esse potencial de ruína de
determinada cultura. Provêm daí certas escolhas em detrimento de outras que,
por sua vez, estão muito mais ligadas às formas anômalas; a mais clara delas
é o uso da violência. Lótman (1996) chamou tal fenômeno de “irregularidade
semiótica” possibilitada por formações periféricas compostas de estruturas
mais abertas que veem a necessidade de se reinventar a todo o momento para
a recriação de algo já existente utilizando-se de uma nova linguagem. Tais
considerações justificam uma crescente dessa violência em meio às bandas
aqui analisadas para a manutenção de seu alheamento aos sistemas
semióticos. Como colocou Dean Jones, vocalista da banda Extreme Noise
Terror, a banda visou, em seu início, ser a mais barulhenta de todos os tempos,
e o Napalm Death, por sua vez, cativava o público por possuir um baterista que
tocava de maneira extremamente ágil (GLASPER, 2012).
Estabelecem-se linhas de fuga capazes de compreender essa opção
pela margem de maneira que as possibilidades comerciais sejam convertidas
sucessivamente em formas de exclusão voluntária. Isso se dá pela recusa de
modelos oficiais. Como coloca Caiafa (1985), o punk vai contra o “sistema”,
termo lacunar que vai dar conta de inúmeras relações de opressão cujas regras
afetam seu desenvolvimento. Isso não se dá apenas em termos macropolíticos,
mas trata-se também de uma sistematização de formas vitais em diferentes
âmbitos: são segmentos sociais e políticos de dominação e preponderância
ante outras formas. Essa enigmática figura que é o sistema ao qual o punk se
opõe é aquilo que anteriormente chamamos de estruturas centrais. Por seu
lugar privilegiado e pela multiplicação de dispositivos capazes de imbuí-las de
poder e influência em relação a outros textos, tomam formas complexas,
gerando a relação conflituosa com o sistema político vigente, com o esquema
das grandes gravadoras, com tendências de moda etc.
67
Desenha-se uma urgência dessa margem, que não apenas representa o
dinamismo previsto pela esfera de sentido da qual faz parte. Suas relações se
mostram à margem por observar e refutar implicações políticas do lugar central
de determinadas estruturalidades: a criação de um “discurso dominante”. Sobre
isso, Octavio Paz considera que:
As relações entre o Estado e a criação artística dependem, em cada
caso, da natureza da sociedade à qual ambos pertencem. Mas em
termos gerais – até onde é possível extrair conclusões numa esfera
tão ampla e contraditória – o exame histórico confirma que não só o
Estado jamais foi criador de uma arte seriamente valiosa, como
também que, toda vez que tenta transformá-la em instrumento para
seus fins, acaba por desnaturá-la e degradá-la. Assim, a “arte para
poucos” quase sempre é livre de resposta de um grupo de artistas
que, aberta ou disfarçadamente, se opõem a uma arte oficial ou à
28
decomposição de uma linguagem social .
Interessado nas relações poéticas estabelecidas entre sociedade e
Estado, o autor mexicano fala de instâncias de controle às quais a arte se
submete para se tornar um instrumento de poder. Isso se torna óbvio quando
colocamos, por exemplo, um metro padrão de músicas pop que dita tudo o que
é produzido por grandes gravadoras, como colocado no capítulo anterior. A
sucessão histórica de fatos artísticos tornam claras essas instâncias de
controle permissivas a determinadas manifestações. Grosso modo, o controle
exercido pela Igreja (WISNIK, 2014) cede espaço à “música séria” (ADORNO,
2012) que, por sua vez, abre espaço aos halls das gravadoras e à música pop
(IAZZETTA, 2009). Essas transições evidenciam que não se trata de uma
imposição estatal, como colocou Paz, mas da sucessão de dispositivos
capazes de alinhar produções em acordo com sua oficialização ante o centro
lotmaniano.
Paz se refere a um tempo anterior ao punk, levando-nos ao século XIX
de Mallarmé, quando ainda não havíamos assistido à mediatização da música.
Por mais que o livro passe pelas mesmas implicações, o processo de
industrialização deste é muito anterior ao seu correlato musical. O livro teve de
lidar com a sua submissão ao processo industrial diante de uma massa
28
PAZ, Octavio. Op. Cit. (2012, p. 302).
68
analfabeta, ao passo que a indústria fonográfica, surgida no início do século
XX, configurou um negócio bilionário já na década de 1970; ela lucrou, em
1973, o montante de dois bilhões de dólares apenas nos Estados Unidos
(HOBSBAWN, 1989).
De certa maneira, a relação tratada por Paz entre poesia e Estado se
repete, em partes, entre o punk rock e a indústria fonográfica. Não por acaso,
podemos listar uma pequena porção de punks que assinaram contratos com
gravadoras, ao passo que a maioria das bandas lançou seus materiais de
maneira independente ou apoiada por grupos especializados. As grandes
gravadoras não representavam apenas uma grande chave para o sucesso,
mas um dispositivo de controle ao qual o punk rock não queria ceder por repelir
a hipótese de se tornar apenas mais um produto barato, conforme pretendeu a
banda Crass.
2.4. Bordas e margens
O conceito de bordas, construído por Jerusa Pires Ferreira, nos ajuda a
compreender melhor essa relação desenhada anteriormente. Em seu livro
intitulado Cultura das bordas, a autora traz à discussão os espaços não
canônicos e sua inserção na cultura, privilegiando o universo das edições
populares. Sobre o conceito, ela propõe que:
Uma coisa é tratar a matéria do ponto de vista sociológico e perceber
gradações em camadas sociais na formação de compostos culturais.
Outra, é acompanhar a criação na cultura, atentar para os
procedimentos, ações, revelar criadores, atitudes, e acompanha-los
nas respectivas paisagens urbanas, tempos/espaços que para nós
caracterizam uma cultura das bordas.
E acrescenta:
69
Há os estudiosos que segmentam e assumem, por exemplo, o campo
literário como um todo de fronteiras rígidas, apegando-se a uma certa
fixidez e até, por hábito, preferem chamar de paraliteratura qualquer
outra coisa que pareça fugir ao padrão estabelecido pela instituição
“Literatura” ou, no polo oposto, aquilo que não caiba nos domínios
legitimados de uma cultura popular tradicional que se costuma
delinear enquanto Folclore, por sua vez, matéria tornada nobre e
justificada. Há, no entanto, quem sequer considere, e despreze
29
mesmo esses textos de cultura, por não lhes encontrar valor .
Através das considerações feitas por Pires Ferreira, fica claro que o
conceito de bordas foi, antes de tudo, cunhado em meio à urgência de
privilegiar academicamente ambientes culturais que se encontram em situação
oclusiva ante os saberes oficializados. São estratégias para situar objetos não
oficiais em meio à tessitura cultural na qual estamos imersos, mas que não
estão situados nos centros da cultura. Bordas, portanto, se torna uma urgência
e uma tentativa de oficialização de processos não concêntricos mas que, ao
mesmo tempo, pululam em diferentes pontos desse tecido.
O punk surge majoritariamente em regiões pobres de grandes centros
urbanos e é a vertente do rock que melhor ilustra o analfabetismo musical de
que Eric Hobsbawn fala em História social do jazz. No entanto,
diferentemente daquilo que o historiador previu, tal manifestação não quis
omitir isso, pelo contrário, frisou essa falta de competência e viu nela uma
ferramenta de expressão. O documentário Punk Brittania (2012), que busca
as gêneses do punk na década de 1970, deixa isso bem claro ao resgatar
algumas falas sobre uma geração que nasceu tarde demais e urbana demais
para aderir ao sonho hippie. Além, é claro, do fato de o rock ter conhecido
nesse ínterim as vantagens dos domínios técnicos executados magistralmente
no rock progressivo. Acontece que tais demonstrações de realização técnica
repeliram um grande público que estava disposto a se valer do rock como
forma de expressão. Cercados pela realidade nada animadora dos meios
oficiais, o punk surge como uma repelência e uma nova proposta de algo que
qualquer um poderia fazer30; enquanto os hippies saíam de cena e o rock
29
PIRES FERREIRA, Jerusa. Cultura das bordas: edição, comunicação, leitura. São Paulo,
Ateliê, 2012 (pág. 12).
30
É claro que algumas poucas bandas punks venderam seus milhões de discos, enriqueceram
e tentaram novas propostas musicais, mas, se pensarmos no contingente de bandas surgidas
na Inglaterra entre 1977 e 1988, a maioria esmagadora encontra-se inserida nessas bordas.
70
progressivo se fechava em seus talentosos músicos, o punk surgia como uma
estratégia que parte dessas bordas a fim de dar voz a uma legião de jovens
que não viam alternativas oferecidas pelo rock.
O universo abordado por Pires Ferreira, das edições populares de livros,
se vale por vezes das mesmas estratégias que o estilo se valeu para se afirmar
como uma manifestação das bordas. Ao falar do lançamento de Eneida, em
uma edição popular da livraria João do Rio, o editor conta que a obra foi
lançada em prosa e algumas passagens demasiadamente prolixas ou confusas
foram cortadas da obra para que ela se tornasse mais acessível. A refacção do
texto original através de outras traduções, cortes e adaptações não é um
processo de destituição de valores do original, mas sim a produção de um novo
texto da cultura que representa “[...] os esforços para oferecer a este leitor
(considerado em princípio ignorante) as informações sobre os poetas clássicos
[...]” (2012).
O processo de recriação textual para atingir um maior número de
pessoas ao invés da manutenção de seu hermetismo é a apropriação de um
discurso em que, tanto temporal quanto estilisticamente, não figura questões
de ordem prática de uso da linguagem e, portanto, deve ser passado de
maneira a atender a demanda de uma gama de leitores que não tinham em seu
repertório certas estruturalidades centrais à cultura.
Mark Perry, ao escrever seu fanzine, Sniffin’ glue, coloca a seguinte
ilustração na edição de número três, lançada em dezembro de 1976:
71
Os dizeres do jovem editor não destoam do que colocamos acerca dos
livros populares, com a diferença de que Perry não apenas queria produzir uma
música acessível a todos, mas que todos pudessem produzir suas próprias
músicas. Ao passo que as edições populares engrossam o contingente de
leitores, o punk está preocupado com a formação de um público produtor e
autorreferente. A partir de uma forma fixa e extremamente simples, qualquer
um poderia explorar a gama de possibilidades ausentes na fórmula de Perry,
que apenas em parte daria conta de um processo de produção.
O que está em jogo aqui é a colocação de esferas menos privilegiadas
(nos mais diversos aspectos que o termo pode assumir) na condição de
consumidores e produtores de seus próprios processos culturais cercados de
saberes hegemônicos e, consequentemente, inacessíveis à grande maioria
dessa massa. Estamos considerando uma realidade urbana cujas massas
integram desde início do século XIX, quando passam de uma porção amorfa de
pessoas a um público consumidor em potencial. O inesperado é que este
público consumidor passe a ser representado, também, na figura de produtor.
72
Emissor e receptor se unem em sua construção das bordas que cercam essa
cultura hegemônica e, quando almejam, apropriam-se desta, recriando-a à sua
maneira, muitas vezes desatinada ao valor áurico contido nela. Jesús MartínBarbero coloca que:
[...] frente a toda tendência culturalista, o valor do popular não reside
em sua autenticidade ou em sua beleza, mas sim em sua
representatividade sociocultural, em sua capacidade de materializar e
de expressar o modo de viver e pesar das classes subalternas, as
formas como sobrevivem e as estratégias através das quais filtram,
reorganizam o que vem da cultura hegemônica, e o integram e
31
fundem com o que vem de sua memória histórica (1997:113) .
A própria ideia de uma cultura popular se torna extremamente
problemática nas inúmeras possibilidades de processos culturais arraigados
em sua memória. Quando ela deixa a nobreza do termo folclore e passa a ser
um contingente urbano imbuído não apenas do desejo de consumir
determinada cultura, mas também de produzi-la, há uma mudança. Partindo
desse ponto de vista, o punk rock, dentro de todas as possiblidades de gêneros
e subgêneros oferecidos pelo rock, é o que melhor ilustra tais relações. MartínBarbero acrescenta que:
Popular é o nome para uma gama de práticas inseridas na
modalidade industrial, ou melhor, o “lugar” a partir do qual devem ser
vistas para se desenharem suas táticas. Cultura popular fala então
não de algo estranho, mas de um resto e um estilo. Um resto:
memória da experiência sem discurso, que resiste ao discurso e se
deixa em dizer só no relato. Resto feito de saberes inúteis à
colonização tecnológica, que assim marginalizados carregam
simbolicamente a cotidianidade e a convertem em espaço de uma
criação muda e coletiva. E um estilo, esquema de operações, modo
de caminhar pela cidade, habitar a casa, de ver televisão, um estilo
32
de intercâmbio social, de inventividade técnica e resistência moral .
A afirmação do autor nos fornece valiosas considerações não apenas
sobre os modos de desenvolvimento de culturas populares (que nos parece
31
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia.
Rio de Janeiro, UFRJ, 1997 (pág. 113). Tradução de Ronald Polito e Sérgio Alcides.
32
Ibid. Cit. (pág. 122).
73
mais justo vir no plural do que no singular), mas também o modo como esses
processos culturais se apropriam de elementos que sobram à própria cultura.
Os seus restos constituem uma construção coletiva de elementos que talvez
não atinjam o mesmo nível de sofisticação almejado pelas produções artísticas
geradas pela “alta cultura”, mas que em seu cerne coloca em evidência certas
partes de cotidianidades que figuram vivências de um corpo coletivo excluído
das construções concêntricas – ou seja, é uma cultura da precariedade.
No entanto, não podemos atribuir às produções populares um valor que
seja exclusivamente político. Esaurir seu conteúdo em questões sociais e não
estéticas acarretam numa perda de significações, convertendo uma gama de
objetos fruto de diferentes experiências a um lugar-comum. É óbvio que há
raízes partilhadas entre essas culturas, mas, como Martín-Barbero reconhece,
elas dependem de uma interseção entre hegemonia e memória que, por vezes,
não partilham das mesmas origens.
Desta maneira, é muito significativo o disco seminal da banda Discharge
levar o nome Hear nothing, see nothing, say nothing. O título ilustra
perfeitamente o que o Martín-Barbero postulou: trata-se de um emaranhado de
falas e experiências coletivas que não podem ser convertidas em discurso
oficial. São frases curtas que compõem todas as músicas e que são
materializadas através da violência da voz de maneira a evidenciar que, em
determinados casos, essa ausência de discurso só poderia vir aos gritos
inauditos nos centros, resistindo, no entanto, em uma memória comum. Como
coloca Lótman: “[...] a cultura é uma inteligência coletiva e uma memória
coletiva, isto é, um mecanismo supraindividual de conservação e transmissão
de certos comunicados (textos) e da elaboração de outros novos”, e acrescenta
que:
A presença de subestruturas culturais de diferentes composições e
volumes da memória conduz a diversos graus de elipticidade dos
textos circundantes nas subcoletividades culturais, e ao surgimento
de „semânticas locais‟. Quando os textos elípticos transpassam os
74
limites de uma dada subcoletividade, completam-se para que sejam
33
compreensíveis .
A memória, nos termos aqui considerados, é aquilo que foi convertido
em signo e se torna patrimônio de certa coletividade (PIRES FERREIRA,
2004). Acontece que parte do que é convertido em signo não expressa a
possibilidade de movências previstas pela esfera que integra. O caso do punk é
muito curioso porque esta aproximação ao centro indica o diagnóstico já
mencionado feito pela banda Crass: a sua morte.
O punk não apenas abdica, com seus gritos, de adentrar nos halls da
fama da música pop, mas também de se colocar nos termos de figuras
individuais para se converter em bandas que tinham formações flutuantes.
Como é o caso do Napalm Death, que gravou o mesmo disco com formações
diferentes. Há outras bandas que se comportavam como um corpo social
independente: optam por morar juntos, produzir a própria comida, tomam
decisões a partir de considerações coletivas, como foi o caso do Amebix e de
outras bandas à época.
Os restos de que Barbero fala são aproveitados em sua totalidade, seja
um espaço físico como as moradias abandonadas ocupadas por esses grupos,
seja referente a um espaço semiótico, que se vale daquilo que há de mais
terrificante e indesejado. Em resumo, se vale daquilo de pior produzido pelos
nossos avanços técnicos (a guerra, a fome, dispositivos de controle) para lhes
devolver da pior maneira possível: o grito, as distorções dos instrumentos, a
percussão extremamente ágil e repetitiva. Talvez aqui resida a resposta à
pergunta que Adorno se fez em 1949: a poesia é possível depois de
Auschwitz? Sim, ela é, mas precisa buscar no campo de concentração e em
seus desdobramentos o seu cerne e dele retirar a sua materialidade poética.
33
Lótman, Iuri. 1996. Op. Cit. (págs. 157-8).
75
2.5. Discos: materiais e materialidades
Como colocado no capítulo anterior, a música apresenta sua
materialidade sem necessariamente se apoiar em suportes físicos, uma vez
que estes, sobretudo o rádio e o fonógrafo, têm pouco mais de cem anos ao
passo que as artes vocais acompanham toda a existência humana. As diversas
mídias geradas a partir da música inserem-na no cotidiano como a “única e
verdadeira poesia de massa” apesar da banalidade que atinge à época de sua
conversão em produto (ZUMTHOR, 2010).
Essa transição da sala de concertos ou do espaço público ao ambiente
doméstico acarreta outra relação com a música em diferentes níveis. Não se
trata mais da música em si, mas de sua pluralização em desenhos, tarjas,
fotos, encartes. Se, segundo a visão de Foucault, o rock dava ao seu público
um estilo de vida, ele precisava se valer de estratégias para além da voz a fim
de propagar suas ideias.
Ao converter o canto em grito, tais estratégias se mostram essenciais
para delinear o que estava por detrás dessas formas discursivas. O disco deixa
de ser um simples objeto manipulável pelo ouvinte para compor um conjunto de
reiterações das ideias contidas em seu objeto primeiro: a música. Diversos
elementos nos dão pistas de que esses compósitos textuais abarcados por
uma única mídia viriam a compor o que identificamos anteriormente como uma
manifestação à margem de sistemas dominantes justamente por ora
desobedecer, ora desestabilizar o que havia sido colocado como pressuposto
pela indústria responsável pela massificação do acesso à música. Vejamos um
exemplo34.
O primeiro elemento que queremos ressaltar na capa do disco Hear
nothing, see nothing, say nothing é a tarja na parte superior direita com os
dizeres “Não pague mais do que £3,99” no lugar onde, canonicamente, os
logotipos
das
bandas
estariam
presentes.
Ao
colocá-lo
ao
lado
e
desobedecendo ao sentido lógico de leitura (horizontal, da esquerda para a
34
Anexos 1 a 7.
76
direita), fica claro que essa taxação se mostrava de suma importância ao passo
que a identificação individual, não (anexo 1).
As quatro imagens que compõem a capa, em conjunção com o título do
álbum, ilustram bem o que viemos dizendo ao longo do trabalho, primeiramente
temos o retrato da orelha e do olho, órgãos responsáveis por nossa apreensão
passiva do mundo e, em seguida, a boca, parte de nosso corpo responsável
pelo ato de dizer no mundo, mas que aparece fechada, tendo sua negação
reforçada pelo título (“Não ouça nada, não veja nada, não fale nada”) e seu
desdobramento: uma cabeça explodida.
A anulação dos sentidos como sentença de morte, sua representação
seguida da negação e uma última imagem para indicar a aceitação da
sentença. Com uma produção não tão comum em discos lançados pela Clay
Records, a capa do álbum é dupla. Ao abri-la, temos à direita as letras do
álbum dispostas em duas colunas de maneira muito simples, o nome dos
integrantes e o responsável pelo projeto gráfico (feito pelo vocalista da banda).
Na parte direita, duas imagens: a superior, com corpos na praia e a inferior,
com uma vítima da bomba atômica (anexo 1).
A relação estabelecida entre ambas as imagens se dá pela fragilidade
dos corpos que poderiam ser surpreendidos por uma explosão atômica (medo
muito comum à época). Isso se torna evidente quando relacionamos os
discursos verbais e imagéticos presentes no álbum. O disco começa com a
faixa que o intitula, em meio a um rufar de caixa, e os quatro versos que
compõem a música são repetidos duas vezes em seu minuto e meio de
duração. No entanto, a frase “hear nothing, see nothing, say nothing” é repetida
como um refrão extremamente breve. O mesmo modelo é aproveitado nas três
músicas seguintes do álbum, com a introdução da bateria em menos de quatro
segundos em cada uma delas, cortando introduções e solos de guitarra (as
durações oscilam entre um minuto e meio e um minuto e quarenta segundos).
