Associação Brasileira de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia Boletim Eletrônico Agosto 2011 – 44ª edição DIRETRIZES EUROPEIAS (IUSTI/OMS) 2011 DE CONDUTA NOS CORRIMENTOS VAGINAIS As três infecções mais comumente associadas ao corrimento vaginal são: vaginose bacteriana, tricomoníase e candidíase. O corrimento vaginal também pode ser causado por outras condições fisiológicas e patológicas incluindo cervicite, vaginite aeróbica, atrofia vaginal e ectopia mucoide. Muitos dos sinais e sintomas são inespecíficos e as mulheres podem ter outras condições como dermatoses vulvares, reações alérgicas e irritativas. Fonte: Sherrard J, Donders G, White D, Jensen JS. European (IUSTI/WHO) guideline on the management of vaginal discharge, 2011. Int J STD AIDS. 2011 Aug;22(8):421-9. ETIOLOGIA Vaginose bacteriana (VB) É a causa mais comum de corrimento vaginal em mulheres na idade reprodutiva, mas também pode ser encontrada em mulheres na menopausa, sendo rara em crianças. A prevalência entre mulheres oscila entre 5-40% dependendo da etnia. Mulheres que fazem sexo com mulheres compartilham os mesmos tipos lactobacilares e tem risco aumentado para VB. Caracteriza-se por crescimento aumentado de organimos anaeróbicos (Gardnerella vaginalis, Prevotella spp., Mycoplasma hominis, Mobiluncus spp.) na vagina levando à substituição dos lactobacilos e aumento do pH vaginal. A VB pode surgir e desaparecer espontaneamente e apesar de não ser doença sexualmente transmissível, está associada à atividade sexual. Duas teorias prevalecem na explicação da existência e recorrência desta condição: 1) os lactobacilos desaparecem devido a fatores do meio como ducha vaginal ou ataques frequentes ao pH devido à atividade sexual ou outros fatores; 2) alguns lactobacilos são atacados por tipos virais específicos e são incapazes de colonizar a vagina , facilitando o aumento do crescimento de bactérias anaeróbicas. Em algumas mulheres, os lactobacilos estão diminuídos e o pH está aumentado, e predomina a microflora aeróbica derivado do intestino, como Escherichia coli, Streptococci grupo B e Staphylococcus aureus. É a chamada vaginite aeróbica, é uma condição inflamatória com sintomas de longo prazo e exacerbações intermitentes. Infecções mistas são frequentes. Candidíase A candidíase vulvovaginal é causada pelo crescimento aumentado de Candida albicans em 90% das mulheres (o restante é por outras espécies como, por exemplo, C. glabrata). Cerca de 75% das mulheres vai apresentar ao menos 1 episódio durante sua vida. 10-20% das mulheres são portadoras assintomáticas e este número pode subir para 40% durante a gravidez. Tricomoníase Trichomonas vaginalis é um protozoário flagelado e parasita do trato genital. Em adultos, é de transmissão quase que exclusivamente sexual. Devido à sua especificidade, infecção ocorre apenas se houver inoculação intravaginal ou intrauretral. Nas mulheres, a infecção uretral está presente em 90% dos episódios, podendo o trato urinário ser foco de infecção isolada em menos de 5% dos casos. CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Existem sintomas (tabela 1) e sinais clássicos (tabela 2), mas estes podem estar ausentes ou serem inespecíficos. O diagnóstico da VB e candidíase é sindrômico, isto é, baseado nos sintomas e sinais clínicos e apoiado por achados dos testes laboratoriais. Tabela 1 – sintomas Vaginose bacteriana Aproximadamente 50% assintomática Corrimento com odor de peixe Tabela 2 - sinais Vaginose bacteriana Corrimento branco espesso e homogêneo, aderido às paredes vaginais e vestíbulo Ausência de vaginite Candidíase 10-20% assintomática Tricomoníase 10-50% assintomático Prurido vulvar Dor vulvar Corrimento vaginal sem odor Dispareunia superficial Corrimento vaginal com odor Irritação/prurido vulvar Disúria Raramente desconforto em baixo ventre Candidíase Eritema vulvar Tricomoníase Eritema vulvar Fissura vulvar Corrimento vaginal pode grosso (sem odor) Lesões de pele satélites Edema vulvar ser Vaginite Corrimento vaginal em até 70% é leitoso e em 10-30% amarelo Aproximadamente 2% apresentam "cérvice em morango" ao exame especular 5-15% sem sinais anormais COMPLICAÇÕES Existe associação entre VB e infecção de cúpula vaginal pós-histerectomia, endometrite pósaborto, aumento do risco de abortamento espontâneo de 13 a 24 semanas, parto prematuro e aumento de risco de aquisição de DST especialmente herpes e HIV. Um grande estudo randomizado e controlado que tratou mulheres com VB com metronidazol falhou em mostrar