www.arquivosonline.com.br Sociedade Brasileira de Cardiologia • ISSN-0066-782X • Volume 106, Nº 2, Fevereiro 2016 Figura 1 – Interações da IL-33 com o receptor transmembrana, ST2L, e receptor chamariz solúvel, sST2. O sistema ST2 atua não só como um mediador da função da IL-33 na sua isoforma ST2L transmembrana (efeito cardioprotetor), mas também como um inibidor de IL-33 através da sua isoforma sST2 solúvel (elimina o efeito cardioprotetor). Página 146 Editorial Resiliência em Pacientes Portadores de Cardiopatia Isquêmica Espaço-Tempo Diagnóstico de Rejeição por Análise de Potenciais Ventriculares Artigos Originais Tardios em Doentes Transplantados ao Coração Preditores de Recorrência de Fibrilação Atrial em Pacientes com Artigo de Revisão Eutireoidismo e Hipertireoidismo Teste com ST2 Solúvel: Um Biomarcador Promissor no Tratamento da Redução no Consumo de Oxigênio Pico Pós Maratona: Sinal de Fadiga Insuficiência Cardíaca Cardíaca em Corredores Amadores? Correlação Clínico-radiográfica Alternativas para Prescrição de Exercício Aeróbio a Pacientes com Insuficiência Cardíaca Associação entre Variáveis Funcionais e Insuficiência Cardíaca após o Infarto do Miocárdio em Ratos Caso 2/2016 - Sinal de Cimitarra em Drenagem de Veias Pulmonares Direitas no Átrio Direito Relato de Caso QT Longo e Torsades de Pointes Induzidos por Fármacos em Pacientes Idosos Polimedicados Fatores Maternos e Resultados Perinatais Adversos em Portadoras de Imagem Pré-eclâmpsia em Maceió, Alagoas Multimodalidade de Imagens de Defeito Septal Atrial Misto Galectina-3: Ligação entre Rigidez Miocárdica e Arterial em Pacientes Ponto de Vista com Insuficiência Cardíaca Descompensada? A Operação de Fontan Não é o Destino Final REVISTA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA - Publicada desde 1948 Sumário - Contents Editorial Espaço-Tempo Spacetime Aloyzio Achutti ....................................................................................................................................................................página 82 Artigos Originais - Original Articles Arritmia Clínica Preditores de Recorrência de Fibrilação Atrial em Pacientes com Eutireoidismo e Hipertireoidismo Predictors of Atrial Fibrillation Recurrence in Hyperthyroid and Euthyroid Patients Muhammet Gürdoğan, Hasan Arı, Erhan Tenekecioğlu, Selma Arı, Tahsin Bozat, Vedat Koca, Mehmet Melek ....................................................................................................................................................................página 84 Cardiologia do Esporte Redução no Consumo de Oxigênio Pico Pós Maratona: Sinal de Fadiga Cardíaca em Corredores Amadores? Reduction in Post-Marathon Peak Oxygen Consumption: Sign of Cardiac Fatigue in Amateur Runners? Ana Paula Rennó Sierra, Anderson Donelli da Silveira, Ricardo Contesini Francisco, Rodrigo Bellios de Mattos Barretto, Carlos Anibal Sierra, Romeu Sergio Meneghelo, Maria Augusta Peduti Dal Molin Kiss, Nabil Ghorayeb, Ricardo Stein ....................................................................................................................................................................página 92 Exercício Alternativas para Prescrição de Exercício Aeróbio a Pacientes com Insuficiência Cardíaca Alternatives to Aerobic Exercise Prescription in Patients with Chronic Heart Failure Mayron F Oliveira, Gabriela Zanussi, Bianca Sprovieri, Denise M. L. Lobo, Luiz E Mastrocolla, Iracema I. K. Umeda, Priscila A Sperandio ....................................................................................................................................................................página 97 Função Ventricular/Remodelamento Cardíaco Associação entre Variáveis Funcionais e Insuficiência Cardíaca após o Infarto do Miocárdio em Ratos Association between Functional Variables and Heart Failure after Myocardial Infarction in Rats Bertha F. Polegato, Marcos F. Minicucci, Paula S. Azevedo, Andréa F. Gonçalves, Aline F. Lima, Paula F. Martinez, Marina P. Okoshi, Katashi Okoshi, Sergio A. R. Paiva, Leonardo A. M. Zornoff ..................................................................................................................................................................página 105 Arquivos Brasileiros de Cardiologia - Volume 106, Nº 2, Fevereiro 2016 Hipertensão Arterial Fatores Maternos e Resultados Perinatais Adversos em Portadoras de Pré-eclâmpsia em Maceió, Alagoas Maternal Factors and Adverse Perinatal Outcomes in Women with Preeclampsia in Maceió, Alagoas Alane Cabral Menezes de Oliveira, Arianne Albuquerque Santos, Alexandra Rodrigues Bezerra, Amanda Maria Rocha de Barros, Myrian Cicyanne Machado Tavares ..................................................................................................................................................................página 113 Insuficiência Cardíaca Galectina-3: Ligação entre Rigidez Miocárdica e Arterial em Pacientes com Insuficiência Cardíaca Descompensada? Galectin-3: A Link between Myocardial and Arterial Stiffening in Patients with Acute Decompensated Heart Failure? Radu Ioan Lala, Dan Darabantiu, Luminita Pilat, Maria Puschita ..................................................................................................................................................................página 121 Isquemia / Infarto do Miocárdio Resiliência em Pacientes Portadores de Cardiopatia Isquêmica Resilience in Patients with Ischemic Heart Disease Conceição Maria Martins de Lemos, David William Moraes, Lucia Campos Pellanda ..................................................................................................................................................................página 130 Transplante Cardíaco – Clínico Diagnóstico de Rejeição por Análise de Potenciais Ventriculares Tardios em Doentes Transplantados ao Coração Diagnosis of Rejection by Analyzing Ventricular Late Potentials in Heart Transplant Patients Vítor Nogueira Mendes, Telmo Santos Pereira, Vítor Azevedo Matos ..................................................................................................................................................................página 136 Artigo de Revisão - Review Article Teste com ST2 Solúvel: Um Biomarcador Promissor no Tratamento da Insuficiência Cardíaca Soluble ST2 Testing: A Promising Biomarker in the Management of Heart Failure Humberto Villacorta e Alan S. Maisel ..................................................................................................................................................................página 145 Correlação Clínico-radiográfica - Clinicoradiological Session Caso 2/2016 - Sinal de Cimitarra em Drenagem de Veias Pulmonares Direitas no Átrio Direito Case 2/2016 - Scimitar Sign with Right Pulmonary Vein Drainage into the Right Atrium Edmar Atik, Raul Arrieta, Roberto Kalil Filho ..................................................................................................................................................................página 153 Arquivos Brasileiros de Cardiologia - Volume 106, Nº 2, Fevereiro 2016 Relato de Caso - Case Report QT Longo e Torsades de Pointes Induzidos por Fármacos em Pacientes Idosos Polimedicados Drug-Induced Long-QT and Torsades de Pointes in Elderly Polymedicated Patients Daniel García-Fuertes, Elena Villanueva-Fernández, Manuel Crespín-Crespín ..................................................................................................................................................................página 156 Imagem - Image Multimodalidade de Imagens de Defeito Septal Atrial Misto Multimodality Images of a Mixed Atrial Septal Defect Zafer Işılak, Uğur Küçük, Omer Uz, Murat Yalçın, Veysel Temizkan ..................................................................................................................................................................página 160 Ponto de Vista - Viewpoint A Operação de Fontan Não é o Destino Final The Fontan Operation is Not the End of the Road Luiz Fernando Caneo, Rodolfo A. Neirotti, Aida Luiza Ribeiro Turquetto, Marcelo Biscegli Jatene ..................................................................................................................................................................página 162 Arquivos Brasileiros de Cardiologia - Volume 106, Nº 2, Fevereiro 2016 www.arquivosonline.com.br REVISTA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA - Publicada desde 1948 Diretor Científico Raul Dias dos Santos Filho Cardiologia Cirúrgica Paulo Roberto B. Evora Arritmias/Marcapasso Mauricio Scanavacca Editor-Chefe Luiz Felipe P. Moreira Cardiologia Intervencionista Pedro A. Lemos Métodos Diagnósticos Não-Invasivos Carlos E. Rochitte Cardiologia Pediátrica/ Congênitas Antonio Augusto Lopes Pesquisa Básica ou Experimental Leonardo A. M. Zornoff Editores Associados Cardiologia Clínica José Augusto Barreto-Filho Epidemiologia/Estatística Lucia Campos Pellanda Hipertensão Arterial Paulo Cesar B. V. Jardim Ergometria, Exercício e Reabilitação Cardíaca Ricardo Stein Primeiro Editor (1948-1953) † Jairo Ramos Conselho Editorial Brasil Aguinaldo Figueiredo de Freitas Junior (GO) Alfredo José Mansur (SP) Aloir Queiroz de Araújo Sobrinho (ES) Amanda G. M. R. Sousa (SP) Ana Clara Tude Rodrigues (SP) André Labrunie (PR) Andrei Sposito (SP) Angelo A. V. de Paola (SP) Antonio Augusto Barbosa Lopes (SP) Antonio Carlos C. Carvalho (SP) Antônio Carlos Palandri Chagas (SP) Antonio Carlos Pereira Barretto (SP) Antonio Cláudio L. Nóbrega (RJ) Antonio de Padua Mansur (SP) Ari Timerman (SP) Armênio Costa Guimarães (BA) Ayrton Pires Brandão (RJ) Beatriz Matsubara (SP) Brivaldo Markman Filho (PE) Bruno Caramelli (SP) Carisi A. Polanczyk (RS) Carlos Eduardo Rochitte (SP) Carlos Eduardo Suaide Silva (SP) Carlos Vicente Serrano Júnior (SP) Celso Amodeo (SP) Charles Mady (SP) Claudio Gil Soares de Araujo (RJ) Cláudio Tinoco Mesquita (RJ) Cleonice Carvalho C. Mota (MG) Clerio Francisco de Azevedo Filho (RJ) Dalton Bertolim Précoma (PR) Dário C. Sobral Filho (PE) Décio Mion Junior (SP) Denilson Campos de Albuquerque (RJ) Djair Brindeiro Filho (PE) Domingo M. Braile (SP) Edmar Atik (SP) Emilio Hideyuki Moriguchi (RS) Enio Buffolo (SP) Eulógio E. Martinez Filho (SP) Evandro Tinoco Mesquita (RJ) Expedito E. Ribeiro da Silva (SP) Fábio Vilas-Boas (BA) Fernando Bacal (SP) Flávio D. Fuchs (RS) Francisco Antonio Helfenstein Fonseca (SP) Gilson Soares Feitosa (BA) Glaucia Maria M. de Oliveira (RJ) Hans Fernando R. Dohmann (RJ) Humberto Villacorta Junior (RJ) Ínes Lessa (BA) Iran Castro (RS) Jarbas Jakson Dinkhuysen (SP) João Pimenta (SP) Jorge Ilha Guimarães (RS) José Antonio Franchini Ramires (SP) José Augusto Soares Barreto Filho (SE) José Carlos Nicolau (SP) José Lázaro de Andrade (SP) José Péricles Esteves (BA) Leonardo A. M. Zornoff (SP) Leopoldo Soares Piegas (SP) Lucia Campos Pellanda (RS) Luís Eduardo Rohde (RS) Luís Cláudio Lemos Correia (BA) Luiz A. Machado César (SP) Luiz Alberto Piva e Mattos (SP) Marcia Melo Barbosa (MG) Marcus Vinícius Bolívar Malachias (MG) Maria da Consolação V. Moreira (MG) Mario S. S. de Azeredo Coutinho (SC) Maurício I. Scanavacca (SP) Max Grinberg (SP) Michel Batlouni (SP) Murilo Foppa (RS) Nadine O. Clausell (RS) Orlando Campos Filho (SP) Otávio Rizzi Coelho (SP) Otoni Moreira Gomes (MG) Paulo Andrade Lotufo (SP) Paulo Cesar B. V. Jardim (GO) Paulo J. F. Tucci (SP) Paulo R. A. Caramori (RS) Paulo Roberto B. Évora (SP) Paulo Roberto S. Brofman (PR) Pedro A. Lemos (SP) Protásio Lemos da Luz (SP) Reinaldo B. Bestetti (SP) Renato A. K. Kalil (RS) Ricardo Stein (RS) Salvador Rassi (GO) Sandra da Silva Mattos (PE) Sandra Fuchs (RS) Sergio Timerman (SP) Silvio Henrique Barberato (PR) Tales de Carvalho (SC) Vera D. Aiello (SP) Walter José Gomes (SP) Weimar K. S. B. de Souza (GO) William Azem Chalela (SP) Wilson Mathias Junior (SP) Exterior Adelino F. Leite-Moreira (Portugal) Alan Maisel (Estados Unidos) Aldo P. Maggioni (Itália) Cândida Fonseca (Portugal) Fausto Pinto (Portugal) Hugo Grancelli (Argentina) James de Lemos (Estados Unidos) João A. Lima (Estados Unidos) John G. F. Cleland (Inglaterra) Maria Pilar Tornos (Espanha) Pedro Brugada (Bélgica) Peter A. McCullough (Estados Unidos) Peter Libby (Estados Unidos) Piero Anversa (Itália) Sociedade Brasileira de Cardiologia Presidente Marcus Vinícius Bolívar Malachias Editor-Chefe dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia Luiz Felipe P. Moreira SBC/CE – Sandro Salgueiro Rodrigues Governador do Capítulo Brasil do ACC Roberto Kalil Filho SBC/DF – José Roberto de Mello Barreto Filho Coordenadorias Adjuntas SBC/GO – Aguinaldo Figueiredo Freitas Jr. Diretora Financeira Gláucia Maria Moraes Oliveira Coordenador de Relações Internacionais David de Pádua Brasil SBC/MA – Márcio Mesquita Barbosa Diretor Administrativo Denilson Campos de Albuquerque Coordenador da Universidade Corporativa Gilson Soares Feitosa Filho SBC/MS – Delcio Gonçalves da Silva Junior Diretor de Relações Governamentais Renault Mattos Ribeiro Júnior Coordenador de Diretrizes e Normatizações José Francisco Kerr Saraiva SBC/MT – Max Wagner de Lima Coordenador de Registros Cardiovasculares Otávio Rizzi Coelho SBC/PA – Sônia Conde Cristino Coordenador de Valorização Profissional Carlos Japhet da Matta Albuquerque SBC/PB – Miguel Pereira Ribeiro Vice-Presidente Eduardo Nagib Gaui Diretor Científico Raul Dias dos Santos Filho Diretor de Tecnologia da Informação Osni Moreira Filho Diretor de Comunicação Celso Amodeo Diretor de Pesquisa Leandro Ioshpe Zimerman Diretor de Qualidade Assistencial Walter José Gomes Diretor de Departamentos Especializados João David de Sousa Neto Diretor de Relacionamento com Estaduais e Regionais José Luis Aziz Diretor de Promoção de Saúde Cardiovascular – SBC/Funcor Weimar Kunz Sebba Barroso de Souza Ouvidor Geral Lázaro Fernandes de Miranda SBC/CO – Danilo Oliveira de Arruda SBC/ES – Bruno Moulin Machado SBC/MG – José Carlos da Costa Zanon SBC/NNE – Claudine Maria Alves Feio SBC/PE – Paulo Sérgio Rodrigues Oliveira Coordenador de Novos Projetos Fernando Augusto Alves da Costa SBC/PI – Wildson de Castro Gonçalves Filho Coordenadores de Educação Continuada Marcelo Westerlund Montera e Rui Manuel dos Santos Póvoa SBC/RJ (SOCERJ) – Ricardo Mourilhe Rocha Conselho de Planejamento Estratégico Andrea Araújo Brandão, Ari Timeman, Dalton Bertolin Precoma, Fábio Biscegli Jatene SBC/RO (SOCERON) – João Roberto Gemelli Editoria do Jornal SBC Carlos Eduardo Suaide Silva SBC/PR – Gerson Luiz Bredt Júnior SBC/RN – Maria de Fátima Azevedo SBC/RS (SOCERGS) – Gustavo Glotz de Lima SBC/SC – Maria Emilia Lueneberg SBC/SE – Sergio Costa Tavares Filho Presidentes das Soc. 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Marechal Câmara, 160 - 3º andar - Sala 330 20020-907 • Centro • Rio de Janeiro, RJ • Brasil Tel.: (21) 3478-2700 E-mail: [email protected] www.arquivosonline.com.br SciELO: www.scielo.br Departamento Comercial Telefone: (11) 3411-5500 e-mail: [email protected] Produção Editorial SBC – Tecnologia da Informação e Comunicação Núcleo Interno de Publicações Produção Gráfica e Diagramação SBC – Tecnologia da Informação e Comunicação Núcleo Interno de Design Impressão IMOS Editora e Gráfica Tiragem 1.500 Os anúncios veiculados nesta edição são de exclusiva responsabilidade dos anunciantes, assim como os conceitos emitidos em artigos assinados são de exclusiva responsabilidade de seus autores, não refletindo necessariamente a opinião da SBC. Material de distribuição exclusiva à classe médica. 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Filiada à Associação Médica Brasileira APOIO Voltar ao Índice da Capa Editorial Espaço-Tempo Spacetime Aloyzio Achutti Programa de Pesquisa e Extensão sobre Saúde Urbana, Ambiente e Desigualdade (UFRGS), Porto Alegre, RS – Brasil Espaço-tempo é uma das questões fundamentais da física e mexe com as próprias bases da ciência. São dois conceitos ligados à percepção da nossa simples realidade, através dos quais medimos e interpretamos o universo no qual vivemos. do centro para a periferia (melhores para piores índices), contam-se anos perdidos de expectativa de vida. Ou, como eu discuti num artigo de jornal da época,3 “diga-me o teu CEP e dir-te-ei teu risco cardiovascular”. A noção de espaço está ligada ao território de domínio, característica que interessa a todos os seres vivos para garantir a subsistência, reprodução, segurança e preservação da espécie. Entre nós humanos, evoluímos para a estruturação urbana, forma de convívio predominante há poucas décadas. As séries históricas permitem olhar indicadores em perspectiva. No estudo da mortalidade no Estado do Rio de Janeiro é possível constatar ao longo do tempo uma queda progressiva e consistente dos índices em quase todas as regiões analisadas, convergindo quase todos para níveis melhores e relativamente mais próximos, embora permaneça - o que seria de se esperar – um atraso entre aqueles que partiram de situações menos favoráveis. O tempo está embutido no próprio DNA, através do fenômeno apoptose, no comando do tempo de cena de cada ator, garantindo renovação permanente e eliminação dos erros de percurso - estratégia para assegurar a continuidade do espetáculo - priorizando a espécie em detrimento do indivíduo. Tem a ver com mortalidade, evolução, desenvolvimento e sustentabilidade. Esse tipo de estudo pode ter escala mundial, observando, analisando e comparando um país com outro. Pode-se fazer dentro de um mesmo país com diversas distribuições da matriz espacial, por regiões, estados ou municípios. Pode-se estudar também por gênero, grupos etários, etnias, ocupações, etc. Nossa tendência pela formação (ou deformação) profissional é de nos fixarmos na boa notícia relacionada com indicador de saúde, esquecendo que não passa de um epifenômeno, determinado pela qualidade de vida, e que nem sempre uma redução da mortalidade reflete melhor desempenho nos demais indicadores de desenvolvimento humano. Não somente a saúde - ou mais especificamente a saúde cardiovascular - está atrelada a determinantes sociais, mas também a violência está ligada à desigualdade, aos defeitos de autoestima, ao desinteresse e à falta de perspectiva, à exploração selvagem do trabalho, aos desequilíbrios financeiros e orçamentários, à corrupção, à qualidade da assistência e da informação, enfim, a todas as mazelas que afetam as pessoas, aqui e em qualquer parte do mundo. Para conservar as vantagens e por defesa, nós nos segregamos territorialmente (espaço), como se não estivéssemos ocupando o mesmo espaço ao mesmo tempo, e não pertencêssemos à mesma espécie. O estudo da evolução temporal da mortalidade no Estado do Rio de Janeiro 1 é um bom exemplo. Nós, em Porto Alegre, preocupados com a questão urbana, estudamos nossa cidade e sua distribuição por bairros,2 revelando, através da mortalidade precoce por doenças cardiovasculares, a vulnerabilidade ligada à desigualdade social e segregação urbana. Um de nossos autores, Sérgio Bassanesi, dizia que, a cada quilômetro que se desloca Temos nos preocupado com o aquecimento global, fazendo estimativas sobre quanto tempo ainda temos para evitar a catástrofe global, fugindo do ponto sem retorno. Deveríamos fazer o mesmo ao analisar a temperatura da desigualdade através dos estudos de mortalidade. Quanto tempo ainda nos resta para compreendermos e investirmos na abolição das causas que determinam desigualdade na distribuição espacial dos indicadores de saúde? Mortalidade descreve o tempo médio de vida de uma população dando-nos ilusão de algo homogêneo, mas evidentemente desigual quando analisada sua distribuição, inclusive espacial. A busca da explicação causal das diferenças leva-nos a elucubrar sobre condições e qualidade de vida da população e heterogeneidade no desenvolvimento humano. A comparação de séries históricas permite identificar estratos marginalizados, ou que não conseguem acompanhar as vantagens das quais outros se beneficiam. Palavras-chave Doenças Cardiovasculares/mortalidade; Prevenção de Doenças; Iniquidade Social; Dados Demográficos. Correspondência: Aloyzio Achutti • Avenida Bastian 212, CEP 90130-020 – Porto Alegre, RS – Brasil Email: [email protected] DOI: 10.5935/abc.20160022 82 Achutti Espaço-Tempo Editorial Referências 1. Soares GP, Klein CH, Souza e Silva NA, Oliveira GMM. Evolution of mortality due to circulatory system diseases in the municipalities of the state of Rio de Janeiro from 1979 to 2010. Arq Bras Cardiol. 2015;104(5):356-65. 2. Bassanesi SL, Azambuja MI, Achutti A. Premature mortality due to cardiovascular disease and social inequalities in Porto Alegre: from evidence to action. Arq Bras Cardiol. 2008;90(6):370-9. 83 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):82-83 3. Achutti A. O coração e o CEP. Zero Hora, Porto Alegre. 2007 set 13; 44(15356):15. Voltar ao Índice da Capa Artigo Original Preditores de Recorrência de Fibrilação Atrial em Pacientes com Eutireoidismo e Hipertireoidismo Predictors of Atrial Fibrillation Recurrence in Hyperthyroid and Euthyroid Patients Muhammet Gürdoğan1, Hasan Arı2, Erhan Tenekecioğlu2, Selma Arı2, Tahsin Bozat2, Vedat Koca2, Mehmet Melek2 Edirne State Hospital – Department of Cardiology, Edirne, Turkey1; Bursa Postgraduate Hospital – Department of Cardiology, Bursa, Turkey2 Resumo Fundamento: A fibrilação atrial (FA) é a arritmia mais comum em adultos e é encontrada em 10-15% dos pacientes com hipertireoidismo. A menos que haja retorno ao eutireoidismo, a cardioversão farmacológica ou elétrica é controversa em pacientes com FA que permanecem com hipertireoidismo. Objetivo: O objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia da cardioversão elétrica e os preditores de recorrência de FA em pacientes com hipertireoidismo e eutireoidismo. Métodos: O estudo incluiu pacientes com FA persistente, dos quais 33 (21 homens) apresentavam hipertireoidismo e 48 (17 homens) eutireoidismo. Os pacientes foram sedados com midazolam endovenoso antes de serem submetidos à cardioversão elétrica com choques sincronizados bifásicos. As taxas de recorrência da FA foram registradas. Resultados: O tempo médio de seguimento foi de 23,63 ± 3,74 meses no grupo com hipertireoidismo e 22,78 ± 3,15 meses no grupo com eutireoidismo (p = 0,51). A FA recorreu em 14 (43,8%) e 21 (44,7%) pacientes em cada grupo, respectivamente (p = 0,93). Uma análise de regressão multivariada em cada grupo mostrou que a duração da FA foi o único preditor de recorrência de FA com odds ratios de 1,38 (intervalo de confiança [IC] 95% = 1,05 – 1,82, p = 0,02) no grupo com hipertireoidismo e 1,42 (IC 95% = 1,05 – 1,91, p = 0,02) no grupo com eutireoidismo. Conclusão: As taxas de recorrência da FA a longo prazo foram semelhantes em pacientes com hipertireoidismo e eutireoidismo submetidos com sucesso à cardioversão. A duração da FA foi o único preditor de recorrência da FA em ambos os grupos. (Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):84-91) Palavras-chave: Fibrilação Atrial; Recidiva; Arritmias Cardíacas; Hipertireoidismo; Cardioversão Elétrica. Abstract Background: Atrial fibrillation (AF) is the most common arrhythmia in adults, and is encountered in 10-15% of the patients with hyperthyroidism. Unless euthyroidism is restored, pharmacological or electrical cardioversion is controversial in patients with AF who remain hyperthyroid. Objective: The aim of this study was to assess the efficacy of electrical cardioversion and predictors of AF recurrence in hyperthyroid and euthyroid patients. Methods: The study included 33 hyperthyroid (21 males) and 48 euthyroid (17 males) patients with persistent AF. The patients were sedated with intravenous midazolam before undergoing electrical cardioversion delivered by synchronized biphasic shocks. Rates of AF recurrence were recorded. Results: Mean follow-up was 23.63 ± 3.74 months in the hyperthyroid group and 22.78 ± 3.15 months in the euthyroid group (p = 0.51). AF recurred in 14 (43.8%) and 21 (44.7%) patients in each group, respectively (p = 0.93). Multivariate regression analysis in each group showed that AF duration was the only predictor of AF recurrence, with odds ratios of 1.38 (95% confidence interval [CI] = 1.05 – 1.82, p = 0.02) in the hyperthyroid group and 1.42 (95% CI = 1.05 – 1.91, p= 0.02) in the euthyroid group. Conclusion: Rates of long-term AF recurrence were similar in successfully cardioverted hyperthyroid and euthyroid patients. The only predictor of AF recurrence in both groups was AF duration. (Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):84-91) Keywords: Atrial Fibrillation; Recurrence; Arrhythmias, Cardiac; Hyperthyreoidism; Electric Countershock. Full texts in English - http://www.arquivosonline.com.br Correspondência: Hasan Arı • Bursa, Yıldırım, 16320 – Turquia E-mail: [email protected], [email protected] Artigo recebido em 12/12/14, revisado em 05/04/15, aceito em 06/05/15. DOI: 10.5935/abc.20160013 84 Gürdoğ et al. Hipertireoidismo e recorrência de fibrilação atrial Artigo Original Introdução A fibrilação atrial (FA) é uma arritmia supraventricular caracterizada por ativação atrial não-coordenada seguida posteriormente por disfunção mecânica.1 A FA é a segunda causa mais comum de arritmia na cardiologia após a taquicardia sinusal2 e ocorre em 10 – 15% dos pacientes com hipertireoidismo. O tromboembolismo arterial, complicação mais grave da FA, resulta frequentemente em acidente vascular cerebral.3 Estudos recentes demonstram que o risco de acidente vascular cerebral isquêmico aumenta significativamente em pacientes com FA.4 A alta incidência de eventos tromboembólicos em pacientes idosos com hipertireoidismo, insuficiência cardíaca e FA está associada com um aumento das taxas de mortalidade e morbidade.5-7 Uma vez que o risco de eventos tromboembólicos está associado com a duração da FA, a restauração mais precoce possível do ritmo sinusal (RS) é importante para diminuir o risco de complicações fatais em pacientes com hipertireoidismo e FA. Embora o hipertireoidismo seja considerado uma causa reversível de FA, apenas dois terços dos pacientes retornam espontaneamente ao RS após seus níveis de hormônios tireoidianos retornarem ao normal.8 Para os pacientes que persistem com FA após recuperarem o eutireoidismo, a cardioversão é uma opção.6,9 No entanto, como o risco de tromboembolismo é substancial em pacientes com FA, o adiamento da cardioversão até o retorno ao eutireoidismo é controverso. O objetivo deste estudo foi identificar preditores de recorrência de FA e comparar as taxas de recorrência de FA em pacientes com hipertireoidismo e eutireoidismo submetidos com sucesso à cardioversão elétrica. Métodos População do estudo Entre janeiro de 2006 e julho de 2010, um total de 137 pacientes consecutivos se ofereceram voluntariamente para participar deste estudo e foram submetidos à cardioversão eletiva por apresentarem FA persistente, de acordo com indicação clínica. Pacientes com níveis de TSH abaixo dos valores de referência foram considerados como tendo hipertireoidismo. Os níveis hormonais considerados normais foram de 0,34 – 5,60 μIU/mL para o TSH, 2,50 – 4,20 pg/mL para o T3 livre (T3L) e 0,58 – 1,64 pg/dL para o T4 livre (T4L). Os critérios de exclusão para a participação no estudo foram a ocorrência de doença cardíaca valvar grave, história de cirurgia valvar prévia, disfunção ventricular esquerda grave (fração de ejeção [FE] < 50%), aumento importante (> 5 cm) do átrio esquerdo (AE), história prévia de cardioversão elétrica ou farmacológica para FA, história de ablação da FA e presença de FA paroxística. Após a exclusão de 29 pacientes com doença cardíaca valvar grave, 21 com disfunção ventricular esquerda, e seis com FA paroxística, a amostra final foi composta por 81 pacientes com FA persistente. O comitê de ética do nosso hospital aprovou o protocolo do estudo e nós obtivemos consentimento informado de 85 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):84-91 todos os pacientes incluídos. Nós realizamos exame físico dos participantes, registramos o uso de medicamentos para doenças sistêmicas concomitantes e coletamos amostras de sangue venoso periférico para o hemograma e análise bioquímica. Os pacientes foram considerados hipertensos quando apresentavam pressão arterial sistólica (PAS) acima de 140 mmHg e/ou pressão arterial diastólica (PAD) acima de 90 mmHg em duas medidas consecutivas com intervalo de 6 horas, ou quando estavam em uso de anti-hipertensivos. Eles foram caracterizados como diabéticos quando apresentavam glicemias de jejum acima de 126 mg/dL em duas medidas consecutivas, ou usavam antidiabéticos orais ou insulina. Ecocardiografia transtorácica Todos os pacientes foram submetidos à ecocardiografia transtorácica (ETT) antes e 24 horas depois da cardioversão, seguindo as diretrizes da American Society of Echocardiography.10 Nós realizamos esta avaliação com o sistema Vivid7 Pro TTE e transdutor de 3,5 MHz com o paciente posicionado em decúbito lateral. Nós calculamos a FE do ventrículo esquerdo com a fórmula de Teichholz a partir de imagens obtidas em modo M de corte paraesternal longitudinal, e medimos o volume do AE com o método área-comprimento biplano modificado.11,12 Para calcular a FEAE, utilizamos a seguinte fórmula (em %): (volume máximo atrial esquerdo [VMaxAE] - volume mínimo atrial esquerdo [VMinAE] /VMaxAE×100). No corte apical de quatro câmaras, nós medimos a velocidade de pico da onda E e o tempo de desaceleração da onda E com Doppler pulsado posicionando o volume da amostra (3 mm) entre as extremidades dos folhetos da valva mitral, e obtivemos imagens do anel mitral lateral com doppler tecidual (DT). Os ganhos foram minimizados, e o filtro do DT e o limite Nyquist foram ajustados para 16 – 20 cm/s para otimizar o sinal do tecido. As velocidades diastólicas precoces do anel mitral (Em) foram medidas.13 Todos os dados foram calculados a partir da média de 3 – 5 batimentos consecutivos para acomodar a variação dos intervalos R–R da FA. Ecocardiografia transesofágica Todos os pacientes foram avaliados com ecocardiografia transesofágica (ETE) com um transdutor de 6 MHz para excluir a presença de trombos atriais antes da cardioversão. O procedimento foi realizado com eletrocardiograma (ECG) de uma derivação gravado continuamente e com monitoramento da frequência cardíaca e pressão arterial. Nós obtivemos as velocidades de fluxo sanguíneo (enchimento e esvaziamento) no apêndice atrial esquerdo (AAE) com Doppler pulsado em corte longitudinal durante o ETE através do posicionamento do volume da amostra no terço proximal (cerca de 1 cm para dentro) da cavidade do AAE. O AE e o AAE foram cuidadosamente rastreados em diversos cortes em busca de evidência de trombos. Cardioversão e acompanhamento Foi realizada anticoagulação antes da cardioversão com infusão endovenosa contínua de heparina (17 U/kg) em pacientes em tratamento ineficaz ou sem tratamento com varfarina. A dose de heparina foi ajustada para manter o Gürdoğ et al. Hipertireoidismo e recorrência de fibrilação atrial Artigo Original tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) entre 1,5 a 2 vezes o valor normal. Os pacientes com eutireoidismo sem trombo intracardíaco nos exames de ETT e ETE receberam amiodarona intravenosa (dose inicial de 5 mg/kg e dose de manutenção de 10 – 15 mg/kg/h por 24 horas). Em pacientes com hipertireoidismo, foi iniciado tratamento com betabloqueador através da infusão de esmolol (dose inicial de 500 mg/kg durante 1 min e dose de manutenção de 0,05 mg/kg/min com incrementos de 0,05 mg/kg/min a cada 5 min de acordo com a frequência ventricular para atingir uma dose máxima de 0,2 mg/kg/min) seguida por metoprolol (50 – 100 mg via oral) e propiltiouracil (dose inicial de 150 – 300 mg/dia e dose de manutenção determinada de acordo com a resposta clínica). Os pacientes foram sedados antes da cardioversão com midazolam por via intravenosa (dose inicial de 3 mg seguida de injeções de 1 mg até a sedação). A cardioversão elétrica transtorácica por corrente direta (CD) foi realizada em uma unidade de terapia intensiva com choques de CD bifásicos e sincronizados com a utilização de um cardioversor-desfibrilador (Cardiolife TEC 5531, Nihon Kohden Corporation, Japão). A quantidade inicial de energia a ser aplicada na cardioversão foi fixada em 150 J e os níveis subsequentes foram de 200 J e 270 J. Choques de CD externos e bifásicos foram aplicados a critério do médico até atingir o nível mais alto de energia (270 J) ou até restauração do RS. A cardioversão foi considerada bem-sucedida quando o RS durou mais de um minuto após o procedimento. Os pacientes que recuperaram o RS após a cardioversão receberam anticoagulação efetiva (razão normalizada internacional [RNI] maior que 2,0) por 1 mês com varfarina (dose inicial de 5 mg/dia ajustada posteriormente para manter o RNI entre 2 – 3). Após a alta hospitalar, a amiodarona foi interrompida, metoprolol por via oral 100 – 200 mg/dia foi mantido e propafenona 150 – 300 mg/dia (ambos ajustados de acordo com a frequência cardíaca) foi iniciada nos dois grupos. A frequência e o ritmo cardíaco foram monitorados com ECG de 12 derivações. Os pacientes foram avaliados 1, 2 e 4 semanas após o procedimento com exame físico, ECG e determinação da RNI. A varfarina foi interrompida 1 mês após o procedimento nos pacientes que recuperaram o RS e foi prescrita novamente de acordo com o risco de tromboembolismo nos pacientes que apresentaram recorrência da FA. As visitas de acompanhamento foram realizadas mensalmente para monitoramento do ritmo cardíaco e os pacientes foram orientados a procurar o hospital imediatamente se apresentassem sintomas de palpitações ou ritmo irregular. Análise estatística Os dados foram coletados e analisados com SPSS 10.