A maioria das músicas, com menos de dois minutos, é capaz de
justificar a opção pelas imagens que, por sua vez, são responsáveis pelos os
conteúdos veiculados nas letras: “Homens, mulheres e crianças gemendo em
agonia/ pela intolerável dor de suas queimaduras” (“A Hell on Earth”, faixa 8);
77
“Agora, em trevas, o mundo para de girar” (“The End”, faixa 14); “Um jogo de
xadrez gigante é o que jogam/ com você e eu como peças dispensáveis”
(“Drunk With Power”, faixa 6); “Metade do mundo está faminta, morrendo
infectada/ Expedições militares aumentam/ Metade do mundo está vivendo na
pobreza” (“Meanwhile”, faixa 7). Esses são alguns exemplos que, motivados
pelas imagens, as justificam como opção estética e dão materialidade àquilo
que se almeja dizer – em verdade, elas justificam a opção pela violência. Como
postula Caroline Coon em Punk Britannia (2012), os jovens que assistiram a
geração da paz e do amor sendo ignorada voltariam com facas em mãos.
Quando Zumthor, em Escritura e nomadismo (2005), coloca que há
universalidade de certos tipos musicais pela maneira que se valem de lugarescomuns, fica claro que algumas formas são comuns e identificáveis em
qualquer nível de comunicação. O grito é, sem dúvida, uma delas, pois
representa uma alteração vocal, uma perturbação. Ao nos questionarmos a
quem se grita, no caso do punk rock, necessitamos de um caráter imagético
capaz de responder a tal questionamento.
A capa do EP Warning: Her Magesty’s Government Can Seriously
Damage Your Health (1983) é a que melhor ilustra o que dissemos por ser
uma das mais explícitas em seu conteúdo. Por mais que o nome de Thatcher
apareça e reapareça em diversas músicas, a sua representação imagética é
uma maneira de dar dimensões materiais outras ao conteúdo veiculado nas
letras (por vezes ininteligível) para que este tome força também e sobretudo
em elementos extramusicais. Mais ou menos explícitas, todas as imagens
carregam em si uma maneira de reafirmar o que vocalmente será veiculado
nas músicas, dando-nos uma maior dimensão da materialidade presente em
cada uma delas.
As capas de discos transformam o álbum em um texto com diversas
gradações. É claro que o preponderante é a música em si, mas essa mudança
acarreta um acréscimo de possibilidades de estabelecer relações com os
objetos que a cercam, dando-lhes um caráter particular através dos nexos
relacionais entre elas e a manifestação vocal. Chklóvski coloca que: “A
finalidade da imagem não é aproximar de nossa compreensão a significação
78
que carrega, mas criar uma percepção particular do objeto, criar a sua visão, e
não o seu reconhecimento” (2013). Vejamos um outro exemplo (anexo 5).
As três capas do EP Police Bastard (1989), contendo uma suástica,
expressam muito bem os dizeres de Chklóvski. Não se trata da representação
do símbolo nazista em seu conteúdo primeiro, mas de ressemantizá-lo a partir
de uma nova visão estabelecida: as suas possíveis relações com a polícia
inglesa à época. Janice Caiafa, ao observar a reprodução deliberada de
suásticas, coloca que:
A suástica é inassimilável. A moda pode adotar o negro, o cabelo
arrepiado enquanto corte exótico, o couro e mesmo as correntes
enquanto adorno. As butiques podem redesenhas as estamparias
suburbanas, como a cobre e a onça que o punk usa. Mas é
inimaginável a situação da multiplicação da suástica em broches ou
collants numa vitrine. A suástica preserva sua aparição única e
irrepetível porque sua programação é temida e evitada. Ela é anti35
moda por excelência (1985: 83-4) .
Somem da Alemanha após 1945, são readotadas por gangues de
motociclistas americanos da década de 1960 e nos estranhos curtasmetragens de Kenneth Anger, mas fora de um contexto, apenas por
representar um signo inassimilável aos demais e ser deveras agressivo.
Ressurge no punk como algo que não deve ser esquecido; tem a função de
agredir ao mesmo tempo que visa evidenciar o quão presente os
desdobramentos do símbolo ainda estão presentes em nossas vidas, daí o
acréscimo de símbolos que representam as autoridades britânicas: a bandeira
suja de sangue, o chapéu policial, o V-sign (típico no Reino Unido e equivalente
ao dedo do meio) e, principalmente, a coroa36.
A construção imagética correspondente a uma música que, em seu
cerne, tem como função a agressão (não por acaso, os primeiros materiais da
banda Extreme Noise Terror se chamam Radioactive Earslaughter e A
35
CAIAFA, Janice. Op. Cit. (págs. 83-4).
O EP Police Bastard foi relançado por algumas gravadoras. A capa mais comum é a do
retrato do policial e que foi retratada muitas vezes com o símbolo da libra esterlina no lugar da
suástica justamente por esta portar um conteúdo demasiadamente agressivo. A banda ainda
coloca, à época de seu lançamento, que: “A razão pelas diferentes capas têm vários motivos
ultimamente (principalmente pela foto da capa) [...].”. DOOM. Total Doom. Turku, Svart, 2012.
36
79
Holocaust in Your Head) visa a ressemantização de objetos do mundo
correspondentes ao horror expresso pelas letras. O primeiro álbum da banda
Doom, por exemplo, começa com a faixa mais longa do álbum (de quase
quatro minutos) e consiste em um discurso em prosa37 em meio a ruídos de
microfonia:
Me deixe sair, me deixe sair! Eu estou gritando! Correndo cegamente
através de visões. Descalço e indefeso. Correndo cegamente através
das trevas, florestas infestadas. Tempo e tempo de novo. Desilusão.
Estou mais fundo no labirinto. Além da luz. Eu grito para fora da
confusão. Sou consumido pela confusão. Meu mundo foi destruído.
Aleijado. [...] Nós fomos todos enganados. Confusão. Meus sentidos
estão morrendo, minha alma chorando. Me deixe sair, me deixe sair.
Eu estou gritando. Estou vivendo em um labirinto demente. Torturado.
Perdido. Aleijado. Eu sou uma parte dessa confusão. Destruído.
Confusão. Visão destruída. De tudo o que tive, me restaram ilusão.
Eu estou gritando em confusão. Eu estou sendo consumido pela
38
confusão. Em resumo, em um mundo de confusão .
A sombria e confusa construção discursiva portaria uma das imagens
mais fortes que figuraram as capas de discos à época a ponto de não ser mais
reproduzida39 (anexo 5).
Trazer ao mundo o que ele possui de mais horrível, um soldado
carregando com descaso o corpo de uma criança. O que devemos ter em
mente não é o que estamos olhando, mas o que nos olha de volta. Não
estabelecemos uma relação estática com a imagem, ela automaticamente nos
gera ojeriza, mas faz isso por termos dimensão do que ela representa, de suas
reincidências. Devemos nos lembrar de que as primeiras representações
imagéticas provêm da representação de nossos cadáveres (BAITELLO, 2014).
Didi-Huberman coloca que:
37
Há, também, uma versão da música na qual um coral de crianças acompanham o vocalista.
In. DOOM. Ibid cit.
38
DOOM. Ibid. cit. (Confusion: faixa 1).
39
Além disso, há o problema com a gravadora Peaceville, mencionado anteriormente. No
entanto, diversos discos da banda foram relançados com capas idênticas à original, ao passo
que a capa de seu primeiro álbum, War Crimes, só viria a ser reproduzida novamente na
compilação Total Doom, na qual é uma espécie de segunda capa.
80
[...] diante de um túmulo, a experiência torna-se mais monolítica, e
nossas imagens são mais diretamente coagidas ao que o túmulo quer
dizer, isto é, ao que o túmulo encerra. Eis porque o túmulo, quando o
vejo, me olha até o âmago – e nesse ponto, aliás, ele vem perturbar
minha capacidade de vê-lo simplesmente, serenamente – na medida
mesmo em que me mostra que perdi esse corpo que ele recolhe em
seu fundo. Ele me olha também, é claro, porque impõe em mim a
imagem impossível de ver daquilo que me fará igual e o semelhante
desse corpo em meu próprio destino futuro de corpo que em breve se
esvaziará, jazerá e desaparecerá num volume mais ou menos
40
parecido .
O autor acrescenta, ainda, que: “[...] estar cheio de um ser semelhante a
nós, mas morto, e deste modo cheio de uma angústia que nos segrega nosso
próprio destino” (2010). As imagens da morte que queremos afastar de nós, por
possuírem ali nosso destino inevitável, são abordadas de maneiras diferentes.
Não são imagens tumulares, mas de corpos que sequer tiveram o direito ao
sepultamento (como a capa do EP Why, do Discharge; anexo 1), direito este
tido em alta conta em nossa cultura (Antígona nos prova isso). As imagens aqui
apresentadas não necessariamente nos colocam ante o nosso destino óbvio,
como é o caso do túmulo, mas também não deixam de apresentar uma
possibilidade com a qual devemos lutar contra.
Retomando o pensamento de Chklóvski, as imagens não são apenas
representações do mundo, mas suas interpretações próprias do objeto
retratado que, por sua vez, retorna seus olhares a nós para que não as
esqueçamos. Converter a morte em signo imagético e, a partir dele, convertê-lo
em memória que pretende se apagar, mas que a todo momento é reiterada por
comportar um destino inelutável: o fim da existência.
Podemos, aqui, reiterar a ideia de Renato Cohen (2014), que identifica
um movimento semelhante ao do mar que devolve à terra firme as sujeiras a
ele atiradas. Trata-se de se valer do desagradável, do feio, do obsceno. Norval
Baitello coloca que: “Por medo das imagens da morte, passamos a acelerar a
produção das imagens, no intuito de afastar ou recalcar a presença da própria
morte. Tais imagens em proliferação exacerbada nos remetem ainda mais às
40
DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo, 34, 2010 (pág. 38).
Tradução de Paulo Neves.
81
recordações da morte” (2014). A relação imagética com a morte de que
tratamos aqui não se trata apenas de rememorar os mortos, mas de trazer
imagens
que
abarquem
os
desperdícios
sistemáticos
de
vidas.
A
representação de uma catástrofe irreparável, de algo que nunca poderemos
mudar e que, portanto, deve a todo tempo figurar nosso repertório imagético;
como coloca Agamben (2013), o irreparável é o estado das coisas (sujeitos e
objetos) inseridas no mundo.
O pior e maior horror da guerra: mortos insepultos indignos dos louros
de heróis (anexo 3 e 6). O contingente anônimo de mortos salta dos números
para ilustrar a capa de um disco que irá afirmar a nossa parcela de culpa; no
encarte do disco No Sanctuary, da banda Amebix, é colocada a seguinte
questão: “Você realmente deseja sua liberdade?”, que será repetida na música
“No gods, No Masters” (faixa 11). A questão não é a de rememorar os mortos,
mas de retratar os motivos de sua morte para que estes não se repitam. A
banda Crass, em fins da década de 1970, cria o bordão “Lute contra a guerra e
não contra guerras, destrua o poder, não o povo”. As imagens, portanto, não
são meras representações de atrocidades deliberadas, mas representam toda
uma série cultural (TINIANOV, 2013) que as cercavam à época. Após os
discursos de drop-out da década de 1960 e a ressaca da década de 1970,
como colocou Robert Crumb41, as estratégias para combater a reincidência
dessas imagens deveriam ser outras: inseri-las em nossa cotidianidade e nos
culpar por sua existência, mostrá-las como sintomas de uma defesa ou revolta
(SERRES, 1996) de que fazemos parte, como colocou a banda Discharge:
“Você toma parte criando esse sistema/ que nos deve fazer sofrer/ [...] Esse
41
Grande representante da contracultura americana, o cartunista Robert Crumb, em sua
autobiografia em quadrinhos, coloca que o fim da década de 1960: “Foi bastante confuso para
muitos de nós. A velha realidade capitalista da rotina de trabalho se reafirmou com grande
força e atolou o otimismo dos hippies. O “movimento” foi afundando e se partiu em facções que
não se toleravam [...]. Algumas das piores tendências da América, as quais os hippies estavam
negando no início, continuaram e até mesmo ganharam impulso e se agravaram, como a
corporativização da cultura, o surgimento de shoppings e essa merda toda”. Não podemos,
aqui, delegar tal sorte de acontecimentos apenas aos Estados Unidos, mas como movimentos
análogos em diversos âmbitos da cultura. Uma dessas facções de que fala o cartunista é, sem
dúvida, o punk, entrosado demais nos meios urbanos para simplesmente sair e, ao mesmo
tempo, descontente demais para aderir passivamente às insurgências dos modelos
conservadores de outrora (devemos aqui nos lembrar que Margareth Thatcher presidiu o país
por toda a década de 1980). CRUMB, R. Minha vida. São Paulo, Conrad, 2010. Tradução de
Daniel Galera.
82
sistema foi ajudado por você para se criar” (“You Take Part Creating this
System”, In: Fight back, faixa 4).
O que muitas dessas bandas perceberam é que “somente a guerra
permite mobilizar em sua totalidade os meios técnicos do presente,
preservando as atuais relações de produção” (BENJAMIN, 1985) e se viram
imbuídas de materializar essa crítica com exemplos práticos verbo-imagéticos.
Provamos, por vezes, o mesmo espanto de Walter Benjamin diante do quadro
de Paul Klee. O texto fruto de tal espanto compõe uma de suas teses sobre o
conceito de história e, mesmo que reproduzido exaustivamente, ainda
comporta novas visões:
Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma
catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e
as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os
mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do
paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode
mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o
futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas
cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos de progresso
42
.
O texto, escrito originalmente em 1940, aborda temas que ainda nos são
caros, sobretudo se o pensarmos a partir de determinados fragmentos. O anjo
gostaria de acordar os mortos, frear o acúmulo de ruínas sob nossos pés. Ele
dá as costas ao paraíso por ver, na Terra, uma catástrofe única oferecida pelo
lado mais perverso de nossa evolução técnica; ao mesmo tempo que lúcido, o
anjo se torna débil e ineficaz e, nas palavras de Boaventura de Sousa Santos:
“A capacidade de redenção do paraíso reside nessa possibilidade de emergir
inesperadamente num momento de perigo, como fonte de inconformismo”
(2000). A catástrofe única, a história humana, acumula fragmentos que atestam
sua falência irremediável, uma vez que, qual o anjo, somos impelidos ao
progresso. O sociólogo português ressalta que:
42
BENJAMIN, Walter. Op. Cit. (pág. 226). Os grifos são nossos.
83
A tempestade que sopra do paraíso continua a fazer-se sentir, mas
com muito menos intensidade. O anjo continua na mesma posição,
mas a força que o sustenta vai-se esvaindo. É possível mesmo que a
posição seja já produto da inércia e que o anjo de Klee tenha deixado
43
de ser um anjo trágico para se tornar numa marioneta em descanso .
A representatividade do anjo de Klee em sua versão benjaminiana não
mais representa a mesma força que tinha no ano de 1940, no auge da
Segunda Guerra Mundial. As questões se redesenharam, e essa força que
soprava do paraíso se converte em um furacão que vêm em diferentes
direções. A imagem do anjo também se repete (anexo 3).
Desta vez, não se trata mais de ter às costas o futuro, mas a cidade
plenamente industrializada, o céu amarelecido pela poluição. Sob os pés do
anjo da banda Napalm Death, os fragmentos que se distribuem não são mais
da História, mas de narrativas individuais que perdem a sua cara convertendose em crânios iguais e empresas multinacionais acumulados no chão. A vida
presente é dividida entre crianças negras extremamente magras e homens
engravatados que as cercam com rostos desfigurados. O anjo aparece com as
asas abertas, mas, diferentemente de Klee, Bill Steer44 as faz de metal. A figura
celestial sequer pode conservar seu caráter, que precisa ser convertido em um
aparelho técnico; não mais pode tentar juntar os fragmentos e mortos, devendo
presidir tal reunião e obrigando todos a pisar no solo contaminado pelo
progresso representado pelo avanço industrial.
Todas as imagens aqui elencadas são representações do meio em que
se produziram. Ao serem convertidas em capas, contracapas, encartes de
discos, elas se ressemantizam e convertem seu horror em música. A
construção de um todo que remeta frequentemente aos horrores mais
terrificantes do progresso benjaminiano tomam corpo em verdadeiros
testemunhos que retratam os medos de toda uma geração.
Não são representações delirantes (por isso a predominância de
fotografias) de um universo de ficção científica, mas fragmentos de memórias
43
SANTOS, Boaventura de Soua. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São
Paulo, Cortez, 2000 (pág. 54).
44
Autor da capa e baterista da banda Carcass, muito próxima da banda Napalm Death até os
dias de hoje.
84
espalhados pelo redesenho de um mundo imerso em suas relações industriais.
Quando Richard Barbrook (2009) afirma que a grande mudança trazida pela
revolução industrial foi a de tirar de vista do cidadão a exploração ocorrida no
universo do trabalho, ele não contava, após a explosão das bombas que
poderiam pôr fim na existência humana, que essa lógica também poderia ser
aplicada a conflitos armados periféricos: Coreia, Vietnã, Ilhas Malvinas,
Camboja e etc. O que não deixou de figurar certa incerteza na vida de milhões
de jovens ao redor do mundo, como coloca a banda Doom: “Eu não quero
morrer em uma guerra nuclear/ Medo, medo, medo do futuro/ Eu não quero
passar fome por causa da ganância corporativa/ Eu não quero viver em um
mundo de ódio/ Eu quero viver até ficar velho e grisalho” (“Fear of the Future”,
faixa 16). Até mesmo o pacifismo viria através do ódio, do medo, mas
sobretudo da dúvida de um futuro possível. A luta, portanto, se materializa em
discos, em frases soltas, em encartes, pois, ao mesmo tempo que representam
uma manifestação específica (o punk em si), são também leituras possíveis de
um mundo que acumulava mais ruínas do que relatos de paz.
2.6. Do-it-yourself: a afirmação da marginalidade
Todos os materiais lançados pelas bandas analisadas não poderiam e
não queriam figurar grandes clássicos da música: tal atitude seria um
contrassenso. Ter uma banda punk acarretava um trabalho maior do que
simplesmente a preocupação com a parte musical. Era necessário organizar os
próprios concertos, turnês, acompanhar as gravações, buscar pequenas
gravadoras, confeccionar prospectos (anexo 6). Pequenos selos especializados
começam a surgir, muitas vezes montados por bandas, com o intuito de
disseminar o trabalho do maior número de grupos possível; por isso muitas
delas chegaram a gravar seus materiais, tiveram certa expressividade e caíram
no olvido. Mas isso não faz diferença. Devemos olhar para o punk rock, à
época, como uma tessitura construída coletivamente e movente: pessoas
adentravam ao movimento, deixavam seu registro e saíam, dando lugar a
outras. O manifesto dos três acordes escrito por Mark Perry é um chamado
85
para que qualquer um montasse sua banda. A banda Crass surgiu quando
Steve Ignorant viu Joe Strummer (vocalista da banda The Clash) em um show,
falando que se alguém da plateia achasse que poderia fazer algo melhor, que
montasse uma banda. E foi o que ele fez (GLASPER, 2012).
O do-it-yourself foi uma forma organizacional decisiva para que o punk
pudesse existir no mundo inteiro. Até então, todas as bandas tinham contratos
(de maior ou menor prestígio e duração) com grandes gravadoras e poucas
delas eram especializadas no estilo musical. Em função disso, poucos grupos
seriam capazes de lançar discos com fotos de crianças mortas ou de vítimas
da bomba atômica em seu catálogo. Assim, excetuar-se e trilhar um caminho
que ainda não existia se fez urgente para viabilizar aquilo que fora preconizado
anteriormente: não importa se você é bonito ou sabe tocar algum instrumento;
se tem algo para dizer, de alguma forma, pode ajudar o movimento a crescer.
Não por acaso os fanzines (revistas independentes) começam a surgir
massivamente à época.
Estabelece-se uma relação outra com procedimentos criadores, pois
todo o processo de composição objetal passaria sob o crivo dos envolvidos.