qualquer benefício na prevenção de parto prematuro comparado ao placebo, enquanto 2 outros estudos mostraram aumento do risco de parto prematuro com o uso do metronizadol. Três estudos utilizando clindamicina mostraram evidência de benefício na redução da taxa de nascimento prematuro, tanto por via oral como intravaginal. Como os resultados dos estudos clínicos que investigam o valor do rastreamento e tratamento da VB durante a gravidez são conflitantes, é difícil fazer recomendações. Gestantes sintomáticas devem ser tratadas, mas não existe evidência suficiente para recomendar tratamento de rotina em mulheres grávidas assintomáticas que tem VB. O tricomonas vaginal é associado com resultado adverso na gravidez, particularmente ruptura prematura de membranas, parto prematuro e baixo peso ao nascimento. Entretanto, pesquisas futuras são necessárias para confirmar se estas associações são causais. Dados não sugerem que o tratamento com metronizadol resulte em redução da morbidade perinatal e alguns estudos sugerem a possibilidade de aumento da prematuridade e baixo peso ao nascer após tratamento com metronizadol, limitações destes estudos não permitem conclusões definitivas em relação ao risco de tratamento. Rastreamento para tricomoníase em indivíduos assintomáticos não é recomendado. Alguns especialistas prorrogam a terapia em gestantes assintomáticas até 37 semanas de gestação. Estas mulheres devem ser orientadas a usar preservativo e sobre o risco contínuo de transmissão sexual. Existe evidência que a tricomoníase aumenta a transmissão de HIV. DIAGNÓSTICO Idealmente, todas as mulheres com sintomas anormais na vulva e vagina devem ser testadas. Se não for possível, o exame físico e testes subsidiários devem ser realizados na presença de achado de tricomonas na citologia cervicovaginal Diagnóstico de tricomonas no parceiro sexual Falha do tratamento empírico do corrimento vaginal Sintomas recorrentes ou graves Mulheres assintomáticas não requerem exames para VB ou candida. Diagnóstico laboratorial O diagnóstico definitivo de cada infecção é feito com base nos exames subsidiários. Uma amostra do corrimento é removida da parede vaginal com um cotonete. O tipo da fibra não é importante. A microscopia direta pode ser feita imediatamente na clínica, se disponível. Critérios para diagnóstico de vaginose bacteriana A. Diagnóstico clínico (Amsel): (a presença de 3 dos 4 critérios é requerida) 1. Corrimento branco acizentado homogêneo 2. pH da vagina > 4.5; 3. odor de peixe (se não reconhecível, pingar poucas gotas de KOH à 10%) 4. Presença de "Clue cells" na microscopia a fresco B. Pontuação de Nugent score – é utilizada como padrão ouro para estudos e baseia-se na estimativa da proporção relativa de bactérias em esfregaço vaginal corado pelo Gram, dando uma pontuação de 0 a 10. Pontuação <4 é normal, 4-6 é intermediária e >6 é VB. C. Critério de Hay Ison – baseado nos achados do Gram, reflete a flora melhor do que a pontuação de Nugent. Grau 0: não relacionado a VB, apenas células epiteliais, sem lactobacilos, indicam uso recente de antibióticos Grau 1: (Normal): predomínio de lactobacilos Grau 2: (Intermediário): Flora mista com alguns lactobacilos presentes, presença de Gardnerella ou Mobiluncus Grau 3 (BV): Predominantemente Gardnerella e/ou Mobiluncus, "clue cells" Lactobacilos raros ou ausentes. Grau 4: Não relacionado à VB, sem lactobacilos (flora de vaginite aeróbica) Critérios para diagnóstico de candidose vaginal - Ausência de odor (no teste de Whiff sobre especular ou lâmina), já que candidíase com VB e/ou tricomonas não coexistem geralmente, mas não é diagnóstico. - Fungos ou pseudohifas na preparação a fresco (40-60% sensibilidade) - Fungos ou pseudohifas na coloração de Gram (até 65% sensibilidade) - cultura vaginal positiva para espécies de Candida. - Cultura repetida com as mesmas espécies não albicans podem indicar sensibilidade reduzida ao antifúngico. Critérios para diagnóstico de Trichomonas vaginalis A. Observação direta do organismo no esfregaço a fresco (sensibilidade de 40-70%). Microscopia deve ser realizada o quanto antes após coleta da amostra porque a mobilidade diminui com o tempo. B. Culturas estão disponíveis e podem diagnosticar até 95% dos casos C. Testes de amplificação do ácido nucleico têm sido desenvolvidos e atingem sensibilidade/especificidade de quase 100% Tricomonas aparecem algumas vezes no laudo citológico, entretanto uma metanálise mostrou que enquanto a citologia tem boa especificidade, a