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). As variáveis contínuas foram expressas como média ± desvio -padrão e comparadas com os testes t de Student e Mann-Whitney U. As variáveis categóricas foram expressas em porcentagens e comparadas com o teste do qui-quadrado ou teste exato de Fisher, quando apropriado. Análises de regressão logística univariada e multivariada foram utilizadas para determinar os preditores significativos de recorrência da FA após a cardioversão. A sensibilidade e a especificidade da duração da FA em predizer a recorrência da FA foi analisada através da análise de curvas ROC (receiver operating characteristic). Valores de p menores que 0,05 foram considerados estatisticamente significativos. Resultados A cardioversão foi bem-sucedida em 79 pacientes e malsucedida em dois pacientes, um do grupo com eutireoidismo e outro do grupo com hipertireoidismo. A taxa de sucesso da cardioversão nos grupos com eutireoidismo e hipertireoidismo foram de 97,6% (42 de 43 pacientes) e 96,9% (32 de 33 pacientes), respectivamente. Entre os pacientes com cardioversão bem-sucedida, houve uma prevalência do sexo masculino no grupo com hipertireoidismo e do sexo feminino no grupo com eutireoidismo (p = 0,006) (Tabela 1). O diabetes foi significativamente mais frequente no grupo com eutireoidismo (p = 0,01) (Tabela 1). Como esperado, ambos os grupos apresentaram diferenças significativas nos níveis de TSH (p < 0,001), T3L (p = 0,001) e T4L (p < 0,001) (Tabela 2). Pacientes com hipertireoidismo iniciaram tratamento com antitireoidianos logo após o diagnóstico do hipertireoidismo e o mantiveram durante a cardioversão. Ambos os grupos com hipertireoidismo e eutireoidismo apresentaram semelhantes durações de seguimento (23,63 ± 3,74 meses e 22,78 ± 3,15 meses, respectivamente, p = 0,51), taxas de recorrência da FA (43,8% [14 pacientes] e 44,7% [21 pacientes], respectivamente, p = 0,93) (Figura 1) e tempo de recorrência da FA (6,81 ± 4,53 meses e 7,90 ± 4,22 meses, respectivamente, p = 0,52). Uma análise de regressão univariada incluindo pacientes do grupo com eutireoidismo revelou que a idade, duração da FA, quantidade de energia aplicada na cardioversão, história de hipertensão, FEAE, pico da velocidade de esvaziamento do AAE (PVEsAAE), velocidade média de esvaziamento do AAE (VMEsAAE), pico da velocidade de enchimento do AAE (PVEnAAE) e uso de inibidores da enzima de conversão da angiotensina (ECA) foram preditores significativos de recorrência da FA (p = 0,03, p < 0,01, p = 0,01, p = 0,03, p = 0,04, p = 0,02, p = 0,03, p = 0,048 e p = 0,04, respectivamente). Na análise de regressão multivariada, a duração da FA foi o único preditor significativo de recorrência da FA no grupo com eutireoidismo (odds ratio [OR] = 1,42, intervalo de confiança de 95% [IC] = 1,05 – 1,91, p = 0,02). No grupo com hipertireoidismo, a duração da FA (p < 0,01), a velocidade máxima da onda A do fluxo mitral na 24a. hora (p = 0,01) e a integral tempo-velocidade (p = 0,02) emergiram como preditores significativos de recorrência da FA na análise de regressão univariada, enquanto que neste grupo a duração da FA foi também o único preditor de recorrência de FA na análise multivariada (OR = 1,38, 95% CI = 1,05 – 1,82, p = 0,02]. Análises de curva ROC mostraram que as taxas de sensibilidade e especificidade de uma FA com duração de 9,5 meses em predizer a recorrência da FA foram 60% e 78%, respectivamente, no grupo com eutireoidismo e 55% e 76%, respectivamente, no grupo com hipertireoidismo (Figura 2). Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):84-91 86 Gürdoğ et al. Hipertireoidismo e recorrência de fibrilação atrial Artigo Original Tabela 1 – Características basais dos pacientes Hipertireoidismo (n = 32) Eutireoidismo (n = 47) Valor de p Idade (anos) 65,53 ± 6,53 61,17 ± 10,34 0,09 Gênero (M/F) 21 (65,6%) / 11 (34,4%) / 16 (34,0%) / 31 (66,0%) / 0,006 Pulsação (batimentos/min) 113,56 ± 18,90 109,63 ± 20,14 0,38 PAS (mmHg) 140,59 ± 16,57 138,93 ± 16,67 0,66 PAD (mmHg) 86,71 ± 9,29 84,78 ± 9,49 0,37 0 (0%) 8 (17%) 0,01 25 (78,1%) 37 (78,7%) 0,94 1 (3,1%) 1 (2,1%) 0,78 Diabetes mellitus Hipertensão Eventos cerebrovasculares Doença arterial coronariana 0 (0%) 2 (4,3%) 0,23 Tabagismo 5 (15,6%) 4 (8,5%) 0,32 Escore CHA2DS2-VASc 1,8 ± 1,1 2,1±1,0 0,31 Dislipidemia 2 (6,7%) 4 (8,5%) 0,71 Ácido acetilsalicílico 30 (93,8%) 42 (89,4%) 0,50 Betabloqueador 27 (84,4%) 33 (70,2%) 0,64 1 (3,1%) 1 (21%) 0,78 24 (75,0%) 33 (70,2%) 0,64 1 (3,1%) 3 (6,4%) 0,51 0 (0%) 2 (2,5%) 0,23 BCC Inibidores da ECA BRA Estatina Diuréticos 0 (0%) 1 (2,1%) 0,40 Varfarina 12 (37,5%) 17 (36,2%) 0,90 5,92 ± 4,10 6,22 ± 4,52 0,75 214,68 ± 44,72 221,91 ± 43,11 0,47 Duração da FA (meses) Energia CV (J) FA: fibrilação atrial; M: masculino; F: feminino; BRA: bloqueadores do receptor da angiotensina; Inibidores da ECA: enzima de conversão da angiotensina; BCC: bloqueadores do canal de cálcio; CHA2DS2-VASc: sistema de pontuação baseado na presença de insuficiência cardíaca, hipertensão, idade ≥ 75 (peso duplo), diabetes, acidente vascular cerebral (peso duplo), doença vascular, idade 65 – 74 anos e categoria do gênero (feminino); CV: cardioversão; PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica. Discussão Este estudo avaliou as taxas e os preditores de recorrência da FA após cardioversão em indivíduos com eutireoidismo e hipertireoidismo. O achado principal foi que a longo prazo as taxas de recorrência da FA foram semelhantes em pacientes com hipertireoidismo e eutireoidismo após cardioversão e que a duração da FA foi o único parâmetro preditivo de recorrência da FA em ambos os grupos. A FA é o distúrbio de ritmo mais comum na prática clínica e é considerada um fator de risco independente para eventos cardiovasculares, 14,15 com aumento da frequência com o envelhecimento. Idade, sexo masculino, cardiopatia isquêmica, insuficiência cardíaca congestiva e distúrbios valvares do coração estão entre os fatores de risco mais importantes para o desenvolvimento da FA.15 Devido aos batimentos cardíacos rápidos e irregulares, trombos podem se formar no coração de pacientes com FA. A entrada desses trombos na corrente sanguínea pode causar complicações que aumentam a morbidade e mortalidade associadas com a doença, tais como embolia periférica e derrame, em particular.15 A FA crônica carrega 87 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):84-91 um risco anual de complicações tromboembólicas de 3 – 4%; este risco é 5 – 7 vezes maior do que o encontrado em pacientes com RS.16 Um nível sérico baixo de TSH é um fator de risco independente para FA.17,18 Um estudo realizado em mais de 23.000 pacientes encontrou FA em 2,3% dos pacientes com eutireoidismo, 12,7% daqueles com hipertireoidismo subclínico e 13,8% com hipertireoidismo clínico.19 Siu et al.8 mostraram que no período de um de 1 ano, 9,4% dos pacientes com hipertireoidismo e FA apresentaram acidente vascular cerebral isquêmico em comparação a 3,1% nos pacientes sem hipertireoidismo. A incidência de acidente vascular cerebral isquêmico em pacientes com hipertireoidismo e FA tem sido descrita como sendo significativamente maior do que a encontrada em pacientes com eutireoidismo.4,20 Uma abordagem comum de tratamento da FA induzida por hipertireoidismo é a normalização inicial dos níveis de hormônios tireoidianos.8 Apesar do hipertireoidismo ser considerado uma causa reversível de FA, apenas 60 – 70% dos pacientes com hipertireoidismo retornam para um RS quando os hormônios tireoidianos normalizam, com os restantes 30 – 40% dos Gürdoğ et al. Hipertireoidismo e recorrência de fibrilação atrial Artigo Original Tabela 2 – Achados ecocardiográficos e bioquímicos dos pacientes com hipertireoidismo e eutireoidismo Hipertireoidismo (n = 32) Eutireoidismo (n = 47) Valor de p Hemoglobina (g/dL) 12,13 ± 1,09 12,49 ± 1,34 0,20 Leucócitos (x103) 8,03 ± 1,43 8,37 ± 1,07 0,22 Plaquetas (x10 ) 282,18 ± 67,76 275,65 ± 52,76 0,63 Glicose (mg/dL) 98,93 ± 7,01 105,38 ± 20,84 0,09 Ureia (mg/dL) 30,00 ± 8,13 36,80 ± 8,15 0,52 Creatinina (mg/dL) 0,99 ± 0,16 1,00 ± 0,14 0,74 Na (mmol/L) 140,90 ± 2,53 139,82 ± 2,67 0,07 K (mmol/L) 4,55 ± 0,36 4,50 ± 0,35 0,50 0,018 ± 0,003 2,77 ± 1,36 < 0,001 6,67 ± 6,24 2,57 ± 0,60 0,001 3 TSH (mIU/mL) T3L (pg/mL) T4L (pg/mL) 2,39 ± 1,23 1,26 ± 0,14 < 0,001 FEVE (%) 60,68 ± 6,72 62,42 ± 6,20 0,24 Diâmetro AE (cm) 4,40 ± 0,36 4,39 ± 0,34 0,89 Diâmetro do AE 24ª horas (cm) 4,32 ± 0,37 4,36 ± 0,34 0,60 Volume máximo do AE (mL) 88,11 ± 21,89 79,15 ± 24,07 0,09 Volume máximo do AE 24ª horas (mL) 99,76 ± 23,23 92,73 ± 24,33 0,21 FEAE (%) 45,26 ± 5,53 43,78 ± 8,23 0,46 FEAE 24ª horas (%) 55,14 ± 4,33 53,96 ± 5,56 0,42 PVEsAAE (cm/seg) 0,47 ± 0,07 0,47 ± 0,12 0,92 VMesAAE (cm/sec) 0,39 ± 0,06 0,39 ± 0,10 0,88 PVEnAAE (cm/sec) 0,51 ± 0,07 0,50 ± 0,13 0,66 VMEnAAE (cm/sec) 0,41 ± 0,07 0,40 ± 0,10 0,54 E mitral (cm/seg) 0,79 ± 0,14 0,77 ± 0,15 0,54 E mitral 24ª horas (cm/sec) 0,73 ± 0,18 0,69 ± 0,17 0,52 A mitral 24ª horas (cm/sec) 0,47 ± 0,16 0,40 ± 0,16 0,08 A mitral ITV 24ª horas (cm) 9,10 ± 2,73 8,40 ± 2,27 0,48 E VE lateral (cm/sec) 0,10 ± 0,02 0,10 ± 0,02 0,83 E1 VE lateral 24ª horas (cm/sec) 0,09 ± 0,03 0,09 ± 0,03 0,77 E/E mitral 8,17 ± 2,74 8,24 ± 3,47 0,93 E/E1 mitral 24ª horas 7,80 ± 2,42 7,90 ± 2,52 0,89 1 1 TSH: hormônio estimulante da tireoide; T3L: tri-iodotironina livre; T4L: tiroxina livre; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo; AE: átrio esquerdo; FEAE: fração de ejeção do átrio esquerdo; PVEsAAE: pico da velocidade de esvaziamento do apêndice atrial esquerdo; VMEsAAE: velocidade média de esvaziamento do apêndice atrial esquerdo; PVEnAAE pico da velocidade de enchimento do apêndice atrial esquerdo; VMEnAAE velocidade média de enchimento do apêndice atrial esquerdo; E: onda de enchimento diastólico inicial; A: onda de enchimento diastólico tardio; ITV: integral tempo-velocidade, E1: onda diastólica inicial ao Doppler tecidual. pacientes mantendo FA permanente.8 O retorno ao RS ocorre dentro das primeiras 8–10 semanas depois que os hormônios tireoidianos retornam aos níveis normais.21 Este período é muito longo quando se considera o impacto de uma complicação tromboembólica.9 A restauração do RS diminui o risco de eventos tromboembólicos e melhora a função da bomba cardíaca.8 Mais de um terço dos pacientes apresentam recorrência da FA nas primeiras duas semanas após a cardioversão. O risco de recorrência diminui mais tarde e se torna estável durante o período de seguimento.22 Um estudo relatou que enquanto a taxa de sucesso da cardioversão é de cerca de 90% em casos com duração de FA abaixo de 1 ano, o risco de recorrência é de 40% nos primeiros 6 meses e 50 – 60% ao final do primeiro ano, mesmo com o uso de medicamentos antiarrítmicos.23 A duração média da FA em nossos pacientes foi de 6 meses e 97,5% (79 de 81) retornaram ao RS. Esta elevada taxa de sucesso pode ser explicada pelo encontro em nossos pacientes de FA de curta duração, AE com dimensões reduzidas, pré-medicação com drogas antiarrítmicas, idade jovem e função ventricular esquerda Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):84-91 88 Gürdoğ et al. Hipertireoidismo e recorrência de fibrilação atrial Artigo Original Figura 1 – Taxa de recorrência da fibrilação atrial em pacientes com eutireoidismo e hipertireoidismo.RS: ritmo sinusal; FA: fibrilação atrial. Figura 2 – Curvas ROC mostrando as taxas de sensibilidade e especificidade da duração da FA em predizer a recorrência da FA em pacientes com hipertireoidismo e eutireoidismo. adequada. Em pacientes com hipertireoidismo, o estado hipertireóidico preservou a função contrátil do AE e do AAE, que aumentaram a taxa de sucesso da cardioversão. Um estudo realizado por Emery e Staffurth24 demonstrou que após uma cardioversão bem-sucedida, 45% dos pacientes mantêm o RS durante 2 anos. Esta proporção diminuiu para 36% quando o acompanhamento foi maior (média de 7,4 anos).24 Siu et al.8 demonstraram que as taxas de recorrência da FA 24 meses após uma cardioversão bem-sucedida foram de 59% em pacientes com FA e hipertireoidismo comparadas com 83% naqueles com FA e sem disfunção tireoidiana. O risco de recorrência da FA em nosso estudo foi semelhante em pacientes com hipertireoidismo (14 pacientes, taxa de recorrência 43,8%) e eutireoidismo (21 pacientes, taxa de recorrência 44,7%, p = 0,93). As diferenças em taxas de recorrência entre nosso e outros estudos podem ser atribuídas a durações diferentes da FA e a características ecocardiográficas dos 89 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):84-91 pacientes.21-24 Um estudo semelhante mostrou um risco de recorrência de 30% no primeiro ano após a cardioversão, que aumentou para 60 e 79% quando a cardioversão foi adiada por 12 e 36 meses, respectivamente 8 . O risco de recorrência da FA foi menor em pacientes com hipertireoidismo quando comparado ao de pacientes com eutireoidismo,8 embora outro estudo como o nosso tenha encontrado um ritmo semelhante em ambos os grupos.25 Considerando-se as complicações da FA e o longo período de 8 a 10 semanas necessário para os níveis de hormônios tireoidianos normalizarem, a cardioversão pode ser realizada em pacientes com hipertireoidismo mesmo antes de retornarem ao eutireoidismo. Os principais preditores de recorrência da FA após uma cardioversão bem-sucedida são disfunção ventricular esquerda grave, aumento de volume do AE e FA anterior com longa duração.22 A longa duração da FA leva ao aumento de volume atrial e desenvolvimento de circuitos reentrantes Gürdoğ et al. Hipertireoidismo e recorrência de fibrilação atrial Artigo Original atriais adicionais. Além disso, o tempo de condução atrial encurta devido às alterações fibrosas e inflamatórias no tecido miocárdio atrial. Estes fatores levam à FA permanente e a maiores taxas de recorrência.26,27 Em nosso estudo, os preditores de recorrência da FA foram avaliados em indivíduos tanto com hipertireoidismo quanto com eutireoidismo e o único preditor significativo de recorrência da FA foi uma FA com longa duração. que nós não avaliamos marcadores bioquímicos ou parâmetros eletrocardiográficos e eletromecânicos, que poderiam ter sido afetados por muitos fatores. As conclusões preliminares deste estudo devem ser confirmadas em estudos clínicos controlados com um tamanho de amostra maior de pacientes com FA induzida por hipertireoidismo. Aumento nos níveis de proteína C reativa (PCR), peptídeo natriurético atrial (ANP) e peptídeo natriurético cerebral (BNP), e diminuição nos níveis de aldosterona foram demonstrados ser preditores de recorrência da FA. Estes marcadores bioquímicos refletem inflamação e ativação dos sistemas neuro-hormonal e renina-angiotensina-aldosterona. Há interesse crescente em explorar a participação da inflamação e do estresse oxidativo na fisiopatologia da FA. Uma metanálise sugeriu que o aumento dos níveis basais de PCR está associado com um risco maior de recorrência da FA após cardioversão elétrica bem-sucedida, embora tenha havido heterogeneidade significativa entre os estudos.28 Devido à ativação neuro-hormonal, os níveis de ANP e BNP aumentam em pacientes com FA e diminuem após cardioversão bem-sucedida. No entanto, as evidências analisando o valor preditivo dos peptídeos natriuréticos são conflitantes.29 Recentemente, outros fatores fisiopatológicos associados com o sistema renina-angiotensina-aldosterona foram avaliados através da determinação dos níveis de aldosterona. O nível sérico de aldosterona é um marcador de remodelação estrutural atrial, e níveis mais baixos deste hormônio têm sido associados com uma taxa menor de recorrência de FA.30 Nosso estudo não avaliou marcadores bioquímicos, embora o hipertireoidismo possa influenciar os níveis de ANP e BNP, o que pode ter interferido com os resultados. O hipertireoidismo é uma causa de FA, e apenas 65 – 70% dos pacientes retornam espontaneamente para um RS depois dos níveis hormonais normalizarem. Todos os pacientes com FA, independente de terem hipertireoidismo ou eutireoidismo, têm um risco substancial de tromboembolismo. Para prevenir esta complicação, pacientes com hipertireoidismo podem ser submetidos à cardioversão antes mesmo de recuperarem o eutireoidismo. Em pacientes com eutireoidismo, um atraso eletromecânico no AE e a duração da onda P têm sido demonstrados como preditores de recorrência de FA.31,32 Além disso, os estudos analisando a duração da onda P apresentaram heterogeneidade significativa.32,33 Limitações do estudo A principal limitação do nosso estudo é o pequeno tamanho da amostra. Apesar disso, nosso estudo apresenta uma alternativa de tratamento que pode prevenir complicações fatais em pacientes com hipertireoidismo e FA. Outra limitação é Implicação clínica Conclusão As taxas de recorrência da FA são semelhantes em pacientes com hipertireoidismo e eutireoidismo e a duração da FA é o único preditor de recorrência de FA em ambos. Contribuição dos autores Concepção e desenho da pesquisa: Gürdoğ M, Arı H, Bozat T, Koca V; Obtenção de dados: Gürdoğ M, Arı H, Arı S, Bozat T, Melek M; Análise e interpretação dos dados: Tenekecioğ E, Arı S, Bozat T, Koca V, Melek M; Análise estatística: Arı H, Bozat T, Melek M; Obtenção de financiamento: Arı S, Koca V; Redação do manuscrito: Gürdoğ M, Arı H, Tenekecioğ E, Bozat T; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Gürdoğ M, Arı H, Tenekecioğ E, Koca V, Melek M. Potencial conflito de interesse Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. Fontes de financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação acadêmica Não há vinculação deste estudo a programas de pós‑graduação. Referências 1. Camm AJ, Kirchhof P, Lip GY, Schotten U, Savelieva I, Ernst S, et al; European Heart Rhythm Association; European Association for Cardio-Thoracic Surgery; ESC Committee for Practice Guidelines. 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Ana Paula Rennó Sierra1,2,3, Anderson Donelli da Silveira4,5,6, Ricardo Contesini Francisco2, Rodrigo Bellios de Mattos Barretto10, Carlos Anibal Sierra7, Romeu Sergio Meneghelo8, Maria Augusta Peduti Dal Molin Kiss1, Nabil Ghorayeb2, Ricardo Stein4,6,9 Escola de Educação Física e Esporte – Universidade de São Paulo1; Seção de Cardioesporte – Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia2; Departamento de Medicina – Universidade Nove de Julho3, São Paulo, SP; Grupo de Pesquisa em Cardiologia do Exercício do Hospital de Clínicas de Porto Alegre4; Serviço de Cardiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre – Universidade Federal do Rio Grande do Sul5; Vitta Centro de Bem Estar Físico6, Porto Alegre, RS; Setor de Eletrofisiologia – Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia7; Setor de Ergometria e Reabilitação – Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia8, São Paulo, SP; Professor Adjunto II – Serviço de Cardiologia – Universidade Federal do Rio Grande do Sul9, Porto Alegre, RS; Setor de Ecocardiografia – Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia10, São Paulo, SP – Brasil Resumo Fundamento: O exercício aeróbico prolongado, como correr uma maratona, produz um estresse suprafisiológico que pode ter impacto na homeostase do atleta. Algum grau de disfunção miocárdica transitória (“fadiga cardíaca”) pode ser observado ao longo de vários dias após a prova. Objetivos: Verificar se ocorrem alterações na capacidade cardiopulmonar, no inotropismo e no lusitropismo cardíaco de maratonistas amadores após a realização de uma maratona. Métodos: A amostra foi composta por 6 corredores amadores masculinos. Todos realizaram teste cardiopulmonar de exercício (TCPE) uma semana antes da Maratona de São Paulo e 3 a 4 dias após a mesma. Realizaram ecocardiograma 24 horas antes e imediatamente após a prova. Todos foram orientados a não se exercitar, manter dieta regular, ingerir a mesma quantidade habitual de líquidos e descansar pelo menos 8 horas ao dia no período anterior ao TCPE. Resultados: Os atletas completaram a maratona em 221,5 (207; 250) minutos. No TCPE pós-maratona, ocorreu redução significativa no consumo de oxigênio e no pulso de oxigênio de pico em relação àqueles obtidos antes da prova (50,75 e 46,35 ml.kg-1.min-1; 19,4 e 18,1 ml.btm, respectivamente). Ao ecocardiograma, encontramos redução significativa na onda s’ (marcador do inotropismo). A relação E/e’ não apresentou alteração significativa após a maratona (marcador do lusitropismo). Conclusões: Em atletas amadores, a maratona parece promover alterações na capacidade cardiopulmonar identificadas pelo menos em até 4 dias após a prova, com redução na contratilidade e, portanto, no inotropismo cardíaco. Tais modificações sugerem que algum grau de “fadiga cardíaca” possa ocorrer. (Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):92-96) Palavras-chave: Exercício; Homeostase; Esportes; Disfunção Ventricular; Corrida; Consumo de Oxigênio. Abstract Background: Prolonged aerobic exercise, such as running a marathon, produces supraphysiological stress that can affect the athlete’s homeostasis. Some degree of transient myocardial dysfunction (“cardiac fatigue”) can be observed for several days after the race. Objective: To verify if there are changes in the cardiopulmonary capacity, and cardiac inotropy and lusitropy in amateur marathoners after running a marathon. Methods: The sample comprised 6 male amateur runners. All of them underwent cardiopulmonary exercise testing (CPET) one week before the São Paulo Marathon, and 3 to 4 days after that race. They underwent echocardiography 24 hours prior to and immediately after the marathon. All subjects were instructed not to exercise, to maintain their regular diet, ingest the same usual amount of liquids, and rest at least 8 hours a day in the period preceding the CPET. Results: The athletes completed the marathon in 221.5 (207; 250) minutes. In the post-marathon CPET, there was a significant reduction in peak oxygen consumption and peak oxygen pulse compared to the results obtained before the race (50.75 and 46.35 mL.kg-1.min-1; 19.4 and 18.1 mL.btm, respectively). The echocardiography showed a significant reduction in the s’ wave (inotropic marker), but no significant change in the E/e’ ratio (lusitropic marker). Conclusions: In amateur runners, the marathon seems to promote changes in the cardiopulmonary capacity identified within 4 days after the race, with a reduction in the cardiac contractility. Such changes suggest that some degree of “cardiac fatigue” can occur. (Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):92-96) Keywords: Exercise; Homeostasis; Sports; Ventricular Dysfunction; Running; Oxygen Consumption. Full texts in English - http://www.arquivosonline.com.br Correspondência: Ana Paula Rennó Sierra • Universidade de São Paulo – Escola de Educação Física e Esporte. Av Prof. Mello Moraes, 65 – Cidade Universitária CEP 05508-030, São Paulo, SP – Brasil E-mail: [email protected] Artigo recebido em 14/06/15; revisado em 05/10/15; aceito em 21/10/15. DOI: 10.5935/abc.20150148 92 Sierra et al. Fadiga cardíaca em corredores amadores Artigo Original Introdução O exercício aeróbico prolongado, como as corridas de longa duração (maratona), produz um estresse suprafisiológico que pode ter impacto na homeostase do atleta. Depleção dos substratos energéticos, aumento progressivo da temperatura corporal, desequilíbrio hidroeletrolítico e dano muscular extenso são consequências comuns dessa prática.1 Algum grau de disfunção miocárdica transitória (“fadiga cardíaca”) pode ser observado ao longo de vários dias após exercício prolongado. Tal quadro pode ser evidenciado em indivíduos saudáveis através de estudos de imagem específicos e da análise de biomarcadores cardíacos no sangue periférico.2,3 Através de ecocardiograma (ECO) Doppler transtorácico realizado após provas de longa duração foram encontradas alterações na contratilidade, no relaxamento, na função sistólica e diastólica do ventrículo esquerdo, incluindo alterações no diâmetro interno do ventrículo esquerdo, aumento da onda A e redução na relação E/A.4,5 Prejuízo na troca dos gases pulmonares e redução na capacidade de difusão pulmonar após exercício aeróbico intenso e prolongado sugerem que o mesmo possa induzir prejuízo funcional respiratório persistente, mesmo após o término do exercício.3 Stickland et al.6 sugerem que a alteração na troca de gases pulmonares pós-exercício intenso e prolongado seja influenciada pelo sistema cardiovascular. Entretanto, essa relação ainda não foi bem estabelecida.6 Apesar do interesse crescente sobre os efeitos cardiovasculares e pulmonares que ocorrem após uma maratona, poucos são os estudos disponíveis empregando o teste cardiopulmonar de exercício (TCPE) como uma ferramenta para essa avaliação. Dessa forma, o objetivo do presente experimento foi verificar se ocorrem alterações na capacidade cardiopulmonar de atletas amadores (amostra piloto) após a realização de uma maratona. Métodos Esta é uma série de casos composta por seis indivíduos atléticos avaliados no ambulatório de Cardiologia do Esporte do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. Todos participaram da mesma edição da Maratona Internacional de São Paulo. Da mesma forma, todos assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, que, junto ao protocolo do estudo, foi previamente aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição, seguindo as normas da Declaração de Helsinki. Foram