Eric Hobsbawn, em sua História social do jazz (1989), profere que, com a
ascensão do rock and roll, os técnicos de estúdio tornaram-se coautores de
discos a fim de corrigir as insuficiências técnicas dos músicos. Isso se torna
claro quando algumas bandas consagradas despenderam centenas de horas
em estúdio (como o Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles,
que custou setecentas horas de estúdio e 25 mil libras para ser gravado) ou
fizeram excentricidades (os Rolling Stones gravaram seu Exile on Main Street
em um castelo na França). Mas isso figurava uma realidade de dimensões
industriais a qual poucos poderiam se dar ao luxo. Ao mesmo tempo, o rock
tomava dimensões que não podem ser reduzidas à condição de estúdio. Com a
sua popularidade em alta, ele começa a se fragmentar, passar por novas
experiências (muitas delas precárias) e mobilizar cada vez mais pessoas em
sua função, permitindo que novos músicos adentrassem nessas mesmas
condições de estúdio, mas que não mais poderiam portar em si a imagem do
rockstar, incabível à realidade da maiorias dos envolvidos. Hobsbawn também
86
coloca que o rock era um negócio de milhões de dólares e, no entanto,
esquece-se de que nem todos que nele ingressaram alcançaram seu quinhão.
Na década de 1980, a figura do rockstar excêntrico perde sua potência e
vai dando lugar, desde o fim do decênio anterior, à disco music, que vai revelar
novos negócios extremamente lucrativos. Por ter se fragmentado em dezenas
de diferentes facetas e ter se tornado um grande expoente da cultura jovem de
outrora, os grandes concertos de rock passam a ser realizados por artistas que
começam a conhecer o envelhecimento e apostar em novas formas (as
carreiras de Bob Dylan e da banda Kiss expressam muito bem isso, de
maneiras diferentes), e os que surgiam estavam fadados a experimentar o
amadorismo em todos os sentidos que cabem à palavra, salvo raras exceções.
Essa quebra quantitativa implica, obviamente, em uma produção muito mais
vasta e, ao mesmo tempo, muito mais horizontal45.
Neste ínterim, perdem-se duas coisas fundamentais para entendermos o
processo pelo qual o do-it-yourself se tornou possível: o interesse massivo do
rock enquanto um produto de sucesso em uma operação ambivalente entre
músicos e donos de gravadora e, também, o avanço técnico que facilitou os
processos de gravação, diretamente ligado à desvalorização (ou pelo menos à
perda de importância) das habilidades musicais. Podemos estabelecer as
mesmas oposições que Agamben (2012) prevê em O homem sem conteúdo,
no qual o autor italiano opõe as noções de poiesis e de práxis ao refletir sobre
o nosso fazer.
Segundo o autor, tendemos a encaixar toda a atividade humana em
práxis, isto é, “manifestação de uma vontade produtora de um efeito concreto”
(2012), e, ao conceber tal fato, encaixamos todas realizações humanas nos
termos de trabalhos físicos muito mais próximos da animalidade do que de
nossa condição privilegiada de ser autoconsciente. Neste ponto surge a poíesis
para diferenciar os dois fazeres. Esta seria imbuída da experiência, ao passo
que aquele se ligaria às necessidades elementares. Ambos os conceitos foram
45
Como coloca Valéria Brandini: “[...] as novas tecnologias de produção e as novas relações de
mercado não solucionaram o problema da exclusão, ao menos possibilitaram a concretização
do sonho de jovens músicos”. BRANDINI, Valéria. Cenários do rock: mercado, produção e
tendências no Brasil. São Paulo, Olho d‟água, 2007.
87
convertidos progressivamente em trabalho, colocando a condição humana nos
termos da práxis, tendo sua radicalização, segundo o autor, com Marx, que
converte a humanidade em massa trabalhadora.
Agamben aproxima os dois conceitos da produção artística de hoje e vê
que mesmo ela porta um caráter prático (de práxis), ao passo que a poíesis,
convertida pelos latinos em ação, perde sua potência com o processo de
incorporação de uma vontade vital. Dotamos a produção estética de uma ação
que não visa a possibilidade de existência do ser, mas, pelo contrário, de
responder a uma existência quase biológica, a produção de produções. Isso
ocorre mormente pela identificação da atividade humana como fonte de
acúmulo de capital. Suely Rolnik (2006), por sua vez, coloca que a função da
criação estética se dá a partir da vontade de criação de possíveis, ou seja, ela
existe para contar o presente através de suas mudanças.
A mercantilização dessas produções – processo que conhece seu
princípio basilar no século XVIII com o reconhecimento da ação humana como
produtor de bens concretos – acarreta uma perda de subjetivações presentes
nas séries culturais que, por sua vez, se veem convertidas em fórmulas de
trabalho. Presos a essas relações, somos sempre impelidos a pensar o nosso
fazer como força motriz, e não como a construção de um presente possível.
Rolnik insiste no fato de que as décadas de 1960 e 1970 foram grandes
expoentes para um movimento reflexivo sobre essas realizações artísticas. Ela
postula
que
muitos
desses
realizadores,
deslumbrados
pelas
novas
possibilidades de exposição midiática e, consequentemente, de ganhos
monetários elevados, convertem-se em reprodutores dessas formas de
comercialização, sujeitando-se à cafetinagem.
Ao nos depararmos com esse panorama no qual o punk rock surge (e do
qual, de certa maneira, é fruto), fica claro que essa situação se torna limítrofe e
que outras estratégias para se autoexcluir dessas relações de cafetinagem se
fazem urgentes. É nesse ínterim que surge o do-it-yourself, que mudaria a
história do fazer artístico.
O provável ano zero de tal proposta, ao menos na Inglaterra, é o de
1979, quando a banda Crass gravou seu primeiro álbum por uma gravadora
88
própria, a Crass Records46. Eles desempenharam um papel crucial para o
desdobramento do punk rock como o conhecemos atualmente, sendo
colocados como o maior expoente do gênero ao lado dos Sex Pistols, que logo
se entregaram à cafetinagem. Ian Glasper coloca que:
Das duas bandas, no entanto, a sombra do Crass é certamente a
mais substancial; eles deram à efêmera rebelião sugerida pelos
Pistols um corpo específico e um propósito, e uma centena de
bandas anarco-punks embarcaram em seu emergir. Essas bandas
não eram açoites contra um oponente imaginário conjurado por uma
paranoia juvenil... não, eles colocaram alvos reais e objetivos
claramente definidos – mesmo que pouco ambiciosos. Eles não
estavam interessados em sensacionalistas, intrabalháveis noções de
anarquia e caos, eles queriam uma revolução gradual interna; eles
queriam anarquia, paz e liberdade. O choque tático do punk foi
usurpado, articulado intelectualmente e agora era colocada para soar
47
como um uso social .
Das considerações feitas pelo autor, devemos ressaltar essa insurgência
de centenas de bandas que desejavam se aproximar dos moldes propostos
pela banda Crass. Não mais se tratava, como os Sex Pistols colocaram, de
querer ser o anticristo, ficar puto e destruir48. Em meio a essa incompreensão
do que deveria ser destruído, a banda Crass vem dar nome a esses inimigos
incógnitos de outrora e forma uma noção difusa de anarquia. No entanto, o
grande passo dado pela banda não reside apenas nessas relações diretas com
assuntos políticos, mas a reviravolta se dá na insurgência dessas centenas de
bandas que seguiram os seus passos através da experiência minoritária da
música. O que o Crass fez não foi apenas politizar verdadeiramente o
movimento punk, mas mostrar que a música poderia vir a ser minoritária, e,
sobretudo, que ela poderia ser feita por qualquer um sem a necessidade de se
submeter aos anseios de uma indústria, operando em sua função social.
Não se trata, pois, de uma simples politização no plano das ideias, mas
um fazer político que abarcasse a materialidade da música, aproximando-se do
46
O primeiro lançamento da Crass Records foi o EP intitulado Reality Asylum/Shaved
Women, de 1979. A banda já havia lançado uma versão de seu primeiro disco pela Small
Wonder Records, uma pequena gravadora londrina.
47
GLASPER, Ian. Op. Cit., 2012 (pág. 1).
48
“And I wanna be antichrist/ I get pissed, destroy!” SEX PISTOLS. Never Mind the Bollocks.
Londres, Virgin, 1977 (faixa 8 – Anarchy in the UK).
89
que Agamben chamou de poíesis. Esse fazer, que se viu em situação oclusiva,
volta a figurar uma realidade através de experiências que não alcançariam
nunca a notoriedade e perenidade proporcionada por pressupostos industriais,
buscando novas estratégias para escapar à cultura do capital vigente em todo
o cenário artístico. Agamben coloca que:
[...] aquilo que os gregos quiseram significar com a distinção entre
poíesis e práxis era precisamente que a essência da poíesis não tem
nada a ver com a expressão de uma vontade (em relação à qual a
arte não é de modo algum necessária); ela reside, ao contrário, na
produção da verdade e na abertura, que resulta dela, de um mundo
49
para a existência e ação do homem .
Independente dos valores do capital, o punk se encaminha para uma
busca de alternativas a tudo aquilo que se opunha – e não eram poucas coisas.
No entanto, a grande luta no âmbito musical se dá em prol de sua existência,
daí a importância da fragmentação e do aumento exponencial do número de
bandas, gravadoras e público. A movência dessa massa de indivíduos às
bordas da cultura de maneira voluntária deixa clara a urgência de se excetuar
dos esquemas comerciais.
A Crass Records e a Clay Records, gravadoras pioneiras e de grande
qualidade, responsáveis pela gravação de, respectivamente, oitenta e quatro e
cento e setenta e oito títulos diferentes, mostraram aos seus contemporâneos e
às gerações vindouras que era possível criar livremente, produzir algo de
qualidade50 e vender tudo por um preço módico. Penny Rimbaud, poeta e exbaterista do Crass, afirma que o intuito era ensinar outras pessoas a produzir
seus próprios materiais para que elas passassem a fazer isso por conta
própria. Muitas compilações foram lançados pelo selo, que inclusive foi
responsável pela estreia da banda Amebix na compilação Bullshit Detectors,
de 1980. A proposta deu certo, tanto que Ian Glasper em seu livro, Trapped in
a scene, que aborda os últimos cinco anos da década de 1980, afirma que:
49
AGAMBEN, Giorgio. Op. Cit. (pág 112).
A grande maioria, senão todos os discos lançados pela Crass Records, acompanhava
encarte, pôster e era vendida a preços módicos. Não por acaso, a mundialmente famosa Björk
lançou sua banda, Kukl, pela gravadora independente.
50
90
Pelas mesmas razões por trás da primeira e da segunda onda do
punk rock, jovens raivosos extravasaram sua frustração e a
banalidade rotineira com guitarras, baterias e vozes desafiadoras.
Eles pegaram seu mote da cena anarco-punk do começo da década
de 1980, que os havia empoderado com a ferocidade do do-it-yourself
e uma política humana, mas havia algo excitante e devastador
tomados da música punk que estava sendo importado da Europa e da
América.
E acrescenta que:
Logo, qualquer um estava gravando fitas, escrevendo seus próprios
fanzines, promovendo seus próprios shows e, em geral, ajudando a
criar uma cena própria em suas cidades. Para quê viajar para
Londres e ver a sua banda favorita quando você podia alugar um
salão local e trazê-la para você? Claro, havia a Maximum
51
Rock’n’Roll novamente encorajando crianças por todos os lados
para que eles cuidassem da porra de suas vidas! Por alguns lindos
anos, era verdadeiramente ótimo ser jovem, viajar pelo país vendo
todas essas ótimas bandas, fazendo novos amigos e tentando fazer a
diferença. Afinal, o que poderia ser melhor do que uma dúzia de
bandas com letras meio decentes com riffs hipervelozes em um
centro comunitário mal iluminado por £1,50? (2012: 3-5).
O salto quantitativo dado no último quinquênio da década deixa claro
que a colheita das sementes plantadas em fins da década anterior foi profícua.
Além disso, evidencia-se um deslocamento geográfico muito interessante:
Londres continua a ser um polo de recebimento de punks de outras partes do
mundo, mas eles poderiam circular por toda a Inglaterra em função de
microrganizações que estavam construindo cenas locais. As próprias bandas
inglesas passaram a ser criadas em outras partes do país que não a capital
(nenhuma das bandas aqui analisadas se formou ou residiu em Londres) e a
movimentar uma série de pessoas por todo o país.
Concomitantemente a isso, a troca com outros países próximos passa a
ser muito comum, sobretudo com países escandinavos, onde havia (e ainda
há) muitas bandas do estilo que, à época, estavam influenciando aqueles que o
criaram. Glasper coloca que as pessoas estavam cansadas de reproduzir
51
A Maximum Rock’n’Roll é, até hoje, um fanzine, rádio, gravadora e loja especializada em
punk rock e foi totalmente construída a partir dos preceitos do do-it-yourself.
91
aquilo que bandas como Discharge, The Clash e The Damned haviam feito
anos atrás e passavam a se interessar pelas novidades que vinham da
Finlândia e da Suécia, que à época já faziam algo mais veloz e agressivo,
como Rattüs, Terveet Kadet e Anti-Cimex52. Houve, também, uma aproximação
com as bandas de heavy metal, muito numerosas na Inglaterra à época, que
até então estavam desenvolvendo um movimento à parte e que passavam a
trocar influências, sobretudo em função de ecos vindos dos Estados Unidos,
que já estavam em grandes trocas entre os dois estilos marginais.
Mais do que colocar a música ao alcance de todos, o do-it-yourself
permitiu a criação de uma rede de bandas mais ampla, além de aumentar as
possibilidades de experimentações estéticas possíveis, representando o
momento no qual a agressividade figurou seu ápice e mostrando que os três
acordes de Mark Perry eram apenas uma das inúmeras possibilidades
estéticas. Com a sua pluralização por conta do alargamento geográfico
propiciado pela popularidade atingida nos primeiros anos da década, surgiram
diferentes formas de se fazer punk, em diferentes idiomas, com roupas e
ideiais diversos, mas que, em sua maioria, caminhavam em conjunção.
O do-it-yourself se coloca, portanto, como um divisor de águas para
artistas do mundo todo e deixa de se restringir ao punk rock, dando novos
direcionamentos a toda e qualquer manifestação musical independente. O que
a banda Crass fez foi algo irreparável à indústria musical da época. O grupo
mostrou a uma gama enorme de pessoas que era possível gravar um disco
sem o envolvimento de contratos milionários e, sobretudo, sem abrir mão de
opções estéticas que pareciam inassimiláveis ao grande público. Este também
é modificado e adquire outras funções: a plateia também abdica de sua
condição passiva e silenciosa para se tornar ativa na viabilização de turnês,
produção de materiais e etc. Ela deixa de ser um público de ocasião para se
tornar uma rede de contatos que estava criando novos rumos a todo o cenário
musical global.
52
O grupo chegou a se apresentar junto da banda Discharge na Inglaterra. O prospecto do
show está no anexo 6.
92
No próximo capítulo acompanharemos mais minuciosamente os
desdobramentos dessas questões e suas implicações na construção de um
processo cultural em relação à séria na qual este se insere, sobretudo em seus
pressupostos
industruais.
Para
termos
maior
compreensão
de
seu
desenvolvimento, não podemos olhar para o punk de maneira isolada ou
observá-lo apenas através de seu viés óbvio, contido nas letras. Urge delinear
relações extrínsecas que se dão em âmbitos mais gerais. Como já dissemos
outrora, não cabe colocar apenas a música ou vê-la exclusivamente como uma
maneira de protesto por serem estas características extremamente latentes
(mesmo que muito interessantes), mas ver sua relação com a cultura tanto em
sua contemporaneidade quanto pelo que o movimento punk se tornaria. Seu
impacto na música se tornou um caminho sem volta, tornando-se um
mecanismo que se retroalimenta.
93
3. Da margem para a cultura: dispositivos afirmativos e
repelentes
Como vimos no capítulo anterior, o punk rock é resultado da intersecção
de inúmeros fatores históricos e sociais que o cercam. O seu desenvolver é
marcado por uma série de eventos e invenções que foram revolucionários e
mudaram a forma de se produzir música. No entanto, fica claro, através das
análises feitas anteriormente, que a sua afirmação em momento algum partiu
de edificações centrais da cultura. Quando se dá por movimento, é um
movimento partido, fragmentado, minoritário e que, consciente da sua posição,
a explora em diferentes sentidos: mobiliza grande parte de seu contingente
para viabilizar a sua existência, constrói caminhos alternativos para que
materiais sejam lançados a um preço irrisório e, em sua maturidade,
mobilizam-se para que suas dimensões, mesmo que marginais, tornem-se
globais.
Por mais que tenha atingido dimensões globais e em constante trânsito,
o punk rock nunca transgrediu sua posição marginal. Tendo isso em vista, ele
se valeu de diferentes dispositivos que o colocariam em uma posição perene,
sua
transgressão
acarretaria
sua
morte
simbólica:
um
campo
de
experimentação foi dado e tudo lhe era permitido, desde que ele nunca se
alinhasse a esquemas comerciais milionários. Por mais que não seja analisado
a fundo neste trabalho, o Crass foi o grande responsável por ditar essas novas
diretrizes que mudariam tais rumos; em suma, eles foram os criadores desses
mecanismos, dando o primeiro passo para que o do-it-yourself, um elemento
crucial, atingisse maturidade e viabilidade.
Acerca do termo “dispositivo”, Giorgio Agamben (2014) observa que “o
dispositivo tem sempre uma função estratégica concreta e se inscreve sempre
numa relação de poder”. Ao trabalharmos com ele, estamos lidando com
formas que, organizadamente, vão de encontro ao poder vigente, que não
necessariamente se consolidam em figuras governamentais, mas em setores
94
industriais da própria música53. Devemos ter claro que até então o circuito
independente de música era quase inexistente e muito mais ligado a um
amadorismo, que se contentava em reproduzir músicas de outras pessoas.
Isso fica claro ao consultarmos, por exemplo, o seminal livro de Howard
Becker, Outsiders (2008), publicado em 1963, no qual o autor aborda o músico
amador como o animador de bares e casas noturnas, nunca como um criador
que se insere num circuito de produções undergrounds.
A construção desses dispositivos vem, portanto, para ir de encontro não
apenas a figuras representantes do poder ou da violência, mas, em primeiro
lugar, à maneira pela qual eles se inserem na cultura. Desde a criação do
fonógrafo, exigia-se maior formalidade para adentrar em um circuito
profissional, que sempre carregava por trás de si a figura da gravadora.
Quando há um deslocamento dos produtores, há também, em função disso, um
deslocamento fronteiriço que separa o que se insere nos setores profissionais e
o que se excetua. Quando o amadorismo se mostra falho e surge a
necessidade de se produzir algo para além dos anseios estéticos dominantes à
época, o do-it-yourself se faz urgente e é massivamente aderido por milhares
de pessoas ao redor do mundo. A mudança paradigmática estabelecida até
então, que não foi mensurada sequer pelos seus idealizadores, transformaria
muitas coisas intrínsecas ao fazer musical em vigência à época. Trabalhamos
com a noção de fronteiras edificada por Lótman no capítulo anterior para que
pudéssemos observar as situações limítrofes às quais esse processo cultural
se submeteu. Feito isto, devemos nos aproximar de outro conceito do
semioticista: o de semiosfera.
3.1. Semiosfera e punk rock: a busca de um lugar para o sentido
Em 1984, Lótman publica o ensaio seminal intitulado “Acerca de la
semiosfera” (1996) e, com ele, nos dá outra dimensão do que entendemos por
53
Há uma dimensão política governamental óbvia e outra nas entrelinhas, e esta última é a que
mormente nos interessa.
95
cadeias de textos, aprofundando conceitos que desde a publicação de Ensaios
de semiótica soviética (1981) começavam a se delinear. O autor observou
que há uma constante troca e acréscimo de textos e signos que povoam e
delimitam aquilo que entendemos por cultura. Munido da biologia, ele cunha
um conceito que engloba a esfera dos signos, ambiente este que possibilita a
sua “vida” e que está em constante atualização. Numa operação binária,
podemos concluir que, para que haja vida, a morte é necessária. A morte do
signo não corresponde ao seu fim, mas sim à exaustão de seu significado, que
pode assumir outro sentido; um texto biológico do século XVI passa a ter
validade histórica, mas não mais serve à biologia propriamente dita.
Feitas tais considerações, podemos observar que a cultura se
estabelece a partir de pressupostos de memória e esquecimento, de dentro e
de fora, culto e inculto. Todas essas separações devem ser entendidas como
trocas dinâmicas e constantes, releituras e aprimoramentos de determinados
textos para que continuem a figurar uma parte deste corpo vivo que é a cultura.