sensibilidade é de apenas 58%. Se a prevalência na população de tricomonas é alta, é apropriado tratar e quando é improvável (prevalência menor ou igual a 1%), é prudente confirmar o diagnóstico pela cultura de secreções vaginais ou se disponível com testes de amplificação do ácido nucléico. TRATAMENTO Informação, explicação e orientação para as pacientes. Tricomonas: como é uma DST, deve ser realizado rastreamento para coinfecções. Abstinência sexual deve ser recomendada até que todos os parceiros tenham sido tratados. Vaginose bacteriana: deve ser esclarecido que a causa é indeterminada e que apesar de existir relação com a atividade sexual, não é uma doença de transmissão sexual. Indicações para tratamento da vaginose bacteriana: - Sintomas -Microscopia direta positiva com/sem sintomas em gestantes com história de parto prematuro idiopático ou perda de segundo trimestre - Mulher submetida a procedimentos cirúrgicos - Opcional: Microscopia direta positiva em mulheres sem sintomas. Elas podem relatar alteração benéfica no seu corrimento após tratamento. - Parceiros masculinos não precisam ser tratados. Indicações para tratamento da candida - Mulheres sintomáticas com candida na microscopia ou cultura - Mulheres assintomáticas não requerem tratamento - Parceiros masculinos assintomáticos não precisam ser tratados Indicações para tratamento do tricomonas - Teste positivo para tricomonas independente dos sintomas - Tratamento epidemiológico dos parceiros sexuais Tricomonas: Os nitroimidazólicos são a única classe útil na terapia oral ou parenteral da tricomoníase e a maioria das cepas são altamente suscetíveis. Devido às altas taxas de infecção da uretra e glândulas parauretrais em mulheres, a terapia sistêmica deve ser fornecido para alcançar acura e terapia local não é recomendada. A dose única tem a vantagem de melhorar aderência e ser mais barata, entretanto existe evidência que a falha pode ser maior, especialmente se os parceiros não forem tratados simultaneamente. Existe taxa de cura espontânea na ordem de 20-25%. Em pacientes com alergia ao metronizadol, tem sido utilizado dessensibilização. Regimes recomendados para T. vaginalis e vaginose bacteriana 1ª. escolha - Metronidazol 400 - 500 mg via oral 2X/dia por 5 a 7 dias ou - Metronidazol 2 g via oral em dose única ou - Tinidazol 2 g via oral em dose única Com o uso de metronidazol or tinidazol, consumo de álcool deve ser evitado devido a possibilidade de reação "antabuse. A abstinência de álcool deve ser mantida após 24 horas do término da terapia com metronizadol e 72 horas no caso de tinidazol. Opções alternativas APENAS para vaginose bacteriana - Metronidazol creme vaginal 1X/dia por 5 dias ou - Clindamicina crème vaginal 1X/dia por 7 dias ou - Clindamicina 300 mg via oral 2X/dia por 7 dias Na vaginose bacteriana, a clindamicina e o metronidazol tem eficácia similar, nas formulações oral e vaginal no controle de 1 semana e 1 mês após início do tratamento. Cerca de 58 a 88% estarão curadas após 5 dias de tratamento com ambas as drogas, também não existem diferenças na taxa de falhas de tratamento após 1 semana e 1 mês. Entretanto, em termos de efeitos colaterais, na maioria dos estudos, a clindamicina mostrou menor tendência do que o metronidazol. Aplicação vaginal versus oral. A biodisponibilidade do metronidazol e da clindamicina é de apenas 50% da ingestão oral após aplicação vaginal, assim são esperados menos efeitos colaterais. Quando comparado a via oral 400 mg 2X/dia por 7 dias, o uso de 500 mg de metronidazol intravaginal antes de deitar por 7 dias foi igualmente efetivo, com resolução de 74% e 79% após 4 semanas de tratamento oral vs vaginal respectivamente. Encontraram-se resultados similares com o uso oral e vaginal da clindamicina. Os métodos de barreira não são considerados seguros durante o tratamento de qualquer um destes produtos vaginais. Regimes recomendados para tratamento da candidíase vaginal Terapia intravaginal e oral são igualmente efetivos no tratamento da candidíase vulvovaginal. O tratamento com azoles resulta em alívio dos sintomas e negativação das culturas em 80-90% dos pacientes após tratamento oral ou intravaginal. Deve ser empregada apenas a via intravaginal na gravidez. Em geral, tratamento em dose única bem como cursos mais longos são igualmente efetivos. Quando existe sintomatologia grave, é melhor repetir a dose de fluconazol 150 mg após 3 dias. Isto não afeta as taxas de recidiva. Preparações orais incluem - Fluconazol 150mg como dose única - Itraconazol 200mg 2X/dia por 1 dia Tratamentos intravaginais incluem - Clotrimazol vaginal creme 500mg 1X/dia ou 200mg 1X/dia por 3 dias - Miconazol vaginal óvulo 1200mg como dose única ou 400mg 1X/doa por 3 dias. O tratamento tópico da vulva não mostrou benefício adicional ao tratamento intravaginal, mas algumas pacientes preferem o mesmo. Quando prurido é um sintoma importante, preparação tópica contendo hidrocortisona pode dar alívio mais rápido. Situações especiais A.Metronidazol é categoria B para uso na gestação. B. Tinidazole é categoria C para uso na gestação. Drogas por via oral não devem ser usadas na gravidez. Nistatina, que não é um azole, fornece taxa de cura de 70-90% para Candida, e pode ser útil no tratamento de micro-organismo com sensibilidae reduzida aos azoles. C. glabrata crônica A infecção requer tratamento de longa duração com tratamentos não indicados em bula. Nistatina por 21 dias é a primeira escolha de tratamento e flucitosina tópica, isolada ou em combinação com anfotericina também podem ser consideradas. Supositórios vaginais com ácido bórico 600 mg diariamente por 14-21 dias também podem ser usados. A resposta deve ser avaliada por meio de resultados de cultura já que resposta sintomática, pode algumas, vezes levar meses. SEGUIMENTO VB Apenas em mulheres com sintomas persistentes. Se o tratamento é prescrito em grávidas para reduzir o risco de parto prematuro, um novo exame deve ser realizado após 1 mês e tratamento futuro deve ser oferecido se a VB recorrer. VB recorrente A maioria das pacientes terá recorrências em 3 a 12 meses, independente do tratamento realizado. Em estudo randomizado e controlado comparando aplicação semanal de metronidazol com placebo durante 16 semanas mostrou diferença significativa em 70% das mulheres, as quais se sentiam livres dos sintomas versus 30% no grupo controle. Entretanto, após 12 semanas de suspensão da terapia de manutenção com metronizadol, apenas 35% das pacientes estavam livre de sintomas versus 20% do placebo. Adicionalmente, as pacientes recebendo metronizadol tiveram mais candidose vulvovaginal do que as usuárias de placebo. Estudo tem mostrado que a aplicação vaginal adjuvante de probióticos é efetiva em prevenir recorrências durante período de 6 meses, com resultados comparáveis ao uso de metronizadol. Candida Apenas em mulheres com sintomas persistentes ou recorrentes. Todas as mulheres devem ter ao menos 1 cultura positiva. Considerar outros diagnósticos como, por exemplo, dermatite vulvar Terapia para Candidíase recorrente Definição – quatro ou mais episódios sintomáticos por ano - frequência documentada, diagnóstico estabelecido e cultura confirmada – excluir fatores de risco (diabetes, imunodeficiência, uso de corticosteroide, e uso frequente de antibióticos). Recomendações atuais são regime prolongado inicial de 10 a 14 dias seguido de terapia de manutenção, provavelmente semanal por 6 meses. Recomendações gerais incluem uso de emoliente na pele seca da vulva e higiene com substituto do sabão. A supressão da ovulação com contraceptivos contendo apenas progestágenos podem ter efeitos benéficos. Tricomonas Seguimento é desnecessário se pacientes tornarem-se assintomáticos. Terapia para sintomas persistentes ou recorrentes - Checar aderência e excluir vômitos - Checar possibilidade de reinfecção de novos parceiros ou parceiros não tratados Pacientes que falham em responder ao primeiro curso de tratamento geralmente respondem a um curso repetido de terapia padrão. Se esta falha, considerar tratamento empírico com eritromicina ou amoxicilina para reduzir streptococcus B hemolíticos antes de retratar com metronidazol, já que alguns organismos na vagina podem interagir e reduzir a efetividade do metronidazol. Editoras Médicas Responsáveis: Dra. Cíntia Irene Parellada1 e Dra. Ana Carolina Chuery2 Gestão 2009-2011 Dra. Paula Maldonado Para sugestões e dúvidas, entre em contato com os editores: [email protected] 1. CRM 84951-SP. Editora da revista Brasileira de Genitoscopia e da home page www.colposcopia.org.br Doutora pela FMUSP. Médica titulada pela FEBRASGO e qualificada pela ABG. 2. CRM 96836-SP Revisora científica da Revista Brasileira de Genitoscopia. Pós-graduanda da UNIFESP. Mestre pela FMUSP. Médica titulada pela FEBRASGO e qualificada pela ABG. Declaração de Conflito de interesse, de acordo com a Norma 1595/2000 do Conselho Federal de Medicina e a Resolução RDC 96/2008 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. 1. Gerente médica da MSD.