incluídos apenas corredores do sexo masculino, caucasianos, com experiência em pelo menos uma maratona nos últimos cinco anos e uma meia maratona no último ano. Todos eram saudáveis e sem relato de doenças cardiopulmonares. O primeiro TCPE foi realizado na semana que antecedeu a maratona (3 dias antes), sendo o segundo realizado entre 3 e 4 dias após a prova. Os indivíduos mantiveram-se sem treinamento entre o dia da maratona e o dia do TCPE após a maratona, tendo sido orientados a proceder de forma semelhante quanto à ingestão de líquidos, alimentação e descanso ao longo do período pós-maratona (orientação 93 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):92-96 por escrito). Todos os testes funcionais foram realizados em esteira rolante (TEB®, modelo APEX 200, São Paulo, Brasil), com obtenção da frequência cardíaca pelo equipamento da TEB® (modelo APEX 1000) através de protocolo em estágios, os quais iniciavam a uma velocidade de 8 km/h e apresentavam incremento de 1 km/h a cada 1 minuto, visando levar o indivíduo à exaustão. Para análise dos gases expirados, utilizou-se um analisador CardiO2 System (Medical Graphics Corporation®, Minnesota, EUA) com sensores que permitem a análise respiração a respiração (breath-by-breath). As condições de temperatura da sala foram controladas e mantidas entre 21°C e 23°C, registrando-se a umidade relativa do ar por termo-higrômetro e a pressão barométrica em barômetro de Torricelli (valores médios 61% e 703 mmHg, respectivamente). Para quantificação do consumo de oxigênio de pico (VO2 pico), foi utilizado o período dos 30 segundos que antecederam o final do esforço e os 30 segundos após o final do esforço. Após obtenção dos dados respiração a respiração, realizamos médias a cada 15 segundos e determinamos o maior valor dentro desse período. No último estágio do TCPE, os corredores apontavam na escala de Borg o valor correspondente à sua percepção de esforço. Os atletas foram submetidos ao ECO três dias antes da maratona e imediatamente após a mesma. O exame foi realizado em uma tenda localizada a 100 metros da linha de chegada. O tempo para aquisição das imagens foi de até 10 minutos. Foi utilizado um aparelho Vivid 7 (GE Healthcare®, Milwaukee, WI, EUA) com capacidade para armazenamento digital de imagens, equipado com um transdutor setorial M4S. Realizou-se ECO completo com modo unidimensional, bidimensional, Doppler convencional e Doppler tecidual de acordo com as recomendações da Sociedade Americana de Ecocardiografia.7 Capturaram-se clipes de quatro batimentos consecutivos. Os exames foram arquivados digitalmente e analisados em estação de trabalho dedicada (ECHOPAC® 6.0, Milwaukee, WI, EUA). Análise Estatística Foi realizada no software SPSS versão 22.0 (IBM Inc., Chicago, IL, 2013). Os resultados foram expressos através de medianas e amplitudes interquartis, uma vez que os dados rejeitaram a normalidade pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Para avaliar o impacto da maratona nos dados obtidos nos dois momentos pré-determinados (pré e pós prova), utilizou‑se o teste não paramétrico de Wilcoxon, sendo o teste de Spearman utilizado para a correlação do delta das variáveis. O nível de significância dos testes foi de 5%. Resultados A Maratona Internacional de São Paulo foi realizada durante a primavera. No início da prova, a temperatura era de 17,8°C, a umidade do ar, 55% e a velocidade do vento, 1 m/s. No final da maratona, a temperatura era de 22,8°C, a umidade do ar, 59% e a velocidade do vento, 2 m/s. O dia manteve-se ensolarado durante todo o período da prova. Sierra et al. Fadiga cardíaca em corredores amadores Artigo Original Foram incluídos seis atletas neste estudo piloto. A Tabela 1 mostra suas características gerais, como dados antropométricos, idade, tempo de prova, percentual da velocidade pico no qual o atleta realizou a maratona (velocidade média durante a maratona/velocidade pico no teste cardiopulmonar de exercício x 100) e o volume de treino em horas/semana. Teste cardiopulmonar de exercício Todos os atletas apresentaram boa capacidade cardiopulmonar, tanto no TCPE pré- quanto naquele pós ‑maratona, alcançando praticamente a mesma velocidade pico em ambos os testes (mediana de 18 e 18,5, respectivamente). Todos os testes foram considerados máximos, com quociente respiratório (R) superior a 1,1 e associado a fadiga intensa, caracterizada por índice 19 ou 20 pela escala de percepção do esforço (Borg). Observamos que houve uma redução significativa no VO2 pico, assim como no pulso de oxigênio (PO2) de pico, no TCPE pós-prova. Houve também redução na relação da inclinação da curva da ventilação sobre a curva de produção de gás carbônico (VE/VCO2), mas não foi observada diferença nos valores de ventilação máxima entre os testes. A Tabela 2 apresenta os valores das variáveis do TCPE. Ecocardiograma Ao ECO, os atletas apresentavam fração de ejeção dentro dos limites da normalidade, tendo comportamento diferente após a prova em relação ao repouso, principalmente devido ao aumento da frequência cardíaca. Quanto às variáveis relacionadas ao ECO, encontrou-se uma redução significativa no valor da onda E, da onda s’, da relação E/A e um concomitante aumento da frequência cardíaca. A Tabela 3 apresenta os valores das variáveis do ECO. Para avaliar o lusitropismo cardíaco, utilizou-se a relação E/e’, que não apresentou alteração significativa após a maratona. Por sua vez, para análise do inotropismo, utilizou‑se a medida da onda s’, que representa a contratilidade miocárdica. Essa medida mostrou redução significativa após a maratona, sugerindo redução de contratilidade e, portanto, do inotropismo cardíaco. Discussão Tabela 1 – Características gerais dos maratonistas (n = 6) Variáveis Mediana (Perc. 25; Perc.75) Idade (anos) 43,0 (36; 47) Peso (kg) 67,1 (61; 75) Altura (cm) 164,5 (163; 168) Tempo de prova (min) 221,5 (207; 250) Velocidade média (km/h) 11,9 (9; 12) % vel. Pico 64,0 (54; 66) Horas de treino/semana 10,0 (8; 13) Os dados são representados em mediana e intervalo interquartil; % vel. Pico: velocidade média durante a maratona / velocidade pico no teste cardiopulmonar de exercício x 100. O principal achado deste experimento foi uma redução significativa no VO 2 pico após a maratona em relação à mensuração dessa variável no período pré-maratona. Isso ocorreu a despeito de os indivíduos terem apresentado o mesmo desempenho no TCPE, ou seja, atingiram a mesma velocidade máxima média em ambos os exames. Algumas alterações identificadas em nosso estudo vão ao encontro de resultados observados em investigações prévias realizadas em atletas que completaram provas de endurance. Kasikcioglu et al.,2 em um estudo publicado em 2006, também encontraram redução no VO2 pico. Esses autores sugerem que tal achado possa ter decorrido de uma desaceleração na cinética do oxigênio muscular após o exercício prolongado.2 No mesmo sentido, Miles et al.8 registraram redução da capacidade de difusão pulmonar após o exercício de longa Tabela 2 – Resultados do teste cardiopulmonar de exercício pré- e pós-maratona (n = 6) Variável FC repouso (bpm) FC pico (bpm) Vel. pico (km/h) VO2 pico (mL.kg-1.min-1) Pré-Maratona Pós-Maratona Valor de p 69 (65; 76) 70,5 (61; 80) NS 174 (167; 181) 175 (169; 186) NS 18 (16; 20) 18,5 (17; 19) NS 50,75 (46; 52) 46,35 (43; 49) *< 0,05 VE pico (l/min) 134,2 (99; 148) 119,9 (111; 147) NS R 1,15 (1,10 1,19) 1,14 (1,11; 1,17) NS Pulso O2 (ml.btm) PetO2 pico VE/VCO2 inclinação 19,4 (17; 21) 18,1 (15; 19) *< 0,05 101,5 (94,5; 105,7) 101,5 (96,5; 104,2) NS 33,7 (30; 41) 31,1 (27; 39) *< 0,05 Os dados estão apresentados em mediana (percentil 25; percentil 75); *p < 0,05 = significativo; FC: frequência cardíaca; vel.: velocidade; VO2: consumo de oxigênio; VE: ventilação; R: quociente respiratório; Pulso O2: pulso de oxigênio; PetO2: pressão espirada de O2; VE/VCO2 inclinação: inclinação da curva da ventilação sobre a curva de produção de gás carbônico. Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):92-96 94 Sierra et al. Fadiga cardíaca em corredores amadores Artigo Original Tabela 3 – Resultados do ecocardiograma de exercício antes e imediatamente após a maratona (n = 6) Variável FC Pré-Maratona Pós-Maratona Valor de p 62 (60; 67) 104 (101; 111) *< 0,05 Volume sistólico 88,5 (78,5; 100,1) 61 (50,7; 67,7) *< 0,05 Débito cardíaco 5354 (4747; 6458) 6234 (5238; 7433) NS DDFVE 50,5 (48,5; 52,25) 51 (44,5; 57,7) NS DSFVE 31,5 (29,2; 32,2) 32 (27,5; 34) NS FE 67,1 (65,5; 69,7) 61,6 (61; 67) NS Onda E 0,9 (0,67; 1,02) 0,6 (0,5; 0,72) *< 0,05 Onda A 0,65 (0,47; 0,9) 0,9 (0,8; 0,92) NS Relação E/A 1,33 (1,08; 1,54) 0,7 (0,6; 0,79) *< 0,05 Onda s’ 8,8 (8,2; 9,7) 6,7 (5,9; 8) *< 0,05 Onda e’ 9,2 (8,4; 10,6) 8,5 (6,4; 10,4) NS Onda a’ 8,1 (7,6; 9,1) 7,6 (6,6; 9,6) NS 0,09 (0,08; 0,1) 0,08 (0,06; 0,09) NS Relação E/e’ Os dados estão apresentados em mediana (percentil 25; percentil 75); *p < 0,05 = significativo; FC: frequência cardíaca; DDFVE: diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo; DSFVE: diâmetro sistólico final do ventrículo esquerdo; FE: fração de ejeção. duração, a qual persiste por um período após a realização do mesmo. No entanto, as modificações que ocorrem no sistema de entrega de oxigênio aos tecidos após o exercício ainda não são claras. Nesse contexto, a queda do VO2 pico e do PO2 no período pós-maratona pode ser um achado sugestivo de algum grau de “fadiga cardíaca”. Com a queda do PO2 nos testes pós-maratona, a redução no inotropismo cardíaco parece exercer um papel preponderante sobre a queda do VO2 nesse período. Aliás, esse parece ter sido o fator que mais contribuiu para a queda do VO2, visto que a frequência cardíaca de pico se manteve semelhante nos dois testes. Além disso, apesar de ocorrer um “benefício” parcial demonstrado pela compensação pulmonar, com maior eficiência ventilatória e otimização na utilização de O2 para produzir o mesmo esforço, há evidência de redução no débito cardíaco no período após a maratona. A partir desses achados, podemos especular uma piora da performance do miocárdio após o estresse da maratona. As hipóteses acima são corroboradas tanto pelos achados ecocardiográficos quanto pelos achados do TCPE pós‑maratona. As modificações na contratilidade ao ECO, em conjunto com a queda no PO2 e no VO2 pico ao TCPE, vão ao encontro da hipótese de que os atletas possam apresentar algum grau de “fadiga cardíaca”, principalmente em função de alterações no inotropismo cardíaco, sem que o lusitropismo se modifique. Por sua vez, as variáveis de avaliação da função diastólica não apresentam alterações. A relação da inclinação VE/VCO2 apresentou redução significativa entre o teste pré- e o pós-maratona. Não encontramos explicação plausível para tal achado, mas a pequena variação 95 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):92-96 absoluta dessa variável nos faz crer que não haja relevância fisiológica para essa diferença. Como limitações podemos elencar que a amostra em questão é pequena e selecionada (todos homens, caucasianos e com idade semelhante), o que pode causar um viés nos resultados obtidos, além de dificultar qualquer extrapolação no quesito validade externa. É digno de nota que o grau de treinamento prévio dos atletas não pôde ser controlado. Da mesma forma, não tivemos controle sobre possíveis intervenções realizadas no período de recuperação (3-4 dias) que possam ter interferido com os resultados observados (ingestão hídrica, alimentação, tempo de descanso). Novos estudos são importantes para corroborar os resultados encontrados. Conclusões Em atletas amadores, a maratona parece promover alterações na capacidade cardiopulmonar identificadas pelo menos em até 4 dias após a prova, com redução na contratilidade e, portanto, no inotropismo cardíaco. Tais modificações sugerem que algum grau de “fadiga cardíaca” ocorre. Agradecimentos Os autores agradecem a TEB (Tecnologia Eletrônica Brasileira) e a Yescom (Produtora da Maratona Internacional de São Paulo). Ricardo Stein é pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq). Ana Paula Sierra é bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Sierra et al. Fadiga cardíaca em corredores amadores Artigo Original Contribuição dos autores Potencial conflito de interesse Concepção e desenho da pesquisa, Obtenção de dados: Sierra APR, Francisco RC, Barretto RBM, Sierra CA, Meneghelo RS, Ghorayeb N; Análise e interpretação dos dados: Sierra APR, Silveira AD, Francisco RC, Barretto RBM, Sierra CA, Meneghelo RS, Kiss MAPDM, Stein R; Análise estatística: Sierra APR, Silveira AD, Kiss MAPDM; Redação do manuscrito: Sierra APR, Silveira AD, Barretto RBM, Kiss MAPDM, Stein R; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Barretto RBM, Kiss MAPDM, Ghorayeb N, Stein R. Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. Fontes de financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação acadêmica Não há vinculação deste estudo a programas de pós‑graduação. Referências 1. Coyle EF. Physiological regulation of marathon performance. Sports Med. 2007;37(4-5):306-11. 2. Kasikcioglu E, Arslan A, Topcu B, Sayli O, Akhan H, Oflaz H, et al. Cardiac fatigue and oxygen kinetics after prolonged exercise. Int J Cardiol. 2006;108(2):286-8. 3. Stickland MK, Anderson WD, Haykowsky MJ, Welsh RC, Petersen SR, Jones RL. Effects of prolonged exercise to exhaustion on left-ventricular function and pulmonary gas exchange. Respir Physiol Neurobiol. 2004;142(2‑3):197-209. 4. Whyte G, George K, Shave R, Dawson E, Stephenson C, Edwards B, et al. Impact of marathon running on cardiac structure and function in recreational runners. Clin Sci (Lond). 2005;108(1):73-80. 5. Wilson M, O’Hanlon R, Prasad S, Oxborough D, Godfrey R, Alpendurada F, et al. Biological markers of cardiac damage are not related to measures of cardiac systolic and diastolic function using cardiovascular magnetic resonance and echocardiography after an acute bout of prolonged endurance exercise. Br J Sports Med. 2011;45(10):780-4. 6. Stickland MK, Petersen SR, Haykowsky MJ, Taylor DA, Jones RL. The effects of cycle racing on pulmonary diffusion capacity and left ventricular systolic function. Respir Physiol Neurobiol. 2003;138(2-3):291-9. 7. Lang RM, Badano LP, Mor-Avi V, Afilalo J, Armstrong A, Ernande L, et al. Recommendations for cardiac chamber quantification by echocardiography in adults: an update from the American Society of Echocardiography and the European Association of Cardiovascular Imaging. J Am Soc Echocardiogr. 2015;28(1):1-39. e14. 8. Miles DS, Doerr CE, Schonfeld SA, Sinks DE, Gotshall RW. Changes in pulmonary diffusing capacity and closing volume after running a marathon. Respir Physiol. 1983;52(3):349-59. Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):92-96 96 Voltar ao Índice da Capa Artigo Original Alternativas para Prescrição de Exercício Aeróbio a Pacientes com Insuficiência Cardíaca Alternatives to Aerobic Exercise Prescription in Patients with Chronic Heart Failure Mayron F Oliveira1, Gabriela Zanussi1, Bianca Sprovieri1, Denise M. L. Lobo1, Luiz E Mastrocolla2, Iracema I. K. Umeda1, Priscila A Sperandio1 Setor de Reabilitação Cardiovascular - Equipe de Fisioterapia - Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia1; Setor de Reabilitação Cardiovascular - Equipe Médica - Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia2 São Paulo, SP – Brasil Resumo Fundamento: O exercício físico é fundamental para pacientes com insuficiência cardíaca, pois reduz a morbimortalidade e melhora a capacidade funcional e o consumo de oxigênio (⩒O2). Entretanto, a realização do teste de exercício cardiopulmonar (TECP) pode se tornar inviável, devido à necessidade de médico capacitado e ao alto custo deste exame. Assim, o teste de caminhada de 6 minutos (TC6M) e o teste do degrau (TD) emergem como alternativas para a prescrição de exercício. Objetivo: Correlacionar a frequência cardíaca (FC) durante o TC6M e o TD com a FC no limiar aeróbio (FCLA) e a FC no pico do exercício (FCP), obtidas no TECP. Métodos: Foram incluídos 83 pacientes (58 ± 11 anos) com insuficiência cardíaca (NYHA classe II), com medicação otimizada por pelo menos 3 meses. Foram realizados TECP (⩒O2, FCLA e FCP), TC6M (FCTC6M) e TD (FCTD). Resultados: Os pacientes apresentavam disfunção ventricular grave (fração de ejeção: 31 ± 7%) e baixo ⩒O2 pico (15,2 ± 3,1 ml.kg-1.min-1). A FCP (113 ± 19 bpm) foi maior que a FCLA (92 ± 14 bpm; p < 0,05) e a FCTC6M (94 ± 13 bpm; p < 0,05). Não houve diferença entre FCP e FCTD. Além disso, observou-se forte correlação entre a FCLA e a FCTC6M (r = 0,81; p < 0,0001) e entre a FCP e a FCTD (r = 0,89; p < 0,0001). Conclusão: Os resultados obtidos sugerem ser viável a prescrição de exercício através do TC6M e do TD, com base na FCTC6M e na FCTD, na ausência do TECP. (Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):97-104) Palavras-chave: Prescrição de Exercício; Insuficiência Cardíaca; Teste Cardiopulmonar; Teste de Caminhada de 6 Minutos; Teste do Degrau; Reabilitação. Abstract Background: Exercise is essential for patients with heart failure as it leads to a reduction in morbidity and mortality as well as improved functional capacity and oxygen uptake (⩒O2). However, the need for an experienced physiologist and the cost of the exam may render the cardiopulmonary exercise test (CPET) unfeasible. Thus, the six-minute walk test (6MWT) and step test (ST) may be alternatives for exercise prescription. Objective: The aim was to correlate heart rate (HR) during the 6MWT and ST with HR at the anaerobic threshold (HRAT) and peak HR (HRP) obtained on the CPET. Methods: Eighty-three patients (58 ± 11 years) with heart failure (NYHA class II) were included and all subjects had optimized medication for at least 3 months. Evaluations involved CPET (⩒O2, HRAT, HRP), 6MWT (HR6MWT) and ST (HRST). Results: The participants exhibited severe ventricular dysfunction (ejection fraction: 31 ± 7%) and low peak ⩒O2 (15.2 ± 3.1 mL.kg-1.min-1). HRP (113 ± 19 bpm) was higher than HRAT (92 ± 14 bpm; p < 0.05) and HR6MWT (94 ± 13 bpm; p < 0.05). No significant difference was found between HRP and HRST. Moreover, a strong correlation was found between HRAT and HR6MWT (r = 0.81; p < 0.0001), and between HRP and HRST (r = 0.89; p < 0.0001). Conclusion: These findings suggest that, in the absence of CPET, exercise prescription can be performed by use of 6MWT and ST, based on HR6MWT and HRST. (Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):97-104) Keywords: Exercise Prescription; Chronic Heart Failure; Cardiopulmonary Exercise Test; Six-minute Walk Test; Rehabilitation. Full texts in English - http://www.arquivosonline.com.br Correspondência: Mayron Faria Oliveira • Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. Avenida Dr Dante Pazzanese, 500, Vila Mariana. CEP 04012-180, São Paulo, SP – Brasil E-mail: [email protected] Artigo recebido em 04/06/15; revisado em 14/10/15; aceito em 30/10/15. DOI: 10.5935/abc.20160014 97 Oliveira et al. Prescrição de exercício na IC Artigo Original Introdução A insuficiência cardíaca (IC) é uma condição clínica complexa, de caráter sistêmico. Nos últimos anos, evidências científicas consistentes têm demonstrado que o exercício aeróbio é uma estratégia não-farmacológica eficiente no tratamento dessa patologia.1-3 A determinação da intensidade do exercício é um importante fator para a segurança da prescrição do exercício e para atingir os benefícios da reabilitação cardiovascular. 4,5 O teste de exercício cardiopulmonar (TECP) é o padrão ouro para a prescrição da intensidade máxima do exercício aeróbio.6,7 Esse teste fornece medidas objetivas das respostas metabólicas, respiratórias e cardiovasculares no limiar anaeróbio e no ponto de compensação respiratória. 6 Entretanto, o TECP não está disponível em todos os centros de reabilitação cardiovascular. Diversas fórmulas para a predição da frequência cardíaca (FC) máxima e de treinamento foram propostas,8,9 por ser uma forma fácil e de baixo custo para monitorar e prescrever o exercício físico aeróbio.4 Entretanto, essas fórmulas foram desenvolvidas de maneira arbitrária, e suas eficiências não foram comprovadas por meio de critérios científicos.10 Além disso, nenhuma das fórmulas propostas é específica para pacientes com IC e não levam em consideração as medicações utilizadas. Assim, métodos alternativos de prescrição de exercício são necessários para pacientes com IC. Na ausência do TECP, o teste de caminhada de 6 minutos (TC6M) e o teste do degrau (TD) emergem como alternativas para a avaliação de pacientes com IC. O TC6M é um teste simples, de baixo custo e de fácil aplicação para a avaliação da capacidade submáxima.11-13 O TD requer espaço físico mínimo, e evidências recentes sugerem ser um teste útil para a estimativa da tolerância ao exercício.14 O TD é classificado como teste máximo ou próximo do máximo em pacientes com IC moderada a grave.15,16 Ainda que o TC6M e o TD sejam frequentemente utilizados para a avaliação da capacidade funcional e da tolerância ao exercício em pacientes com IC, a confiabilidade da prescrição de exercício com base nesses testes tem sido amplamente questionada. Considerando-se o TC6M como um teste submáximo e o TD como um teste máximo nessa população, levantamos a hipótese de que a FC no limiar anaeróbio possa ser determinada pelo TC6M, e que a FC máxima possa ser determinada pelo TD, permitindo a prescrição de exercício nos pacientes com IC, na ausência do TECP. Métodos Foi realizado um transversal com 83 pacientes sedentários recrutados da Unidade de Reabilitação Cardiovascular do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, Brasil. Todos apresentavam fração de ejeção do ventrículo esquerdo < 40%, e estavam em classe funcional II [New York Heart Association (NYHA)]. Todos encontravam-se estáveis, com tratamento medicamentoso otimizado, que incluía betabloqueador (carvedilol, dose máxima de 50 mg/dia), inibidor da enzima de conversão da angiotensina ou bloqueador do receptor da angiotensina e diurético. Nenhum paciente possuía ressincronizador cardíaco ou dispositivo de assistência ventricular esquerda. Foram excluídos os pacientes com evidência clínica e/ou funcional de limitação crônica do fluxo expiratório (VEF1/CVF < 0,7; VEF1: volume expiratório forçado no primeiro segundo; CVF: capacidade vital forçada), tabagistas, angina instável, arritmia cardíaca significativa, marcapasso, fibrilação atrial, infarto do miocárdio nos últimos 12 meses, ou participação em programas de reabilitação cardíaca (nos últimos 6 meses). Todos os participantes leram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética e pesquisa da instituição (no 4093). Protocolo do estudo Todos os pacientes foram submetidos ao TECP com protocolo de rampa individualizado para determinar a diferença entre a FC no limiar anaeróbio (FCLA) e a FC no pico do exercício (FCP). O TC6M e o TD foram realizados em dias diferentes, para determinar a FC ao final desses testes (FCTC6M e FCTD, respectivamente). Todos os testes foram randomizados e realizados no período da manhã com um intervalo mínimo de 48 horas, mantendo-se as medicações. Teste de exercício cardiopulmonar O TECP foi realizado em esteira ATL (Inbramed, Porto Alegre, Brasil) com mensuração das variáveis a cada respiração para análise metabólica (Ultima SystemTM, MGC, EUA). A FC foi monitorada de forma contínua através de eletrocardiograma de 12 derivações e a saturação da oxihemoglobina de pulso foi mensurada por oximetria (SpO2, %; NoninTM oxímetro portátil – USA). No final do TECP, os pacientes classificaram suas sensações de “falta de ar” e “desconforto nas pernas” por meio da escala de percepção de esforço de Borg modificada (0 a 10).17 A espirometria foi realizada antes do TECP. O limiar anaeróbio foi determinado pelo método V-slope, o qual corresponde ao ponto de inflexão da reta representativa da relação entre a produção de dióxido de carbono e o consumo de oxigênio (⩒O2), ou pelos equivalentes ventilatórios de pressão expiratória final de oxigênio e pressão expiratória final de dióxido de carbono. A capacidade máxima de exercício, ⩒O2 pico, foi determinada pelo máximo ⩒O2 obtido no final do TECP – quando o paciente não foi capaz de manter a velocidade de 60 rpm, no cicloergômetro.18-20 Teste de caminhada de 6 minutos e teste do degrau O TC6M foi realizado conforme as diretrizes da American Thoracic Society.21 Antes e após o teste, foram medidas a pressão arterial (PA) (esfigmomanômetro UnilecTM e estetoscópio Littmann Quality, EUA), a FC (Polar® RS800 - Polar Electro OY, Finlândia) e a SpO2 (NoninTM oxímetro portátil – USA). A FC e a SpO2 foram continuamente monitoradas durante o teste, e a escala de percepção de esforço de Borg modificada foi aplicada ao término do mesmo. A duração do TD foi de 4 minutos. Os pacientes foram orientados a subir e descer um degrau único com 0,20 m de altura, sem corrimãos, e realizar o teste com velocidade dentro de suas próprias limitações. O examinador utilizou estimulação verbal para encorajar os participantes e informá-los sobre o seu desempenho. Antes e após o teste, foram mensuradas a PA, Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):97-104 98 Oliveira et al. Prescrição de exercício na IC Artigo Original FC e SpO2. A FC e a SpO2 foram monitoradas durante todo o teste, e a escala de percepção de esforço de Borg modificada foi aplicada ao término do mesmo. Tabela 1 – Características dos 83 pacientes com insuficiência cardíaca Dados antropométricos/demográficos Análise estatística Masculino/feminino, n A análise estatística foi realizada no programa SPSS (versão 15.0; SPSS Inc.) Os dados estão expressos em média ± desvio padrão e porcentagem. O teste Kolmogorov–Smirnov foi utilizado para analisar a normalidade dos dados. O teste t foi utilizado para amostras relacionadas e a correlação de Pearson (Pearson’s ρ) para correlações entre as variáveis. A inclinação e o intercepto foram analisados. Adicionalmente, o método Bland-Altman foi aplicado para avaliar as variáveis de FC. O erro padrão da estimativa (SEE) foi aplicado para FCTC6M e FCLA e para FCTE e FCP. Para todas as análises, adotou‑se o nível de significância estatística de 5% (p < 0,05). Idade, anos Resultados Oitenta e três pacientes com IC foram incluídos neste estudo (Tabela 1). Nenhum deles apresentou valores espirométricos de doença pulmonar obstrutiva crônica (CVF: 84,9 ± 10,3% predito; VEF1: 80,3 ± 13,2% predito; VEF1/CVF: 0,78 ± 0,12) ou critérios para interrupção do TECP, TC6M ou TD (arritmia ventricular, queda na pressão arterial, queda na SpO2, ou sinais de baixo débito cardíaco). Os pacientes apresentaram baixo ⩒O2 durante o pico do exercício e eficiência ventilatória para o consumo de O2 reduzida (Tabela 2). No TECP, a FCP foi maior que a FCLA (113 ± 19 bpm vs. 92 ± 14 bpm, respectivamente; p < 0,05) e FCTC6M (94 ± 13; p < 0,05), mas não houve diferença entre FCP e FCTD (113 ± 19 bpm vs. 110 ± 17 bpm; p > 0,05). Também não houve diferença entre FCLA e FCTC6M. As porcentagens da FC predita para FCLA e FCTC6M foram similares, assim como as porcentagens da FC predita para FCP e FCTE (Tabela 2). Houve correlação significativa entre FC LA e FC TC6M (r = 0,81; p = 0,0001; Figura 1) e entre FCTD e FCP (r = 0,89; p = 0,0001; Figura 2) com inclinação e intercepto para FCLA e FCTC6M (y = 0,8555x + 15,408; r2 = 0,78) e para FCTD e FCP (y = 0,8947x + 10,28; r2 = 0,82). Não foram observadas correlações entre FCP e FCTC6M (p > 0,05) e entre FCTD e FCLA (p > 0,05). Quanto à análise das variações da FC, o método BlandAltman foi aplicado para comparar as variações entre FC TC6M e FC LA (Figura 3) e entre FC TD e FC P (Figura 4). Não houve diferença quanto ao SEE entre FCLA e FCTC6M (SEE = 6,05 bpm) e entre FCP e FCTD (SEE = 7,69 bpm). Vinte e dois pacientes (26%) apresentaram diferença maior que 5 bpm entre as variáveis de FCLA e FCTC6M e 23 pacientes (28%) apresentaram diferença maior que 5 bpm entre as variáveis de FCP e FCTD. Foi encontrada diferença significativa na escala de percepção de esforço de Borg modificada entre o TC6M e o TD, e entre o TECP e o TC6M (Tabela 2). Não houve diferenças entre o TD e o TECP. Não foram encontradas diferenças entre as variáveis de SpO2 e PA ao final do TECP, TD e TC6M (Tabela 2). 