Em produção conjunta com Boris Uspiênski, Lótman coloca que:
O desenvolvimento dinâmico da cultura acontece sob a influência de
dois tipos de fatores; de um lado, forças heterogêneas externas agem
sobre ela; de outro, essa influência se traduz na língua de sua
estrutura interna e, com relação a isso, sofre várias transformações,
até mesmo a influência ativa das autodescrições da cultura citadas
54
anteriormente .
A cultura se forma, portanto, da intersecção de fatores externos a ela
que são assimilados e convertidos em textos, de um lado, e da revisão de
fatores já em voga na própria cultura, de outro. Semiosfera é o espaço que
essas operações, a semiose, ocorre. O “Vocabulário básico de semiótica da
cultura” (In. MACHADO, 2003) a define como “espaço de produção de semiose
da cultura, portanto, de coexistência e coevolução dos sistemas de signos. [...]
Em vez de linha demarcatória e divisória, fronteira designa aquele segmento de
espaço onde os limites se confundem, adquirindo a função de filtro” (2003).
54
LÓTMAN, Iuri; USPIÊNSKI, Boris. “Postscriptum às teses coletivas sobre a Semiótica da
Cultura”. In: MACHADO, Irene. Op. Cit. (pág. 136).
96
Não podemos pensar a cultura como algo organicamente organizado e
que sucessivamente vai dando lugar a outros textos, mas como um fluxo de
textos que são filtrados de acordo com a sua permissividade em estruturas
nodais que resultam em uma consolidação do texto na forma de memória.
O que mais nos chama a atenção, contudo, é a previsibilidade de
mobilidade interna à cultura que Lótman observa. O autor postula que
determinados processos culturais estão mais próximos da fronteira. Todo novo
conjunto sígnico que adentra em determinada semiosfera, portanto, estará
mais próximo de sua periferia, e sua ascensão ao centro será dada a partir de
uma série de fatores que irão concomitar em formas menos móveis e mais
próximas do olvido.
Ao optar por práticas (estéticas, temáticas, processuais) que o
direcionava às fronteiras, observamos que o punk rock sequer almejou uma
posição concêntrica. O que está em jogo não é mais a transição de processos
culturais que tendam a se aproximar do centro, mas o alargamento desta
periferia em um campo experimental onde radicalizações estéticas sempre
foram postas em prática (basta ouvir a função da voz sob uma perspectiva
diacrônica para que isso se torne evidente). De certa maneira, ele se aproxima
daquilo que o autor chama de “zona de bilinguismo cultural”, à qual atribui uma
relação direta entre diferentes povos, muito comum a todas as organizações
estatais que tiveram de lidar com o nomadismo externo a ela. Essas
organizações fronteiriças tinham de lidar com os que estavam inseridos na
parte de dentro, bem como com aqueles que vinham de fora, o que resultava
na criação de “semióticas crioulizadas”, como afirma Lótman.
Essas relações entrevistas pelo autor perdem a potência quando do
descaminho destes povos nômades vistos como guarnecedora de fronteiras
terem tomadas outras dimensões e funções políticas. Contudo, isso não
representa necessariamente o fim da produção de semióticas crioulas, mas
aponta para uma maneira diferente em sua produção; a movência nômade,
bem como sua relação com as fronteiras, se mostra por outras vias.
Na década de 1980, quando o globo assume as condições da aldeia
McLuhaniana, essas estruturas semióticas deveriam emergir de dentro e
97
buscar fronteiras outras que as físicas. A marginalidade, portanto, assume
outros aspectos e funções. Essas insurgências se dão a partir do emprego de
dispositivos contra-hegemônicos. A idealização de um processo como o do-ityourself vem como prova disso, pois seus princípios não deixam de gerar
semióticas crioulizadas: observa-se um processo dominante, sobretudo em
seus níveis organizacionais, convertendo-o em coisa de todos. Faz o mesmo
com a energia daqueles primeiros punks que marcaram o movimento como
uma manifestação mediática em 197655 e a converte em mercado
independente. Até mesmo a noção de anarquia detida por Johnny Rotten e
seus companheiros é modificada e toma outras dimensões. Além disso,
Margareth Thatcher passaria a assombrar essa juventude a partir de 1979, e
sua figura seria decisiva para que novas diretrizes fossem assumidas. Talvez,
sem sua presença, o punk não teria tomado o corpo que tomou ou teria
florescido em outras partes do globo.
Sua consolidação se dá a partir da junção de cacos deixados por uma
primeira incursão no terreno dessas periferias. Aqueles parcos representantes
de outrora deram um primeiro passo até que, em 1979, o punk conheceu sua
morte. Insistimos neste fato, pois, de certa maneira, a banda Crass tinha razão
ao afirmá-la. Sua vida não seria possível pelas vias encontradas por Sid
Vicious (Sex Pistols) ou por Joe Strummers (The Clash), mas precisava se
pluralizar, partir-se ao extremo, tornar-se território de ninguém para que, assim,
conhecesse sua sobrevida. É interessante notar, neste caso, que o punk se
converte em um zumbi que atualmente atinge sua meia-idade em plena
atividade, ainda sobre aqueles pressupostos do do-it-yourself (termo este que
conhece hoje uma espécie de vulgata). Esta morte liga-se a um plano simbólico
no que entendemos por vida. Se a entendemos a partir de um princípio
biológico, ou seja, através da sucessão temporal ligada diretamente a um
desenvolver corpóreo, de fato, o punk rock não apenas morreu, mas precisava
morrer enquanto figura individual para renascer em uma massa incógnita.
55
Neste ano, as bandas Sex Pistols, The Damned, The Clash, Siouxie and the Banshees e
outras fizeram o primeiro grande concerto punk que mudaria os rumos do movimento, pois é a
partir desta data que o punk rock conhece as graças mediáticas.
98
Tal fato se relaciona com os dizeres de Lótman de maneira muito
curiosa, pois, como o autor prevê, os textos periféricos tendem a se aproximar
do centro e, neste espaço, a engessarem-se em formas fechadas, caminhando
para seu esquecimento. Como produto, se disseminou por todo o mundo,
fazendo com que a imagem do punk se tornasse um lugar-comum, ganhando
exposições e passarelas, mas se torna muito difícil saber o que é produzido no
meio musical propriamente dito. Portanto, cria-se um estereótipo imagético,
mas que não é revelador em outros aspectos, o que o impele automaticamente
à posição semiosférica que não transpôs.
O punk atingiu sua condição imagética ante o mundo, mas suas músicas
nunca o fizeram. Tal fato evidencia que os principais textos gerados por tal
processo cultural implicam uma posição semiosférica que se estabelece em
sua região fronteiriça, pois, além do que foi colocado no capítulo anterior, ele
também situa seus observadores em um ponto no qual é preciso lidar com a
intersecção de um espaço semiótico onde a série se afirma por elementos
externos: a fome, a guerra, o horror. Ao mesmo tempo, sua criação estética se
dá em situações limites do que entendemos por canção: aqui entra o grito, a
micromúsica, a falta de domínio técnico, sua multifacetação e movência de
estilos e pessoas.
Lótman coloca que “a cultura cria não apenas sua própria organização
interna, mas também seu próprio tipo de desorganização externa” (1996); e, ao
olharmos para o punk rock inserido em determinada semiosfera, vemos que ele
está fadado à margem porque, como o autor afirma:
Nos setores periféricos, organizados de maneira menos rígida e
possuidor de construções flexíveis “deslizantes”, os processos
dinâmicos encontram menos resistência e, por conseguinte, se
desenvolve mais rapidamente. A criação de autodescrições
metaestruturais (gramáticas) é um fato que aumenta bruscamente a
rigidez da estrutura e faz seu desenvolvimento mais lento. Entretanto,
os setores que não foram objetos de uma descrição ou que foram
descritos em categorias de uma gramática “alheia” obviamente
inadequada a eles se desenvolvem com mais rapidez. Isso prepara
no futuro o traslado de uma função de núcleo estrutural à periferia da
56
etapa precedente e a conversão de antigos centros em periferia .
56
LOTMAN, Iuri. Op. Cit. 1996 (pág. 30).
99
Os textos que ocupam a posição concêntrica estipulada pela
organização interna da semiosfera se dão, portanto, em função de uma divisão
hierárquica móvel. Quanto maior a sua compreensão, maiores são as
possibilidades autodescritivas de sua mensagem e há, portanto, menor
liberdade criativa. A periferia oferece uma gama maior de possibilidades, cabe
a ela uma zona criativa da cultura que Edgar Morin (1991) opõe à
normalização. Por sua óbvia tendência normopata, a fatia da semiosfera que
cabe ao punk é uma delgada parte da periferia em constante ebulição.
É claro que, ao fazermos tal afirmação, não a estamos pensando
através de termos pejorativos ou injustos. Fica claro que não se trata apenas
da operação prevista por Lótman de traslado de uma posição periférica a uma
central, mas da criação de estratégias que façam dessa posição inicial um
campo de experimentação capaz de se alargar a ponto de observar tal espaço
não como uma condição, mas como um direito.
3.2. O direito da margem
Há um texto de Lótman muito elucidativo intitulado “O texto e a estrutura
do auditório” (1996), no qual o autor analisa a medida de compreensão do
público mediante determinado texto, exaltando a sua relação com a memória.
O autor postula que, criada uma relação dialógica de códigos entre texto e
destinatário, a presença de uma memória comum a ambos é sua medida de
compreensão. Além disso, coloca que a apreciação de determinado texto se dá
pela compreensão de determinado público e, também, por seu grau de
incompreensão ante outro auditório. Fica claro que não se fazer entender é
também uma estratégia de compreensão textual. O semioticista afirma que os
textos estabelecem ao mesmo tempo uma linguagem para si e para outros e,
segundo as suas relações com determinada memória coletiva, vão delinear a
imagem de seu destinatário, que está oculta no texto.
100
Podemos retomar o tema central de nosso primeiro capítulo, o papel da
voz, e o olharmos sob outra perspectiva: a maneira pela qual o grito é colocado
em prática é, também, a imagem de seu público. A violência contida nas
músicas comporta toda uma memória coletiva que impele o punk à margem e a
assume como direito. Em função disso, sob uma perspectiva diacrônica do
corpus aqui analisado, vemos que há um aumento progressivo da rudeza
adotada pelas bandas que se situam mais próximas do fim da década; o punk
produzido pela banda Extreme Noise Terror não era mais aquele feito pelos
integrantes do Discharge, que também não era o mesmo daqueles que se
encontravam em sua gênese.
Se pensarmos a memória como uma construção patrimonial de certa
coletividade, vemos que esta é uma medida do que determinadas culturas
acumulam e, ao mesmo tempo, excluem de seu repertório. Criam-se, portanto,
medidas de lembrança e esquecimento que comportam em si a medida de
determinados sistemas culturais. Nesse sentido, essa constante mudança
vivida pelo punk durante toda a sua existência é uma complexificação
processual que aponta para uma relação outra com a memória. À medida que
se multiplicam as facetas do gênero musical, seu movimento em direção ao
centro torna-se impossível, pois ele acaba convertendo todas as gramáticas
(empregando o termo lotmaniano) em instrumentos incompletos à sua análise
enquanto estrutura nuclear.
Dada a relação estabelecida com as operações exigidas pela memória,
podemos dizer que, no caso aqui analisado, não há uma estrutura nuclear, mas
operações lógicas que ligam um ponto a outro. Podemos pensar sua existência
pelo apoio que toma em determinados padrões, e aqui se liga à memória,
visando sua transposição para algo outro que seu ponto de partida. Nas
palavras do autor:
Assim pois, a memória comum ao espaço de uma cultura dada é
assegurada, em primeiro lugar, pela presença de alguns textos
constantes e, em segundo lugar, ou pela unidade dos códigos ou por
sua invariância, ou pelo caráter ininterrupto e regular de sua
transformação.
101
E ainda:
A presença de subestruturas culturais com diferentes composições e
volumes da memória conduz a diversos graus de elipticidade dos
textos circulantes nas subcoletividades culturais e ao surgimento de
“semânticas locais”. Quando os textos elípticos transpassam os
limites de uma subcoletividade dada, completam-se para que sejam
57
compreensíveis .
Neste ponto, podemos aproximar os dizeres de Lótman daquilo que
tomamos por uma ocupação periférica de uma cultura dada: o direito à
margem. Essa multiplicação e consequente perda de uma posição central
acarreta uma pluralização de subcoletividades que de certa maneira se
imbricam e se completam para poder criar, a partir de si próprias, uma
transformação regular. Como o próprio Lótman reconhece, a memória é uma
construção pancrônica que depende de um ponto de partida e de
transformações ao longo de seu percurso. Posto isto, fica claro que a memória
se relaciona com unidades, ao passo que o esquecimento se liga, como
dissemos anteriormente, à fragmentação.
A operação aqui contida se liga a uma expansão de uma memória
subcoletiva, e não de sua reprodução. Até porque nos aproximamos muito mais
da ideia de rupturas constantes (não conflitantes) do que da tradição. Trata-se,
pois, de se reinventar para ter o direito de reivindicar uma posição periférica e,
consequentemente, de posições estéticas radicalizadas em relação àquilo que
passa a servir de padrão. É por isso que Dean Jones coloca que seu grupo, o
Extreme Noise Terror, almejava ser a banda mais extrema e pesada de todos
os tempos. Além disso, menciona outras bandas da mesma região, Ipswich,
que à época já possuíam maior reconhecimento, mas não eram interessantes a
ele pois não praticavam música séria, ou seja, músicas mais próximas da
aceitação comercial (GLASPER, 2012). Por mais que haja um movimento de
reavivar a memória, há o contramovimento que visa levar à sua destituição
para que a tradição não exista. Acerca da abordagem lotmaniana do conceito
de memória, Pires Ferreira postula que:
57
Ibid. cit. (págs, 157-8).
102
O que depreendemos, e que nos serve para refletir sobre uma série
de questões com que nos vemos às voltas, é a ideia de que há um
esquecimento que não é par dialético da lembrança, aquele é nãocultura, que é desordem e fragmentação. Perde-se a noção de núcleo
e de unidade. Depois de nos ter feito perceber a dinâmica da
mobilidade, chegamos à conclusão de que um dos conceitos onde se
firma o texto cultural é o da unidade, e Lotman até nos fala que a
cultura necessita de princípios de unidade e, para colocar em ato sua
função social há de se apoiar numa trama de princípios construtivos,
58
de certo modo, unitários .
Desta maneira, como a autora reconhece, a cultura não se opõe ao
caos, mas a um sistema de signos com valor contrário. Sob tal ponto de vista,
devemos pensar a oposição entre essa fragmentação constitutiva, mas
detentora de certa unicidade interna, e a tradição. Há um salto previsível e uma
ruptura lógica capaz de compreender sua inserção no que se pretende
enquanto texto; daí a reinvenção daquilo que possa servir a um setor industrial.
Se, de fato, o punk morre em 1979, partes de seu cadáver ainda são muito
desejáveis, apesar de conservadas em sua casca mortuária, e outras, por sua
vez, carecem de reviver em outros corpos, de outras formas; daí a
radicalização como linha de fuga a um aparente tradicionalismo, muitas vezes
convertido em peças esdrúxulas como desfiles de estilistas famosos ou
esboços caricaturais.
Se a memória também comporta em si mecanismos formadores de
outros textos e sua mera reprodução acarreta uma proximidade de estruturas
nucleares e, portanto, mais próximas da extinção, o ato de romper ganha um
sentido ambivalente. Além de sua perenidade nas posições marginais, rompese para se manter vivo, até porque a tradição aqui não cabe nos termos de
reiterabilidade, mas em um sentido evolutivo. Iuri Tinianov (2013) coloca que
evolução deve ser lida como substituição de funções formais que determinados
termos têm em relação ao sistema que integram. Feita tal consideração,
podemos ler a afirmação de Dean Jones como o abandono de operações
sistêmicas já consagradas em função de sua repetição.
58
PIRES FERREIRA, Jerusa. Armadilhas da memória. São Paulo, Ateliê, 2004 (pág. 80).
103
Ao contrapor o conceito de memória aos de tradição e evolução,
almejamos dar conta de determinado ambiente cultural em sua relação
dinâmica com sua semiosfera sem perder de vista a função que desempenha
ante seu auditório. Essa junção conceitual, quando vista sob a ótica do punk,
se mostra demasiadamente complexa; quando o gênero parece atingir certa
homogeneidade estrutural, ele vai perdendo sua potência e se reinventa em
novas proposições. Divide-se em outros segmentos, assumindo por vezes
outros nomes: crust, sludge, d-beat (àqueles que se valeram do mesmo padrão
da percussão que o Discharge), hard core, grind core, anarcopunk, punk 77,
digital hard core, metalpunk (não nos reservamos aqui às nomenclaturas da
época, mas a seus desdobramentos até os dias de hoje).
Tal fenômeno se dá justamente em função de uma dissolução unitária
em sua construção estrutural: ela não existe para ser reproduzida, mas para
ser levada a outros patamares. Vemos esta liberdade quando opomos uma
micromúsica da banda Napalm Death à última gravação musical da banda
Crass, de 198359, com músicas sem títulos e uma delas de aproximadamente
vinte minutos. Ambas são punks e se encontram muito próximas de uma
construção ideológica, mas esteticamente estão muito distantes até porque o
que uma banda já havia feito não deveria ser repetido por outra. A inscrição em
uma tradição formal (como é o caso do soneto ou dos versos alexandrinos para
a poesia) é, ao mesmo tempo, garantidora de uma aproximação nuclear
indesejada e motivadora de uma tradição já recusada.
Paul Zumthor, em Introdução à poesia oral (2010), questiona-se
acerca da mudança da obra em relação à série cultural em que se insere,
afirmando que a noção de tradição dará conta de explicar tais relações. Ela se
insere numa construção científica ao invés de se relacionar com produtos
culturais, e o autor coloca, ainda, que “o discurso que sustentamos sobre ela
vem de uma ideologia de funções atribuídas em nosso próprio campo social”.
Zumthor continua dizendo que a tradição existe em função de uma
59
O álbum original, lançado em vinil pela Crass Records, não possui separação entre as faixas,
como é habitual. Todas as músicas se chamam “Yes sir, I will” e uma delas, que ocupa todo
uma face do disco de vinil, possui aproximadamente vinte minutos. O disco é uma espécie de
manifesto punk completamente inaudível contra o governo de Thatcher que a banda gravou
sem ensaios (cf. GLASPER, 2012).
104
neutralização de contradições existentes entre o tempo passado, presente e
futuro. Tradição é aquilo que se insere em nossa cultura como diretrizes do que
devemos saber e de como devemos apreender esses saberes. Ele continua
dizendo que:
O ouvinte apaixonado por rock ou por salsa participa do que ele
experimenta como tradição (ou como moda, o que dá no mesmo):
mas essa participação se manifesta pela intensidade do prazer
associada a tal performance, relativa a tal espera circunstanciada.
Sem dúvida a tradição não é nada além do condicionamento dessa
espera, tornando (por um tempo mais ou menos longo ou breve)
habitual. Condicionamento “aberto” ou “fechado”, segundo o esquema
proposto por M. Houis, de uma espera “pública” ou “seletiva”, à qual
se dirigem os portadores “ativos” ou “passivos” de uma resposta mais
60
ou menos adiada, mas que reconheço .
As considerações de Zumthor, acrescidas ao conceito de memória de
Iuri Lótman, nos colocam diante de respostas às questões sobre mudanças no
cerne do punk rock. É claro que os autores estão falando de objetos diferentes,
mas aqui estes se completam. Podemos pensar o punk a partir de uma
construção que se insere em uma memória subcoletiva que, à sua maneira,
cria uma espécie de padrão que não é repetido à exaustão, mas modificado
constantemente61, acrescendo e tirando elementos para dar uma nova
roupagem à música, por mais que, como fica claro nos capítulos anteriores,
exista uma esfera temática na qual as mensagens se inserem. Questões outras
que darão conta da possibilidade de se tratar de um punk, mesmo que
fragmentado. Por mais que se parta e reparta em diferentes formas estéticas,
cada vez mais agressivas62, fica claro que essas são mudanças previsíveis e
progressivas, sobretudo após o lançamento do álbum Hear nothing, See
Nothing, Say Nothing, da banda Discharge, que é pioneiro em sua proposta e
veio para influenciar tudo o que o rock pesado produziu após seu lançamento,
em 1982. A grande proposição entre essas diferentes formas musicais que se
confundem está diretamente ligada a fatores extramusicais e isso fica claro, por
60
ZUMTHOR, Paul. Op. Cit. 2010 (págs. 283-4).
Não por acaso, alguns dos integrantes da banda Napalm Death se dedicaram à música
eletrônica.
62
Há um disco da banda Extreme Noise Terror intitulado Damage 381, lançado em 1997. O
disco leva esse título por ser o número de batidas por minuto executadas durante a gravação, o
que é algo extremamente veloz.
61
105
exemplo, na já citada música do Extreme Noise Terror: “If you‟re in it only for
the music, just fuck off, we aren‟t interested”.
Analisemos, a seguir, a maneira pela qual essas construções
extramusicais dão conta de promover tal processo cultural.
3.3. Uma outra indústria cultural
A maior colaboração dada à música foi, sem dúvidas, o esquema de
produção independente, que pela primeira vez foi sistematizado. O que à
primeira vista pode soar como uma banalidade precisa ser revisto. Devemos
entender que, desde a inserção da escuta musical em ambiente doméstico, a
música passaria a uma situação mediada que seria colocada em prática por um
setor industrial. Nela, qual o cinema, figura um grande interesse de setores
econômicos que, como colocaram Adorno e Horkheimer, constroem uma
indústria cultural. Em sua visão radical de dispositivos de controle de massas
exercidos pelos meios de comunicação, os autores condenam as formas de
entretenimento providas por tais setores, colocando que:
A violência da sociedade industrial instalou-se nos homens de uma
vez por todas. Os produtos da indústria cultural podem ter a certeza
de que até mesmo os distraídos vão consumi-los alertamente. Cada
qual é um modelo da gigantesca maquinaria econômica que, desde o
início, não dá folga a ninguém, tanto no trabalho quanto no descanso,
que tanto se assemelha ao trabalho. É possível depreender de
qualquer filme sonoro, de qualquer emissão de rádio, o impacto que
não se poderia atribuir a nenhum deles isoladamente, mas só a todos
em conjunto na sociedade. Inevitavelmente, cada manifestação da
indústria cultural reproduz as pessoas tais como as modelou a
indústria em seu todo. E todos os seus agentes, do producer às
associações femininas, vela para que o processo de reprodução
simples do espírito não leve à reprodução ampliada (1985:105).
Adorno faleceu em fins da década de 1960 e Horkheimer, poucos anos
depois, em 1973. Decerto não assistiram à emergência dos circuitos
alternativos de cultura e pouco provavelmente prestariam atenção a eles.
Devemos compreender que, para um primeiro esforço com o intuito de
106
caracterizar uma indústria do entretenimento em voga desde a conversão do
povo em massas, há uma visão empírica muito interessante, mas que peca no
emprego do qualquer. O grande erro dos autores alemães é observar a cultura
a partir de ligações totalitárias, e não como processos dinâmicos que se
apropriam de elementos dominantes para, por vezes, fazer emergir algo de
imprevisível àquele. A cultura não representa, em hipótese alguma, os mesmos
interesses totalitários almejados pelo Estado e, como Octavio Paz (2012)
coloca, este não tem fecundidade para criar, podendo silenciar e impedir que
determinadas culturas insurjam, mas nunca criá-las, da mesma maneira que a
indústria não possui vias para se apropriar de determinada manifestação
artística a ponto de esgotá-la e colocá-la sob a égide de um qualquer estilístico.
O mesmo Adorno, que viu o jazz como o gênero malsão, escreve, em
Filosofia da nova música, que:
Somente na era do cinema sonoro, do rádio e das novas formas
musicais de propaganda, a música focou, precisamente em sua
irracionalidade, inteiramente sequestrada pela ratio comercial. Mas
assim que a administração industrial de todo o patrimônio cultural de
faz totalitária, ela adquire ainda poder sobre tudo o que não admito
conciliação do ponto de vista estético. Com o poder dos mecanismos
de distribuição que dispõem o mau gosto e os bens culturais já
ultrapassados e com a predisposição dos ouvintes determinada num
processo social, a música radical caiu, durante o industrialismo tardio,
63
num completo isolamento .
Fica claro que a visão do autor está em acordo com as realizações
técnicas da música, excetuando todo e qualquer fator extraestético que possam
compor determinados sistemas culturais. Tais considerações nos colocam
diante de certos questionamentos: as artes e a indústria, em seu significado
mais abrangente, são de fato inconciliáveis? E ainda: a técnica musical, bem
como a difusão da literatura em um mundo ocidental letrado, não dependeu em
seu princípio de fatores industriais que viabilizaram, por exemplo, a
sistematização de algo livre em uma lógica partitural? A domesticação musical
pela Igreja não seria responsável por uma perda da radicalidade de uma
63
ADORNO, Theodor. Filosofia da nova música. São Paulo, Perspectiva, 2011 (pág. 15).
Tradução de Magda França.
107
expressão corporal ulterior à técnica, compondo um primeiro esboço dos
setores industriais totalitários (WISNIK, 2014)?
Adorno tem razão em notar uma tendência totalizante em relação a
certas práticas exercidas pelo mercado musical no que toca, por exemplo, um
padrão a ser repetido pela música pop, que atinge seu ápice em concomitância
com a submissão do punk rock às bordas dessa indústria. O pop não é apenas
um estilo, mas um metro, uma estrutura fixa que tende a ser reproduzida com
maior ou menor maestria por uma massa de intérpretes absorvidos e expelidos
deste circuito comercial. Contudo, para a música do mundo, a indústria
representa apenas uma fração (totalizadora) que cabe ao rádio, ao cinema e à
propaganda, ignorando, por vezes, o que a cerca.
Jesús Martín-Barbero se ocupa de uma revisão das teorias adornianas
levantando uma questão: o fato de que Adorno viu, na produção em série da
cultura, uma forma de regulação em meio a um caos, aproximando-a da
mesma lógica operacional de um sistema social. O que passa despercebido,
portanto, é a inserção da obra em um meio que opera de maneira coautoral;
podemos afirmar que Margareth Thatcher, por exemplo, desempenha um papel
fundamental para o punk rock inglês, da mesma maneira que os ataques
atômicos empreendidos contra o Japão são fundamentais para que essa
referência histórica adquira sentido décadas depois. A questão, portanto, está
em relação à sublimação de um fazer artístico mais próximo de uma mera
realização técnica do que da tradução cultural de determinada semiosfera em
linguagem poética. Tal consideração coloca a arte em situação oclusiva em
relação à humanidade, reservando-a a poucos escolhidos. Martín-Barbero
postula que é:
Lastimável que uma concepção radicalmente pura e elevada da arte
deva, para formular-se, rebaixar todas as outras formas possíveis até
o sarcasmo e fazer do sentimento um torpe e sinistro aliado da
vulgaridade. A partir desse alto lugar, de onde conduz o crítico a
necessidade de escapar à degradação da cultura, não parece
pensável as contradições cotidianas que fazem a existência das
massas nem seus modos de produção do sentido e de articulação no
simbólico (2013: 79).
108
Neste sentido, o que falta a Adorno para compreender melhor as
manifestações que pululam enquanto outras atingem condições herméticas em
relação ao grande público é que este, inserido em uma sociedade industrial,
possa se apoderar de seus mesmos dispositivos para compor de acordo com
suas próprias regras. Por isso, o autor vê no jazz um antro de perdição daquilo
que um dia a música séria almejou como plano futuro. Não se trata, pois, de
uma disputa de mediadores que insiram essa arte nos novos expectadores que
vêm se formando em comunidades urbanas, mas sim da diminuição de suas
formas de sentir através dos produtos que criam. Adorno não contava, no
entanto, com a astúcia e a capacidade desse novo público de criar para si uma
indústria cultural própria.
A partir do momento que o punk rock percebe que a sua única forma de
existência nos pressupostos ideológicos por ele edificados anteriormente só
poderia se dar a partir de um distanciamento progressivo da indústria cultural
adorniana, ele cria para si o do-it-yourself. Seria extremamente ingênuo crer
que essa nova premissa musical estaria em relação somente com a
autoprodução de discos de vinil, afinal de contas, o movimento coloca os
artistas como responsáveis por todas as etapas processuais da música
edificada pela vil indústria cultural. Visto que a industrialização mudou os rumos
da arte em si, não bastava simplesmente demonizá-la, mas ver os novos
campos de produção que nela se abriam. O intuito não é retroceder ante as
possibilidades que se dão a partir de avanços técnicos, mas o de minar os
pressupostos totalitários e homogeneizador que os regem. Desta maneira,
Crass Records, Clay Records, Alternative Tentacles e Spiderleg Records não
são apenas gravadoras que fomentaram o florescimento de um estilo musical
pelas bordas da cultura, mas também foram as responsáveis pela promoção de
atos políticos contra o capitalismo totalitário em sua relação com a produção
cultural de seu tempo64.
O que entra em cena é a colocação de algo até então imprevisto àquela
indústria cultural que vem da escola de Frankfurt: a relação da massa com
64
Isso se torna óbvio quando, em 1995, a banda Doom lança a coletânea Fuck Peaceville,
sua antiga gravadora. O disco é, como seu nome se propõe, um foda-se às questões legais
que tangem a música em sua condição de produto. São regravações melhoradas das músicas
que pertenciam à gravadora antes de ela ser vendida e incorporada à outra gravadora maior.
109
todos os setores de produção artística, colocando em xeque a condição de
vilão daqueles que a industrializam. Tudo cai por terra quando os grandes
music halls britânicos saem de evidência para ceder espaços a pequenos
centros comunitários ou bares, e os edifícios das grandes gravadoras se
convertem em garagens. É assustador o fato de que a Atlantic Records, uma
grande gravadora interessada em músicos de rock desde os anos de 1960,
tenha lançado cerca de 16.300 álbuns do estilo até os dias de hoje, mas é
igualmente assustador pensar que, sem projeções comerciais concretas, a
gravadora Alternative Tentacles, administrada por Jello Biafra, ex-vocalista
banda Dead Kennedys, tenha conseguido, de forma independente, lançar mais
de seiscentos títulos diferentes.
Além disso, outra estratégia é assumida pelas pequenas gravadoras:
elas não mais são rivais e muitas vezes se juntam para que o lançamento de
determinado material se torne realidade. O já referido disco Fuck Peaceville,
da banda Doom, é lançado até hoje por quatro gravadoras diferentes: Twisted
Chords (Alemanha), Profane Existence (Estados Unidos), Malarie Records
(República Tcheca) e pela Grade a Thrape Records (Inglaterra). O mesmo se
dá com a banda Extreme Noise Terror, que lançou diferentes materiais por
dezenas de gravadoras diferentes ou mesmo de maneira independente,
mesmo após possuir contratos anteriores; o EP Phonophobia, lançado em
1991 (ou seja, seis anos após a formação da banda), não tem selo de
gravadora em sua prensagem original.
A inventividade do punk está ligada à sua maneira de se estabelecer
fora dos circuitos óbvios de circulação, inserindo-se sistematicamente nos
moldes do industrialismo tardio de que fala Adorno de uma maneira até então
inédita. Parece-nos, atualmente, algo óbvio, sobretudo com as possibilidades
oferecidas pela internet. Mas à época se tratava de um grande passo
autoconsciente que mudaria os rumos da música como um todo; toda banda
independente (ao menos de rock) passa por um processo semelhante às bases
propostas pelo punk rock. Isso fica claro pela mudança que temos em relação à
música amadora, muito comentada por diversos autores que refletiram sobre o
tema e que progressivamente vai perdendo a proficuidade.
110
Como colocou Glasper em A day that a country died (2012), o punk
rock conheceu e desenvolveu uma maneira de profissionalizar a música
independente ao canalizar as energias do The Clash (lançado pela CBS) e dos
Sex Pistols (Warner e Virgin), combinando-as com um processo minoritário no
que diz respeito à conversão do processo em produto físico. Tal estratégia
seria adotada inclusive por artistas que já tinham contratos com gravadoras.
Siouxsie and the Banshees, por exemplo, criaram um selo próprio em 1983
após o lançamento de cinco álbuns lançados pela Polydor; todavia, os discos
ainda eram produzidos pela gravadora, apenas levavam um selo próprio. Os
donos das gravadoras estavam muito distantes da música que vendiam,
trabalhando sempre de acordo com pressupostos comerciais. Os Sex Pistols,
por exemplo, com seu único álbum de estúdio, Never Mind the Bollocks,
Here’s the Sex Pistols, levaram para casa um disco de ouro após ter atingido
a assustadora projeção em função de seu single, Anarchy in the UK, que
vendeu cerca de dez mil cópias por dia no ano de seu lançamento. A banda
The Clash, por sua vez, atinge a marca das quinhentas mil cópias vendidas de
seu primeiro álbum e, anos mais tarde, alcançaria a casa dos milhões com o
seminal London Calling, lançado em 1979. Os números são indicações do
valor comercial que esses nomes carregavam em si e também de que a
rebelião jovem tinha um limite.
A fundação de gravadoras pequenas em todo o território inglês muda
radicalmente esse cenário, e a maioria esmagadora das bandas surgidas na
década de 1980 permaneceria fiel aos pequenos. A banda Discharge lançou
seu último álbum de estúdio em 2009 pela Vile, gravadora própria da banda
que conta com apenas nove títulos em seu catálogo. A banda Amebix possui
um selo próprio e atualmente lança seus materiais com a ajuda da já citada
Profane Existence, especializada em punk rock e que retomou as atividades no
ano 2000. Por sua vez, o Extreme Noise Terror possui um número sem
precedentes de gravadoras responsáveis por seus lançamentos, o que é
resultado da gravação feita de maneira independente e patrocinada por
determinado selo. O Doom também cria um selo próprio para lançar seus
novos materiais, a Black Cloud Records. A única que permanece apenas com
duas gravadoras inseridas majoritariamente em sua carreira é a banda Napalm
111
Death, que oscilou entre a Earache e a Century Media, ambas especializadas
em rock pesado.
Fica evidente que o do-it-yourself não é apenas um estágio intermediário
entre o anonimato e a fama, mas uma maneira de profissionalizar o alternativo.
Esse método vem funcionado até os dias de hoje e, em maior ou menor grau,
representa um número sem igual de artistas independentes, não mais
limitando-se ao campo musical e muito menos ao rock. A fundação da Crass
Records, que, segundo seus idealizadores, tinha como função dar às pessoas
comuns uma chance de se expressar, foi um grande passo. Ian Glasper coloca
que:
Orgulhosos de tomar o controle completo do resultado de seus
discos, Crass estabeleceu seu próprio selo homônimo para todos os
futuros lançamentos, e embora eles tenham deixado sua margem de
lucro no mínimo absoluto, uma entrada suficiente [de dinheiro]
rapidamente gerada permitiu-os de começar a lançar discos de outros
artistas que partilhavam da mesma opinião. Em geral, a maior parte
das bandas com que trabalharam eram convidadas apenas para
lançar um single pela gravadora, e, mantendo as rédeas curtas no
processo de produção e apresentação, Crass records rapidamente
desenvolveu uma identidade própria, garantindo que cada disco,
belamente empacotado em um pôster rígido preto e branco, vendido
respeitosamente bem para que a gravadora pudesse manter a força
65
de suas produções estimulando novos talentos (2012: 23) .
O baterista Penny Rimbaud ainda acrescenta que:
Tudo o que estávamos fazendo era facilitar, basicamente mostrando
às pessoas como fazer discos, da produção à arte das capas, tudo...
e era isso: um single, e no seu caminho, uma vez que já havíamos
mostrado como fazer isso. Nós não éramos uma gravadora em si;
nós apenas queríamos ajudar as pessoas a criar algo mais. Mas aí
nós percebemos que muitas bandas não tinham recursos ou
interesse de fazer isso por si, então criamos Corpus Christi como uma
gravadora secundária. E essa não tinha quaisquer condições
66
preestabelecidas [...] .
65
66
GLASPER, Ian. Op. Cit. (pág. 23).
Ibid. Cit (pág. 26).
112
Os materiais lançados pela gravadora da banda possuem uma
composição invejável. O disco Yes sir, I will67 (1983), em sua prensagem
original, tem uma capa que se abre em seis partes. O lado correspondente à
capa e contracapa possui uma espécie de estêncil de rua com os dizeres:
“Esteja avisado! A natureza da sua opressão é a estética de nosso ódio”; na
parte interna à capa, encontramos uma foto de uma manifestação inglesa com
um cadáver no chão e uma placa com os dizeres “Pobre, mas leal” e a
inscrição: “Forragem!/ Para fábricas e campos de batalha/ Aqueles que mais
fazem homenagem são os mais oprimidos”. A outra face, que contém as letras,
reserva uma página para um texto intitulado “A controvérsia da cabeça de
porco: a estética da anarquia”, datado de 7 se dezembro de 1977, que consiste
em um amontoado de frases que falam da Virgem Maria, Margareth Thatcher,
Cristo, Marx, Freud e etc. O verso dessas seis partes que se abrem para
compor a capa é um pôster enorme no qual vemos um soldado desfigurado
ante o príncipe inglês e os seguintes dizeres: “„Fique bem logo”, disse o
príncipe. E o soldado herói responde: “Sim senhor, eu vou”. Um projeto quase
megalomaníaco em relação ao que estamos acostumados a ver no que diz
respeito aos discos saídos no mesmo ano, mas com um detalhe: o preço de
£2,75 (anexo 6).
Ao decompor o material, estamos tentando mostrar como o do-it-yourself
se mostrou funcional e prático em relação a sua construção material, pois até
mesmo o mais parco disco aqui analisado acompanha ao menos um encarte
com as letras. A maioria deles foi lançada em capas duplas, com fotos, letras,
informações de contato e etc. Mesmo quando pensamos nas inúmeras
reprensagens que esses discos têm (o álbum Scum, do Napalm Death, saiu
em quarenta e duas versões diferentes ao redor do mundo, inclusive com uma
versão brasileira), a qualidade gráfica é igual, senão superior, a de todas as
grandes gravadoras ao redor do mundo, com a diferença que, no caso aqui
analisado, as funções de tal inserção num mercado industrial tinham outras
proposições: a de oferecer o melhor ao consumidor a um preço virtual e, ao
mesmo tempo, lançar a maior quantidade possível de títulos.
67
O único que tivemos acesso, pois, como as demais gravadoras da época, as tiragens eram
de algumas centenas, talvez algumas milhares de cópias, sendo de difícil acesso.
113
Este não foi apenas um movimento despretensioso que tinha como
finalidade lançar discos de jovens inábeis que jamais se sentariam nas
luxuosas salas de reunião da Virgin, CBS ou Atlantic, mas representou o início
de uma gama de possibilidades infindáveis e, mais do que isso, o
estabelecimento de uma outra indústria cultural. Houve uma espécie de
profissionalização do processo de conversão da música em produto e,
consequentemente, da inserção desses produtos em um mercado. Conforme
Lótman prevê em sua semiosfera, a cultura se estabelece de maneira
dinâmica, e estruturalidades que são mais funcionais vão organicamente se
aproximando do centro, estabelecendo um determinado padrão que será
reproduzido até que essa estrutura se torne rígida e desapareça. O que temos
em relação ao do-it-yourself é a reprodução de sua prática, a repetição do fim
dos horizontes que impeliam a música ao seu fazer profissionalizado e
excludente.
Walter Benjamin (1985), quando observou que escrever sobre o trabalho
fazia parte do próprio trabalho e, em função disso, convertia o ato de escrever
em coisa de todos, não podia imaginar que todo o processo poderia ser
dominado pelo cidadão comum e que este não mais precisava expor seu
domínio técnico (como ocorre com a escrita) para se colocar como produtor de
sua própria obra em cada instância do processo.
114
Conclusão
As construções culturais são, ao mesmo tempo, dinâmicas e adaptáveis
ao meio em que estão inseridas, recriando-o e fornecendo diretrizes outrasa
seu ponto de partida. Com o punk não é diferente: ele surge em um momento
que urge uma mobilização jovem que havia assistido ao maio de 1968, ao
Woodstock, festivais em Stonehenge e etc. em situação crepuscular em um
processo de formação política. Ao mesmo tempo, os subúrbios das grandes
cidades assistiam a um processo de degradação muito grande em relação às
promessas progressistas que foram responsáveis por sua edificação. Deste
lugar vem o grito sintomático, de medo, de ódio, de tristeza. Ele carrega
consigo muitas significações a uma juventude que tinha perdido suas crenças
em tudo, pois essa totalidade se mostrou falsa e inviável. A sociedade
alternativa agora é fragmentada, urbana e cheia de raiva.
A grande questão que podemos levantar é: o que nos resta disso hoje?
Após quase quarenta anos de seu início, ainda se pode notar uma plena
atividade em acordo com os pressupostos aqui analisados. Hoje, grandes
festivais de punk rock acontecem no exterior e começam a se tornar frequentes
em terras brasileiras, muitos deles seguindo os pressupostos do do-it-yourself.