99 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):97-104 65/18 58 ± 11 Peso, kg 76,7 ± 12,5 Altura, m 1,64 ± 9,4 IMC, kg/m2 26,7 ± 6,2 FEVE, % 31 ± 7 Principais comorbidades Hipertensão, n (%) 60 (72,3%) Dislipidemia, n (%) 56 (67,5%) Diabetes mellitus, n (%) 23 (27,7%) Etiologia Isquêmica, n (%) 62 (74,7%) Não isquêmica, n (%) 14 (16,9%) Chagásica, n (%) 7 (8,4%) Principais medicações Betabloqueador, n (%) 83 (100%) Inibidores da ECA ou BRA, n (%) 83 (100%) Diuréticos, n (%) 83 (100%) IMC: índice de massa corporal; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo; ECA: enzima conversora de angiotensina; BRA: bloqueadores dos receptores da angiotensina II. valores expressos em média ± desvio padrão ou frequência (n). Discussão Ainda que o TECP seja padrão ouro para a determinação da FC no limiar anaeróbio e no pico do exercício, muitos centros de reabilitação não possuem o equipamento necessário para realizá-lo.22 Este estudo demonstra que a prescrição de exercício para pacientes com IC (NYHA classe II) pode ser baseada no TC6M e no TD. Assim, o presente estudo teve por objetivo oferecer alternativas para a prescrição de exercício para pacientes com IC, na ausência do TECP. Os principais achados deste estudo são que a FCP correlacionou-se com a FCTD e a FCLA com a FCTC6M, sendo possível a prescrição de exercício com base no TC6M e no TD. Outros estudos sobre prescrição de exercício levam em consideração fórmulas para populações saudáveis,9 devendo o avaliador escolher aquela mais adequada para o indivíduo ou a população-alvo. Para facilitar esse processo, a fórmula proposta por Fox e Haskell na década de 1970 (220 menos idade) tem sido utilizada por longo tempo para calcular a FC máxima.23,24 Entretanto, ela não possui validação para pacientes com IC, sendo baseada apenas em observações. Na ausência de uma fórmula adequada para indivíduos com doença, Cooper (2001)25 propôs a prescrição de exercício baseada no uso do ⩒O2 máximo, calculado a partir da idade, gênero, altura e peso. No presente estudo, entretanto, Oliveira et al. Prescrição de exercício na IC Artigo Original Tabela 2 – Teste de exercício cardiopulmonar (TECP), teste de caminhada de 6 minutos (TC6M) e teste do degrau (TD) TCPE Pico ⩒O2 (mL.kg-1.min-1) 15,2 ± 3,1 RER 1,12 ± 0,09 ⩒E/⩒CO2 37,7 ± 7,9 Pico ⩒O2 (% predito) Eficiência ventilatória para o consumo de O2 Pulso de O2 (mL/bpm) 28,9 ± 5,0 1204,5 ± 25,9 10,2 ± 2,6 FC de repouso (bpm) 68 ± 11 FCLA (bpm) 92 ± 14 FCLA (% predito) 55 ± 13 FCP (bpm) 113 ± 19 FCP (% predito) 70 ± 16 Dispneia (Borg) 7±2 TC6M TC6M (m) 456 ± 83 FCTC6M (bpm) 94 ± 13 FCTC6M (% predito) 58 ± 10 PASTC6M (mmHg) 121 ± 18 SpO2 TC6M (%) 96 ± 2 Dispneia (Borg) 3±1 TD Degraus (número de degraus) 92 ± 20 FCTD (bpm) 110 ± 17 FCTD (% predito) 67 ± 19 PASTD (mmHg) 120 ± 23 SpO2 TD (%) 96 ± 1 Dispneia (Borg) 6±2 ⩒O2: consumo de oxigênio; RER: razão de troca respiratória; ⩒E: ventilação minuto; ⩒CO2: produção de dióxido de carbono; O2: oxigênio; bpm: batimentos por minuto; FC: Frequência cardíaca; LA: limiar anaeróbio; P: pico; PAS: pressão arterial sistólica; SpO2: saturação da oxihemoglobina de pulso. Valores expressos em média ± desvio padrão. a prescrição de exercício foi determinada sem fórmulas. Além disso, o uso de TC6M e TD para a prescrição de exercício fornece uma medida direta da condição física, FC, PA e sintomas relacionados (escala de percepção de esforço de Borg modificada) de pacientes com IC. Nosso estudo demonstra que a FC TC6M e a FC LA são semelhantes, sugerindo que o TC6M seja um teste submáximo,26,27 e que uma prescrição de exercício segura pode ser baseada nos resultados desse teste. O TD possui literatura escassa, principalmente quando relacionada à pacientes com IC. Estudo prévio que avaliou a capacidade de exercício em pacientes e indivíduos saudáveis, baseado no TECP e no TD, mostou que limites máximos são frequentemente alcançados no TD, demonstrando que este teste pode ser máximo para determinadas populações.28,29 O mesmo foi observado no presente estudo, que demonstrou uma forte correlação entre a FCTD e a FCP. De acordo com o American College of Sports Medicine, a intensidade do exercício é considerada a variável mais importante,30 e, para que se obtenha os benefícios do exercício físico regular, sua prescrição deve ser individualizada e seguir princípios básicos referentes a modo, intensidade, frequência e duração.4,31 A American Heart Association recomenda pelo menos 30 minutos de exercício moderado (60%–75% da FC máxima predita) para que se atinjam os benefícios do exercício.32 Por outro lado, o exercício pode ser prescrito entre o limiar anaeróbio e a potência crítica sem risco adicional.7,33 Entretanto, a determinação da potência crítica é extremamente complexa e requer o TECP. A prescrição de exercício pode ser realizada por meio da FC, que pode ser determinada através do método proposto neste estudo, com intensidade moderada (pelo TC6M) ou intensidade alta (pelo TD). Alguns autores têm reportado a relação entre a porcentagem do ⩒O2 do LA com o TC6M nos pacientes com IC,34,35 e que a FC possui estreita relação com o ⩒O2 nesta população.36-38 Adicionalmente, a American Heart Association e alguns autores sugerem a realização do exercício em intensidades moderadas. 32,39,40 Para determinar a intensidade do exercício baseada no TC6M e no TD, a FC para intensidade moderada pode ser baseada na FCTC6M, e a intensidade alta pode ser baseada na FC TD. Nós sugerimos duas possibilidades para a prescrição de exercício utilizando o TC6M e o TD, visando ao alvo ideal de FC: (i) FCTC6M mais 10% (FCTC6M + 10%) ou (ii) FCTC6M até FCTD menos 10% (FCTC6M até FCTD – 10%). A escala de percepção de esforço de Borg modificada é uma medida alternativa que deve ser incluída na prescrição de exercício. Essa tem sido utilizada para controlar a intensidade do exercício durante as sessões de reabilitação cardiovascular.22,41-43 Alguns estudos mostraram que essa escala é válida e se correlaciona positivamente com a FC e o lactato sérico em indivíduos saudáveis e com IC crônica, mesmo aqueles em terapia betabloqueadora.41 Entretanto, os critérios para a interrupção do exercício devem ser seguidos quando o paciente relatar sintomas ou quando o valor de alguma variável apresentar-se acima do desejável para o nível de exercício.4 Não é sempre que a FC pode ser utilizada para a prescrição de exercício (como em casos de fibrilação atrial ou impossibilidade de realizar o TC6M e o TD). Nesses casos, a escala de percepção de esforço de Borg modificada é uma alternativa para a prescrição de exercício.7 No presente estudo, o valor da escala de percepção de esforço de Borg modificada obtida no TC6M foi menor que a obtida no TD, sugerindo a possibilidade do uso dessa escala quando o exercício não pode ser prescrito pela FC. A combinação da monitorização da FC com a escala de percepção de esforço de Borg modificada é recomendada para a prescrição de exercícios para pacientes com IC crônica em uso de betabloqueadores.38,41 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):97-104 100 Oliveira et al. Prescrição de exercício na IC Artigo Original Figura 1 – Correlação entre FCLA e FCTC6M. Figura 2 – Correlação entre FCP e FCTD. 101 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):97-104 Oliveira et al. Prescrição de exercício na IC Artigo Original Figura 3 – Gráfico de Bland-Altman de FCTC6M e FCLA. Figura 4 – Gráfico de Bland-Altman de FCTD e FCP. Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):97-104 102 Oliveira et al. Prescrição de exercício na IC Artigo Original Limitações do Estudo O presente estudo apresenta algumas limitações, como o pequeno tamanho da amostra e a falta de validação do TD para cardiopatas. Essa alternativa para prescrição de exercício deve ser demonstrada em diferentes grupos na reabilitação cardíaca (prescrição de TECP vs. prescrição de TC6M/TD). No entanto, os resultados apresentados, ainda que obtidos em um seleto grupo de pacientes, justificam investigações longitudinais que envolvam maior número de pacientes e com diferentes classes funcionais (NYHA). Outras limitações incluem o fato de que os testes não foram realizados em duplicata para garantir a reprodutibilidade dos dados, e o ⩒O2 não foi medido durante TC6M ou TD. Mesmo que fortes correlações tenham sido demonstradas, nosso método sugerido para prescrição de exercício não foi testada durante o programa de reabilitação. Conclusão Embora o TECP permaneça o padrão ouro para a prescrição de exercício, os achados deste estudo sugerem uma nova alternativa para pacientes com IC baseada no TC6M e no TD. Contribuição dos autores Concepção e desenho da pesquisa: Oliveira MF, Mastrocolla LE, Umeda II, Sperandio PA; Obtenção de dados: Zanussi G, Sprovieri B, Mastrocolla LE; Análise e interpretação dos dados: Oliveira MF, Zanussi G, Sprovieri B, Lobo DM, Mastrocolla LE, Umeda II, Sperandio PA; Análise estatística: Oliveira MF, Lobo DM; Redação do manuscrito: Oliveira MF, Zanussi G, Sprovieri B, Lobo DM; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Oliveira MF, Lobo DM, Mastrocolla LE, Umeda II, Sperandio PA. Potencial conflito de interesse Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. Fontes de financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação acadêmica Não há vinculação deste estudo a programas de pós‑graduação. Referências 1. 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Zornoff Faculdade de Medicina de Botucatu – Universidade Estadual Paulista “Júlio de mesquita Filho” − UNESP, Botucatu, SP – Brasil Resumo Fundamento: A predição de insuficiência cardíaca após o infarto agudo do miocárdio pode ter importantes implicações clínicas. Objetivo: Analisar as variáveis funcionais ecocardiográficas associadas com insuficiência cardíaca no modelo do infarto em ratos. Métodos: Os animais foram divididos em dois grupos: infarto e controle. Após, os animais infartados foram divididos em grupos com e sem insuficiência cardíaca. Os valores preditivos foram avaliados por regressão logística. Os valores de corte preditivos de insuficiência cardíaca foram determinados por meio de curvas ROC. Resultados: Após 6 meses da cirurgia, 88 animais com infarto e 43 animais controle foram incluídos no estudo. O infarto aumentou os diâmetros das cavidades esquerdas, a massa e a espessura da parede do ventrículo esquerdo. Adicionalmente, o infarto resultou em disfunção sistólica e diastólica, caracterizada por menores valores da fração de variação de área, velocidade de encurtamento da parede posterior, tempo de desaceleração da onda E, associada com maiores valores da relação E/A e tempo de relaxamento isovolumétrico ajustado pela frequência cardíaca. Dentre os animais infartados, 54 (61%) desenvolveram insuficiência cardíaca. Ratos com insuficiência cardíaca apresentaram maiores índices de massa e diâmetros das cavidades esquerdas, associadas com piora das variáveis funcionais. A fração de variação de área, relação E/A, tempo de desaceleração da onda E e tempo de relaxamento isovolumétrico ajustado pela frequência cardíaca foram variáveis funcionais preditoras de insuficiência cardíaca. Os valores de corte das variáveis funcionais associados com insuficiência cardíaca foram: fração de variação de área < 31,18%; E/A > 3,077; tempo de desaceleração da onda E < 42,11 e tempo de relaxamento isovolumétrico ajustado pela frequência cardíaca < 69,08. Conclusão: Em ratos acompanhados por 6 meses após o infarto, a fração de variação de área, relação E/A, tempo de desaceleração da onda E e tempo de relaxamento isovolumétrico ajustado pela frequência cardíaca são preditores do aparecimento de insuficiência cardíaca. (Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):105-112) Palavras-chave: Insuficiência Cardíaca / complicações; Infarto do Miocárdio; Ratos; Disfunção Ventricular. Abstract Background: Heart failure prediction after acute myocardial infarction may have important clinical implications. Objective: To analyze the functional echocardiographic variables associated with heart failure in an infarction model in rats. Methods: The animals were divided into two groups: control and infarction. Subsequently, the infarcted animals were divided into groups: with and without heart failure. The predictive values were assessed by logistic regression. The cutoff values predictive of heart failure were determined using ROC curves. Results: Six months after surgery, 88 infarcted animals and 43 control animals were included in the study. Myocardial infarction increased left cavity diameters and the mass and wall thickness of the left ventricle. Additionally, myocardial infarction resulted in systolic and diastolic dysfunction, characterized by lower area variation fraction values, posterior wall shortening velocity, E-wave deceleration time, associated with higher values of E / A ratio and isovolumic relaxation time adjusted by heart rate. Among the infarcted animals, 54 (61%) developed heart failure. Rats with heart failure have higher left cavity mass index and diameter, associated with worsening of functional variables. The area variation fraction, the E/A ratio, E-wave deceleration time and isovolumic relaxation time adjusted by heart rate were functional variables predictors of heart failure. The cutoff values of functional variables associated with heart failure were: area variation fraction < 31.18%; E / A > 3.077; E-wave deceleration time <42.11 and isovolumic relaxation time adjusted by heart rate <69.08. Conclusion: In rats followed for 6 months after myocardial infarction, the area variation fraction, E/A ratio, E-wave deceleration time and isovolumic relaxation time adjusted by heart rate are predictors of heart failure onset. (Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):105-112) Keywords: Heart Failure / complications; Myocardial Infarction; Rats; Ventricular Dysfunction. Full texts in English - http://www.arquivosonline.com.br Correspondência: Leonardo A. M. Zornoff • Faculdade de Medicina de Botucatu. Departamento de Clínica Médica, Rubião Jr. CEP 18618-970, Botucatu, SP – Brasil E-mail: [email protected], [email protected] Artigo recebido em 19/08/15; revisado em 04/11/15; aceito em 06/11/15 DOI: 10.5935/abc.20160015 105 Polegato et al. Preditores de insuficiência cardíaca pós-infarto Artigo Original Introdução A síndrome de insuficiência cardíaca é considerada um problema de saúde pública com importantes implicações prognósticas. Nesse sentido, ao redor de 50% dos pacientes com diagnóstico de disfunção cardíaca morrerão no período de 5 anos. Adicionalmente, 40% dos pacientes morrem no período de 1 ano após a primeira hospitalização por insuficiência cardíaca, sendo boa parte dos óbitos por morte súbita.1,2 Atualmente, acredita-se que o infarto do miocárdio (IM) seja a principal etiologia da disfunção ventricular. Nesse sentido, estudos epidemiológicos sugerem que os sinais e sintomas de insuficiência cardíaca estão presentes em 25% dos casos de IM. Além disso, aproximadamente 40% dos casos de IM são acompanhados por alterações sistólicas do ventrículo esquerdo (VE). Recentemente, evidenciou-se que 10% dos pacientes com IM apresentam padrão restritivo, sugerindo disfunção diastólica grave.3 Assim, a associação entre IM e disfunção ventricular não pode ser negligenciada. Uma das estratégias mais utilizadas para o estudo das alterações funcionais decorrentes da oclusão coronariana é o uso do modelo do infarto experimental no rato. Entre outros fatores, isso é decorrência do baixo custo e da simplicidade do manejo dos animais. O fator mais importante, no entanto, refere-se à similaridade com as alterações fisiopatológicas que ocorrem após o infarto, em humanos.4 O ecocardiograma vem sendo bastante utilizado no estudo das alterações morfológicas e funcionais após a oclusão coronariana.5-18 No entanto, não tem havido consenso sobre quais variáveis funcionais são preditoras de insuficiência cardíaca nesse modelo. Assim, nosso objetivo foi avaliar as variáveis funcionais associadas com quadro de insuficiência cardíaca no modelo indicado. Adicionalmente, pretendemos determinar os valores críticos de predição de insuficiência cardíaca para cada variável. Métodos O protocolo experimental do presente trabalho foi aprovado pela Comissão de Ética em Experimentação Animal de nossa instituição, estando em conformidade com os Princípios Éticos na Experimentação Animal adotado pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal. Infarto experimental Foram utilizados ratos Wistar machos, pesando entre 200 e 250 g. O infarto agudo foi produzido de acordo com método já descrito previamente.19,20 Em resumo, os ratos foram anestesiados com quetamina (70 mg/kg) e xilazina (5 mg/kg), e submetidos à toracotomia lateral esquerda. Após exteriorização do coração, o átrio esquerdo foi afastado, e a artéria coronária esquerda foi ligada com fio mononáilon 5-0 entre a saída da artéria pulmonar e o átrio esquerdo. A seguir, o coração retornou ao tórax, os pulmões foram inflados com pressão positiva e o tórax, fechado por suturas com algodão 10. Em 43 animais, não foi realizada oclusão coronariana (Grupo controle). Os animais foram mantidos em gaiolas para recuperação, alimentados com ração comercial padrão e com livre acesso a água, com controle de luz − ciclos de 12 horas, temperatura de aproximadamente 25°C e umidade controlada. Estudo ecocardiográfico O ecocardiograma foi realizado 6 meses após o infarto. Os animais foram anestesiados com cloridrato de quetamina (50 mg/kg) e xilazina (1 mg/kg), por via intramuscular, para o estudo ecocardiográfico. Após tricotomia da região anterior do tórax, os animais foram posicionados em decúbito dorsal em canaleta especialmente projetada e que permite leve rotação lateral esquerda para realização do exame, utilizando-se equipamento da Philips (modelo HDI 5000) dotado de transdutor eletrônico multifrequencial até 12 MHz. Todas as medidas foram efetuadas de acordo com as recomendações da American Society of Echocardiography/ European Association of Echocardiography.21 A imagem da cavidade ventricular esquerda foi obtida posicionando o cursor do modo-M entre os músculos papilares, logo abaixo do plano da valva mitral. O diâmetro diastólico do VE (DDVE) e a espessura septal do VE (HDVE) foram medidos no momento correspondente ao diâmetro máximo da cavidade. O diâmetro sistólico do VE (DSVE) foi medido no momento da excursão sistólica máxima da parede posterior da cavidade. As áreas diastólicas (AD) e sistólicas (AS) do VE foram medidas no modo bidimensional, por meio de planimetria, no plano paraesternal do eixo menor. A função sistólica do VE foi avaliada calculando-se a fração de variação de área (FAV = (AD‑AS)/AD) e a velocidade de encurtamento da parede posterior (VEPP). A função diastólica foi avaliada pela relação E/A, pelo tempo de desaceleração da onda E (TDE) e pelo tempo de relaxamento isovolumétrico ajustado pela frequência cardíaca (TRIV/RR).22,23 Análise histológica Após o estudo ecocardiográfico, os animais foram sacrificados e os corações foram retirados e dissecados. Os ventrículos direito e esquerdo, incluindo o septo interventricular, foram separados. Amostras de tecido cardíaco foram fixadas em solução de formol a 10% por período de 48 horas, segundo método já descrito.24,25 Os cortes histológicos foram corados em lâmina com solução Hematoxilina-Eosina (HE) e Masson para aferição do tecido infartado, empregando-se microscópio Leica DM LS acoplado à câmera de vídeo, que envia imagens digitais a um computador dotado de programa de análise de imagens Image Pro-plus (Media Cybernetics, Silver Spring, Maryland, EUA). O tamanho do infarto foi determinado em cortes entre 5 e 6 mm do ápice, pelo fato de os valores desta região corresponderem à média dos valores obtidos de cortes de todo coração.24,25 Para estimativa do tamanho do infarto, por meio de análise histológica, foram determinadas as circunferências epicárdicas e endocárdicas dos segmentos infartados e não infartados. O tamanho do infarto é expresso como porcentual das medidas da circunferência ventricular. Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):105-112 106 Polegato et al. Preditores de insuficiência cardíaca pós-infarto Artigo Original Critérios de insuficiência cardíaca O diagnóstico de insuficiência cardíaca foi feito pela detecção de trombo no átrio esquerdo, derrame pleural, ascite e hipertrofia do ventrículo direito, caracterizado pela relação do peso do ventrículo direito ajustado pelo peso corpóreo > 0,8 mg/g, conforme descrito previamente.4,26,27 Análise estatística As comparações entre os grupos após 6 meses foram feitas com o teste t de Student quando os dados apresentavam distribuição normal. Quando os dados apresentavam distribuição não normal, as comparações entre os grupos foram feitas com o teste U Mann-Whitney. Os dados foram expressos em média ± desvio padrão ou mediana, com percentil 25 e 75. Os valores preditivos foram analisados por regressão logística. Nessa análise, utilizamos, como variável dependente, a presença ou não de insuficiência cardíaca. Os valores de corte preditivos de insuficiência cardíaca foram determinados por meio de curvas ROC. O nível de significância foi 5%. As análises estatísticas foram feitas com o programa SigmaPlot para Windows v12.0 (Systat Software Inc., San Jose, CA, USA). Resultados Após 6 meses da cirurgia, 88 animais com infarto (I) e 43 animais controle (C) foram incluídos no estudo. As variáveis ecocardiográficas estão mostradas na Tabela 1. Conforme esperado, o infarto aumentou os diâmetros das cavidades esquerdas, a massa e a espessura da parede do VE. Adicionalmente, o infarto resultou em disfunção sistólica e diastólica, caracterizada por menores valores da FAV, VEPP, TDE, associada com maiores valores da relação E/A e TRIV/RR. Considerando os animais infartados, 54 animais (61%) desenvolveram insuficiência cardíaca. Os animais com insuficiência cardíaca apresentaram maiores infartos (43,5 ± 7,5% vs. 40,0 ± 8,1%; p = 0,044), maiores índices de massa e diâmetros das cavidades esquerdas, associados com piora das variáveis funcionais, em comparação com os animais infartados sem insuficiência cardíaca (Tabela 2). Na Tabela 3, estão os resultados das análises de regressão. FAV, relação E/A, TDE e TRIV/RR foram as variáveis funcionais preditoras de insuficiência cardíaca. No entanto, verificamos que o valor preditivo foi baixo para as variáveis funcionais, sugerindo a importância de outras variáveis. Adicionalmente, os valores de corte das variáveis funcionais, associados com insuficiência cardíaca, foram: FAV: < 31,18% (Figura 1); E/A: > 3,077 (Figura 2); TDE: < 42,11 ms (Figura 3) e TRIV/RR: < 69,08 (Figura 4). Discussão O objetivo de nosso trabalho foi avaliar as variáveis funcionais associadas com quadro de insuficiência cardíaca, no modelo do IM experimental em ratos. Nossos dados sugeriram que FAV, relação E/A, TDE e TRIV/RR são preditores de insuficiência cardíaca 6 meses após o infarto. O primeiro aspecto a ser considerado é que, em nosso estudo, a maioria dos animais (61%) com infarto desenvolveu quadro de insuficiência cardíaca. Em estudo prévio, determinamos que, para o desenvolvimento de insuficiência cardíaca, nesse modelo, são necessários infartos comprometendo 40% do VE.26 Em acordo com esse conceito, nesse estudo , os animais apresentaram, em média, grandes infartos. Nesse sentido, podemos inferir que o modelo de oclusão coronariana em ratos é adequado para o estudo da síndrome de insuficiência cardíaca. O segundo aspecto relevante refere-se ao fato de que, conforme esperado, os animais com insuficiência cardíaca apresentaram piora das variáveis funcionais relativas à função sistólica, em comparação com os animais sem insuficiência. No entanto, na análise de regressão, a Tabela 1 – Estudo ecocardiográfico após 6 meses de observação Variáveis Controle (n = 43) IAM (n = 88) Valor de p AE (mm) 5,80 (5,55-6,10) 7,72 (6,70-8,59) < 0,001 DDVE (mm) 8,39 (8,12-8,80) 10,96 (10,32-11,73) < 0,001 DSVE (mm) 4,34 (4,08-4,66) 8,70 (7,61-9,75) < 0,001 IMVE 1,94 (1,74-2,11) 3,33 (2,79-4,09) < 0,001 E/A 1,55 (1,40-1,69) 1,68 (1,32-4,85) 0,085 TRIV/RR 59,3 (5452-64,8) 70,4 (61,4-77,9) < 0,001 TDE ( ms) 45 (41-55) 39 (33-48 < 0,001 FAV (%) 67 (64-71) 33 (35-36) < 0,001 37 (35-39) 25 (20-28) < 0,001 1,49 (1,43-1,59) 1,70 (1,59-1,87) < 0,001 VEPP (mm/s) EDPP Os dados são expressos em mediana com percentil 25 e 75. IAM: animais infartados; AE: diâmetro do átrio esquerdo; DDVE: diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo; DSVE: diâmetro sitólico do ventrículo esquerdo; IMVE: índice de massa do ventrículo esquerdo; E/A: relação entre as ondas E e A; TRIV/RR: tempo de relaxamento isovolumétrico ajustado pela frequência cardíaca; TDE: tempo de desaceleração da onda E; FAV: fração de variação de área; VEPP: velocidade de encurtamento da parede posterior; EDPP: espessura diastólica da parede posterior. 107 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):105-112 Polegato et al. Preditores de insuficiência cardíaca pós-infarto Artigo Original Tabela 2 – Estudo ecocardiográfico de animais infartados após 6 meses de observação Variáveis Sem IC (n = 34) Com IC (n = 54) Valor de p AE (mm) 6,90 ± 1,29 8,16 ± 1,30 < 0,001 DDVE (mm) 10,6 ± 0,84 11,4 ± 1,05 < 0,001 8,17 ± 1,13 9,02 ± 1,39 0,002 IMVE DSVE (mm) 3,14 (2,81-3,59) 3,64 (2,78-4,50) 0,018 E/A 1,43 (1,24-1,70) 3,91 (1,35-6,27) 0,002 73,9 ± 12,1 66,7 ± 12,0 0,008 TDE (ms) 43,1 ± 8,8 38,3 ± 10,2 0,036 FAV (%) 33,3 ± 8,6 29,6 ± 7,6 0,040 25,9 (22,6-28,4) 24,2 (20,6-28,3) 0,344 TRIV/RR (ms) VEPP Os dados são expressos em média ± desvio padrão (para distribuição normal) ou mediana com percentil 25 e 75 (para distribuição não normal). IC: insuficiência cardíaca; AE: diâmetro do átrio esquerdo; DDVE: diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo; DSVE: diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo; IMVE: índice de massa do ventrículo esquerdo; E/A: relação entre as ondas E e A; TRIV/RR: tempo de relaxamento isovolumétrico ajustado pela frequência cardíaca; TDE: tempo de desaceleração da onda E; FAV: fração de variação de área; VEPP: velocidade de encurtamento da parede posterior. Tabela 3 – Fatores preditores de insuficiência cardíaca após 6 meses da oclusão coronariana Variáveis E/A OR IC 95% Valor de p 1,529 1,183-1,976 0,001 TRIV/RR 0,949 0,911-0,989 0,013 TDE (ms) 0,951 0,906-0,998 0,040 FAV (%) 0,944 0,892-0,999 0,045 VEPP (mm/s) 0,077 0,905-1,055 0,554 OR: odds ratio; IC95%: intervalo de confiança de 95%; E/A: relação entre as ondas E e A; TRIV/RR: tempo de relaxamento isovolumétrico ajustado pela frequência cardíaca; TDE: tempo de desaceleração da onda E; FAV: fração de variação de área; VEPP: velocidade de encurtamento da parede posterior. FAV, mas não a VEPP, foi preditora do aparecimento de insuficiência cardíaca. Acredita-se que, em modelos de acinesia regional do VE, métodos ecocardiográficos de avaliação funcional monodimensionais podem ser falhos. Nessa situação, recomenda-se o uso, por exemplo, do método de Simpson, em humanos. A FAV é obtida pela análise das AS e AD, utilizando técnica bidimensional. No entanto, a VEPP é obtida no modo monodimensional. Portanto, nossos resultados enfatizam que, nesse modelo, a exemplo do que ocorre em humanos, é preferível o uso de análise funcional sistólica com técnica bidimensional como, por exemplo, a FAV. Outro aspecto proeminente está relacionado com a função diastólica. Diferentemente da função sistólica, o estudo da função diastólica no modelo do rato com o ecocardiograma não está tão bem padronizado. Algumas das principais dificuldades técnicas são o tamanho pequeno do animal, com suas implicações no transdutor e a frequência cardíaca ao redor de 300 batimentos por minuto. Em nosso estudo, no entanto, todas as variáveis analisadas de função diastólica foram associadas com o aparecimento de insuficiência cardíaca. Assim, nesse modelo, a função diastólica, avaliada pela relação E/A, o TDE e o TRIV/RR foram preditores de insuficiência cardíaca 6 meses após a oclusão coronariana. O aspecto mais relevante do nosso estudo é que a predição de insuficiência cardíaca no modelo de ratos com IM tem importantes implicações. Apesar de não haver consenso sobre a definição de disfunção cardíaca e insuficiência cardíaca, usualmente elas são diagnosticadas por elevação da pressão diastólica final (PD2) do VE (método hemodinâmico invasivo) e presença de sinais clínicos em avaliação após a morte (hipertrofia do VD, ascite, derrame pleural e trombo no átrio esquerdo), respectivamente. Portanto, nosso estudo sugere que o ecocardiograma é ferramenta não invasiva útil para a predição dessa síndrome, pois tanto variáveis de função sistólica, como parâmetros de função diastólica, pouco estudadas nesse modelo, foram associadas com a insuficiência cardíaca. Estudos prévios avaliaram a relação entre os parâmetros ecocardiográficos e a insuficiência cardíaca. No entanto, a maioria dos estudos analisou a relação entre o ecocardiograma com a PD2 e não com variáveis clínicas de insuficiência cardíaca.6-10 Martinez et al.5 avaliaram a relação entre variáveis morfológicas e funcionais cardíacas com as manifestações clínicas de insuficiência cardíaca. No entanto, as variáveis ecocardiográficas foram estudadas por agrupamento (cluster analysis).5 Portanto, acreditamos que nosso estudo acrescenta importantes informações sobre o papel do ecocardiograma como preditor em longo prazo de insuficiência cardíaca, nesse modelo. Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):105-112 108 Polegato et al. Preditores de insuficiência cardíaca pós-infarto Artigo Original Figura 1 – Valor de corte para a fração de variação de área, como preditora de insuficiência cardíaca, 6 meses após o infarto. Áurea sob a curva: 0,6277; intervalo de confiança de 95%: 0,5066-0,7489; valor de p: 0,044; cutoff < 31,18; sensibilidade: 55,60%; especificidade: 57,34%. Figura 2 – Valor de corte para a relação E/A, como preditora de insuficiência cardíaca, 6 meses após o infarto. Áurea sob a curva: 0,6985; intervalo de confiança de 95%: 0,5875-0,8095; valor de p: 0,0017; cutoff > 3,077; sensibilidade: 57,93%; especificidade: 62,56%. 109 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):105-112 Polegato et al. Preditores de insuficiência cardíaca pós-infarto Artigo Original Figura 3 – Valor de corte para o tempo de desaceleração da onda E, como preditora de insuficiência cardíaca, 6 meses após o infarto. Áurea sob a curva: 0,6533; intervalo de confiança de 95%: 0,5341-0,7724; valor de p: 0,0218; cutoff < 42,11; sensibilidade: 59,77%; especificidade: 51,85%. Figura 4 – Valor de corte para o tempo de relaxamento isovolumétrico ajustado pela frequência cardíaca, como preditora de insuficiência cardíaca, 6 meses após o infarto. Áurea sob a curva: 0,6544; intervalo de confiança de 95%: 0,5398-0,7691; valor de p: 0,01512; cutoff < 69,08; sensibilidade: 55,10%; especificidade: 60,49%. Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):105-112 110 Polegato et al. Preditores de insuficiência cardíaca pós-infarto Artigo Original Finalmente, já está bem estabelecido que o principal determinante da função ventricular, do processo de remodelação e, consequentemente, do aparecimento de insuficiência cardíaca, nesse modelo, é o tamanho do infarto.4,26,28,29 Em nosso estudo, no entanto, a diferença nos tamanhos de infarto entre os animais com e sem insuficiência cardíaca, apesar de significativa, foi pequena (43 ± 7% vs. 40 ± 8%, respectivamente). Portanto, podemos concluir que outros fatores, que não o tamanho do infarto, são importantes determinantes do aparecimento de insuficiência cardíaca, nesse modelo. Entre os possíveis candidatos, podemos incluir mudanças no diâmetro da cavidade ventricular, alterações na espessura da parede, mudança de configuração normal do VE de elíptica para forma mais arredondada, entre outros. Desse modo, em algumas situações, as alterações na geometria, por si, poderiam ser responsáveis pelo comprometimento da função global do ventrículo, por alterar as condições de carga a que o coração é submetido. pela frequência cardíaca foram preditores do aparecimento de insuficiência cardíaca. Contribuição dos autores Concepção e desenho da pesquisa e Redação do manuscrito: Polegato BF, Zornoff LAM; Obtenção de dados: Polegato BF, Minicucci MF, Azevedo PS, Gonçalves AF, Lima AF, Martinez PF, Okoshi K; Análise e interpretação dos dados: Polegato BF, Minicucci MF, Azevedo PS, Gonçalves AF, Lima AF, Martinez PF, Okoshi MP, Okoshi K, Zornoff LAM; Análise estatística: Minicucci MF, Paiva SAR; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Minicucci MF, Azevedo PS, Martinez PF, Okoshi MP, Okoshi K, Paiva SAR. Potencial conflito de interesse Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. Fontes de financiamento Conclusão O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Em ratos acompanhados por 6 meses após o infarto, a fração de variação de área, a relação E/A, o tempo de desaceleração da onda E e o tempo de relaxamento isovolumétrico ajustado Vinculação acadêmica Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação. 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Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):105-112 112 Voltar ao Índice da Capa Artigo Original Fatores Maternos e Resultados Perinatais Adversos em Portadoras de Pré-eclâmpsia em Maceió, Alagoas Maternal Factors and Adverse Perinatal Outcomes in Women with Preeclampsia in Maceió, Alagoas Alane Cabral Menezes de Oliveira1, Arianne Albuquerque Santos2, Alexandra Rodrigues Bezerra1, Amanda Maria Rocha de Barros1, Myrian Cicyanne Machado Tavares1 Universidade Federal de Alagoas1, Hospital Universitário Professor Alberto Antunes2, Maceió, AL – Brasil Resumo Fundamento: A pré-eclâmpsia tem sido associada a vários fatores de risco e eventos. No entanto, esta doença é merecedora de mais investigações, tendo em vista a multiplicidade de fatores relacionados que acometem diferentes populações. Objetivo: Avaliar os fatores maternos e os resultados perinatais adversos em uma coorte de gestantes com pré-eclâmpsia da rede pública de saúde de Maceió. Métodos: Estudo de coorte prospectivo realizado em 2014 na rede pública de saúde do município com uma amostra de gestantes calculada com base na prevalência de pré-eclâmpsia de 17%, nível de confiança de 90%, poder de 80% e razão de 1:1. Foi aplicado um questionário para coleta de dados socioeconômicos, pessoais e antropométricos, e obtidas variáveis perinatais de prontuário e da declaração de nascido vivo. Análise realizada com regressão de Poisson e teste do qui-quadrado, considerando p < 0,05 como significativo. Resultados: Foram estudadas 90 gestantes com pré-eclâmpsia (GCP) e 90 gestantes sem pré-eclâmpsia (GSP). História prévia de pré-eclâmpsia (razão de prevalência [RP] = 1,57, intervalo de confiança de 95% [IC 95%] 1,47–1,67, p = 0,000) e cor da pele negra (RP = 1,15, IC 95% 1,00–1,33, p = 0,040) estiveram associadas à ocorrência de pré-eclâmpsia. Entre os recém-nascidos das GCP e GSP, 12,5% e 13,1%, respectivamente, eram pequenos para a idade gestacional (p = 0,907) e 25,0% e 23,2%, respectivamente, eram grandes para a idade gestacional (p = 0,994). Houve predomínio da via de parto cesariana. Conclusões: História pessoal de pré-eclâmpsia e cor da pele negra estiveram associadas à ocorrência de pré-eclâmpsia. Houve elevadas frequências de desvios de peso ao nascer e da via de parto cesariana. (Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):113-120) Palavras-chave: Fatores de Risco; Hipertensão; Pré-Eclâmpsia; Gestantes; Assistência Perinatal. Abstract Background: Preeclampsia has been associated with several risk factors and events. However, it still deserves further investigation, considering the multitude of related factors that affect different populations. Objective: To evaluate the maternal factors and adverse perinatal outcomes in a cohort of pregnant women with preeclampsia receiving care in the public health network of the city of Maceió. Methods: Prospective cohort study carried out in 2014 in the public health network of the city with a sample of pregnant women calculated based on a prevalence of preeclampsia of 17%, confidence level of 90%, power of 80%, and ratio of 1:1. We applied a questionnaire to collect socioeconomic, personal, and anthropometric data, and retrieved perinatal variables from medical records and certificates of live birth. The analysis was performed with Poisson regression and chi-square test considering p values < 0.05 as significant. Results: We evaluated 90 pregnant women with preeclampsia (PWP) and 90 pregnant women without preeclampsia (PWoP). A previous history of preeclampsia (prevalence ratio [PR] = 1.57, 95% confidence interval [95% CI] 1.47 – 1.67, p = 0.000) and black skin color (PR = 1.15, 95% CI 1.00 – 1.33, p = 0.040) were associated with the occurrence of preeclampsia. Among the newborns of PWP and PWoP, respectively, 12.5% and 13.1% (p = 0.907) were small for gestational age and 25.0% and 23.2% (p = 0.994) were large for gestational age. There was a predominance of cesarean delivery. Conclusions: Personal history of preeclampsia and black skin color were associated with the occurrence of preeclampsia. There was a high frequency of birth weight deviations and cesarean deliveries. (Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):113-120) Keywords: Risk Factors; Hypertension; Pre-Eclampsia; Pregnant Women; Perinatal Care. Full texts in English - http://www.arquivosonline.com.br Correspondência: Alane Cabral • Universidade Federal de Alagoas. Faculdade de Nutrição. Avenida Lourival de Melo Mota, S/N- Tabuleiro dos Martins. CEP 57072-900. Maceió, AL – Brasil Email: [email protected] Artigo recebido em 22/06/15; revisado em 28/09/15; aceito em 14/10/15. DOI: 10.5935/abc.20150150 113 Oliveira et al. Fatores maternos e perinatais na pré-eclâmpsia Artigo Original Introdução As síndromes hipertensivas da gestação merecem especial atenção no cenário de saúde pública mundial e nacional. Essas síndromes são atualmente a primeira causa de mortalidade materna no Brasil, acometendo cerca de 5 a 17% das gestantes. Devido à sua gravidade, estão entre as causas mais importantes de internamento em unidades de terapia intensiva (UTI).1-7 A pré-eclâmpsia (PE) é uma desordem decorrente de má perfusão placentária e disfunção endotelial com elevação dos níveis pressóricos e proteinúria após a 20ª semana de gestação.1,8 A ocorrência de PE está relacionada com um aumento no risco de eventos adversos (descolamento prematuro de placenta, insuficiência renal aguda e hemorragia cerebral, entre outros) e desfecho perinatal desfavorável (baixo peso ao nascer [BPN], macrossomia fetal [MF], índice de Apgar baixo no 1º e no 5º minuto de vida, infecção neonatal, síndrome de aspiração meconial e prematuridade, entre outros).9,10 Vários fatores de risco associados à PE têm sido descritos na literatura, dentre eles a primiparidade, extremos de idade reprodutiva, estado nutricional pré-gestacional ou gestacional inadequado, ganho ponderal inadequado, condições socioeconômicas desfavoráveis, presença de doenças crônicas e história familiar e / ou pessoal de PE, entre outros. Segundo alguns autores, a incidência da doença merece melhor investigação, tendo em vista a multiplicidade de fatores que modificam seu risco de acordo com a região, já que alguns fatores são semelhantes entre populações e outros estão relacionados à área geográfica e etnia da coorte estudada.11-19 A diminuição da mortalidade materna e infantil é uma das metas até 2015 para redução da pobreza no mundo (Objetivos de Desenvolvimento do Milênio [ODM-2009/2012]).20 Apesar da importância da PE e do potencial de prevenção da maioria das mortes e complicações decorrentes da doença, não há estudos sobre o tema em Maceió. Com isso, o presente estudo objetivou comparar os fatores maternos e os resultados perinatais adversos em gestantes com PE e gestantes normotensas da rede pública de saúde de Maceió. Esta análise pretende direcionar as estratégias para reduzir a PE e suas complicações. Os critérios de inclusão foram residência em Maceió e atendimento da gestação no HUPAA ou em uma UBS do município. As gestantes não residentes no município, com incapacidade de locomoção, que não eram assistidas no HUPAA ou que não realizavam pré-natal em uma UBS do município não foram incluídas no estudo. Após seleção das participantes, foi aplicado um questionário padronizado e previamente testado pelo grupo de pesquisa que incluiu coleta de dados socioeconômicos (renda, escolaridade e cor da pele referida), pessoais (história pessoal e familiar de PE, estado civil e paridade), antropométricos (peso pré-gestacional, peso atual e altura) e variáveis perinatais (idade gestacional [IG] no momento do parto, peso e comprimento do recém-nascido [RN] ao nascimento, sexo do RN, via de parto e índice de Apgar do RN no 1º e no 5º minuto de vida). Estas últimas informações foram coletadas do prontuário médico e / ou da declaração de nascido vivo após o parto. A PE foi confirmada a partir de informações de prontuário (consulta de pareceres médicos) na ocorrência de hipertensão arterial sistêmica (pressão arterial sistólica ≥ 140 mmHg ou pressão arterial diastólica ≥ 90 mmHg) e proteinúria (proteína urinária > 300 mg/24h) após a 20ª semana de gestação.8 Para avaliação do estado nutricional materno, foram coletadas medidas de peso e altura da gestante com auxílio de balança digital e estadiômetro, e utilizados pontos de corte estabelecidos por Atalah Samur et al. 21 e preconizado pelo Ministério da Saúde do Brasil. 22 Foi também investigado o ganho de peso durante a gravidez ajustado para a IG no momento da entrevista, considerando as recomendações de meta ponderal estabelecidas pelo Institute of Medicine (IOM).23 Estudo de coorte prospectivo realizado no ano de 2014 com gestantes com PE procedentes do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA, centro de referência em gestações de alto risco no estado de Alagoas) e gestantes normotensas que realizavam pré-natal em Unidades Básicas de Saúde (UBS) do município de Maceió, estado de Alagoas. A IG do RN no momento do parto foi classificada segundo os critérios propostos pela Organização Mundial da Saúde (OMS):24 pré-termo (IG < 37 semanas), termo (IG entre 37 e 42 semanas) e pós-termo (IG > 42 semanas). Os dados de peso e comprimento ao nascimento foram interpretados de acordo com as novas curvas da OMS,25 e para os RN com IG < 33 semanas foram utilizadas as curvas de Fenton.26 Os pontos de corte para ambas as curvas foram considerados em percentis de acordo com padrões internacionais. Os RN com peso abaixo do percentil 3 foram classificados como pequenos para a idade gestacional (PIG), aqueles entre os percentis 3 e 97 como adequados para a idade gestacional (AIG) e aqueles com peso superior ao percentil 97 como grandes para a idade gestacional (GIG). Os mesmos pontos de corte foram considerados para a classificação do comprimento ao nascimento. A condição do RN após o parto foi avaliada através dos valores do índice de Apgar no 1º e no 5º minuto de vida, nos quais valores ≤ 6 para ambos os minutos caracterizam risco para o RN.27 O cálculo do tamanho da amostra foi realizado com o auxílio do programa Epi Info, versão 7.0, com base em uma prevalência de PE de 17%,7 considerando um nível de confiança de 90%, poder de 80% e razão de 1:1 (expostos e não expostos). O tamanho estimado da amostra foi de 178, dos quais 89 eram gestantes com pré-eclâmpsia (GCP) e 89 gestantes sem pré-eclâmpsia (GSP). Os dados foram processados com o programa Stata, versão 13.0, adotando um nível de confiança de 95% (α = 0,05). Foi utilizada a regressão de Poisson com estimativa robusta da variância visando identificar os fatores maternos associados à PE, sendo testadas no modelo ajustado as variáveis independentes que na análise de regressão bruta apresentaram significância menor que 20% (p < 0,20). Métodos Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):113-120 114 Oliveira et al. Fatores maternos e perinatais na pré-eclâmpsia Artigo Original A magnitude das associações entre a variável desfecho e as variáveis independentes foram expressas em razão de prevalência (RP) e intervalo de confiança de 95% (IC95%). A variável desfecho das análises foi a presença ou ausência de PE. As variáveis independentes foram: idade materna (≤ 19 anos, 20 a 34 anos, ou ≥ 35 anos), renda familiar (< 1 salário mínimo ou ≥ 1 salário mínimo), escolaridade materna (< 4 anos ou ≥ 4 anos), cor referida da pele (branca ou parda / negra), presença de união estável (sim ou não), primeira gestação (sim ou não), história pessoal de PE (sim ou não), história familiar de PE (sim ou não), estado nutricional gestacional segundo o índice de massa corporal (IMC; baixo peso, eutrofia, sobrepeso, ou obesidade) e ganho ponderal no período gestacional (insuficiente, adequado, ou excessivo). O teste do qui-quadrado foi utilizado para caracterizar as variáveis perinatais, visando comparar as frequências entre os dois grupos estudados (GCP e GSP), com os resultados expressos em odds ratio (OR) e IC95%. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) sob processo de número 341.953. Resultados Foram estudadas 90 GCP e 90 GSP, com médias de idade de 25,8 ± 6,7 anos e 24,1 ± 6,2 anos, respectivamente. Ao todo, 17,8% das GCP e 27,8% das GSP eram adolescentes (p = 0,096), 43,3% e 45,5%, respectivamente, tinham baixa escolaridade (p = 0,433) e 30,0% e 24,4%, respectivamente, tinham baixa renda (p = 0,407). Cor da pele negra foi referida por 16,7% das GCP e 10,0% das GSP (p = 0,194), enquanto que 28,9% e 8,9%, respectivamente, apresentavam história familiar para PE (p = 0,000) e 38,9% e 1,11%, respectivamente, apresentavam história pessoal para PE (p = 0,000). As respectivas taxas de obesidade foram 40,1% e 13,0% (p = 0,000) e de ganho ponderal gestacional excessivo foram 34,5% e 16,7% (p = 0,013) (Tabela 1). A Tabela 2 apresenta os fatores associados à PE que foram incluídos no modelo ajustado de regressão de Poisson. Estiveram associados à doença a presença de história prévia de PE (RP = 1,57, IC 95% 1,47 – 1,67, p = 0,000) e cor negra da pele (RP = 1,15, IC 95% 1,00 – 1,33, p = 0,040). As variáveis idade ≤ 19 anos, história familiar de PE, obesidade segundo o IMC e ganho ponderal excessivo foram incluídas no modelo ajustado por terem alcançado valor de p dentro da margem estabelecida para permanência de uma variável no modelo (p < 0,2). A Tabela 3 mostra os resultados perinatais da coorte estudada. Nestes resultados foram excluídos os dados de duas GCP devido a mortalidade neonatal, e de cinco GSP devido a um caso de aborto espontâneo, dois de mortalidade neonatal e dois de perda de seguimento. Os grupos GCP e GSP apresentaram, respectivamente, 6,8% e 4,7% de partos pré‑termo (OR = 1,46, IC 95% 0,39 – 5,38, p = 0,565), 12,5% e 13,1% de RN PIG (OR = 0,95, IC 95% 0,39 – 2,32, p = 0,907), 25,0% e 26,2% de RN 115 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):113-120 GIG (OR = 0,99, IC 95% 0,50 – 1,97, p = 0,994) e 56,0% e 30,8% de RN com comprimento elevado ao nascer (OR = 2,96, IC 95% 1,56 – 5,61, p = 0,001). A via de parto cesariana foi a mais frequente em ambos os grupos (58,0% e 53,9%, respectivamente). O índice de Apgar esteve ≤ 6 no 1º minuto de vida em 11,1% e 3,4%, respectivamente, e no 5º minuto de vida em 6,7% e 3,4%, respectivamente. Discussão Os resultados da presente pesquisa mostram que uma história pessoal de PE está associada a uma nova ocorrência de PE em gestação posterior. De forma semelhante, um estudo realizado com uma coorte de gestantes da Suécia mostrou que uma história prévia de PE também conferiu risco para a doença, com uma incidência de PE de 14,7% em mulheres que haviam apresentado PE na primeira gravidez e de 31,9% em mulheres que haviam apresentado a doença nas duas últimas gestações.11 Adicionalmente, uma pesquisa realizada no Sul do Brasil por Dalmáz et al.14 encontrou um maior risco de PE em gestantes com história familiar para a doença. Mulheres que desenvolvem PE apresentam um risco mais elevado de recidiva da doença em gestações futuras e habitualmente apresentam história familiar de PE, o que sugere envolvimento de fatores genéticos. Estudos têm mostrado a importância de genes maternos no desenvolvimento da PE, como as seguintes mutações genéticas: (i) na glu298Asp da óxido nítrico sintetase levando ao aumento da resistência vascular periférica e (ii) no fator V de Leiden relacionado com o sistema de coagulação sanguínea. No entanto, os resultados quanto a etiologia genética na pré-eclâmpsia não são conclusivos.28 Indivíduos com cor de pele negra parecem apresentar um defeito hereditário na captação celular e no transporte renal de sódio e cálcio, o que pode ser atribuído à presença de um gene economizador de sódio que favorece o influxo celular de sódio e efluxo celular de cálcio, predispondo assim ao aparecimento de hipertensão arterial.29 Em um estudo caso-controle realizado com parturientes no estado de Goiás, a cor não branca da pele representou um risco independente para a PE,18 corroborando os achados da presente pesquisa. Isso pode ser explicado pelo fato de que mulheres negras apresentam maior incidência de hipertensão arterial crônica, o que aumenta a incidência de PE sobreposta à hipertensão. Estudos têm demonstrado uma relação entre piores condições socioeconômicas e maior incidência de PE, visto que essas condições podem se associar a situações de estresse e pior estado nutricional. 30 No presente estudo, não se observou associação entre condições socioeconômicas desfavoráveis, como baixa renda e baixa escolaridade, e ocorrência de PE. Isto pode ser justificado pela homogeneidade da amostra estudada que incluiu apenas parturientes da rede pública de saúde de Maceió. Este município, o maior do estado de Alagoas, apresenta um índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,721, considerado o pior do país, quando se leva em conta critérios de renda, longevidade e educação.31 Oliveira et al. Fatores maternos e perinatais na pré-eclâmpsia Artigo Original Tabela 1 – Distribuição da PE e RP bruta (IC 95%) segundo variáveis socioeconômicas, pessoais e antropométricas de gestantes atendidas pela rede pública de saúde do município de Maceió, Alagoas, 2014 Variável GCP (n = 90) GSP (n = 90) RP bruta (IC 95%) p* ≤ 19 16 (17,8) 25 (27,8) 0,91 (0,82-1,02) 0,096 20-34 66 (73,3) 56 (62,2) 1,00 ≥ 35 8 (8,9) 9 (10,0) 0,95 (0,81-1,13) Faixa etária (anos) 0,592 0,433 Escolaridade (anos) <4 39 (43,3) 41 (45,5) 0,98 (0,95-1,02) ≥4 51 (56,7) 49 (54,5) 1,00 0,407 Renda (R$) < 1 salário mínimo 27 (30,0) 22 (24,4) 1,04 (0,93-1,17) ≥ 1 salário mínimo 63 (70,0) 68 (75,6) 1,00 Negra 15 (16,7) 9 (10,0) 1,11 (0,95-1,28) Branca/ parda 75 (83,3) 81 (90,0) 1,00 Não 38 (42,2) 37 (41,1) 1,01 (0,91-1,11) Sim 42 (57,8) 53 (58,9) 1,00 0,194 Cor da pele (referida) 0,880 União estável 0,000 História familiar de PE Sim 26 (28,9) 8 (8,9) 1,26 (1,11-1,43) Não 64 (71,1) 82 (91,1) 1,00 0,000 História pessoal de PE Sim 35 (38,9) 1 (1,11) 1,62 (1,54-1,70) Não 55 (61,1) 89 (98,9) 1,00 0,762 Primeira gestação Sim 36 (40,0) 38 (42,2) 0,98 (0,89-1,09) Não 54 (60,0) 52 (57,8) 1,00 Estado nutricional gestacional Baixo peso 13 (14,4) 15 (16,7) 0,97 (0,85-1,10) Eutrofia 22 (24,4) 39 (43,3) 1,00 0,678 Sobrepeso 19 (21,1) 24 (26,7) 0,95 (0,85-1,06) 0,375 Obesidade 36 (40,1) 12 (13,3) 1,27 (1,14-1,42) 0,000 0,705 Ganho ponderal gestacional Insuficiente 41 (45,5) 45 (50,0) 0,98 (0,89-1,08) Adequado 18 (20,0) 30 (33,3) 1,00 Excessivo 29 (34,5) 15 (16,7) 1,16 (1,03-1,30) 0,013 2 --- --- --- Sem informação GCP: gestantes com pré-eclâmpsia; GSP: gestantes sem pré-eclâmpsia; PE: pré-eclâmpsia; RP: razão de prevalência; IC95%: intervalo de confiança de 95%. * Regressão logística bruta, com valores de p < 0,05 considerados significativos. Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):113-120 116 Oliveira et al. Fatores maternos e perinatais na pré-eclâmpsia Artigo Original Tabela 2 – Fatores associados à PE incluídos no modelo multivariado, Maceió, Alagoas, 2014 Variável RP ajustada (IC95%) p* História pessoal de PE 1,57 (1,47-1,67) 0,000 IMC atual de obesidade 1,10 (0,97-1,24) 0,115 História familiar de PE 1,10 (0,98-1,24) 0,078 Ganho ponderal excessivo 1,08 (0,94-1,18) 0,324 Idade ≤ 19 anos 0,93 (0,85-1,01) 0,090 Cor da pele negra 1,15 (1,00-1,33) 0,040 PE: pré-eclâmpsia; IMC: índice de massa corporal; RP: razão de prevalência; IC95%: intervalo de confiança de 95%. *Regressão de Poisson, com valores de p < 0,05 considerados significativos. Tabela 3 – Resultados perinatais de gestantes com PE atendidas pela rede pública de saúde do município de Maceió, Alagoas, 2014 Variável GCP (n = 88) GSP (n = 85) OR bruta (IC 95%) p* 6 (6,8) 4 (4,7) 1,46 (0,39-5,38) 0,565 75 (85,2) 73 (85,9) 0,87 (0,37-2,06) 0,751 7 (8,0) 7 (9,4) 0,80 (0,26-2,50) 0,707 Idade gestacional no momento do parto Pré-termo Termo Pós-termo 0,611 Via de parto Cesariana 51 (58,0) 46 (53,9) Vaginal 37 (42,0) 38 (46,1) 0,85 (0,47-1,57) 1,000 Sexo do RN Feminino 44 (50,0) 42 (50,0) Masculino 44 (50,0) 42 (50,0) 1,00 (0,55-1,82) PIG 11 (12,5) 11 (13,1) 0,95 (0,39-2,32) 0,907 AIG 55 (62,5) 51 (60,7) 1,07 (0,58-1,99) 0,810 GIG 22 (25,0) 22 (26,2) 0,99 (0,50-1,97) 0,994 Peso do RN ao nascimento Comprimento do RN ao nascimento Baixo 1 (1,1) 5 (6,4) 0,17 (0,02-1,47) 0,069 Adequado 37 (42,9) 49 (62,8) 0,43 (0,23-0,80) 0,008 Elevado 50 (56,0) 24 (30,8) 2,96 (1,56-5,61) 0,001 --- 7 Sem informação 0,119 Apgar do RN no 1º minuto ≤6 5 (11,1) 2 (3,4) ≥7 40 (88,9) 57 (96,6) 43 26 Sem informação 3,56 (0,66-19,29) 0,198 Apgar do RN no 5º minuto ≤6 3 (6,7) 2 (3,4) ≥7 42 (93,3) 57 (96,6) 43 26 Sem informação 4,07 (0,41-40,53) PE: pré-eclâmpsia; GCP: gestantes com pré-eclâmpsia (dois casos de mortalidade neonatal); GSP: gestantes sem pré-eclâmpsia (um caso de aborto espontâneo, dois de mortalidade neonatal e dois de perda de seguimento); RN: recém-nascido; AIG: adequado para a idade gestacional; PIG: pequeno para a idade gestacional; GIG: grande para a idade gestacional; OR: odds ratio; IC95%: intervalo de confiança de 95%. * Teste do qui-quadrado, com valores de p < 0,05 considerados significativos. 117 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):113-120 Oliveira et al. Fatores maternos e perinatais na pré-eclâmpsia Artigo Original Nesta pesquisa também não houve associação entre estado nutricional materno e ocorrência de PE, apesar da observação de frequências elevadas de obesidade e ganho ponderal excessivo nas GCP quando comparadas às GSP. Por outro lado, o estudo internacional, multicêntrico e epidemiológico HAPO,19 que incluiu 15 centros em 9 países, concluiu que um elevado IMC materno está associado a uma maior frequência da doença. Adicionalmente, Seabra et al.,32 ao estudarem gestantes atendidas no serviço de PE de uma maternidade pública do Rio de Janeiro, também encontraram aumento no risco de PE em mulheres com sobrepeso e obesidade. Os mecanismos para a predisposição de mulheres com excesso de peso à PE ainda não são totalmente claros, porém são consideradas como hipóteses o aumento da resposta inflamatória (consequência de uma maior síntese de substâncias pró-inflamatórias pelo tecido adiposo, assim como algumas citocinas e proteína C reativa) levando, por exemplo, à inibição da óxido nítrico sintase, diminuindo assim a disponibilidade de óxido nítrico e ocasionando vasoconstrição.33 Quando a via de parto estabelecida é a cesariana (via predominante na presente pesquisa), o risco de complicações maternas aumenta, especialmente em gestantes com PE grave. Com isso, elevam-se as chances de manifestações hemorrágicas, infecções, picos hipertensivos e maior duração do tempo de hospitalização.1-4 O Manual Técnico de Gestação de Alto Risco utilizado pelo Ministério da Saúde do Brasil salienta que “gravidez de risco não é sinônimo de parto cesariano”, onde em muitas situações é possível induzir o parto visando o seu término por via vaginal, ou mesmo aguardar o seu início espontâneo.4 Ainda, a taxa de cesarianas nesta pesquisa foi bem superior em relação à recomendada pela OMS (< 15%).34 Em um estudo observacional e retrospectivo com parturientes com PE que realizaram o parto na Maternidade Escola da Universidade do Rio de Janeiro, foi observado um maior risco de nascimento de RN PIG, prematuridade, infecção neonatal e síndrome da aspiração meconial. 10 No presente estudo, a ocorrência de PE não elevou a chance de nascimento de RN com desvios de peso (PIG e GIG), nem a frequência de parto pré-termo em comparação às gestações sem PE. É importante destacar as elevadas frequências destes resultados perinatais adversos em ambos os grupos (GCP e GSP), especialmente em relação aos desvios de peso ao nascer, nascimentos de RN PIG (12,5% e 13,1%) e GIG (25% e 26,2%), pois contrastam com dados nacionais (8,46% casos de BPN e 5,05% de MF) e do estado de Alagoas (7,68% casos de BPN e 5,44% com MF).35 Chama a atenção no presente estudo a elevada frequência de RN GIG. Este fato pode ser reflexo de uma tendência histórica de transição nutricional, refletida por um aumento na incidência de peso elevado ao nascer (identificado como uma manifestação nova e avançada dessa transição).36 Reforçando esses achados, uma pesquisa realizada no Nordeste do Brasil identificou uma associação entre a MF e o ganho ponderal gestacional excessivo.37 Estudos têm sugerido uma correlação positiva entre a concentração de leptina no cordão umbilical e IG, peso, comprimento e índice ponderal do RN, com maiores níveis desse hormônio em mulheres grávidas quando comparadas com não grávidas, principalmente aquelas com excesso de peso corporal na gestação.38 Esse hormônio tem também um papel importante na regulação do sistema nervoso simpático e, consequentemente, no controle da pressão arterial. Em um estudo caso-controle, gestantes com PE apresentaram nível de leptina três vezes maior do que gestantes normotensas.39 No presente estudo, as gestantes com PE tiveram chance quase três vezes maior de terem RN com comprimento elevado ao nascimento quando comparadas com as normotensas, o que poderia ser explicado pela presença da PE e do excesso de peso nas gestantes com PE quando comparadas às normotensas, cursando assim com maiores níveis de leptina e, consequentemente, maior crescimento fetal. Nesta pesquisa, a maioria das gestantes com PE tiveram RN com índices de Apgar no 1º e no 5º minuto de vida acima do ponto de corte, porém a presença da doença não aumentou a frequência desses índices. Diferentemente, Oliveira et al.10, ao estudarem as repercussões perinatais de mulheres que tiveram o parto na Maternidade Escola da Universidade do Rio de Janeiro, encontraram um maior risco para Apgar baixo no 1º e no 5º minuto nas mulheres com diagnóstico de PE. No entanto, grande parte da amostra em nosso estudo não possuía dados sobre o índice de Apgar no prontuário médico e na declaração de nascido vivo, fato que limita a extrapolação desses resultados. Segundo Costa e De Frias,40 diversas causas podem ser apontadas para o mau preenchimento de declarações de nascidos vivos, como a falta de clareza do manual de instruções para o preenchimento do documento e a heterogeneidade dos profissionais responsáveis por esta tarefa. De acordo com os resultados encontrados no presente estudo, a PE não mostrou associação com piores resultados perinatais quando comparada à ausência de PE (gestantes normotensas), à exceção de uma maior frequência de nascimento de RN com comprimento elevado. Este resultado difere da maioria dos encontrados na literatura. Uma causa provável para este achado foi a falta de diferenciação entre os casos leves e graves de PE, já que são os casos graves de PE que cursam com piores resultados obstétricos.4 Apesar do tamanho da amostra ter sido adequado para estimar a prevalência dos desfechos investigados, pode não ter tido poder estatístico para identificar associações entre algumas exposições, particularmente aquelas com menor prevalência na população estudada. Ainda assim, alguns dos resultados obstétricos adversos nesta pesquisa, como a via de parto predominantemente cesariana e os desvios de peso dos RN ao nascimento, apresentaram frequências superiores aos padrões de recomendação. Assim, percebe-se a enorme importância da realização do pré-natal e do cuidado multiprofissional nas consultas para identificação de riscos, garantia de suporte nutricional à gestante e tratamento de doenças visando a redução de agravamentos obstétricos e neonatais. Como limitações desse estudo pode-se destacar a grande perda de informações referentes ao índice de Apgar, devido ao preenchimento incompleto do prontuário e/ou da declaração de nascido vivo, ressaltando a importância do correto preenchimento por parte dos profissionais. Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):113-120 118 Oliveira et al. Fatores maternos e perinatais na pré-eclâmpsia Artigo Original Conclusões A ocorrência de PE esteve associada à história materna de PE e cor da pele negra, e ocasionou uma elevada frequência de desvios de peso do RN ao nascimento e da via de parto cesariana. Contribuição dos autores Concepção e desenho da pesquisa, Análise estatística e Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Oliveira ACM; Obtenção de dados: Santos AA, Bezerra AR, Barros AMR, Tavares MCM; Análise e interpretação dos dados e Redação do manuscrito: Oliveira ACM, Santos AA, Bezerra AR, Barros AMR, Tavares MCM. Potencial conflito de interesse Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. Fontes de financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação acadêmica Não há vinculação deste estudo a programas de pós‑graduação. Referências 1. Steegers EA, Von Dadelszen P, Duvekott JJ, Pijnenborg R. Pre eclampsia. Lancet. 2010;376(9741):631-44. 2. Hutcheon JA, Lisonkova SJ, Joseph KS. Epidemiology of pre-eclampsia and the other hypertensive disorders of pregnancy. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2011;25(4):391-403. 17. Jasovic-Siveska E, Jasovic V. Demographic characteristics in preeclamptic women in Macedonia. Rev Med Chil. 2011;139(6):748-54. 3. Duley L. The global impact of pre-eclampsia and eclampsia. Semin Perinatol. 2009;33(3):130-7. 18. Assis TR, Viana FP, Rassi S. Study on the major maternal risk factors in hypertensive syndromes. Arq Bras Cardiol. 2008;91(1):11-7. 4. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção a Saúde. 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Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):113-120 120 Voltar ao Índice da Capa Artigo Original Galectina-3: Ligação entre Rigidez Miocárdica e Arterial em Pacientes com Insuficiência Cardíaca Descompensada? Galectin-3: A Link between Myocardial and Arterial Stiffening in Patients with Acute Decompensated Heart Failure? Radu Ioan Lala1,2, Dan Darabantiu1,2, Luminita Pilat1, Maria Puschita1 “Vasile Goldis” West University Arad1 – Romania; Arad County Emergency Clinical Hospital – Cardiology Department2 Resumo Fundamento: A insuficiência cardíaca é acompanhada por anormalidades na interação ventrículo-vascular devido à rigidez miocárdica e arterial aumentada. A galectina-3 é um biomarcador recentemente descoberto que exerce um importante papel na fibrose miocárdica e vascular, e na progressão da insuficiência cardíaca. Objetivos: O objetivo deste estudo foi determinar se a galectina-3 está correlacionada com marcadores de rigidez arterial e acoplamento ventriculoarterial deficiente em pacientes com insuficiência cardíaca descompensada. Métodos: Um total de 79 pacientes internados com insuficiência cardíaca descompensada foi avaliado. Galectina-3 sérica basal foi determinada e, durante a admissão hospitalar, foram realizadas ecocardiografia transtorácica e medidas de índices vasculares por ultrassonografia Doppler. Resultados: Velocidade de onda de pulso elevada e baixa distensibilidade da artéria carótida estão associadas com insuficiência cardíaca em pacientes com fração de ejeção preservada (p = 0,04, p = 0,009). Velocidade de pulso, distensibilidade da artéria carótida e módulo de Young não se correlacionaram com níveis séricos de galectina-3. Por outro lado, níveis elevados de galectina-3 correlacionaram com razão de acoplamento ventriculoarterial aumentada (Ea/Elv) p = 0,047, OR = 1,9, IC 95% (1,0-3,6). Níveis aumentados de galectina-3 estavam associados com taxas mais baixas de pressão ventricular esquerda na fase inicial da sístole (dp/dt) (p = 0,018), e pressão arterial pulmonar aumentada (p = 0,046). Os resultados mostraram que níveis elevados de galectina-3 (p = 0,038, HR = 3,07) e pressão pulmonar arterial (p = 0,007, HR = 1,06) são fatores de risco independentes para mortalidade de todas as causas e reinternações hospitalares. Conclusões: O estudo mostrou que não houve correlação significativa entre níveis séricos de galectina-3 e marcadores de rigidez arterial. Altos níveis de galectina-3, por outro lado, foi um preditor de acoplamento ventriculoarterial deficiente. A galectina-3 pode ser um preditor de pressões arteriais pulmonares aumentadas. Níveis elevados de galectina-3 correlacionam-se com disfunção sistólica grave e, juntamente com hipertensão pulmonar, é um marcador independente de desfecho. (Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):121-129) Palavras-chave: Galectina 3/analise; Biomarcadores Farmacológicos; Rigidez Vascular; Insuficiência Cardíaca/patologia; Ventrículos do Coração/fisiopatologia; Ecocardiografia. Abstract Background: Heart failure is accompanied by abnormalities in ventricular-vascular interaction due to increased myocardial and arterial stiffness. Galectin-3 is a recently discovered biomarker that plays an important role in myocardial and vascular fibrosis and heart failure progression. Objectives: The aim of this study was to determine whether galectin-3 is correlated with arterial stiffening markers and impaired ventriculararterial coupling in decompensated heart failure patients. Methods: A total of 79 inpatients with acute decompensated heart failure were evaluated. Serum galectin-3 was determined at baseline, and during admission, transthoracic echocardiography and measurements of vascular indices by Doppler ultrasonography were performed. Results: Elevated pulse wave velocity and low arterial carotid distensibility are associated with heart failure in patients with preserved ejection fraction (p = 0.04, p = 0.009). Pulse wave velocity, carotid distensibility and Young’s modulus did not correlate with serum galectin-3 levels. Conversely, raised galectin-3 levels correlated with an increased ventricular-arterial coupling ratio (Ea/Elv) p = 0.047, OR = 1.9, 95% CI (1.0‑3.6). Increased galectin-3 levels were associated with lower rates of left ventricular pressure rise in early systole (dp/dt) (p=0.018) and raised pulmonary artery pressure (p = 0.046). High galectin-3 levels (p = 0.038, HR = 3.07) and arterial pulmonary pressure (p = 0.007, HR = 1.06) were found to be independent risk factors for all-cause mortality and readmissions. Conclusions: This study showed no significant correlation between serum galectin-3 levels and arterial stiffening markers. Instead, high galectin-3 levels predicted impaired ventricular-arterial coupling. Galectin-3 may be predictive of raised pulmonary artery pressures. Elevated galectin-3 levels correlate with severe systolic dysfunction and together with pulmonary hypertension are independent markers of outcome. (Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):121-129) Keywords: Galectin 3/analysis; Biomarkers Pharmacological; Vascular Stiffness; Heart Failure/pathology; Heart Ventricles/physiopathology; Echocardiography. Full texts in English - http://www.arquivosonline.com.br Correspondência: Radu I. Lala • Universitatea de Vest Vasile Goldis Arad. Str. Liviu Rebreanu, nr. 86, Arad. CEP 310045, Arad – Romania E-mail: [email protected] Artigo recebido em 11/08/15; revisado em 03/11/15; aceito em 06/11/15 121 DOI: 10.5935/abc.20150149 Lala et al. Rigidez arterial e galectina-3 na insuficiência cardíaca Artigo Original Introdução A insuficiência cardíaca é uma síndrome complexa caracterizada por constantes alterações moleculares, celulares e intersticiais que levam a mudanças no tamanho, forma e função cardíacas. Partes dessas alterações são devidas à ativação neurohormonal exacerbada, que possui uma relação direta com rigidez arterial.1 Vários estudos demonstraram que a rigidez arterial está aumentada na insuficiência cardíaca congestiva, e está associada com disfunção diastólica do ventrículo esquerdo (VE).2,3 Esses dados são importantes, uma vez que uma menor elasticidade arterial é responsável por um acoplamento ventriculoarterial anormal, maior pós‑carga cardíaca, estresse da parede do VE aumentado, e fluxo coronário reduzido. Todos esses fatores levam à deterioração da função do VE.4 Recentemente, um biomarcador vem ganhando atenção, a galectina-3, a qual está distribuída em várias células, incluindo macrófagos, e cuja concentração aumenta durante inflamação.5 Estudos destacaram uma forte relação entre ativação dos macrófagos e fibrose na patogênese da insuficiência cardíaca.6 A galectina-3 está envolvida na progressão da fibrose, hipertrofia e insuficiência cardíaca.7 Dados os mecanismos patogênicos mencionados e o estado pró-inflamatório encontrado na insuficiência cardíaca, consideramos a galectina-3 um possível mediador da fibrose vascular, em como uma conexão entre rigidez miocárdica e arterial. Portanto, nosso objetivo foi avaliar se a galectina ‑3 correlaciona-se com marcadores de rigidez arterial e acoplamento ventriculoarterial deficiente em pacientes com insuficiência cardíaca descompensada. Métodos O estudo foi conduzido em 2014. Foram avaliados 79 pacientes internados no hospital regional com diagnóstico primário de insuficiência cardíaca aguda descompensada. Galactina-3 sérica basal dos pacientes foi determinada. Desses pacientes, 60 apresentaram insuficiência cardíaca com fração de ejeção (FE) reduzida (média de 25%) e 19 pacientes apresentaram FE preservada (média de 45%). O estudo foi aprovado pelo comitê de ética médica do hospital e conduzido de acordo com a Declaração de Helsinki. Consentimento informado por escrito foi obtido de todos os pacientes. Ecocardiografia (ECG) A ECG transtorácica foi realizada em cada paciente durante hospitalização. Os seguintes índices estruturais foram avaliados: volumes e diâmetros sistólicos e diastólicos finais do ventrículo esquerdo (VE), espessura da parede do VE, massa do VE (equação de Devereux), espessura relativa da parede, volume do átrio esquerdo indexado, pressão sistólica da artéria pulmonar (PSAP). Os marcadores da função sistólica incluíram a determinação da FE pelo método de Simpson biplano modificado, fração de encurtamento, e a taxa de aumento da pressão ventricular esquerda na fase inicial da sístole (dp/dt). Marcadores da disfunção diastólica também foram determinados: velocidades diastólicas (E, A), velocidade de propagação do fluxo mitral (Vp), tempo de desaceleração precoce (TDP), velocidade no anel septal mitral obtida por Doppler tecidual, e índices diastólicos E/A, E/e’, E/Vp. Cada paciente foi avaliado utilizando-se o mesmo aparelho de ecocardiografia, e dois pesquisadores avaliaram os resultados do exame. Índices de Função Vascular Os seguintes índices vasculares foram avaliados: velocidade de onda de pulso, coeficiente de distensibilidade da artéria carótida e módulo (de elasticidade) de Young. Cada um desses índices fornece parâmetros confiáveis ao se avaliar a rigidez arterial. A medida da velocidade de onda de pulso foi realizada por ultrassonografia Doppler de pulso sincronizada à ECG. A artéria carótida comum foi localizada posicionando o volume da amostra a nível supraclavicular, e a artéria femoral posicionando o volume da amostra na região inguinal (não simultaneamente). Após aquisição do traçado Doppler, fizemos três registros consecutivos de ambas as artérias, e medimos o intervalo de tempo entre a onda R do complexo QRS ao início da forma de onda Doppler usando cursores digitais (tempo gasto para o sangue ejetado do coração alcançar as artérias estudadas). Calculamos a média de tempo dos três registros, e medimos a distância entre os locais em que traçamos as formas de onda Doppler. Para o cálculo do coeficiente de distensibilidade e do módulo de Young, utilizamos o eco modo M para medir o diâmetro do vaso durante sístole e diástole, bem como a espessura da parede do vaso. Finalmente, medimos a espessura da túnica íntima pelo eco-2D. Esses parâmetros foram calculados por fórmulas matemáticas existentes: Coeficiente de distensibilidade = (Dmax2-Dmin2 )/Dmax*MAP; Módulo de Young = MAP*Dmax/(Dmax-Dmin)*h; Velocidade de onda de pulso = Dist/T2 –T1, onde Dmax: diâmetro máximo do vaso durante a sístole, Dmin: diâmetro mínimo do vaso durante a sístole, MAP: pressão arterial média, h: espessura da parede do vaso, Dist: distância entre carótida arterial e artéria femoral, T2: tempo médio entre a onda R do complexo QRS e o início da forma de onda Doppler da artéria femoral comum, T1: tempo médio entre a onda R do complexo QRS e o início da forma de onda Doppler da artéria carótida comum. Acoplamento ventriculoarterial A pressão da artéria braquial foi determinada no paciente em repouso, usando um esfigmomanômetro e um estetoscópio. A elastância arterial (Ea) é um parâmetro usado para estimar a carga vascular que representa a mudança de volume a cada mudança de pressão. O índice de Ea inclui características como complacência arterial e resistência vascular periférica, e é calculada como Ea = pressão sistólica final / volume sistólico. Uma estimativa não invasiva da pressão sistólica final foi feita utilizando-se a fórmula de aproximação: 0,9 x pressão sistólica na artéria braquial, que prediz precisamente curvas de pressão e volume da pressão sistólica final.8 O volume sistólico foi determinado por ECG, pelo método de Simpson biplano modificado. Em seguida, avaliamos o índice de elastância do VE (Elv), parâmetro utilizado para estimar a contratilidade ventricular Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):121-129 122 Lala et al. Rigidez arterial e galectina-3 na insuficiência cardíaca Artigo Original esquerda com base na equação Elv = pressão sistólica final / volume sistólico final - V0, onde V0 é o volume teórico à pressão zero, e considerado desprezível comparado ao volume sistólico final.8 Finalmente, avaliamos o acoplamento ventriculoarterial determinando-se a razão entre Ea e Elv, que estima a hemodinâmica cardiovascular pela interação entre o sistema arterial e o VE. Avaliação laboratorial As amostras de sangue foram colhidas durante admissão hospitalar. As amostras foram centrifugadas, e a concentração de galectina-3 sérica foi determinada por um kit de ensaio de imunoadsorção enzimática (Human galectin-3 NBP1-91275, NOVUS BIOLOGICALS, R&D Systems Europe, Germany), e medido usando um leitor de microplaca (Tecan Sunrise). Trata-se de um imunoensaio em que o anticorpo anti-galectina-3 humano, conjugado com biotina, liga-se à galectina humana ligado ao anticorpo de captura. A calibração e a padronização do teste foram realizadas de acordo com o protocolo do fabricante. Análises estatísticas As variáveis contínuas com distribuição normal são apresentadas em média e desvio padrão, e a significância das diferenças foi testada pelo teste t de Student. As variáveis contínuas com distribuição normal são expressas em média (intervalo interquartil), e a significância das diferenças testada pelo teste Kruskal-Wallis ou teste U de Mann-Whitney. As variáveis categóricas são expressas em porcentagens. A normalidade da distribuição foi avaliada pelo teste Shapiro-Wilk. As correlações dos índices vasculares com variáveis clínicas e ecocardiográficas foram avaliadas pela análise de correlação de Spearman. Também usamos o teste qui-quadrado de Pearson para comparação das variáveis categóricas, a regressão logística multivariada para avaliar a relação entre variáveis categóricas dependentes e independentes, e o modelo de regressão de Cox para identificar preditores de desfechos compostos (mortalidade por todas as causas e reinternações). Todas as análises foram realizadas utilizando-se o programa IBM SPSS 20. A significância estatística foi avaliada por teste bicaudal, com um p < 0,05 considerado como significativo. Resultados A média de idade da coorte foi 64 ± 11 anos, dos quais 73% eram homens e 26% mulheres. Durante o período de 12 meses de acompanhamento, foram registrados 35 reinternações por piora da insuficiência cardíaca e 1 óbito (choque cardiogênico). Primeiramente, dividimos os pacientes em dois grupos com base na FE, reduzida ou preservada (< 40% or ≥ 40%, respectivamente) (Tabela 1). Os valores medianos de galectina-3 não foram significativamente diferentes (p = 0,9) entre os pacientes com insuficiência cardíaca com FE reduzida [8,2 ng/mL (3,6-14,0)] (mediana e intervalo interquartil) e aqueles com insuficiência cardíaca com FE preservada [9,7 ng/mL (3,7-12,0)]. Comparados aos pacientes com FE reduzida, os pacientes com FE preservada apresentaram velocidades de onda de pulso significativamente maiores [11,3 m/s (9,4‑16,0) versus 10 m/s (7,3-12,5), p = 0,04], pressão sanguínea sistólica mais elevada (169 ± 45 mmHg versus 134 ± 60 mmHg , p = 0,004), idade mais avançada Tabela 1 – Etiologia da insuficiência cardíaca e condições associadas Etiologia da insuficiência cardíaca Fração de ejeção ICFEP ICFER p Isquêmica n(%) 9(47,4) 27(45) 0,85 Hipertensão n(%) 8(42,1) 12(20) 0,05 Valvular n(%) 2(10,5) 2(3,3) 0,21 0(0) 19(31,7) 0,005 Evento isquêmico n(%) 4(21,1) 12(20) 0,92 Edema pulmonar hipertensivo n(%) 11(57,9) 2(3,3) < 0,001 Arritmia n(%) 3(15,8) 5(8,3) 0,34 Doença valvular n(%) 1(5,3) 4(6,7) 0,82 Baixa adesão a medicamentos n(%) 0(0) 10(16,7) 0,05 Ingestão aumentada de sódio n(%) 0(0) 11(18,3) 0,04 Miocardiopatia dilatada idiopática n(%) Insuficiência cardíaca descompensada Outros n(%) 0(0) 15(25) 0,01 Reinternações n( %) 13(47,4) 22(26,6) 0,05 Diabetes n(%) 11(57,9) 24(40) 0,1 Fibrilação atrial n(%) 8(42,1) 12(20) 0,07 ICFEP: insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada. ICFER: insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida. 123 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):121-129 Lala et al. Rigidez arterial e galectina-3 na insuficiência cardíaca Artigo Original (76 anos versus 62 anos, p = 0,001) e menor coeficiente de distensibilidade da artéria carótida [2,7 mmHg (1,8-3,5) versus 3,9 mmHg (2,7-5,7), p = 0,009] (Tabela 2). Características basais, correlação dos índices vasculares com parâmetros clínicos e ecocardiográficos A associação entre covariáveis (clínicas, ecocardiográficas) e índices vasculares foi avaliada pela correlação bivariada de Spearman. Níveis elevados de velocidade de onda de pulso associaram-se significativamente com FE (r = 0,275, p = 0,01), razão Ea/Elv aumentada (r = –0,228, p = 0,04), menor diâmetro ventricular (r = –0,247, p = 0,02), e pressão sanguínea sistólica elevada (r = 0,236, p = 0,03). Um menor coeficiente de distensibilidade da carótida esteve associado com maior FE (r = –0,332, p = 0,003), maior razão Ea/Elv (r = 0,38, p < 0,001), idade avançada (r = -0,236, p = 0,03), pressão sanguínea sistólica elevada (r = –0,258, p = 0,02) e menor velocidade septal (e’) no Doppler tecidual (r = –0,235, p = 0,03). A espessura íntima-média carotídea apresentou correlação significativa com idade avançada (r = 0,446, p < 0,001) e hiperglicemia (r = 0,268, p = 0,01). Nenhum dos índices vasculares (velocidade de onda de pulso, coeficiente de distensibilidade da carótida, módulo de Young) correlacionou-se com níveis séricos de galectina-3 (p = 0,1, p = 0,9, p = 0,6). A análise de regressão mostrou uma associação significativa entre níveis elevados de galectina-3 (> 9,9 ng/mL) e acoplamento ventriculoarterial (Ea/Elv) [p = 0,047, OR = 1,9, IC 95% (1-3,6)] (Tabela 3). Remodelação ventricular esquerda, remodelação arterial e galectina-3 A avaliação da associação entre variáveis ecocardiográficas e níveis séricos de galectina-3 revelou uma forte correlação da proteína com função sistólica. Mais especificamente, níveis mais elevados de galectina-3 estavam relacionados com menor aumento da pressão ventricular esquerda na fase inicial da sístole (dp/dt) 524 (262-982) mmHg/s (mediana e IQR) (p = 0,01 pelo teste para tendência) (versus 682 [340‑1882] mmHg/s). Quando agrupado por tipo de disfunção sistólica, os níveis elevados de galectina-3 estavam associados com relaxamento diastólico anormal do tipo I, definido como E/A < 1 (p = 0,017). Uma análise de regressão dos índices ecocardiográficos e concentrações de galectina-3 mostrou que PSAP (p = 0,04), razão E/A (p = 0,001), espessura relativa da parede (p < 0,001), FE (p = 0,02), volume sistólico final (p = 0,010) e diâmetro sistólico final (p = 0,04) estavam associados com concentrações mais elevadas de galectina-3 (Tabela 4). Espessura íntima-média aumentada estava fortemente relacionada com remodelação concêntrica do ventrículo esquerdo, definida como espessura relativa da parede maior que 0,42 [1,05 cm (0,7-0,16), p = 0,016)] (Tabela 5). Tabela 2 – Características basais dos pacients com insuficiência cardíaca Fração de ejeção ICFEP ICFER p Idade [mediana(IQR)] 76[67-79] 62[56-69] 0,001 Pressão sistólica (mmHg) (mean ± SD) 169 ± 45 134 ± 25 0,004 Pressão diastólica (mmHg) (mean ± SD) Frequência cardíaca (b/min) [mediana(IQR)] Classe NYHA IV (%) Glicemia (mg/dL) [mediana(IQR)] TFG (média ± DP) 93 ± 19 88 ± 17 0,31 88[74-111] 99[80-120] 0,15 13(68,4) 45(75) 0,57 162[109-243] 132[95-182] 0,09 64 ± 21 65 ± 22 0,79 Galectina-3 (ng/mL) [mediana(IQR)] 9,7[3,7-12] 8,2[3,6-14] 0,96 VOP (m/s) [mediana(IQR)] 11,3[9,4-16] 10[7,3-12,5] 0,04 DC (103 mmHg) [mediana(IQR)] 2,7[1,8-3,5] 3,9[2,7-5,7] 0,009 563[432-749] 408[260-706] 0,15 1,1[0,9-2,2] 1[0,8-1,1] 0,08 E/e' [mediana(IQR)] 10[8-14] 13,6[9,8-16] 0,04 E/Vp (média ± DP) 1,8 ± 0,7 2,4 ± 0,8 0,009 76 ± 30 74 ± 26 0,77 35[25-46] 30[20-42] 0,4 Young (kPa) [mediana(IQR)] EIM (cm) [mediana(IQR)] Volume AE (ml/m2) (média ± DP) PSAP (mmHg) [mediana(IQR)] Ea (mmHg*ml *m ) [mediana(IQR)] 2,8[2,6-3,9] 2,5[2-3,7] 0,11 Elv(mmHg*ml-1*m-2) [mediana(IQR)] 2,4[1,9-3,7] 0,9[0,7-1,2] < 0,001 1,1[1-1,3] 2,5[2-3,3] < 0,001 -1 -2 Razão Ea/Elv [mediana(IQR)] ICFEP: insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada. ICFER: insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida; DP: desvio padrão; IQR: intervalo interquartil; TFG: taxa de filtração glomerula; VOP: velocidade de onda de pulso; DC: coeficiente de diestensibilidade da artéria carótida. EIM: espessura íntima‑média; AE: átrio esquerdo. PSAP: pressão sistólica arterial. Ea: elastância arterial. Elv: elastância ventricular esquerda Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):121-129 124 Lala et al. Rigidez arterial e galectina-3 na insuficiência cardíaca Artigo Original Tabela 3 – Análise de regressão da associação entre níveis de galectina-3 e marcadores de acoplamento ventriculoarterial p OR Ea 0,09 Ela 0,07 Ea/Elv 0,047 IC95% para OR Superior Inferior 0,57 0,30 1,09 2,36 0,93 6,00 1,92 1,00 3,67 * Ea: elastância arterial; Elv: elastância ventricular esquerda; OR: odds ratio; IC: intervalo de confiança Tabela 4 – Análise de regressão multivariada das concentrações de galectina-3 e marcadores ecocardiográficos. Os parâmetros ecocardiográficos estavam associados com níveis elevados de galectina-3 (> 9,9 ng/mL) Fração de ejeção Valor de p OR 0,025 1,23 IC95% para OR Inferior Superior 1,02 1,49 Razão E/e’ 0,246 0,85 0,65 1,11 E/Vp 0,371 1,73 0,51 5,79 Velocidade de pico e’-septal 0,144 1,58 0,85 2,92 Tempo de desaceleração precoce 0,391 1,00 0,99 1,01 Razão E/A 0,001 0,12 0,03 0,44 Volume do átrio esquerdo indexado 0,150 1,02 0,99 1,05 Pressão sistólica arterial pulmonar* 0,046 1,06 1,00 1,13 Espessura relativa da parede 0,024 0,00 0,00 0,09 Diâmetro diastólico final do VE 0,073 0,73 0,52 1,02 Diâmetro sistólico final do VE* 0,046 1,36 1,00 1,85 Volume sistólico final do VE 0,011 0,89 0,82 0,97 Volume diastólico final do VE* 0,011 1,17 1,03 1,33 OR: odds ratio. IC: intervalo de confiança; E,A: velocidades diastólicas; Vp: velocidade de propagação do fluxo mitral; *estatisticamente significativo Fatores preditivos para desfechos Regressão multivariada de Cox foi realizada para identificar fatores de risco para desfechos. A análise revelou que níveis elevados de galectina-3 (p = 0,038, HR = 3,07, IC 95% 1‑8,8) e PSAP aumentada (p = 0,007, HR = 1,06, IC 95% 1‑1,1) foram fatores de risco independentes para mortalidade por todas as causas e reinternações (Tabela 6). Discussão Um achado importante deste estudo foi que o espessamento da artéria está fortemente presente no grupo de pacientes com insuficiência cardíaca com FE preservada. Ensaios clínicos utilizaram diferentes pontos de corte para FE (> 40%, > 45%, > 50%) para definir insuficiência cardíaca com síndrome de FE preservada. Neste estudo, usamos o ponto de corte de FE > 40%, igualmente ao estudo Candesartan in heart failure assessment of reduction in mortality and morbidity (CHARM).9 Aspectos fisiopatológicos dessa condição incluem rigidez do VE com complacência reduzida (devido à hipertrofia, aposição da matriz), incompetência cronotrópica, hipertensão pulmonar 125 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):121-129 e enrijecimento vascular.10 Em nosso estudo, pacientes com insuficiência cardíaca com FE preservada tinham idade mais avançada e apresentaram pressão sanguínea mais elevada, similar aos dados registrados no banco de dados do Acute Decompensated Heart Failure National Registry (ADHERE).11 Kawaguchi et al. 12 demonstraram que os pacientes com insuficiência cardíaca com FE preservada apresentam rigidez arterial elevada, medindo-se a elastância arterial. A velocidade de onda de pulso é conhecida como um marcador de rigidez da artéria e é amplamente utilizada em ensaios clínicos; tem valor prognóstico e está aumentada em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva. 13 Nós demonstramos que a velocidade de onda de pulso é consistentemente maior no grupo com FE preservada que no grupo com FE reduzida, o que está de acordo com o estudo de Balmain et al.13 (10,7 m/s vs. 8,9 m/s. p < 0,05).14 Os pacientes com FE reduzida apresentaram velocidades de onda de pulso mais baixas provavelmente pelo débito cardíaco e pressão sanguínea reduzidos. Esses resultados indicam que pacientes com insuficiência cardíaca com FE preservada apresentam menor distensibilidade da artéria Lala et al. Rigidez arterial e galectina-3 na insuficiência cardíaca Artigo Original Tabela 5 – Comparação dos índices vasculares de acordo o índice de espessura relativa da parede determinado por ecocardiografia VOP (m/s) CD (103 mmHg) Módulo de Young (kPa) EIM (cm) Espessura relativa da parede Espessura relativa da parede Espessura relativa da parede Espessura relativa da parede > 0,42 Mediana 10,2 Valor de p < 0,42 > 0,42 10,1 3 < 0,42 > 0,42 3,8 520 0,52 0,30 < 0,42 > 0,42 478 1,05 < 0,42 0,95 0,72 0,02 VOP: velocidade de onda de pulso; CD: coeficiente de distensibilidade da artéria carótida; EIM: espessura íntima-média Tabela 6 – Regressão (multivariada) de Cox dos desfechos de pacientes com insuficiência cardíaca descompensada IC95% para HR Valor de p Taxa de risco (HR) Inferior Superior Idade 0,019 1,07 1,01 1,15 Classe NYHA 0,688 0,85 0,38 1,88 Frequência cardíaca na internação 0,535 0,99 0,97 1,01 Glicemia 0,619 0,99 0,99 1,00 Taxa de filtração glomerular 0,343 0,98 0,95 1,01 Hemoglobina 0,510 0,90 0,68 1,20 Galectina-3* 0,038 3,07 1,06 8,86 Velocidade de onda de pulso 0,573 0,98 0,91 1,05 Distensibilidade da artéria carótida 0,615 1,09 0,76 1,57 Módulo de Young 0,433 1,00 0,99 1,00 Fração de ejeção 0,826 1,00 0,94 1,07 Razão E/e’ 0,590 0,95 0,78 1,14 Razão E/Vp 0,817 0,90 0,37 2,17 Velocidade de pico e’-septal 0,768 1,06 0,71 1,58 Volume do átrio esquerdo indexado 0,673 1,00 0,98 1,02 Pressão sistólica arterial pulmonar* 0,007 1,06 1,01 1,10 Diâmetro diastólico final do VE 0,395 0,95 0,86 1,06 Volume diastólico final do VE 0,115 1,01 0,99 1,02 *estatisticamente significativo; VE: ventrículo esquerdo; HR:hazard ratio. IC: intervalo de confiança carótida e idade mais avançada. Kitzman et al.15 também relataram que a distensibilidade da artéria carótida está diminuída em pacientes mais velhos com insuficiência cardíaca com FE preservada, e correlacionada com menor tolerância ao exercício. Outro resultado desse estudo é que a espessura íntima-média carotídea, a qual é um marcador da aterosclerose, está altamente correlacionada com a remodelação concêntrica do ventrículo esquerdo e hipertrofia. Outro estudo, conduzido por Xu et al.16 na população chinesa destacou que a espessura íntima-média carotídea está associada com um aumento no índice da massa e na espessura da parede posterior do VE. Foi demonstrado que a galectina-3 promove fibrose por meio do aumento da ativação da via de sinalização do fator de crescimento transformador beta/Smad-3 (TGF‑beta/ Smad‑3).17 Devido ao seu papel na fibrogênese, a galectina-3 tem sido proposta como um biomarcador tanto na remodelação cardíaca como ventricular. Uma expressão aumentada de galectina-3 foi documentada em pacientes com insuficiência Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):121-129 126 Lala et al. Rigidez arterial e galectina-3 na insuficiência cardíaca Artigo Original cardíaca descompensada, e esteve associada com remodelação ventricular esquerda.18,19 Um estudo recente conduzido por Calvier et al.20 demonstrou que a galectina-3 é um mediador da fibrose vascular. Os autores mostraram uma superexpressão de galectina-3 por células do músculo liso vascular em camundongos tratados com aldosterona, o que aumenta o depósito de colágeno tipo I nessas células.20 Com base nesses achados e no fato de que a ativação neurohormonal está aumentada em pacientes com insuficiência cardíaca, nós tentamos estabelecer