Além disso, plataformas como o Bandcamp – site destinado à venda de
músicas inéditas (que podem ser ouvidas gratuitamente) pelo preço que o
consumidor deseja pagar – mostram uma música para além das gravadoras68,
e, consequentemente, além do lucro e da indústria.
Ao mesmo tempo, bandas antigas retomam as atividades por conta da
expressividade observada através da internet, como o Amebix, que só se
reuniu novamente após ver a repercussão de seus antigos álbuns na rede.
Novos projetos são anunciados frequentemente, os antigos se encontram com
os novos, a Suécia encontra a Bélgica, que vêm à América Latina juntas e se
apresentam em pequenos espaços espalhados pela cidade. Percorrem o
interior, o Nordeste, o circuito não se firma, não se trata de uma rede de
68
Até a banda paraense Calypso montou sua própria gravadora para vender seus CDs a preço
de custo com o objetivo de combater a pirataria.
115
dominação e monopólio, mas de comunhão. Atualmente, até mesmo
apresentações na rua ou em espaços gratuitos começam a ser comuns. Isso
não mostra, no entanto, que as implicações políticas de outrora foram
resolvidas, contudo, sua realização poética conhece uma maturidade às
propostas de décadas atrás.
Como Lótman prevê, o do-it-yourself se torna uma estrutura que tende a
se tornar mais rígida e consequentemente mais organizável, e só não entra em
acordância com as teorias do semioticista por não se aproximar do centro. A s
bandas punk estão confinados às bordas, mas acabaram por criar gosto por
elas e nelas residem sem problemas. Aprendemos muito com esse passado
próximo,
reproduzido hoje
com
as mudanças tecnológicas que
nos
acompanhou nessas últimas décadas. Talvez a música seja o setor artístico
que melhor se desprofissionalizou e ganhou espaço com isso; ao passo que os
grandes nomes da música têm um pequeno espaço, mas garantido, os
undergrounds (de qualquer estilo) acontecem diariamente.
Milton Santos, ao escrever Pobreza urbana, em 1978, propõe que “a
revolução na área de consumo tem sido acompanhada de uma mutação da
estrutura do consumo, incluindo novas formas de produção e de troca” (2013).
O autor estava interessado em setores econômicos mais amplos do que a
indústria cultural adorniana, mas a mutação desta em um processo mais
acessível
e
democrático,
fomentado
por
práticas
musicais
que
automaticamente nos levam a pensar em uma situação de pobreza, são
sintomáticas desta mutação estrutural assistida pelo consumo. Devemos
compreender o punk rock através dos termos do geógrafo, ele coloca todos os
seus envolvidos (do público aos donos de selos independentes) em uma
relação outra com o consumo, pois o ato de pagar não representa uma ínfima
cifra nos cofres de uma empresa, mas sim uma colaboração com todos os
demais. Não se trata de uma pobreza relativa ao dinheiro (embora esta seja
frequente), mas de uma releitura e aprimoramento das formas de produção. O
autor ainda postula que: “[...] o problema da pobreza não é uma questão de
integrar a população pobre em uma estrutura opressiva, a fim de que possa
tornar-se mais parecida com o opressor, mas, sim, de transformar essa
estrutura, de maneira que cada indivíduo seja o que é” (2013).
116
O que está em concomitância com os dizeres de várias músicas aqui
citadas. Trata-se, pois, de uma operação micropolítica que irá tocar parte das
bordas da cultura (PIRES FERREIRA, 2010) em irregularidades semióticas
(LÓTMAN, 1996). Desta maneira, conforme observou Lótman, “o sistema é
capaz de converter um texto em uma avalanche de textos” (1996), e é com
essa avalanche que estamos lidando.
A partir do momento em que é convertido em coisa de todos, esta
avalanche atinge um ponto que não mais está em relação aos pressupostos
culturais inseridos em dimensões industriais. Deleuze, em seu “Post-scriptum
sobre as sociedades do controle” coloca que “é verdade que o capitalismo
manteve como constante a extrema miséria de três quartos da humanidade,
pobres demais para dívida, numerosos demais para o confinamento” (2013),
mas, o que o autor não considera é o que essa grande parcela da humanidade,
exposta a uma situação de pobreza, seria capaz de fazer com isso.
Sob um viés econômico, podemos ver como desastrosa a lógica
comercial entrevista tanto por Santos quanto por Deleuze, todavia, essas
diretrizes econômicas repercutem-se na criação estética de maneira outra à
simples reprodução de sua miséria. Octavio Paz, em um ensaio intitulado
“Invenção, subdesenvolvimento e modernidade”, propõe que: “À parte de que
me repugna reduzir a pluralidade de civilizações e o próprio destino do homem
a um só modelo, a sociedade industrial, duvido que a relação entre
prosperidade econômica e excelência artística seja a de causa e efeito” (2009).
O autor mexicano tem uma lúcida visão das implicações econômicas na
estética; elas não estão em necessária relação (apesar de existirem) e, se
estão, são elas que motivam as mais belas e contundentes obras
contemporâneas.
Michel Serres (1996) coloca que não consegue olhar para Guernica,
querendo dizer, assim, que não é capaz de lidar com a estética provinda desse
mundo arruinado pela miséria que somos obrigados a integrar. A cultura segue
reinventando estratégias para fugir dos modelos econômicos totalizantes. Ela
cria para si contradispositivos (AGAMBEN, 2014) capazes de escapar a esse
controle e que estão em relação às vozes aqui analisadas, à iconografia que a
117
acompanha, à taxação dos preços, à escolha de pequenas gravadoras e etc.
São movimentos contra a homogeneização operada pela comunicação em
função dos caminhos traçados por nossa organização sócio-política-econômica
(SODRÉ, 2010). As escolhas políticas feitas pelo gênero musical são, após as
considerações aqui traçadas, óbvias.
Podemos concluir, portanto, que a grande colaboração do punk rock ao
mundo é a sua forma de sabotar as imposições dadas pelos pressupostos
industriais colocados em relação ao campo da criação. A música se mostra
demasiadamente ingrata a esse alinhamento, uma vez que passou a depender
intrinsecamente desses setores comerciais para que pudesse existir e a ele se
sujeitou em larga escala, dando margem a considerações como as de Adorno
que, em seu pensamento totalizante, silenciou séculos de produção cultural
para criticar uma pequena fração daqueles que conseguiram atingir o cerne
dessa estrutura rígida e fechada. Acontece que tal estrutura não consegue
silenciar o que a cerca. Essa, por sua vez, vendo a limitação dada pelo meio,
não tardaria em trapacear seus pressupostos. Não estamos, assim, diante da
correspondência a determinados nichos, mas da tomada de consciência de que
qualquer um pode criar cada etapa de seu processo de produção.
118
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CRASS. The feeding of 5000. Crass Records, Essex, 1979.
__________. Shaved Women/Reality Asylum. Crass Records, Essex, 1979.
__________. Yes sir, I will. Crass Records, Essex, 1983.
DISCHARGE. Hear nothing, see nothing, say nothing. Stoke-on-Trent, Clay
records, 1982.
_________. Hear nothing, see nothing, say nothing. Minneapolis, Havoc
Records, 2006.
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DYLAN, B. The freewhelin’ Bob Dylan. Washington, Columbia Records, 1963.
DOOM. War Crimes: inhuman beings. Heckmondwike, Peaceville, 1988.
_________. Fuck Peaceville (2 vols.). Pfinztal, Twisted chords, 2009.
_________. Total doom (2 vols.). Turku, Svart Records, 2012.
EXTREME NOISE TERROR. Retro-bution. Londres, Earache, 1994.
________. A holocaust in your head. Gotemburgo, Distortion, 1999.
__________; CHAOS UK. Radioactive earslaughter. Bedfordshire; Hannover,
Boss Tuneage; Farewell records, 2013.
JEFFERSON AIRPLANE. Surrealistic Pillow. Nova Iorque, RCA, 1967.
NAPALM DEATH. Scum. Londres, Earache, 1987.
QUEEN. A night at the opera. Los Angeles, DTS, 1975.
ROLLING STONES. Exile on main street. WEA, Londres, 1972.
THE STOOGES. Raw Power. Columbia, Washington, 1973
123
Anexos
1.0.
Iconografia
1.1.
Discos e encartes.
1) Discharge:
Capa do disco Hear Nothing, see nothing, say nothing de 1982.
Imagem do interior do disco (face com imagens, letras seguem no próximo
anexo):
124
Contracapa:
Capa do EP Why, 1981:
125
Contracapa:
126
Capa da compilação Never again, 1984:
Contracapa:
Capa do EP Warning, 1983:
127
Capa do EP Realities of war, 1981:
128
2) Amebix
Capa do disco Arise! (1985):
Contracapa:
129
Encarte (face com imagens, letras seguem no próximo anexo):
Selo da gravadora Alternative Tentacles:
130
Capa do disco No Sanctuary, 1984:
Contracapa:
131
Encarte (face com imagem):
3) Napalm Death
Capa do disco Scum, 1987:
132
Contracapa:
Encarte (face com imagens):
133
4) Doom
Capa do disco War Crimes: inhuman beings, 1988:
Contracapa:
134
Capa do EP Police Bastard, 1989:
Contracapa:
135
Capa alternativa (1):
Capa alternativa (2):
136
Capa do disco Fuck Peaceville, 1995:
Contracapa:
137
Capa alternativa:
Contracapa:
138
5. Extreme Noise Terror:
Capa do álbum A holocaust in your head, 1988:
Contracapa:
139
Contracapa alternativa:
Capa do disco Radioactive earslaughter, 1986
140
Contracapa:
Encarte (face condizente ao Extreme Noise Terror):
141
6. Crass
Capa do disco Yes sir, I will, 1983
Contracapa:
142
Face do encarte:
Material aberto:
Pôster formado pelas seis partes:
143
7. Alguns prospectos da época:
144
145
8. Diagrama parcial de movências entre bandas69.
69
Para a confecção, partimos da banda Extreme Noise Terror por ser a mais recente. A banda
Amebix não aparece no diagrama por ser a única que passou por poucas mudanças de
formação.
146
Tradução de letras para análise
1. Discharge – Hear nothing, see nothing, say nothing.
1.1.
Hear nothing, see nothing, say nothing (1:30)
Lied to threatened, cheated and deceived
Hear nothing, See nothing, Say nothing
Led up garden paths and into blind alleys
Mentiu para
enganado.
1.2.
ameaçados,
traído
ouvir nada, ver nada, dizer nada
arrastado por caminhos de jardim e por
becos escuros
ouvir nada, ver nada, dizer nada.
e
The nightmare continues (1:49)
And still men and women drag out their
lives in misery
The nightmare continues
Blinded, disfigured and mentally scared
1.3.
The final bloodbath (1:40).
The smell of death is near
It's presence ever near
The final blood bath is coming
It's just around the corner
1.4.
A selvagem mutilação da corrida humana
está colocada em curso
Proteste e sobreviva, proteste e sobreviva
Depende de nós mudar este curso, Protest
and survive, protest and survive
Proteste e sobreviva, proteste e sobreviva
I won't subscribe (1:36)
Kept in line with rifle butts and truncheons
Beaten up behind closed doors
I won't subscribe to the system
The hands that tighten around my throat
1.6.
O cheiro de morte está perto
Sua presença sempre é próxima
O último banho de sangue está vindo
Ele já está na esquina
Protest and survive (2:13)
The savage mutilation of the human race is
set on course
Protest and survive, protest and survive
It's up to us to change that course
Protest and survive, protest and survive
1.5.
E ainda homens e mulheres arrastam suas
vidas em miséria
O pesadelo continua
Cegos, desfigurados e mentalmente
assustados.
Mantidos em linha com pontas de rifles e
trincheiras
Espancados por trás de portas fechadas
Eu não irei subscrever o sistema
As mãos estão atadas em volta de minha
garganta
Drunk with power (2:44)
For how long do we tolerate these fools
Drunk with power Drunk with power,
obsessed with death
Death and destruction, drunk with power
147
A giant game of chess they play
With you and I as the disposable piece
Por quanto tempo iremos tolerar esses
loucos
Bêbado de poder
1.7.
Meanwhile (1:27)
Half the world is starving dying of disease
World military expenditure increases
Half the world is living in poverty
1.8.
Em agonia elas choram e gritam
E crianças? E crianças!
E crianças? E crianças!
Pele descascasda esticada em tiras
The blood runs red (1:34)
Cut down by machine gun fire
The blood runs red/The blood runs red
Hot lead rips through flesh
Abater por metralhadoras
1.13.
Você pode ouvir o som de uma enorme porta
batendo das profundezas do inferno?
A possibilidade da vida é destruição
Você pode ouvir os gritos de dor, o fúnebre
som?
Q: And children? A: And children! (1:46)
In agony they cry and scream
And children and children
And children and children
Skin peeled hanging in strips
1.12.
Napalm cai do céu
Gritos de Socorro em dor
Pele parecendo como carne endurecida e
sangrando
The possibility of life's destruction (1:14)
Can you hear the sound of an enormous door
slamming in the depths of hell
The possibility of life's destruction
Can you hear the cries of pain the mournful
sound
1.11.
Um clarão de luz, um temor antinatural
Calor sufocante, calor sufocante
Um inferno na Terra, um inferno na Terra
Homens, mulheres e crianças gemendo de
agonia
por intolerável dor de suas queimaduras
Cries of help (1:05)
Napalm tumbles from the sky
Cries of help cries of pain
Skin looking like bloody hardened meat
1.10.
Metade do mundo está faminta, morrendo
infectada
Expedições militares mundiais aumentam
Metade do mundo está vivento na pobreza
A hell on Earth (3:53)
A claring light an unnatural tremor
Suffocating heat suffocating heat
A hell on earth hell on earth
Men women and children groaning in
agony
From the intolerable pains of their burns
1.9.
Bêbado de poder, obsecado com a morte
Morte e destruição, bêbado com o poder
Um imenso jogo de xadrez é o que jogam
Como você e eu como peças dispensáveis
O sangue escorre vermelho, o sangue
escorre vermelho
Chumbo quente rasga a carne
Free speech for the dumb (2:15)
Free speech, free speech for the dumb
Free speech, free speech for the dumb
Free speech, free speech for the dumb
Free fucking speech
Liberdade de expressão, liberdade de
expressão para o mudo
Liberdade de expressão, liberdade de
expressão para o mudo
148
Liberdade de expressão, liberdade de
expressão para o mudo
1.14.
Porra de liberdade de expressão
The end (2:31)
A smouldering wilderness
Mass death and destruction
Mass death and destruction
Millions dead and dying
A smouldering wilderness
Now in darkness world stops turning
Um latente deserto
Morte em massa e destruição
Morte em massa e destruição
Milhões de mortos e outros morrendo
Um latente deserto
Agora, em trevas, o mundo para de girar.
2. Doom – War crimes (inhuman beings)
2.1.
Confusion (3:58)
Stuck in a maze, a labyrinth of hate. Shattered doors in/ A mask of haze./ Struggling madly in a
cage. Desperately/ Searching for a way out of the maze. Running blindly not/ Feeling the floor,
nothing to stand on we fall. Lost in the halls, I'm looking for the doors. Confusion! My/ Senses
are dying. My soul is crying. Let me out, let me out! I'm screaming! Running blindly through the
visions./ Barefoot and defenseless. Running blindly through the dark, infested woods. Time and
time again. Disillusion./ I'm deeper in the maze. Further from the light./ I scream out of the
confusion. I'm being consumed by confusion./ My world has been shattered. Crippled. /All we
have left is fragments of doors. Though we once had but never had./We've all been fooled.
Confusion. My senses are dying my soul is crying. Let me out. Let me out. I'm screaming./
I'm living in a demented labyrinth. tortured. Lost./ Crippled. I'm a part of this confusion.
Shattered/ Confusion. Shattered vision. All that I have left is
Illusion. I'm screaming at the confusion./ I'm being/ Consumed by confusion. In an abstract, in a
world of confusion!
Preso em um labirinto, um labitinto de ódio. Portas destruídas em uma cortina de fumaça.
Lutando loucamente em uma caverna. Desesperadamente procurando por um caminho para
sair do labirinto. Correndo cegamente sem sentir o chão, nada para levantar de onde caímos.
Perdidos em salas, eu procuro pelas portas. Confusão! Meus sentididos estão morrendo, minha
alma chorando. Me deixe sair, me deixe sair! Eu estou gritando! Correndo cegamente através
de visões. Descalço e indefeso. Correndo cegamente através das trevas, florestas infestadas.
Tempo e tempo de novo. Desilusão. Estou mais fundo no labirinto. Além da luz. Eu grito para
fora da confusão. Sou consumido pela confusão. Meu mundo foi destruído. Aleijado. Tudo o
que temos são fragmentos de portas. Tendo uma vez, mas nunca os tivemos. Nós fomos todos
enganados. Confusão. Meus sentidos estão morrendo, minha alma chorando. Me deixe sair,
me deixe sair. Eu estou gritando. Estou vivendo em um labirinto demente. Torturado. Perdido.
Aleijado. Eu sou uma parte dessa confusão. Destruído. Confusão. Visão destruída. De tudo o
que tive, me restaram ilusão. Eu estou gritando em confusão. Eu estou sento consumido pela
confusão. Em resumo, em um mundo de confusão.
2.2. Lifelock (1:33)
No one can see into my mind,
I can't express my true thoughts to anyone,
Life is like a lock on my mind,
Is death the only key?
Ninguém pode ver através da minha mente
Eu não posso expressar minha verdade a
ninguém,
Vida é como um cadeado em minha mente
A morte é a única chave?
2.3. Slave to convertion (0:54)
Slave to convention
Get a job, buy a car, buy a house,
A slave 'till death.
149
Arrume um emprego, compre um carro,
compre uma casa.
Um escravo até a morte.
Escravo à conversão.
2.4. A dream to come true (1:07)
No chains, no ties & nothing to hold me
down.
Life in peace, governed by love
No god, no master & no more man made
rules
Sem correntes, sem gravatas e nada que
possa me segurar.
Vida em paz, governada pelo amor.
Sem deus, sem mestre e sem mais regras
feitas pelo homem.
2.5. Drowning in the mainstream (1:58)
Blindly accepting, deceiving yourself.
Fooled by society, down on your knees.
Drowning, trampled down by that in which
you trust.
You're drowning in the mainstream of life.
Aceitação cega, ajoelhe-se
Afogue-se
Pisoteado por quem você confiou.
Você está se afogando no
mainstream da vida.
2.6. Same mind (1:52)
Usual careless attitude,
Hide behind an image.
Same mind, same mind
You think you're really different,
But you're just the same.
Comum atitude descuidada,
Esconde por trás de uma imagem.
Mesma mente, mesma mente.
Você pensa que é diferente,
mas você é apenas mais um.
2.7. Relief (1:14)
I can't take the pressures, the pressures of
life,
I'm not strong enough & I'm sorry!!
Alcohol
Eu não posso lidar com a pressão, a
pressão da vida,
Eu não sou forte o suficiente, me desculpe!
Álcool.
2.8. After the bombs (1:28)
Children blown into limbless joints of meat.
After the bomb
People dead & diseased, tossed away like
shit.
Depois da bomba
Pessoas mordas e doentes, atiradas ao
relento como merda.
Crianças explodidas em membros
desarticulados de carne
2.9. Stop gap system (1:34)
Freedom denied with capitalist power.
Stop-gap system
True life erased for wealth and greed
Liberdade negada pelo poder capitalista.
150
Pare o sistema lacunar.
Vidas verdadeiras apagadas por riqueza e
ganância
2.10.Scared. (2:18)
Hiding emotions, concealing the truth.
Understand, understand
Feelings that should be shared, held inside.
Emoções escondidas ocultando a verdade
Entenda, entenda.
Sentimentos que deveriam ser partilhados,
escondidos por dentro.
2.11. Sick joke (2:34)
Governments are a sick kind of joke - A sick
fuckin' joke,
Where the rich get richer & the poor on the
breadline stay broke.
Give with one hand, snatch with the other
How can they justify the money they're paid
- all the money they're paid?,
When you look at the mess, the mess
they've made.
Governos são como um jogo doentio, a
porra de um jogo doentio.
No qual os ricos ficam mais ricos enquanto
os pobre continuam quebrados na fila do
pão.
Dar com uma mão, tirar com a outra.
Como eles podem justificar o dinheiro que
os é pago? Todo o dinheiro que os é pago?
Quando você olha para essa bagunça? A
bagunça que eles fizeram.
2.12. Natural abuse
Multinationals raping mother nature.
Natural abuse
Exploiting the earth, an earth that is ours.
Multinacionais estupram a mãe natureza
Abuso natural.
Explorando a Terra, uma Terra que é
nossa.
2.13. Exploitation
Animals murdered in pointless tests.
Torturing natures defenceless creatures
Animais assassinados em testes sem
sentido.
Tortura natural a criaturas indefesas.
2.14. Beat the boss
I'm sick of work, I've had enough.
I won't do what you say
Why should I work for your profit?
Eu não suporto o trabalho, já fiz o
suficiente.
Eu não farei o que você diz.
Por quê eu deveria trabalhar em seu
benefício?
2.15. Money drug (1:33)
Money makes the world go round.
Pushing money, pushing for profit
Stock exchange is now our temple
Dinheiro faz o mundo girar.
Empurrando dinheiro, empurrando por
diversão.
A bolsa de valores agora é nosso templo
151
2.16. Fear of the future. (2:00)
I don't wanna die in a nuclear war!
Fear, fear, fear of the futureI don't wanna starve from corporate greed.
I don't wanna live in a world of hate.
I wanna live in peace 'till I'm old & grey
Medo, medo, medo do futuro.
Eu não quero passar fome por causa da
ganância corporativa.
Eu não quero viver em um mundo de ódio.
Eu quero viver até ficar velho e grisalho.
Eu não quero morrer em uma Guerra
nuclear!
2.17. No religion (2:01).
Religion is a brain-wash-con
Secularity must become
Dividing people & causing conflict
Total hypocrisy, for money & power
Indoctrination in all our schools
Religião é uma lavagem cerebral contra
Secularização precisa existir
Dividindo pessoas e causando conflitos
Hipocrisia total por dinheiro e poder
Doutrinação em todas as nossas escolas.
2.18. Phobia for change
Dull & mundane, but safe & secure
-Phobia for, phobia for chang Caged &
trapped, afraid of responsibility
2.19.
Aborrecido e mundano, mas salvo e seguro
- Medo, medo do futuro –
Enjaulado e preso, com medo de
responsabilidade.
Multinationals (1:54)
The multinational corporation steals
3rd World wealth for grain mountain
ascention.
Multinationals
The multinational corporation steals their
health for control extension.
O terceiro mundo por uma ascensão de
uma montanha de grãos
Multinacionais
A corporação multinacional rouba
sua saúde por controle de extensão.
A corporação multinacional rouba
2.20. Obscenity (1:24)
Millions are slaughtered in wars
Throughout the world
-War is big businessArms are bought and sold for profit
With no remorse
Milhões são massacrados em gerras
Através do mundo
-A guerra é um grande negócioExércitos são vendidos e comprados por
lucro
Sem remorso
152
2.21.
War Crimes (2:01).
Bodies piled on burning pyres
No more war, no more crime
People starved, tortured & murdered
Teenagers drafted to hang on barbed wire
Disfigured for life, if not death
Corpos empilhados em piras em chamas
3.
Sem mais guerra, sem mais crimes.
Pessoas famintas, torturadas e
assassinadas.
Rascunhos de adolescentes por
enforcamento em arame farpado.
Desfigurados por vida, senão pela morte.
Napalm Death – Scum
3.1. Multinational corporations (1:06)
Multinational corporations
Genocide of the starving nations
Corporações multinacionais,
Genocídio das nações famintas
3.2. Instinct of survival (2:06)
Advertise the product you make,
never give, but always take.
Kill and lie for security.
On supermarket shelves death to see.
Instinct of survival
Advertise the product you make,
never give and always take,
clingfilmed flesh and genocide,
contented life, while millions die.
Instinct of survival
The multinational corporations
takes its profits from the starving nations.
Indigenous people become their slaves
from their births into their graves.
The multinational corporation
takes its profits from the starving nations.
Another product for you to buy,
you'll keep paying, until you die.
Anuncie os produtos que você faz,
nunca dê, mas sempre pegue.
Mate e minta por segurança.
Nas prateleiras do supermercado, morte para
se ver.
Instinto de sobrevivência
Anuncie os produtos que você faz,
nunca dê e sempre pegue.
Carne embalada e genocídio
Feliz com a vida enquanto milhões morrem.
Instinto de sobrevivência.
A corporação multinacional
tira o seu proveito de nações famintas.
Indígenas se transformam em seus escravos
do nascimento ao túmulo
A corporação multinacional
tira o seu proveito de nações famintas.
Outro produto para você comprar,
você continuará pagando até morrer.
3.3 The kill (0:23)
There's nothing to gain
You have just been led
The kill, after death, the kill
The shit you were promised
Means nothing now you're dead
The kill, after death, the kill
Não há nada a ganhar
Você foi apenas levado
A matança, depois da morte, a matança
A merda que você prometeu
Não significa nada, afora você está morto
A matança, depois da morte, a matança.
3.4. Scum 2:38)
In your mind
Nothing but fear
You can't face life
Em sua cabeça
Nada, apenas o medo
Você não pode encara a vida
153
Or believe death's near
A vision of life
On television screens
An existence created
From empty dreams
Hide behind TV
Hide behind life
You should be living
But you only survive
Life holds nothing
But pain and death
But don't look for love
There is none left
Ou acreditar que a morte está próxima
Uma visão da vida
Em telas de televisão
Uma existência criada
A partir de sonhos vazios
Esconda-se atrás da vida
Você poderia viver
Mas apenas sobrevive
A vida não se segura em nada
Mas dor e morte
Mas não procure amor
Nada sobrou
3.5. Caught... in a dream (1:47)
Surrounding spectacle to occupy curiosity
Nullifies the need to face reality
Forms of escapism and entertainment
Occupy and disable thought
Espetáculos cirncundantes para ocupar a
curiosidade
Anulando a necessidade de encarar a
realidade
Formas de escapismo e entretenimento
Ocupam a desabilitam.
3.6. Polluted minds (0:58)
They not only pollute the air
They pollute our minds
Theyre destroying the earth
And destroying mankind
Polluted minds
Kill mankind
They dont give a shit
Long as profits are high
They dont give a shit
If people die
Polluted minds
Kill mankind
Eles não apenas poluem o ar.
Eles pluem nossas mentes.
Estão destruindo a Terra
E destruindo a humanidade.
Mentes poluídas
Matam a humanidade
Eles estão cagando
Desde que aproveitem ao máximo
Eles estão cagando
Se pessoas morrem
Mentes poluídas
Matam a humanidade.
3.7. Sacrificed. (1:06).
I've been deceived
By my friends
And this is where
Our "friendship" ends
Sacrificed, sacrificed
Sacrificed, your soul sacrificed
The thoughts I had
Are now denied
And one day soon
I hope you die
Eu fui enganado
Pelos meus amigos
E este é o lugar onde
nossa "amizade" acaba
Sacrificada, sacrificada
sacrificada, sua alma sacrificada
Os pensamentos que eu tive
São agora negados
E um dia próximo
Eu espero que vocês morram
154
3.8. Siege of power (3:55)
Siege of power
In your land
Too many problems
For you to understand
Siege of power
Inside your mind
Outward restrictions
To keep you in line
Siege of power
In your land
Too many problems
For you to understand
A slave of their power
You never question why
You're going to suffer
You're going to die
Siege of power
Inside your mind
Outside restrictions
To keep you in line
You're a slave of their power
You never question why
You were made to suffer
You were born to die
Siege of power
They made you a tool
While others were ruling
You were being ruled
Cerco de poder
Em sua terra
Muitos problemas
Para você entender
Cerco de poder,
Em sua mente
Restrição externa
Para te manter na linha
Cerco de poder
Em sua terra
Muitos problemas
Para você entender
Cerco de poder,
Em sua mente
Restrição externa
Para te manter na linha
Um escravo do poder deles
Você nunca questiona o porquê
Você irá sofrer
Você irá morrer
Cerco de poder,
Em sua mente
Restrição externa
Para te manter na linha
Você é um escravo do poder deles
Você nunca questionou o porquê
Você foi feito para sofrer
Você nasceu para morrer
Cerco de poder
Fizeram de você uma ferramenta
Enquanto outros comandam
Você é comandado
3.9. Control (1:23)
There is a fascist
Inside of you
Controlling your life
And what you do
Fascist control
There is a fascist
Inside your head
Controlling your thoughts
Until your death
Há um fascista
Dentro de você
Controlando sua vida
E o que você faz
Controle fascista
Há um fascista
Dentro de sua cabeça
Controlando seus pensamentos
Até sua morte
3.10. Born on your knees (1:48)
Born on your knees
Life in chains
A slow death
Into your graves
Born on your knees
Born on your knees
Life of pain
Existence restricted
By material gains
Born on your knees
You fucking asshole
Nascer ajoelhado
Vida acorrentada
Uma morte lenta
Dentro de seus túmulos
Nascer ajoelhado
Nascer ajoelhado
Vida de dor
Existência restrita
Por bens materiais
Nascer ajoelhado
Seu cuzão
155
Born on your knees
Conditioned blind
Crawling of death
Revenge for your crime
Born on your knees
Born on your knees
From the womb torn
Live in chains
And die as you were born
Born on your knees
Nascer ajoelhado
Cego condicionado
Rastejando para a morte
Vingança pelos seus crimes
Nascer ajoelhado
Nascer ajoelhado
De um útero mutilado
Viver acorrentado
E morrer como nasceu
Nascer ajoelhado
3.11. Human garbage (1:32)
Paid to obey
Forced to be silent
Human garbage
To be destroyed
Submit to darkness
Forced to conform
Human garbage
To be destroyed
Your mind is dead
Your thoughts are void
Human garbage
To be destroyed
Pago para obedecer
Forçado a se calar
Lixo humano
A ser destruído
Submetido às trevas
Forçado a se conformar
Lixo humano
A ser destruídos
Sua mente está morta
Seus pensamentos são vazios
Lixo humano
A ser destruído
3.12. You suffer (0:04)
But why?
Mas por quê?
3.13 Life? (0:43)
Never hope nor choice
Emotionless and cold
This is life
Illusions shattered
An existance of lies
Constant struggle
Freedom denied
At their feet
Submission
No sanctuary in death
Drugged up fucked up
Is that all you're worth?
Nunca esperança ou escolha
Sem emoções e frio
Isso é a vida
Ilusões destruídas
Uma existência de mentiras
Constante luta
Liberdade negada
Em seus pés
Submissão
Sem santuário na morde
Drogado e fodido
Isso tudo valeu a pena?
3.14.
Prison whitout walls (0:38)
Trapped inside your head
Insular, living dead
Existing for a purpose you'll never find
Inducements, distortions command your
mind
External sources maintain control
Programmed existence, fulfill your role
156
You've got a brain, shake of the reins
Smash the shackles, break the chains
Preso em sua cabeça
Insular, morto-vivo
Existindo por um propósito que você nunca
irá encontrar
3.15.
Point of no return (0:35)
Systematic rape of nature
Profit precedes need
Maintaining economic stature
Steal the fruit yet leave no seed
And our future generations
What of their inheritance
A world of contamination
Poisoned by our ignorance
Oblivious to reality
Conscience spurned
Beyond the point of no return
3.16.
sem
Nada do que eu diga
Que ainda não foi dito
Palavras genéricas e pensamentos
Similarmente expressos
Esta instância primitiva
Sentimento de angústia
Metas relacionadas
Às circunstâncias
Ações infundads
Apenas parte da facção
Me conformar?
Eu não te darei essa satisfação.
Success? (1:09)
Climb the ladder, your securety
Upward social mobility
Consume the lies "it's what you need"
Vicious circle of mindless greed
Where is the success gained from?
What of the lives you've shat upon?
Caught in the web you'll play the game
An artificial life but who's to blame
3.18.
Estupro sistemático da natureza
Diversão precede necessidade
Mantendo a estatura econômica
Roubando o fruto deixado ainda
sementes
E nossas futuras gerações
O que será de sua herança?
Um mundo de contaminação
Envenenado por nossa ignorância
Esquecido pela realidade
Consciência punida
Por trás de um ponto sem retorno
Negative approach (0:32)
Nothing I can say
That hasnt already been said
Generic words and thoughts
Similarly expressed
This primitive stance
Feeling of angst
Matters relating
To circumstance
Unfounded actions
Just part of the faction
Conform?
I wouldt give you the satisfaction
3.17.
Indução, distroções comandam a sua
mente
Forças externas mantêm o controle
Existência programada, cumprem seu
papel
Você tem um cérebro, mexa seus rins
Rompa os grilhões, quebre as correntes.
Suba a escada, sua segurança
Acima da mobilidade social
Consume a mentira "é disso que preciso"
Círculo vicioso de insensata ganândia
De onde vem este sucesso?
O que de nossas vidas foi cagado sobre?
Preso em uma rede você jogará o jogo
Uma vida artificial, mas quem reclama?
Deceiver (0:29)
157
Becoming wary of your lies
Your disguise the truth belies
Only fooling yourself
Pretend to bite the hand that feeds
But you won't discard your security
The transparency of your fantasy
3.19.
C.S. (Conservative shithead) (1.14)
Eminent
Arrogant
Ignorant
Affluent
Desensitized
Devoid and blind
All compassion nullified
Paragon of virtue
(Paragon of shit)
3.20.
Escravos permitos
Por seus métodos de ganâncias
Por suas necessidade
A alimentação sanguessuga
Quando você verá?
Você nunca será livre
Enquanto sancionarmos
Essa plutocracia.
Pseudo Youth (0:42)
Same predetermined
Pattern, game, rules
Uniformity, conformity
How long can you hide the truth?
Now you've settled down
Reflected on the past
The pose, the look
The stance all part of the act
A mesma predeterminação
3.22.
Eminente
Arrogante
Ignorante
Influente
Insensível
Desprovido e cego
Todas comparações anuladas
Protótipo de virtude
(Protótipo de merda)
Parasites(0:23)
Permissive slaves
To their methods of greed
From our needs
The leeches feed
When will you see?
We'll never be free
While we sanction
This plutocracy
3.21.
Tornando-se cauteloso com suas mentiras
Seu desfarce trai a verdade
Apenas se enganando
Tenta morder a mão que alimenta
Mas não irá descartar sua segurança
A transparência de sua fantasia.
Modelos, jogos, regras
Uniformizada, conformada
Por quanto tempo você pode esconder a
verdade?
Agora você está descansado
Reflete sobre seu passado
A pose, a aparência
A instância que faz toda a parte de um ato.
Divine death (1:21)
Cleansing impurity
Siezure of insecurity
Divine death
Individuality disabled
Blinded by fables
Divine death
Easy prey
You will pay
Mourn life's loss
Rotting on that cross
Divine death
Limpando a impureza
apreendendo a insegurança
Morte divina
Individualidade incapaz
Cega por fábulas
Morte divina
Reza fácil
Você pagará
Lamentar a vida perdida
Apodrecer em uma cruz
Morte divina
158
3.23.
As the machine rolls on (0:42)
Hiding behind symbols
Self-delusion
Plenty of questions
(And no solutions)
Visions of change
A mere illusion
Futile dreams
Of revolution
Flows of rhetoric
Won't influence change
Their will is subdued
Their minds enslaved
Escondido por trás de símbolos
Auto-desilusão
Cheio de questionamentos
(E sem soluções)
Visões de mudanças
Uma mera ilusão
Sonhos fúteis
de revolução
Fluxo de retórica
Não influenciará a mudança
Sua vontade é subjugada
Sua mente escravizada
3.24. Common enemy (0:16)
Bitching
Back-stabbing
Senseless in-fighting
"United we stand, divided we fall"
The common enemy
That overshadows us all
3.25.
Biscateando
Esfaqueando por trás
Engajamento sem sentido
"Juntos nós nos erguemos, divididos
caímos"
O inimigo comum
Que assombra todos nós.
Moral crusade (1:32)
A superiority complex
Pious, holy to the hilt
Outwards displays of cleanliness
Masking inner feelings of hate and guilt
Your morality is hypocrisy
Obsessive self-esteem
Enforcing your ideals
Your puritanical dream
Gather your flock
Gullible fools
Dictate restrictions
Um complexo de superioridade
3.26. Stigmatized (1:31)
Blissfully ignorant
Content and unaware
Not your problem
Why should you care?
Not normal
An easy target for release
Infected from birth
This sickening disease
You sanctimonious slime Understanding
discarded
The truth is clear
Devoto, extremamente santo
Por fora demonstra pureza
Mascarando sentimentos internos de raiva
e culpa
Sua moralidade é hipocrisia
Obsessiva autoestima
Forçando seus ideais
Seu sonho puritano
Junte-se ao seu rebanho
Tolos incrédulos
Ditam restrições.
Felizmente ignorante
Contente e desavisado
Não é seu problema
Por que você deveria se importar?
Não normal
Um alvo fácil de lançar
Infectado pelo nascimento
Esta mortal doença
Seu santificado lodo
Compreende o descarte
A verdade é clara.
159
3.27. M.A.D. (1.34)
Stark, bleak, wasted
Devastated
When?
All life
Totally annihilated
Die!
Does it have to be this way?
Is this the price we're gonna' to pay?
3.28.
Forte, ermo, perdido
Devastado
Quando?
Toda a vida
Completamente aniquilado
Morra!
Isso tinha que ser desse jeito?
Este é o preço que iremos pagar?
Dragnet (1:01)
The ascension of human intelligence
To atomic genocide
Homo
sapience
The disease, the cause, the pollution
Erase the aeons of evolution
Pushed too far, just a matter of time
Seemingly nothing to hold the tide
Except the end, accept the end?
A ascensão da inteligência humana
Ao genocídio atômico
Homo sapiens
A doença, a causa, a poluição
Anula os éons da evolução
Empurrando para longe, só uma questão de
tempo
Aparentemente nada para segurar a maré
A não ser o final, aceitar o final?
4. Amebix: Arise!
4.1.
The Moor (instrumental) (3:02).
4.2. Axeman (3:33)
Lock up your children the Axeman is coming
Lock up your children the Axeman is coming
Lock up your children the Axeman is running
Lock up your children he's here!
He is coming SLAUGHTER!
Is he from the army or the S.A.S.?
Rejected and shunned, left out on his own
The skills he acquired are put to the test
The tearing of flesh and the pulping of bone!
He is coming Slaughter!
It's late and it's dark but one walks the streets
An axe in his hand, no glint in his eye
This mindless machine, he butcher, you meat!
Calm and collected, but twisted inside!
He is here! Slaughter!
Tranque suas crianças, o Lenhador está vindo
Tranque suas crianças, o Lenhador está vindo
Tranque suas crianças, o Lenhador está
correndo
Tranque suas crianças, ele está aqui!
Ele está vindo... Massacre!
70
Ele é do exército ou da S.A.S ?
Rejeitado e evitado, deixado de fora por sua
própria conta
As habilidades que adquiriu são postas em
prática
Rasgando a carne e descarnando os ossos!
Ele está vindo... Massacre!
É tarde e escuro mas alguém anda pela rua
Um machado em sua mão, sem brilho nos
olhos
Sua máquina estúpida, ele, o açougueiro,
você, a carne!
Calmo e recolhido, mas louco por dentro!
Ele está aqui! Massacre
4.3. Fear of god (3:13).
70
Divisão da aeronáutica britânica.
160
You say that you hear voices,
I presume that is correct?
And you say that all the bad boys end their
wicked days in hell?
Well if it wasn't for the collar that you wear
around your neck
You'd be seeing life quite differently, inside a
padded cell!
The fear of God
Am I to understand you, when you say I'll be
forgiven?
I give you all my money, well that's blackmail
don't you see?
And the ones who give the most are
guarenteed a place in heaven
Where they can watch the burning souls below
and rub their hands with glee!
The fear of God
Your priorities Are wrong
Your faith Is blind
Crush the weak Uphold the strong
Burn the brains Of mankind
The money spent on churches could appease
the starving poor
To justify injustice you must misinterpret
Christ!
You lock your wealth away at night behind a
bolted door.
The fear of god? You hypocrite! Open up your
eyes!
4.4. Largactyl
71
Você diz que ouve vozes, eu presumo que
esteja correto?
E você diz que todos os garotos maus
terminam seus dias de ruindade no inferno?
Bem, se não fosse este colar que você usa
em volta do seu pescoço
Você estaria vendo a vida um pouco diferente,
de dentro de uma sala acolchoada
O medo de Deus
Eu entendo você quando diz que eu serei
perdoado?
Eu te dou todo o meu dinheiro, isso é
chantagem, você não vê?