se havia uma ligação entre os níveis de galectina-3 e os índices de rigidez vascular. Nossos dados não demonstraram correlação entre esses marcadores, apesar de termos observado um leve aumento, não significativo, na rigidez arterial com o aumento nos níveis de galectina-3. Ao contrário dessas observações, Libhaber et al.21 mostraram, em um estudo realizado com uma amostra de 966 indivíduos de uma comunidade, que a galectina-3 esteve independentemente associada com a velocidade da onda de pulso carotideo‑femoral.21 Nossos achados são os primeiros a sugerirem que níveis aumentados de galectina-3 estão associados com acoplamento ventriculoarterial anormal, o que significa que poderia estar envolvida no processo de enrijecimento tanto de componentes do miocárdio como das artérias. A rigidez arterial e a complacência cardíaca reduzida são responsáveis pela razão de acoplamento (Ea/Elv) mais elevada.22 A razão Ea/Elv é um parâmetro complexo que inclui complacência arterial, resistência vascular periférica, impedância, intervalos sistólico e diastólico, contratilidade do VE e função do VE.23 Ela pode ser usada para avaliar a interação entre o miocárdio e o sistema arterial. Em pacientes com insuficiência cardíaca com FE reduzida, há uma elevação na razão Ea/Elv devido ao aumento da carga vascular e uma diminuição da contratilidade do VE. Por outro lado, essa razão encontra-se equilibrada em pacientes com insuficiência cardíaca com FE preservada em comparação a indivíduos normais, devido ao aumento simultâneo na elastância arterial e ventricular esquerda, similar ao encontrado em nosso estudo.23 Conforme observado por De Boer et al., 24 nós não encontramos diferença nos níveis de galectina-3 entre pacientes com insuficiência cardíaca com FE preservada e aqueles com FE reduzida.24 Até o momento, o papel da galectina-3 na rigidez cardíaca foi demonstrada por sua associação com marcadores ecocardiográficos da disfunção diastólica: pressão de enchimento do VE elevada (expressa pela razão E/e) e relaxamento anormal do VE (velocidade da onda E).25 Em relação à função sistólica, um estudo realizado por Van der Velde et al.,26 demonstrou que a galectina-3 era um preditor independente da FE nos pacientes após o infarto do miocárdio.26 Em nosso estudo, observamos que os níveis de galectina-3 estavam associados com função sistólica ventricular esquerda comprometida, refletida por taxas mais baixas de aumento da pressão ventricular esquerda. Ao que sabemos, este é o primeiro estudo a relatar uma correlação desse tipo. A taxa de aumento da pressão ventricular esquerda na fase inicial da sístole (dp/dt) avalia a contratilidade global do VE pelo exame Doppler do jato de regurgitação mitral. Como a força de contratilidade exercida pelo VE diminui na insuficiência cardíaca avançada, as taxas de elevação da pressão ventricular esquerda tornam-se reduzidas. Além disso, 127 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):121-129 uma vez que pacientes com insuficiência cardíaca com FE reduzida e diâmetros do VE aumentados apresentam taxas dp/dt mais baixas, a galectina-3 poderia estar envolvida na remodelação excêntrica, representando um possível marcador de disfunção sistólica grave. Os efeitos negativos da galectina-3 sobre a função sistólica também foram observados no volume e diâmetro sistólicos finais aumentados. Lok et al.19 foram os primeiros a demonstrarem uma correlação positiva entre níveis basais elevados de galectina-3 e o aumento dos diâmetros finais sistólicos e diastólicos ao longo do tempo em pacientes com insuficiência cardíaca. Outro achado interessante foi que a pressão pulmonar arterial aumentada foi preditora dos níveis séricos aumentados de galectina-3. A associação entre hipertensão pulmonar e galectina-3 foi demonstrada em pacientes com hipertensão pulmonar induzida por insuficiência cardíaca diastólica, e foi demonstrado que níveis de galectina-3 correlacionam‑se positivamente com pressão sistólica ventricular direita (p < 0,01).27,28 A fisiopatologia da hipertensão pulmonar na insuficiência cardíaca é caracterizada pela remodelação arterial pulmonar, na qual a hipertrofia medial e fibrose intimal são os principais componentes.29 Tendo isso em mente, além do fato de que a disfunção sistólica está associada com diferentes graus de hipertrofia e fibrose miocárdica, a galectina-3 parece estar envolvida nos processos de remodelação miocárdica e remodelação arterial pulmonar. Tal fato é de particular importância, pois pode explicar tanto a hipertensão pulmonar pré-capilar ativa, que exerce um importante papel no prognóstico e na piora da insuficiência cardíaca, quanto o componente pós-capilar resultante das pressões diastólicas finais aumentadas. Neste estudo, relatamos que níveis de galectina-3 maior que a média de 10 ng/mL e PSAP aumentada são fatores prognósticos independentes para mortalidade por todas as causas e reinternações de pacientes com insuficiência cardíaca no período de 12 meses. Nossos achados são, de certa forma, similares aos relatados no estudo “The N-terminal Pro-BNP investigation of dyspnea in the emergency department (PRIDE)”18, no qual os autores observaram recorrência de descompensação cardíaca e mortalidade em pacientes com níveis de galectina-3 acima de 9,42 ng/mL. No entanto, o período de avaliação foi mais curto que o nosso, de 60 dias. Em outro estudo envolvendo 592 pacientes com insuficiência cardíaca, níveis basais de galectina-3 foi um forte preditor do desfecho em um período de 18 meses.24 Em relação à pressão sistólica arterial pulmonar, sabe-se menos sobre seu valor prognóstico na insuficiência cardíaca esquerda. De Bursi et al.30 foram os primeiros a avaliarem o impacto da PSAP em uma ampla amostra de pacientes com insuficiência cardíaca em uma comunidade. Os autores indicaram que a PSAP, medida por eco-Doppler foi um forte preditor de mortalidade nesses pacientes, o que a torna um importante indicador de desfecho nessa população.30 Conclusões Este estudo foi desenvolvido com o objetivo de preencher a lacuna do conhecimento sobre a remodelação vascular e sua progressão em pacientes com insuficiência cardíaca, considerada como responsável por desfechos adversos. O estudo não mostrou correlação significativa entre níveis Lala et al. Rigidez arterial e galectina-3 na insuficiência cardíaca Artigo Original séricos de galectina-3 e marcadores de rigidez arterial nessa população. Apesar disso, nossos dados sugerem que a galectina-3 contribui para o acoplamento ventriculoarterial anormal. A galectina-3 pode estar envolvida na rigidez miocárdica e vascular em pacientes com insuficiência cardíaca, mas amostras maiores contribuiriam para confirmar os achados preliminares de nosso estudo. Ainda, a galectina-3 pode ser preditiva das pressões pulmonares aumentadas e responsável pelas alterações patológicas nas artérias pulmonares distais com consequente resistência vascular pulmonar e hipertensão, descritas na insuficiência cardíaca. Tanto a galectina-3 como a PSAP foram fatores prognósticos independentes. O presente estudo amplia o conhecimento prévio de que a rigidez arterial está aumentada na insuficiência cardíaca com FE preservada, e está associada com remodelação concêntrica ventricular esquerda. Nossos achados destacam o envolvimento da galectina-3 na alteração das funções diastólica e sistólica, e principalmente, que altas concentrações de galectina-3 estão associadas com disfunção sistólica grave. Potenciais limitações Uma limitação potencial de nosso estudo é que a medida do comprimento aórtico para estimar a velocidade de onda de pulso requereu aproximações devido a mudanças anatômicas da aorta, principalmente em idosos. Além disso, a estimativa de dimensões vasculares a partir da superfície corporal continua sendo uma técnica questionável. Outra limitação está na determinação do tempo gasto pelo sangue ejetado do coração atingir as artérias, uma vez que esse parâmetro é dependente de fatores, como problemas de condução ou ritmo. Pelo fato de alguns de nossos pacientes apresentaram problemas de condução (bloqueio de ramo) ou fibrilação atrial, várias medidas foram necessárias para a determinação desse parâmetro e o registro de boas ondas de pulso. Durante a admissão, atrasos entre a obtenção de índices vasculares e a coleta de amostras de sangue para a determinação da galectina-3 podem ter ocorrido. Tal fato pode haver afetado a avaliação da relação entre esses parâmetros, particularmente porque a meia vida biológica da galectina-3 ainda é desconhecida. No entanto, diferente do NT-proBNP, que diminui no enchimento ventricular esquerdo, a galectina-3 não responde a uma condição hemodinamicamente compensada, devido ao seu envolvimento no processo de fibrose. Por isso, seria mais preciso avaliar se mudanças na concentração de galectina-3 afetariam a rigidez arterial. Além disso, o tamanho relativamente pequeno da coorte limitou a avaliação de correlações entre a galectina-3 e índices ecocardiográficos. Dadas essas limitações, esperamos que nosso estudo sirva como uma base geradora de hipótese para futuros estudos, grandes e prospectivos, para confirmar nossos achados. Agradecimentos Este estudo recebeu apoio parcial do Sectorial Operational Programme Human Resources Development (SOPHRD), financiado pelo European Social Fund and the Romanian Government, sob contrato de número POSDRU 141531. Contribuição dos autores Concepção e desenho da pesquisa: Lala RI, Puschita M; Obtenção de dados e Análise e interpretação dos dados: Lala RI, Darabantiu D, Pilat L; Análise estatística, Obtenção de financiamento e Redação do manuscrito: Lala RI; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Puschita M, Darabantiu D. Potencial conflito de interesse Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. Fontes de financiamento O presente estudo foi parcialmente financiado pelo Setor de desenvolvimento de recursos humanos - programa de operação sectorial, financiado pelo Fundo Social Europeu e do Governo Romeno sob o número do contrato 141531. Vinculação acadêmica Este artigo é parte de tese de Doutorado de Radu Ioan Lala pela “Vasile Goldis” West University Arad. Referências 1. Lage SG, Kopel L, Monachini MC, Medeiros CJ, Pileggi F, Polak JF, et al. Carotid arterial compliance in patients with congestive heart failure secondary to idiopathic dilated cardiomyopathy. Am J Cardiol. 1994;74(7):691–5 2. Giannattasio C, Failla M, Stella ML, Mangoni AA, Turrini D, Carugo S, et al. Angiotensin-converting enzyme inhibition and radial artery compliance in patients with congestive heart failure. Hypertension. 1995;26(3):491–6. 3. Mottram P, Haluska B, Leano R, Carlier S, Case C, Marwick T. Relation of arterial stiffness to diastolic dysfunction in hypertensive heart disease. Heart. 2005;91(12):1551– 6. 4. Kass DA. Ventricular arterial stiffening.- Integrating the pathophysiology. Hypertension. 2005;46(1):185–93. 5. Sano H, Hsu DK, Apgar JR, Yu L, Sharma BB, Kuwabara I, et al. 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Objetivos: O presente estudo buscou investigar a frequência da resiliência em indivíduos portadores de cardiopatia isquêmica. Método: Este foi um estudo transversal com 133 pacientes entre 35 e 65 anos, de ambos os gêneros, atendidos no Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul - Fundação Universitária de Cardiologia, com diagnóstico de cardiopatia isquêmica durante o período do estudo. Destes, 67 já haviam apresentado pelo menos um episódio de infarto agudo do miocárdio. Os indivíduos foram entrevistados e avaliados pela Escala de Avaliação de Resiliência desenvolvida por Wagnild & Young e por uma ficha de questionário sociodemográfico. Resultados: Do total de pacientes, 81% foram classificados como resilientes de acordo com a escala. Conclusão: Na amostra estudada, a resiliência foi identificada em elevada proporção na população de pacientes com cardiopatia isquêmica. (Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):130-135) Palavras-chave: Resiliência Psicológica; Isquemia Miocárdica; Fatores de Risco; Impacto Psicosocial. Abstract Background: Resilience is a psychosocial factor associated with clinical outcomes in chronic diseases. The relationship between this protective factor and certain diseases, such heart diseases, is still under-explored. Objective: The present study sought to investigate the frequency of resilience in individuals with ischemic heart disease. Method: This was a cross-sectional study with 133 patients of both genders, aged between 35 and 65 years, treated at Rio Grande do Sul Cardiology Institute - Cardiology University Foundation, with a diagnosis of ischemic heart disease during the study period. Sixty-seven patients had a history of acute myocardial infarction. The individuals were interviewed and evaluated by the Wagnild & Young resilience scale and a sociodemographic questionnaire. Results: Eighty-one percent of patients were classified as resilient according to the scale. Conclusion: In the sample studied, resilience was identified in high proportion among patients with ischemic heart disease. (Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):130-135) Keywords: Resilience, Psychological; Myocardial Ischemia; Risk Factors; Psychosocial Impact. Full texts in English - http://www.arquivosonline.com.br Correspondência: Lucia Campos Pellanda • Instituto de Cardiologia / Fundação Universitária de Cardiologia (IC/FUC). Av. Princesa Isabel, 370, Santana. CEP 90.620-000, Porto Alegre, RS – Brasil E-mail: [email protected], [email protected] Artigo recebido em 09/04/15; revisado em 18/11/15; aceito em 19/11/15. DOI: 10.5935/abc.20160012 130 Lemos et al. Resiliência em portadores de cardiopatia isquêmica Artigo Original Introdução As doenças cardíacas e vasculares são a principal causa de morte no mundo, respondendo por 31% das mortes, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).1 No ano de 2012, do total de 56 milhões de mortes, 17,5 milhões foram devidas a doenças cardiovasculares.2 Apesar de estudos da década de 1960 já apontarem para a multiplicidade de fatores relacionados à patogênese das doenças cardiovasculares, 3,4 apenas recentemente fatores psicossociais como depressão, ansiedade, isolamento social, traços de personalidade e estresse, ganharam respaldo na literatura médica.5-8 A resiliência é um atributo da personalidade do indivíduo que tem sido estudado como fator psicossocial relacionado ao curso de doenças crônicas.9 Na área da saúde, resiliência é a capacidade do indivíduo de enfrentar adversidades sem sucumbir a elas, transcendendo o impacto negativo dos eventos estressores do curso da vida.10 Ela tem sido identificada e relatada no contexto de uma diversidade de doenças crônicas e outras situações médicas, como: cardiopatias congênitas, diabetes, doenças neurodegenerativas, infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), lesão medular, etc. Estratégias de fortalecimento da resiliência podem ser desenvolvidas com finalidade terapêutica em benefício do prognóstico clínico de pacientes.10 O manejo do estresse e da resiliência também possibilita conforto e bem-estar.11 Uma vez que a associação entre doenças cardíacas e fatores psicossociais foi bem estabelecida,6 é importante identificar a presença da personalidade resiliente na população de pacientes cardiopatas. Neste estudo observacional, buscamos identificar a resiliência em pacientes com diagnóstico de cardiopatia isquêmica atendidos no Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul, de modo a contribuir para o melhor conhecimento desta população no âmbito de suas características psicossociais. A estreita relação entre os aspectos psicológicos e a doença clínica é uma via privilegiada para o estudo dos mecanismos de desenvolvimento da cardiopatia isquêmica, sua prevenção, diagnóstico e tratamento. Métodos Delineamento e questões éticas O presente trabalho foi um estudo transversal realizado no Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul (IC/FUC), um centro de referência para cardiologia. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do hospital e realizado no período de março de 2008 a julho de 2009. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Participantes Foram incluídos no estudo 133 indivíduos, da faixa etária de 35 a 65 anos, de ambos os gêneros. Do total da amostra, 67 compreenderam indivíduos internados, selecionados aleatoriamente, com diagnóstico de infarto agudo do miocárdio (IAM) registrado em prontuário e estabelecido pelo cardiologista responsável. Para o diagnóstico de IAM, 131 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):130-135 foi considerada a presença de história de desconforto torácico prolongado (>20 min) não aliviado por nitrato sublingual, alteração na evolução do eletrocardiograma consistente com necrose (desenvolvimento de ondas Q) e/ou elevação do segmento ST > 1 mm, e mensurações seriadas tardias dos marcadores creatinoquinase total (CK) e de sua fração MB (CK-MB). Os demais 66 pacientes eram consulentes do ambulatório de cardiopatia isquêmica, sem diagnóstico de IAM, confirmado por teste de esforço realizado em esteira ergométrica, com cinecoronariografia e ventriculografia registrados em prontuário. Medidas de Avaliação Para avaliação da resiliência, foi utilizada a escala desenvolvida por Wagnild e Young 12 e adaptada no Brasil por Pesce et al.,13 para medir níveis de adaptação psicossocial positiva em face de eventos de vida importantes. Para computar a escala, foram somados os pontos atingidos por cada indivíduo nas 25 questões propostas, que recebiam respostas entre 1 e 7, variando de “discordo totalmente” para “concordo totalmente”. Esta soma de pontos foi dividida por 175 e multiplicada por 100. Para a classificação dos indivíduos em resilientes e não-resilientes, utilizou-se o critério de desvio-padrão da média: da média das respostas obtidas, subtraiu-se um desvio-padrão. Os indivíduos com pontuação acima deste valor foram classificados como resilientes. De acordo com os valores da média (84,67) e desvio padrão (8,47) obtidos na amostra, foram classificados como resilientes os pacientes com pontuação >76,2. Os dados para avaliação da resiliência foram coletados por uma psicóloga, em ambulatório do Instituto de Cardiologia, após a consulta dos pacientes com o médico cardiologista. A ficha sociodemográfica foi avaliada por um investigador cego quanto ao diagnóstico cardiovascular. Análise Estatística As variáveis quantitativas foram descritas sob a forma de médias e desvio-padrão, e as variáveis qualitativas foram descritas na forma de proporções. Para comparações entre os grupos, foram utilizados os testes de qui-quadrado e testes t de Student pareado. O nível de significância considerado foi de 5%. Os dados foram analisados no programa SPSS for Windows, versão 15.0. Resultados A Tabela 1 apresenta as características demográficas e clínicas dos participantes, divididos entre indivíduos resilientes e não resilientes, e a correspondente medida de associação , com o valor de p, para cada uma das variáveis. A amostra foi composta de pacientes cuja idade média foi de 53,7 anos, com desvio-padrão de ± 8,4. Foi encontrada uma proporção de 81,2% de pacientes resilientes, de acordo com a escala empregada . A Figura 1 traz um gráfico que representa a média de respostas para cada uma das questões que compreendem o instrumento utilizado para medir a resiliência. Lemos et al. Resiliência em portadores de cardiopatia isquêmica Artigo Original Tabela 1 – Comparação das características demográficas e clínicas entre pacientes portadores de cardiopatia isquêmica resilientes e não resilientes Total Resiliência N = 133 n = 108 Sima (> 76,2) n = 25 Nãob (≤ 76,2) Valor de p Sexo masculino 68 (51,1) 58 (53,7) 10 (40,0) 0,217 Idade, média± DP 53,7 ± 8,4 54,7 ± 7,9 49,4 ± 9,4 0,004 Cor branca 109 (81,9) 87 (80,5) 22 (88,0) 0,383 Presença de companheiro 84 (63,1) 65 (60,1) 19 (76,0) 0,140 Anos de estudo, média ± DP 7,8 ± 5,3 7,8 ± 4,7 7,8 ± 5,5 0,987 Tabagismo 45 (33,8) 31 (28,7) 14 (56,0) 0,009 Diabetes 34 (25,5) 28 (25,9) 6 (24,0) 0,842 Obesidade 56 (42,1) 46 (42,5) 10 (40,0) 0,813 Sedentarismo 50 (37,5) 39 (36,1) 11 (44,0) 0,463 Dislipidemia 46 (34,5) 36 (33,3) 10 (40,0) 0,528 Hipertensão 91 (68,4) 73 (67,5) 18 (72,0) 0,669 História familiar de IAM 73 (54,8) 58 (53,7) 15 (60,0) 0,569 Uso de medicação 109 (81,9) 90 (83,3) 19 (76,0) 0,390 Alcoolismo 23 (17,2) 19 (17,5) 4 (16,0) 0,835 a O indivíduo foi classificado como ‘resiliente’, de acordo com as medidas de avaliação empregadas. bO indivíduo foi classificado como ‘não resiliente’, de acordo com as medidas de avaliação empregadas. A proporção de resilientes foi de 74,2% entre os indivíduos com diagnóstico prévio de IAM, e de 88,1% entre os pacientes sem esse diagnóstico (p = 0,041). Discussão Neste estudo transversal com pacientes portadores de cardiopatia isquêmica, observou-se alta proporção de pacientes considerados resilientes. As doenças crônicas são geralmente associadas a condições degenerativas de longo prazo, que requerem atenção continuada e comportamentos adaptativos por parte dos pacientes e seus cuidadores, além de acesso a toda informação necessária para o manejo satisfatório da enfermidade.14 Por estas características, correspondem a uma adversidade concreta na vida dos indivíduos e, como tal, evocam mecanismos de resiliência no processo de adoecimento enfrentado por seus portadores. Estudo com a Distrofia Muscular de Duchenne encontrou que 84% dos indivíduos pesquisados não se encontravam sob risco psicossocial, tratando-se, segundo os autores, de uma população de crianças resilientes.15 Em uma amostra de 95 indivíduos que sofriam de dor crônica, a resiliência psicológica pareceu diminuir eventos de catastrofização da dor.16 Outro estudo com 30 adolescentes portadores de diabetes tipo 1 sugeriu que o uso de estratégias de enfrentamento associou-se a desfechos indicativos de resiliência.17 Em relato sobre pacientes portadores de HIV, ressaltou-se a importância da resiliência, em função da peculiaridade do vírus quanto à estigmatização social.18 Em estudo com 46 famílias de crianças com arritmias cardíacas, encontraram-se altos níveis de resiliência entre os pacientes da amostra,19 e um estudo de coorte que investigou adolescentes do sexo masculino sugeriu que a baixa resiliência ao estresse pode ser um fator de risco para AVC na população observada.20 De acordo com a literatura, existe uma grande variabilidade na maneira como os indivíduos reagem à adversidade.21,22 Em um dos extremos, estão aqueles que conseguem sair de situações extremamente adversas sem grandes sequelas. Parte dos estudos sobre resiliência busca entender quais mecanismos permitem este fenômeno. Diferentes situações de vida podem apresentar significados diversos para diferentes pessoas. Alguns modelos teóricos buscam caracterizar esta subjetividade da definição de adversidade, 22,23 já que, conforme o repertório de capacidades psicológicas desenvolvidas pelo indivíduo ao longo de sua vida, uma mesma situação pode ser encarada como um desafio, que motiva o enfrentamento, ou uma adversidade, que o expõe a uma situação de fragilidade. A caracterização do conceito de resiliência depende de duas premissas básicas:24 a ocorrência de um fato adverso ou estressor no curso da vida, e o desenvolvimento de mecanismos psicológicos que permitam a superação deste potencial evento traumático. No princípio dos estudos do tema resiliência, há mais de 40 anos, acreditava-se que ela era um atributo inato de alguns indivíduos, como as “crianças invulneráveis”,21 de alguns autores. Tal invulnerabilidade faria com que estes fossem mais aptos a lidar com situações adversas. Lemos et al.9 destaca a visão subjetiva do indivíduo em relação aos níveis de exposição e os limites individuais frente às adversidades, de maneira que um evento poderia ser Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):130-135 132 Lemos et al. Resiliência em portadores de cardiopatia isquêmica Artigo Original Quando eu faço o plano, eu os levo até o fim Eu costumo lidar com os problemas de uma forma ou de outra Eu sou capaz de depender de mim mais do que qualquer outra pessoa Manter interesse nas coisas é importante para mim Eu posso estra por minha conta se eu precisar Eu sinto orgulho de ter realizado coisas em vida Eu costumo aceitar as coisas sem muita preocupação Eu sou amigo de mim mesmo Eu sinto que posso lidar com várias coisas ao mesmo tempo Eu sou determinado Eu raramente penso sobre o o bjetivo das coisas Eu faço as coisas um dia de cada vez Eu posso enfrentar tempos difíceis porque já experimentei dificuldades antes Eu sou disciplinado Eu mantenho interesse nas coisas Eu normalmente posso achar motivo para rir Minha crença em mim mesmo me leva a atravessar tempos difíceis Em uma emergência, eu sou uma pessoa em quem as pessoas podem contar Eu posso geralmente olhar uma situação em diversas maneiras As vezes eu me obrigo a fazer coisas querendo ou não Minha vida tem sentido Eu não insisto em coisas as quais eu não posso fazer nada sobre elas Quando eu estou numa situação difícil, eu normalmente acho uma saída Eu tenho energia suficiente para fazer o que eu tenho que fazer Tudo bem se há pessoas que não gostam de mim 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Média do grau de concordância com a assertiva Figura 1 – Índice médio de respostas para as questões propostas. encarado como um perigo para certo indivíduo, enquanto que para outro seria enfrentado como um desafio . Esta diferença corresponderia à capacidade de resiliência do indivíduo. Contudo, houve uma mudança na perspectiva de como a resiliência era encarada no curso clínico dos pacientes. Inicialmente, pensava-se na resiliência como uma característica intrínseca e inata ao indivíduo. A ideia corrente é a de que a resiliência é um processo dinâmico,9,24 construído gradativamente no decorrer da existência, a partir do enfrentamento e superação das adversidades. Assim, a contribuição que estudos mais recentes trouxeram ao tema foi de que a resiliência, em vez de um atributo estável, presente ou ausente, apresenta-se na forma de um espectro, com indivíduos mais ou menos resilientes, e sujeitos a uma aprendizagem contínua sobre seus mecanismos. Assim, o grau de resiliência de determinado indivíduo estaria marcado temporalmente no curso de sua vida, e qualquer forma de mensuração corresponderia apenas a um retrato instantâneo. 133 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):130-135 O achado de que os indivíduos mais resilientes de nossa população foram aqueles de maior idade é, em nossa visão, um dos mais relevantes deste estudo. Esta correlação está de acordo com os modelos teóricos sobre os quais a resiliência se baseia, já que, tida como fenômeno dinâmico, de construção contínua ao longo da vida, espera-se que indivíduos de maior idade sejam também mais resilientes. Porém, note-se que este é um modelo relativo, já que um estudo25 anterior ao nosso sugere que a resiliência, embora seja evento dinâmico na vida do indivíduo, não se comporta de maneira linear, sempre progressiva. Ela é um fenômeno sujeito a avanços e retrocessos e, portanto, sua robustez não é, em termos absolutos, diretamente proporcional à idade. Não é estranha à literatura médica26 a ideia de que o envelhecimento seja um fator de risco para a depressão. Isso nos lembra sobre a existência dos múltiplos elementos que, juntos da resiliência, exercem influência psicossocial sobre o processo de adoecimento dos indivíduos. O envelhecimento, quando acompanhado de sintomas Lemos et al. Resiliência em portadores de cardiopatia isquêmica Artigo Original de depressão, é um fenômeno que compete contra a resiliência e, portanto, deve ser considerado nas análises. Possivelmente um legado do conceito das tais “crianças invulneráveis”, muitos dos estudos sobre resiliência investigam populações pediátricas. Com o mais recente entendimento da resiliência, como um construto de vida, acreditamos que um esforço de investigação em pacientes de maior idade, como foi o caso de nosso estudo, poderá contribuir para alargamos o nosso conhecimento sobre o tema. Diversos trabalhos já enfatizam a resiliência em associação a doenças crônicas, e nos parece que a duração do enfrentamento de tais doenças, e a idade das populações estudadas, pode apresentar importante significado correlacional. Um resultado de difícil explicação derivado de nosso estudo é a associação negativa entre a resiliência e o tabagismo. Cerca de um terço dos indivíduos de nossa população eram fumantes, mas 56% dos indivíduos não‑resilientes se enquadraram nesta categoria (p = 0,009). Para além da hipótese de uma associação espúria, o resultado sugere inúmeras possibilidades ainda abertas à investigação, desde causas bioquímicas por influência direta do tabaco, a causas psicossociais pela associação do tabagismo ao desenvolvimento da personalidade e sua habilidade de criar estratégias maduras de defesa psicológica. O estudo possui algumas limitações. Até nosso conhecimento, não existe na literatura científica instrumento designado a avaliar resiliência especificamente em pacientes cardiopatas. Contudo, a escala empregada em nosso estudo já foi utilizada em outros grupos de pacientes com doenças crônicas.27-29 Além disso, não há consenso sobre um ponto de corte para enquadrar indivíduos em categorias como “resilientes” e “não-resilientes”. Qualquer categorização pode resultar em uma definição simplista, baseada em um modelo arbitrário, porém, necessária até que novos trabalhos tragam metodologias mais satisfatórias. Parece-nos que o valor de tal divisão está mais na sua utilidade para comparação com outras variáveis clínicas, comportamentais e psicossociais, do que no rótulo resiliente e não-resiliente sozinho. Este tipo de comparação, com potencial de desvendar os mecanismos por detrás da resiliência, eventualmente poderá resultar em estratégias terapêuticas para impulsionar este fator protetivo em favor de desfechos clínicos positivos. Ainda, embora o delineamento de estudo utilizado tenha atendido o objetivo de identificar o fator resiliência na população definida, o fato de os pacientes terem sido avaliados em um único momento foi uma limitação. Um estudo prospectivo que verifique a resiliência e a correlacione à doença cardíaca ao longo do tempo contribuiria ao conhecimento dos mecanismos de resiliência associados aos desfechos de doenças crônicas. Conclusão Foi identificada uma grande proporção de indivíduos considerados resilientes na amostra da população de pacientes infartados. Sugere-se a condução de novos estudos para estabelecer a relação entre a resiliência e o desfecho clínico de pacientes ao longo do tempo, e para desenvolver estratégias que visem melhorar a resiliência em indivíduos sob condições adversas. Contribuição dos autores Concepção e desenho da pesquisa e Obtenção de dados: Lemos CMM, Pellanda LC; Análise e interpretação dos dados, Análise estatística e Redação do manuscrito: Lemos CMM, Pellanda LC, Moraes DW; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Pellanda LC. Potencial conflito de interesse Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. Fontes de financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação acadêmica Este artigo é parte de tese de Doutorado de Conceição Maria Martins de Lemos pelo Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul - Fundação Universitária de Cardiologia. Referências 1. World Health Organization. (WHO). 