E aquele que der mais tem o seu lugar
garantido no céu
De onde poderão ver almas queimando
abaixo e esfregando as mão com alegria
O medo de Deus
Suas prioridades estão erradas
Seu destino é cego
Destrua o fraco, erga o forte
Queime os cérebros da humanidade.
O dinheiro gasto em igrejas poderia ajudar
pobres famintos
Para justificar injustiças você interpreta mal
Cristo!
Você tranca sua riqueza à noite debaixo da
porta
Medo de Deus? Seu hipócrita! Abra os olhos!
(3:47)
You're standing on a hill, looking down at the
city
Thinking 'bout your life and your bottle of pills
They released you from the hospital, you're
cured!
So this is how freedom feels?
Largactyl Relax (it's only paranoia)
Feel a little numb? Feel a little tired?
Your brain's asleep and your body's retired
You've learned to fit in. Obey!
You're just a shadow of what you used to be
Largactyl Relax (it's only paranoia)
A comfortable life? A car and a wife?
It's only a dream but it's fuckin' obscene
You've learned to fit in, a vegetable!
Senility! At 21 they'll be coming for you
Você está parado sob uma colina, olhando
para a cidade
Pensando sobre sua vida e sua garrafa de
pílulas
Eles receitaram isso de um hospital, você está
curado!
Então é assim que se sente a liberdade?
Largactyl! Relaxe (é apenas paranoia).
Sente um pouco alterado? Um pouco
cansado?
Seu cérebro dorme e seu corpo descansa
Você aprendeu a se adequar. Obedeça!
Você é apenas uma sombra do que
costumava ser
Largactyl! Relaxe (é apenas paranoia).
Uma vida confortável? Um carro e uma
Antipsicótico à base de clorpromazina vendido no Brasil sob o nome de Amplicitil (bula:
http://www.medicinanet.com.br/bula/516/amplictil.htm - consultado em 20/05/2014 às 11:30).
71
161
mulher?
É apenas um sonho, mas é obsceno demais
Você aprendeu a se adequar, um vegetal!
Sanidade! Aos 21 ela chegará para você.
05. Drink and be merry (6:07)
Drink and be merry, for tomorrow we may die
It's better to laugh than it is to cry
My cup runneth over with blood and not wine
The last was the flood, it's fire this time
I took a walk on the beach, no sand dunes just
oil
Dead gulls and dead fish were trod underfoot
The sky was tinted with yellow and black
And the air smelt like Dachou today
The fields were littered with the dying and
dead
Nothing grows here but decay!
The village bell tolls, a priest vomits blood
Another life's wasted away
Down in the square, the party goes on
The doomed sit down to their last feast
They gorge themselves on the recently
deceased
The heat of the day, the foul smell of decay
As they wait:. For the inferno to be
UNLEASHED!
So drink and be merry for tomorrow we may
die
It's better to laugh than it is to cry
Live for life's sake, don't let life pass you by
There's more worth living for than meets the
eye
So drink and be merry for tomorrow we may
die!
Beba e seja feliz, porque amanhã nós
podemos morrer
É melhor rir do que chorar
Corre sangue em meu copo ao invés de vinho
O último foi a inundação, agora é tempo do
fogo.
Dou uma volta na praia, não há dunas,
apenas petróleo
Gaivotas e peixes mortos pisados sobre meus
pés
O céu está pintado de amarelo e preto
72
E o ar cheira como Dachau
Os campos foram descartados com os
moribundos e mortos
Nada cresce aqui, apenas murcha!
Os sinos da vila tocam, o padre vomita
sangue
Mais uma vida perdida
Descendo a praça, a festa continua
Os condenados sentam para sua última festa
Eles devoram aqueles que acabaram de
morrer
O calor do dia, o cheiro louco de morte
Enquanto eles esperam... Do ínfero para
serem libertados!
Então beba e seja feliz, porque amanhã
podemos morrer.
É melhor rir do que chorar
Viver a vida por uma causa, não deixe a vida
passar por você
É melhor viver assim do que o olhar nos
olhos.
Então beba e seja feliz porque amanhã
podemos morrer
4.6. Spoils of victory (4:16)
Look to the north, look to the east, look to the
west and south
On all horizons storm clouds loom and roll
across the sky
The river bursts its banks and vomits soil into
the mouth
As thunder breaks the silence, a young child
72
Olhe para o norte, olhe para o leste, olhe para
o oeste e sul
Em todos os horizontes nuvens de
tempestades rolam sobre o céu
O rio explode em suas margens e vomita terra
na boca
Quando um trovão quebra o silêncio, uma
Campo de concentração alemão.
162
cries!
Between the night and the days first light the
leaders made a pact
To raise the rotting corpse of war and set the
wheels in motion
The stage a heaving battlefield would support
the final act
While the authors hide in satellites or forts
beneath the ocean
And in this play We're cast as fools
To blindly play By others' rules
Now the dust has settled and the stench
completely clear
Then return the victors to claim their wretched
crown
But from the flesh heaps of the slain, there
comes no cheer
Their game is over, the chips are down
You arrived like a breath from the angel of
death
Famine, disease and a life on your knees,
guaranteed
When you put them in power
criança começa a chorar
Entre a noite e o dia, a primeira luz ilumina o
líder que fez o pacto
Para levantar o corpo apodrecido da guerra e
colocar rodas em movimento
Uma respirada no estágio da batalha
suportará o ato final
Enquanto o autor se esconde em satélites ou
fortes sob o oceano
E nessa peça nós somos um elenco de tolos
Para encenar cegamente por regras de outros
Agora a poeira abaixou e o fedor passou
A volta do vitorioso para clamar a multidão
desgraçada
Mas para os pedaços de carne morta não há
comemoração
O jogo deles acabou, as fichas caíram
Você surge como a respiração do anjo da
morte
Fome, doenças e vidas ajoelhadas, garantidas
Quando você os coloca no poder.
4.7. Arise (5:22)
Well we've all heard the sermon seen
The preachers or worshipped the stage
Heard the new manifesto? It's all questions no
solutions at all
Well, you're out on your own now, always
have been
Just look at your friends
Break the surface to daylight
Strength will flow through our unity.
There is a traitor in our midst
And when we rise we will be betrayed
They are the wolves in sheep's clothing
Take the place at the back of the fold
All this talk about freedom
Will be tainted with blood (it's your life)
Put this cross on your back child
Tread the long weary trail to the top of the hill
Arise! Get off your knees!
There's some hard times coming down
There's the smell of revolution on the wind
Well, we're grinding down our axes
Telling tales round the bonfire at night
We will set out with a fire in our hearts
When this darkness gives way to the dawn
In the light we're united as one
For the kingdom of heaven must be taken by
storm!
Arise! Get off your knees!
Stand up!
Bem, todos nós ouvimos o sermão visto
O padre ou o adorado no palco
Ouviram o novo manifesto? Só perguntas e
nenhuma solução
Bem, agora você está por conta, sempre
esteve
Apenas olhe para os seus amigos
Quebre o sofrimento da luz do dia
Força irá brotar de sua unidade
Há um traidor em seu meio
E quando nós surgirmos, seremos traídos
Eles são lobos com roupas de cordeiro
Tome lugar atrás da dobra
Tudo que diz é sobre liberdade
Nós seremos pintados com sangue (é a sai
vida)
Ponha essa cruz nas costas de uma criança
Piso nesta longa trilha ao topo da colina
Levante-se! Não fique de joelhos!
Há tempos difíceis a caminho
Há cheiro de revolução no vento
Bem, nós estamos quebrando nossos
machados
Contando histórias em torno do fogo durante a
noite
Nós mandaremos fogo para seus corações
Quando as trevas darem lugar à luz
Na luz nós estamos unidos
Para que o reino dos céus seja tomado pela
163
tempestade!
Levante-se! Não fique de joelhos! Levante-se!
4.8. Slave (3:55)
Earth to ashes, buildings to dust
A radioactive burning crust
The meek shall inherit all that is left
Inherit the Earth, a living death
From the cradle to the grave
You made yourself the system's slave
Acid rain, rocks on fire!
Poison clouds, gods a liar
There's nothing left, for the meek
The past is gone the future is bleak
From the cradle to the grave
You made yourself the system's slave
Evil systems, government control
Are to blame for our downfall
There's no umbrella against the rain
Destroy the power, break your chain!
Terra em pó, prédios em poeira
Uma crosta radioativa queima
O manso irá herdar tudo o que for poupado
Herdar a terra, um vivo morto
Do berço ao túmulo
Você fez de si um escravo do sistema
Chuva ácida, pedras em chama
Nuvens de veneno, deuses mentirosos
Não há nada sobrando para o manso
O passado se foi, o futuro é ermo
Do berço ao túmulo
Você fez de si um escravo do sistema
Sistema do mal, controle governamental
São culpados de suas próprias quedas
Não há guarda-chuva contra a chuva
Destrua o poder, quebre a corrente!
4.9. The darkest hour (4:53)
My friend the time has come for us to say
goodbye
So with these parting words I bid you farewell
It seems the life we led was just a shameful lie
What does the future hold? Well only time will
tell
I'm not scared of dying and I don't really care
If it's peace you find in dying well then let my
time be near
If it's peace you find in dying when dying time
is here
Bundle up my coffin, 'cos it's cold down there
And when I'm dead
And when I'm gone
There will be one child born
And a world will carry on
Some say our fate is sealed and help to tie the
knot
Some say that this may be the lull before the
storm
But there's one piece of nature everyone's
forgot
And that's, "The darkest hour is always before
the dawn!"
When the candle burns low
When there's no more to say
Dig me a hole
Where my body might lay
Meu amigo, chegou a hora de dizermos adeus
Com esse mundo repartido, eu te ofereço a
despedida
Parece que a vida que carregamos foi apenas
uma mentira vergonhosa
O que esperar do futuro? Bem, apenas o
tempo irá dizer
Eu não tenho medo de morrer e eu não ligo
Se o tempo de paz for encontrado na morte,
então deixe que o tempo se aproxime
Se o tempo de paz for encontrado com a
morte quando o tempo de morrer é agora
Feche meu caixão porque faz frio lá embaixo
E quando eu estiver morto
Quando eu me for
Haverá uma criança recém-nascida
E o mundo continuará
Alguns dizem que nosso destino está selado e
ajuda a segurar o nó
Alguns dizem que isso é a bonança antes da
tempestade
Mas há um pedaço da natureza que ninguém
irá esquecer
E é isso, “a hora mais escura é sempre antes
do amanhecer!”
Quando velas queimam
Quando não há mais nada a dizer
Cave-me um buraco
Onde meu corpo deverá descansar
164
5. Extreme Noise Terror: A holocaust in your head
5.1. Deceived (0:50)
The way I see it
Just ain't your way
You won't listen
To what I have to say
I won't tolerate
The things you want me to see
Say you're here to help
But you just fuck me.
No more lies and deceit
It‟s not our fault
We are this way
We all have our views
And different things to say
You judge me, I judge you
Nothing will change
What are we to do?
A forma como eu vejo isso
Apenas não é a mesma que a sua
Você não irá ouvir
O que eu tenho a dizer
Eu não vou tolerar
As coisas que você quer que eu veja
Dizendo que está aqui pra ajudar
Mas você só quer me foder
Chega de mentiras e de enganações
Não é nossa culpa
Nós estamos neste caminho
Todos nós temos nossos pontos de vista
E coisas diferentes para dizer
Você me julga, eu te julgo
Nada irá mudar
O que iremos fazer?
5.2. We the helpless (1:54)
Comfortably placed within your four walls of
tranquility
Braindead and oblivious to the carnage of life
You are the carcass of society
Void of thought intelligent reasoning and care
You are the reason of millions of animals are
slaughter
People starve
Woman are raped
Children are sexually abused
People are beaten in South Africa
This is no newspaper headline this is reality
All because you are too scared to show
emotion
You self righteous shit...show you fucking care
Stand up, they are your problem too
Together we can bring about a change
Lugares confortáveis com quatro paredes de
tranquilidade
Morte cerebral e uma carnificina óbvia de sua
vida
Você é a carcaça da sociedade
Vácuo
de
pensamentos
inteligentes,
raciocínios e cuidados
Você é o motivo de milhões de animais
estripados
Pessoas famintas
Mulheres estupradas
Crianças abusadas sexualmente
Pessoas estão apanhando isso na África do
Sul
Isso não é a manchete de um jornal, é a
realidade
Tudo porque você tem muito medo de mostrar
emoções
Sua pessoa justa de merda... me mostre que
você liga
Levante-se, eles também são problemas seus
Juntos nós podemos mudar algo.
5.3.Bullshit propaganda (0:47)
Police protect the rich
Polícia protege os ricos
165
Uphold their fucking law
Police uphold the system
As they smash you to the floor
Because our so called freedom
Is nothing but a farce
Restrictions, lies and laws
Are rammed right up our arse
Don't try to cover up
The suffering that you've caused
With bullshit propaganda
It's you who cause the wars
You can't deny your crimes
Although you fucking try
Your so called free speech
Is nothing but a lie
Revirando sua lei
Polícia revira o sistema
Enquanto te espancam no chão
Porque a sua tão querida liberdade
Não é nada além de uma farsa
Restrições, mentiras e leis
São forçados em sua bunda
Não tente esconder
O sofrimento que você causou
Com sua propaganda de merda
Foi você quem causou as guerras
Você não pode desmentir seus crimes
Mesmo que tenha tentado
O seu tão falado direito de expressão
Não é nada além de mentira
5.4. Fucked up system (1:07)
Why should we suffer for their ignorance
Always the victims of their mistakes
Fucked up system
Fucked up state
Fucked up system
Aaaarghh!
T.V. media keep us dumb
Brainwashed by their fucking bullshit
Por que temos de sofrer
ignorância
Sempre vítimas de seus erros
Sistema fodido
Estado fodido
com
sua
Sistema fodido
Aaaaaahgh!
Mídia nos mantém burros
Lavando os cérebros com sua bosta
5.5 Show us you care (3:03)
You say we won't change nothing
But at least we're fucking trying
Say we're always moaning
But at least we fucking care
Say we should be happy
We've tried to but we can't
Say we should see sense
But we already fuckin have
Use your shit filled minds
And show you fucking care
You don't care about the rich
As long as you're not poor
Don't care about vivisection
'You cannot change the law'
Don't care about the police force
Because they haven't beaten up you
Don't care about the starving
Because it's nothing new
Você diz que nós não mudaremos nada
Mas ao menos nós estamos tentando
Diz que estamos sempre gemendo
Mas ao menos nós ligamos
Diz que nós poderíamos ser felizes
Estamos tentando mas não conseguimos
Diz que precisamos ver sentido
Mas nós já o vemos
Use essa merda cheia de mentes
E nos mostre que você liga
Nós não ligamos se você é rico,
Tampouco se é pobre
Não liga para vivissecção
„Você não pode mudar a lei‟
Não ligue para a força policial
Só porque eles não te bateram
Não ligue para a fome
Porque isso não é novo
5.6.Use your mind (2:04)
166
I can't stand I can't think, I've had too much to
drink
Forced down my pills now I can't wait
Gonna be fucked don't wanna be straight!
Your view is restricted, so is your mind
You've got to break down the barriers
And use your mind.
I drink too much but I've nothing to lose
You stick to your fashion I'll stick to my booze
Watching you preach has become rather
bland
What do expect to change with an ''X'' on your
hand?
Eu não entendo, eu não posso pensar, eu
preciso me alcoolizar
Preso às minhas pílulas, agora eu não posso
esperar
Serei fodido, não quero ser direto!
Sua visão é restrita como a sua mente
Você tem de quebrar as barreiras
E usar sua mente
Eu bebo muito, mas eu não tenho nada a
perder
Você entra para sua moda e eu entrarei na
minha bebida
Assistir você pregar se tornou algo
empalidecido
73
O que você espera mudar com um X em sua
mão?
5.7.Innocence to ignorance (1:26)
Brought into the world with such an open mind
it's not very long before you're indoctrinated
with lies
such a naive brain accept what it's told
from innocence to ignorance
and only a few years old
don't grovel on the floor
stand up tall
try to see through their shit and all their lies
try to break away from their eternal ties
Trazido ao mundo como uma mente aberta
Não dura até você ser doutrinado com
mentiras
Um cérebro ingênuo aceita o que é dito
Da inocência à ignorância
E apenas com alguns anos
Não rasteje no chão
Levante-se
Tente ver por entre toda essa merda e suas
mentiras
Tente sair desses nós eternos
5.8. Conned thru life (1:14)
Your life is a stagnant pool of shit
And if you don't want to drown
Then you have to eat it
From birth to death
You're conned through life
Is living your life a waste of time? (No)
And if you chose to swallow their shit
It will poison you so much
You'll wish you had drowned at birth
Sua vida é uma piscina de merda estagnada
E se você não quer mergulhar
Então você terá de comê-la
Do nascimento à morte
Você foi enganado pela vida
A sua vida é uma perda de tempo? (Não)
E se você escolher engolir essa merda
Isso o envenenará tanto
Que você desejará ter se afogado no seu
nascimento
5.9.Murder (2:09)
450 millions animal are murdered in Britain
every year
To be shoved down your throat and shat out of
your arse
450 milhões de animais são mortos na
Inglaterra todos os anos
Para descer por sua garganta e ser cagado
por sua bunda
O X desenhado na mão é uma marca de uma tribo que faz parte da cena punk rock mundial, os
straight edges, pessoas que não consomem nenhuma substância com propriedades psicotrópicas.
73
167
Murdaaaargh
450 millions animal are murdered in Britain
every year
To be shoved down your throat and shat out of
your arse
Animals to be killed for pleasure
Murdered at the consumers leisure
Slaughtered for meat in their fucking abattoirs
Murdaaaargh
Pneumatic bolt shot deep in the head
Splittering bones and gushing blood
Yet you still support this insane slaughter
Brainwashing adverts on T.V.
Cover up the reality and never shown the pain
and torture
Assassinato
450 milhões de animais são assassinados na
Inglaterra todos os anos
Para descer por sua garganta e ser cagado
por sua bunda
Animais mortos por prazer
Assassinados para o lazer consumidor
Massacrados por carne em seus próprios
abatedouros
Assassinato
Parafusos pneumáticos atirados em suas
cabeças
Rachando ossos e esguichando sangue
Você ainda apoia esse massacre insano
Lavagem cerebral vendida na TV
Cobertura de realidade que nunca mostrou a
dor e a tortura
5.10. Take the strain (1:54)
Twelve years on, has anything changed
Laughed at, ridiculed, taken the blame
Screaming for change with an ignored voice
Freedom or oppression, we offer the choice
It's no longer a laugh
No longer a game
If we believe in ourselves
We can take the strain
Doze anos depois, nada mudou
Rido disso, ridicularizado, levando a culpa
Liberdade ou opressão, nós oferecemos a
opção
A risada não irá durar
O jogo não irá durar
Se nós acreditamos em nós mesmos
Nós podemos aguentar a tensão
5.11.Another nail in the coffin (1:35)
Here comes the reaper with the death of our
scene
Another big business backed attack on our
dream
Another nail in the coffin.
Devils and demons no thought and no brains
You're fucking ignorant stance has left our
'scene' in ruins
Aí vem o matador com a morte de nossa cena
Outro grande negociante atacando nossos
sonhos por trás
Outro prego no caixão
Demônios e diabos, sem pensamentos e sem
cérebros
Você é tão ignorante que deixará nossa cena
em ruínas
5.12.Raping the Earth (1:24)
"Man" is superior, "Man" has the might
he's under the impression he has the right
to take the earth and do as he will
and leave nothing but a deformed hell
raping the earth and we don't seem to care
soon there will be no life left here
with such stupidity we are raping the earth
it's been on the decline since man's birth
the harmony of nature is being upturned
compassion not destruction must be learned
“O Homem” é superior, “O Homem” tem o
poder
Ele está sob a impressão de ter o direito
De pegar a terra e fazer o que quiser
E não deixar nada além de um inferno
deformado
Estuprando a terra e não nós não parecemos
ligar
Logo não haverá mais vida aqui
Com tanta estupidez que estamos estuprando
a terra
O declínio começa com o nascimento do
homem
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A harmonia da Terra é revirado
Compaixão e não destruição deveriam ser
aprendidos
5.13.If you're only in it for the music (1:51)
If you're only in it for the music you can just
fuck off
Because we're not interested in your
fashionable pose
Drop out, cop out... Fuck off
Se você só está aqui pela música, você pode
ir se foder
Porque nós não estamos interessados em
suas poses da moda
Caia fora, suma... vá se foder!
169
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