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Objetivo: Elaborar um escore de risco para rejeição, recorrendo ao ECGAR. Métodos: Estudaram-se 28 pacientes transplantados. Numa primeira fase, baseando-nos no diagnóstico de rejeição aguda, dividimos a amostra em dois grupos (5 pacientes com rejeição, 23 sem rejeição). Numa segunda fase, a divisão da amostra teve em conta o diagnóstico de rejeição em pelo menos uma biopsia realizada durante o seguimento (rejeição pm1) (18 pacientes com rejeição, 10 sem rejeição). Resultados: Para rejeição aguda, a única variável a revelar associação foi fibrose, evidenciando um aumento do risco de rejeição quando presente no ECG (OR = 19; IC 95% = 1,65-218,47; p = 0,02). Para rejeição pm1, constatamos que, para cada diminuição de unidade da RMS40, ocorre aumento de 7% do risco de rejeição (OR = 0,97; IC 95% = 0,87-0,99; p = 0,03) e que o aumento da LAS40 aumenta 1,06 vez o risco de rejeição (OR = 1,06; IC 95% = 1,01-1,11; p = 0,03). Formulamos um escore constituído por essas variáveis e aplicamos aos 28 indivíduos da amostra. A associação de fibrose, valores crescentes da LAS40 e valores decrescentes da RMS40 tem uma boa capacidade para distinguir doentes com e sem rejeição (AUC = 0,82; p < 0,01), assumindo um ponto de corte com sensibilidade = 83,3% e especificidade = 60%. Conclusão: O ECGAR distingue doentes com e sem rejeição. A utilidade do escore proposto deverá ser demonstrada em estudos de seguimento englobando uma amostra de maiores dimensões. (Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):136-144) Palavras-chave: Transplante de Coração; Rejeição de Enxerto; Fibrose Endomiocárdica; Eletrocardiografia. Abstract Background: Heart transplant rejection originates slow and fragmented conduction. Signal-averaged ECG (SAECG) is a stratification method in the risk of rejection. Objective: To develop a risk score for rejection, using SAECG variables. Methods: We studied 28 transplant patients. First, we divided the sample into two groups based on the occurrence of acute rejection (5 with rejection and 23 without). In a second phase, we divided the sample considering the existence or not of rejection in at least one biopsy performed on the follow-up period (rejection pm1: 18 with rejection and 10 without). Results: On conventional ECG, the presence of fibrosis was the only criterion associated with acute rejection (OR = 19; 95% CI = 1.65‑218.47; p = 0.02). Considering the rejection pm1, an association was found with the SAECG variables, mainly with RMS40 (OR = 0.97; 95% CI = 0.87‑0.99; p = 0.03) and LAS40 (OR = 1.06; 95% IC = 1.01-1.11; p = 0.03). We formulated a risk score including those variables, and evaluated its discriminative performance in our sample. The presence of fibrosis with increasing of LAS40 and decreasing of RMS40 showed a good ability to distinguish between patients with and without rejection (AUC = 0.82; p < 0.01), assuming a cutoff point of sensitivity = 83.3% and specificity = 60%. Conclusion: The SAECG distinguished between patients with and without rejection. The usefulness of the proposed risk score must be demonstrated in larger follow-up studies. (Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):136-144) Keywords: Heart Transplantation; Graft Rejection; Endomyocardial Fibrosis; Electrocardiography. Full texts in English - http://www.arquivosonline.com.br Correpondência: Vítor José Nogueira Mendes • Rua dos Vales, 44, Lagoas. CEP 5430-404, Valpaços, Vila Real – Portugal E-mail: [email protected] Artigo recebido em 21/07/15; revisado em 11/09/15; aceito em 14/09/15. DOI: 10.5935/abc.20160011 136 Mendes et al Rejeição do transplante por potenciais tardios Artigo Original Introdução A rejeição é uma das principais causas de morte nos doentes transplantados ao coração. Segundo a International Society for Heart and Lung Transplantation (ISHLT), 21% a 30% dos doentes transplantados ao coração desenvolvem pelo menos um processo de rejeição durante o primeiro ano após transplante.1 No Centro de Cirurgia Cardiotorácica do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CCT‑CHUC), a prevalência de rejeição é de 10% em 8,5 anos de seguimento clínico.2 Embora estudos comprovem a eficácia da terapia imunossupressora na prevenção da rejeição, o diagnóstico deste quadro permanece um desafio. A biopsia endomiocárdica do ventrículo direito (VD) é o método padrão para o diagnóstico da rejeição, todavia é um método invasivo com morbilidades inerentes. Para colmatar as limitações desta metodologia, tem havido um esforço no sentido de desenvolver métodos alternativos de diagnóstico da rejeição, envolvendo a utilização de biomarcadores, avaliação ecocardiográfica, entre outros. Uma vez que a rejeição acarreta alterações morfofuncionais, nomeadamente zonas de fibrose miocárdica caracterizadas por condução elétrica lenta e fragmentada,3-6 é presumível que a presença de Potenciais Ventriculares Tardios (PVT) no ECG de alta resolução (ECGAR) destes doentes seja um preditor clinicamente relevante. Num estudo realizado a 20 indivíduos transplantados submetidos a biopsia endomiocárdica, verificou-se uma diminuição dos valores da RMS40 (voltagem terminal do QRSf nos últimos 40 ms) e do QRSf nos indivíduos com rejeição, comparativamente com os indivíduos sem rejeição.7 Noutro estudo, onde se realizou ECGAR a 20 doentes transplantados tratados com ciclosporina, verificou-se no pós-operatório tardio uma boa reprodutibilidade (r = 0,83) e boa precisão deste exame na deteção da rejeição. 8 Para Morocutti et al,9 num estudo em que pretendeu encontrar a relação entre os PVT e a rejeição aguda, a sensibilidade e a especificidade para a presença de PVT nos casos de rejeição aguda foram de 69% e 71% respectivamente. O estudo dos PVT em doentes transplantados constitui assim um objetivo de interesse, o que motivou a realização deste trabalho, tendo como objetivo fundamental a avaliação da utilidade desta técnica não invasiva no diagnóstico de rejeição em doentes transplantados, a partir da qual se pretende construir um escore de risco preditor de episódios de rejeição, recorrendo a parâmetros clínicos e eletrofisiológicos. Métodos Amostra A definição do tamanho da amostra foi feita por conveniência, considerando a população disponível de doentes transplantados, e a reunião das condições técnicas necessárias à realização das avaliações clínicas pretendidas, no prazo definido para a recolha dos dados. A amostra foi constituída por 28 indivíduos, 23 do sexo masculino e 5 do sexo feminino, transplantados ao coração 137 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):136-144 pelo CCT-CHUC, apresentando idades entre os 19 e os 76 anos e uma idade média de 54 ± 12,22 anos. O tipo de estudo usado foi observacional, de coorte fixa. Procedimento Todos os doentes começaram por realizar cateterismo com biopsia endomiocárdica do VD, seguido de ECG, ECGAR e ecocardiograma, tendo sido possível, numa primeira fase, obter dados referentes a estes exames, bem como dados referentes à dosagem e ao tipo de terapêutica imunossupressora de cada doente e análises clínicas. A realização do cateterismo direito com biopsia endomiocárdica do VD teve como base a técnica de Seldinger modificada, via veia femoral direita (25 indivíduos) e esquerda (3 indivíduos). Todos os procedimentos foram realizados utilizando uma agulha de punção (18G), um introdutor 7F (9F nos casos de fibrose inguinal importante), guia 150 cm ponta em J, Bainha 7F, cateter pigtail 7F e Biotomo 7F. Em cada procedimento recolheram-se dois fragmentos do septo interventricular direito, sendo posteriormente analisados, via microscópio, pelo serviço de Anatomia Patológica do CHUC, recorrendo aos critérios formulados pela ISHLT 2004 para o diagnóstico de rejeição.10 No período de repouso, pós cateterismo, procedeu-se à realização do ECG convencional de 12 derivações e do ECGAR utilizando o software “NORAV- ECG Monitoring Version 5.0.2”, da Norav Medical Ltd, num ambiente calmo e livre de ruído. Para aquisição do traçado de ECGAR, utilizaram-se derivações ortogonais de Frank, constituindo eixos cartesianos X, Y, Z. A obtenção do traçado consistiu numa média aritmética, do somatório de 200 complexos QRS idênticos (95% de correspondência) colhidos em cerca de 4 minutos, que após um processo de filtragem, aumentou a razão sinal-ruído dos complexos colhidos, permitindo evidenciar sinais de baixa amplitude e de longa duração, conhecidos como PVT. Após o período de recuperação pós cateterismo, os doentes realizaram ecocardiograma bidimensional. Numa segunda fase de recolha de dados, através da consulta de processos clínicos obtivemos informação relativa a: dados demográficos; motivo para realização do transplante cardíaco; classe funcional da NYHA relativamente à gravidade da sintomatologia de cada doente; antecedentes e fatores de risco cardiovasculares; comorbidades; função ventricular esquerda por ecocardiograma, ventriculografia e angiografia de radionuclídeos previamente ao transplante; capacidade respiratória previamente ao transplante; pressões intracavitárias e coronariografia previamente ao transplante. Ainda obtivemos dados demográficos referentes aos doadores de coração, bem como a causa de morte e histocompatibilidade com o receptor. Dados referentes aos tempos cirúrgicos também foram obtidos. O diagnóstico de rejeição na biopsia endomiocárdica, no dia do registo eletrocardiográfico, indicou o critério de divisão da nossa amostra. Assim numa primeira etapa da nossa investigação e com base no diagnóstico da biopsia endomiocárdica no dia do registo eletrocardiográfico, a Mendes et al Rejeição do transplante por potenciais tardios Artigo Original nossa amostra foi dividida em dois grupos: um grupo que apresentou como resultado da biopsia ausência de rejeição, e outro grupo que apresentou presença de rejeição. Numa segunda etapa a divisão dos grupos manteve-se, no entanto, tendo em conta o diagnóstico de rejeição em pelo menos uma biopsia realizada até ao dia do registo. A técnica de amostragem baseou-se no reconhecimento de certas características dos indivíduos, tais como a realização de biopsia endomiocárdica, para assim assegurar a melhor representatividade possível, sendo deste modo uma amostragem não-probabilística, recolhida por conveniência. Pelo fato dos critérios de seleção limitarem por vezes o carácter probabilístico da amostra, procuraram-se estabelecer critérios de inclusão e exclusão. Foram incluídos todos os indivíduos com idades superiores a 18 anos, submetidos a transplante cardíaco, que realizaram biopsia endomiocárdica há menos de 24 horas. Foram excluídos todos os doentes portadores de marca‑passo, bem como todos os que não cumpriram os critérios de inclusão. Quanto a questões éticas inerentes a esta investigação, é de salientar que os dados recolhidos tiveram como único objetivo a realização de um trabalho científico, sendo mantido o anonimato relativamente a todos os indivíduos, não existindo quaisquer interesses comerciais. Tratamento Estatístico Depois de recolhidos e sumariados os dados, procedeu-se à sua análise estatística através do programa de tratamento estatístico “Statistical Package for the Social Sciences” (SPSS) versão 13. Numa fase inicial realizou-se uma análise estatística descritiva simples, com cálculo dos valores médios ± desvio padrão, frequências relativas e absolutas, para a caracterização de variáveis da amostra. Para aferir a normalidade da distribuição das variáveis contínuas, procedeu-se ao teste de Shapiro-Wilks. A verificação de uma distribuição normal indicou a realização de testes estatísticos paramétricos, e perante a sua ausência a opção foram testes estatísticos não paramétricos. Para comparação de variáveis contínuas entre os dois grupos, recorreu-se ao teste t Student para amostras independentes ou ao teste U de Mann-Whitney. Para as comparações de variáveis categóricas recorreu-se ao teste do χ2, optando-se em alternativa pelo teste exato de Fisher sempre que o número de casos em alguma célula da tabela de contingência fosse inferior a 5. A interpretação dos testes estatísticos foi realizada com base no nível de significância de α = 0,05 com IC de 95%; no entanto, para a elaboração do escore de risco, utilizou-se um nível de significância α = 0,1 com IC de 95%. Resultados Estudaram-se 28 pacientes transplantados ao coração, dos quais 5 apresentavam um quadro de rejeição aguda na biopsia. Variáveis clínicas, demográficas, ecocardiográficas, eletrocardiográficas e hemodinâmicas foram sujeitas a comparação entre os grupos com e sem rejeição aguda. A rejeição aguda somente evidenciou associação com a presença de sinais de fibrose no ECG. Por regressão logística verificamos que a presença de fibrose no ECG aumenta 19 vezes mais o risco de rejeição aguda (OR = 19; IC 95% = 1,65-218,47; p = 0,02). Através de uma curva ROC avaliou-se a robustez da associação da fibrose com a rejeição aguda. Identificou-se um ponto de corte com sensibilidade = 80%, uma especificidade = 82,6% e uma AUC = 0,81, traduzindo deste modo uma boa capacidade para discriminar os doentes transplantados com e sem rejeição (p = 0,03) (Figura 1). Uma vez que a variável fibrose foi a única a demonstrar associação com o diagnóstico de rejeição aguda, tornou-se impossível a realização de um escore de risco. Deste modo, foi realizada uma análise comparada entre as várias variáveis em estudo tendo em conta o diagnóstico positivo de rejeição, em pelo menos um procedimento, com base na totalidade das biopsias (rejeição pm1). A prevalência de rejeição pm1 foi de 64,2% e encontraram‑se diferenças significativas entre os doentes com e sem rejeição pm1 relativamente a algumas variáveis. Foram seleccionadas todas as variáveis, com um nível de significância menor que 10% (excluindo aquelas que continham a unidade no IC 95%). Tendo em conta as variáveis contínuas, somente a RMS40 e a LAS40 (duração terminal do QRSf < 40 µV) demonstraram associação com a rejeição pm1. Para cada diminuição de unidade da RMS40, ocorre aumento de 7% do risco de rejeição (OR = 0,93; IC 95% = 0,87-0,99; p = 0,03). O aumento da LAS40 revelou também que aumenta 1,06 vez mais o risco de rejeição (OR = 1,06; IC 95% = 1,01‑1,11; p = 0,03). Para identificação dos preditores de rejeição foi aplicada a análise de regressão logística univariada, de forma a possibilitar a elaboração de um escore de risco. Tendo em conta as variáveis categóricas, mais precisamente os critérios gerais de diagnóstico dos PVT, verificamos que só os critérios formulados pela American College of Cardiology11 (ACC) é que evidenciam associação com o diagnóstico de rejeição pm1. Na presença de PVT, utilizando os critérios da ACC, o risco de rejeição aumenta 7,5 vezes mais (OR = 7,5; IC 95% = 1,27-44,09; p = 0,03). A análise de curvas ROC foi aplicada para avaliar o desempenho de cada preditor bem como do escore formulado. Para cada ponto de corte analisaram-se os valores de sensibilidade e especificidade. Quanto aos critérios individuais, os que evidenciaram as associações mais fortes com a rejeição pm1 foram a RMS40 (segundo Narayanaswamy11 e Brembilla-Perrot et al)12 e a LAS40 (segundo Gatzoulis et al),13 observando-se um aumento No que diz respeito ao ensaio de hipóteses aplicaram‑se ainda testes como o Rho de Spearman e o teste de Concordância Kappa de Cohen. Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):136-144 138 Mendes et al Rejeição do transplante por potenciais tardios Artigo Original Figura 1 – Curva ROC referente à associação da fibrose com a rejeição aguda. de 7,5 vezes mais do risco de rejeição quando a RMS40 é inferior ou igual a 20 µV (OR = 7,5; IC 95% = 1,28‑44,09; p = 0,03) e um aumento do risco 14,14 vezes quando a LAS40 é superior ou igual a 50 ms (OR = 14,14; IC 95% = 1,46‑137,30; p = 0,02). Tabela 1 – Pontuação atribuída aos critérios incluídos no ESCORE1 Critérios ACC Elaboração do escore de risco Tendo em conta os dados da regressão logística, uma vez que mais do que uma variável demonstrou associação com o diagnóstico de rejeição, propusemo-nos elaborar um escore de risco para a rejeição pm1. 8 Não 0 ≥ 50 14 [45-50[ 8 [40-45[ 8 [38-40[ 8 [30-38[ 5 Segundo os critérios da ACC, quando o RMS40 ≤ 20 µV e a LAS40 ≥ 38 ms, há um diagnóstico positivo para a presença de PVT. ACC: American College of Cardiology; LAS40: Duração terminal do QRSf inferior a 40µV. Deste modo, elaboramos inicialmente um escore que englobasse os critérios gerais da ACC para a presença de PVT juntamente com os valores crescentes da LAS40. A atribuição da pontuação teve em conta o valor aproximado do OR para cada variável (Tabela 1). capacidade para discriminar os doentes com e sem rejeição pm1 (AUC = 0,79; p = 0,01) (Figura 2). Assim, para os critérios da ACC, uma vez que o valor do OR foi de 7,5, atribuímos uma pontuação de 8 para a presença de PVT. Na ausência de PVT, atribuímos uma pontuação de 0. Para a LAS40, recorrendo aos valores do OR, a atribuição de pontos regeu-se pelo mesmo princípio. Com base nesses pontos foi atribuída uma pontuação a cada doente, elaborando um escore de risco: ESCORE1 = ACC + LAS40. De forma a avaliar a capacidade preditiva deste ESCORE1, procedemos à realização de uma curva ROC que, para um ponto de corte de sensibilidade de 83,3% e uma especificidade de 60%, demonstrou uma boa 139 LAS40 Pontos Sim Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):136-144 Apesar de esse resultado ter-se revelado satisfatório, pensamos em elaborar um novo escore onde adicionamos ao ESCORE1 os valores da RMS40. Contudo, percebemos que intrinsecamente os valores adicionados já estariam implícitos nos pontos atribuídos para os critérios gerais da ACC. Uma vez que a presença ou ausência dos critérios da ACC só possibilitariam a atribuição de dois valores pontuais, decidimos, portanto, elaborar o ESCORE 2 recorrendo aos valores da RMS40. Assim o ESCORE2 = RMS40 + LAS40. Apesar da RMS40 ≤ 20µV ter sido a única variável ligada à amplitude do sinal a revelar associação com o diagnóstico de rejeição pm1, adicionamos a esse ESCORE2 os valores de RMS40 ≤ 17,5 (OR = 3,9; IC 95% = 0,76‑19,95; p = 0,10) e o RMS40 ≤ 15 Mendes et al Rejeição do transplante por potenciais tardios Artigo Original Figura 2 – Curva ROC referente à associação do ESCORE1 com a rejeição pm1. (OR = 4,67; IC 95% = 0,88‑24,80; p = 0,07), uma vez que apresentavam valores tendencialmente significativos. A atribuição de pontos só teve em conta os valores de OR para a RMS40 ≤ 20 µV. Para as outras duas condições, em função do decréscimo da RMS40, atribuímos mais um ponto, tal como se verifica na Tabela 2. Após a atribuição da respetiva pontuação a cada doente atendendo ao ESCORE2, avaliamos sua capacidade preditiva através da realização de uma curva ROC (Figura 3). Verificamos que o ESCORE 2 tem uma boa capacidade para discriminar os doentes com e sem rejeição pm1, utilizando um ponto de corte com uma sensibilidade de 83,3% e uma especificidade de 60% (AUC = 0,79; p = 0,01). Após termos realizado o ESCORE 2, elaboramos um novo escore adicionando-lhe variáveis que, pela nossa análise, poderiam melhorar o caráter discriminatório da curva ROC. Em relação à variável ‘fibrose’, verificamos que por regressão logística não existia qualquer tipo de associação com o diagnóstico de rejeição pm1. Contudo, uma vez que tínhamos verificado pela análise do teste de Fisher (χ2 = 6,22; p = 0,03) complementado pela análise da correlação de Spearman (Rho = 0,47; p = 0,01) a existência de uma relação moderada e positiva entre esta variável e a rejeição pm1, decidimos adicionar a variável ‘fibrose’ ao novo escore formulado. Aos doentes com sinais de fibrose no ECG convencional atribuiu-se 1 ponto e aos doentes sem sinais de fibrose no ECG convencional, 0 ponto. Assim, o ESCORE3 = ESCORE2 + Fibrose. Tabela 2 – Pontuação atribuída aos critérios da RMS40 incluídos no ESCORE2 Critérios RMS40 Pontos > 20 0 [17,5-20[ 8 [15-17,5[ 9 < 15 10 RMS40: Voltagem terminal do QRSf nos últimos 40 ms. Para avaliar a capacidade discriminatória entre os doentes com e sem rejeição pm1, procedeu-se na mesma à realização de uma curva ROC (Figura 4). Assumindo um ponto de corte de sensibilidade de 83,3% e especificidade de 60% (AUC = 0,82; p < 0,01), demonstrou-se uma boa capacidade em distinguir os dois grupos em estudo. Verificamos assim que a curva ROC para o ESCORE3 é a que apresenta maior poder discriminatório para o diagnóstico de rejeição pm1. Com base nos vários pontos de corte pudemos aferir diferentes níveis de probabilidade para a ocorrência de rejeição pm1 (Tabela 3). Pela análise da Tabela 3 verificamos que todos os doentes com uma pontuação superior a 23 pontos têm uma probabilidade muito forte de rejeição pelo ESCORE proposto. Em contrapartida, quando inferior a 11, esse diagnóstico passa a apresentar-se pouco provável. Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):136-144 140 Mendes et al Rejeição do transplante por potenciais tardios Artigo Original Figura 3 – Curva ROC referente à associação do ESCORE2 com a rejeição pm1. Figura 4 – Curva ROC referente à associação do ESCORE3 com a rejeição pm1. Discussão Como objetivo desta investigação pretendeu-se avaliar a utilidade do ECGAR como método de diagnóstico de rejeição do enxerto cardíaco através da elaboração de um escore de risco. À semelhança do que existe em alguns estudos para o diagnóstico de canalopatias, tentou-se elaborar um teste de diagnóstico, com base num escore de probabilidades para a ocorrência de rejeição. 141 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):136-144 Tendo em conta o resultado da biopsia endomiocárdica no dia do registo eletrocardiográfico, constatamos que a prevalência de rejeição aguda foi de 17,9%. Inicialmente, encontraram-se diferenças significativas entre os grupos definidos em diversas variáveis bioquímicas e eletrofisiológicas. Contudo, e provavelmente como consequência de uma baixa potência estatística do estudo, consequente à reduzida amostra, somente a variável ‘fibrose’ Mendes et al Rejeição do transplante por potenciais tardios Artigo Original Tabela 3 – Relação entre atribuição de pontos e probabilidade de diagnóstico de rejeição pm1 tendo em conta o ESCORE3 Pontos Sensibilidade Especificidade Probabilidade Diagnóstica de Rejeição pm1 ≥ 23 55,6% 100% Probabilidade muito forte [18-23[ 66,7% 90% Probabilidade forte [11-18[ 83,3% 60% Probabilidade moderada < 11 83,3% 50% Probabilidade reduzida se associou, na regressão logística, ao diagnóstico de rejeição aguda, revelando um aumento do risco 19 vezes maior quando presente nos traçados eletrocardiográficos (OR = 19; IC 95% = 1,65‑218,47; p = 0,02). Este dado está em linha com outros estudos, que indicam que surgimento de fibrose miocárdica se relaciona fortemente com a rejeição aguda.4 Está descrito que o processo de rejeição aguda pode ocorrer mal aconteça o restabelecimento do fluxo sanguíneo nas coronárias (e no próprio coração transplantado). 14 Segundo Chassot et al,4 a reação provocada pela atração dos linfócitos T aloreativos contra os antígenos do enxerto, associada às lesões de isquemia-reperfusão instituídas com o restabelecimento do fluxo dentro das artérias coronárias, vai provocar alterações celulares que culminam em zonas de fibrose. Com períodos alargados de isquemia, o ATP e o glicogênio esgotam-se devido à falta de oxigênio, levando à “edematização” das mitocôndrias. Há ruptura das cristas mitocondriais e o Ciclo de Krebs é interrompido. Começa a haver catalisação dos compostos ricos em energia, tais como os ácidos graxos, aumentando a osmolalidade celular. O Ca2+ que até então tinha saído do retículo sarcoplasmático para intervir na sístole deixa de ser “reabsorvido” por este devido à falta de ATP, permanecendo no citoplasma da célula. Com a reperfusão, para além do aporte súbito de O2 que origina radicais livres responsáveis pela acidose do meio intracelular, ocorre também edema do miócito que, devido ao elevado gradiente osmótico, leva à entrada de H2O e íons (Na2+, Ca2+) para o seu interior4. O excesso de radicais livres, associados à acumulação de Ca 2+ e H + no citoplasma do miócito, condiciona alterações da organização e funcionalidade celular. Também tem sido descrita a ocorrência de degradação das conexinas 43 prejudicando a condução do estímulo elétrico entre miócitos.5 O tecido cardíaco transforma-se assim em tecido conjuntivo, levando ao surgimento de zonas de fibrose de condução lenta, que se manifestam por PVT no ECGAR. Com o aumento de zonas de fibrose, a contratilidade miocárdica fica comprometida e a perda do enxerto torna-se inevitável. No nosso estudo, tentamos verificar a relação entre os PVT e o diagnóstico de rejeição aguda. A falta de significância estatística (possivelmente devido ao reduzido tamanho da amostra) impossibilitou-nos de demonstrar cabalmente esta afirmação. Contudo foi possível observar uma diminuição tendencialmente significativa dos valores absolutos da RMS40 nos indivíduos com rejeição comparativamente aos indivíduos sem rejeição. Tais resultados demonstram-se concordantes com os do estudo elaborado por Graceffo & O’Rourke em 1996 que, numa população de 20 indivíduos transplantados ao coração, também verificaram uma diminuição da RMS40 nos indivíduos com rejeição.7 Verificou-se ainda um aumento do QRSf e da LAS40 bem como no número de entalhes do QRSf no grupo de doentes com rejeição, indo assim ao encontro do diagnóstico positivo de PVT, segundo os critérios formulados pela ACC. Pelo fraco valor estatístico da maioria das variáveis, volveu‑se difícil elaborar um teste de diagnóstico para a rejeição aguda. Com base na premissa de que as zonas de fibrose permanecem, mesmo com o aumento da imunossupressão, após um diagnóstico positivo de rejeição numa biopsia endomiocárdica, numa segunda fase da investigação procedeu-se à divisão da nossa amostra em dois grupos tendo em conta a presença ou ausência de rejeição em pelo menos uma biopsia, desde a realização do transplante até ao dia do registo eletrocardiográfico (rejeição pm1). A proporção de doentes com pelo menos um diagnóstico de rejeição até à data da avaliação foi de 64,2%. Várias variáveis demonstraram diferenças significativas entre os grupos com e sem rejeição pm1. Para avaliar a força da relação entre as diversas variáveis consideradas e a probabilidade de rejeição pm1, realizou-se uma regressão logística simples. Verificamos que os critérios formulados pela ACC tinham uma capacidade moderada para discriminar os indivíduos transplantados com e sem rejeição pm1 (AUC = 0,72; p = 0,06). Foi ainda possível verificar que, tal como a diminuição da RMS40 (OR = 7,5; IC 95% = 0,87‑0,99; p = 0,03), o aumento da LAS40 aumentava o risco de rejeição pm1 (OR = 1,06; IC 95% = 1,0-1,11; p = 0,03). Com base nesta informação, adicionado aos valores de normalidade para os PVT formulados pelos diversos autores da literatura, foi possível através de uma curva ROC identificar diversos pontos de corte que possibilitaram a elaboração de um escore de probabilidades para a ocorrência de rejeição pm1. Com a atribuição da pontuação é possível estratificar o grau de probabilidade de rejeição, enquanto indicador de risco para a ocorrência deste evento clínico tão importante nesta população. Com este instrumento de decisão clínica, acreditamos ser possível discriminar os doentes que necessitarão fazer biopsia endomiocárdica para confirmação do processo de rejeição (quando o escore indica probabilidade significativa de rejeição). Por outro lado, os doentes com um escore revelador de baixa probabilidade de rejeição poderão ser poupados a este procedimento invasivo, com todos os benefícios inerentes em termos de complicações possíveis e qualidade de vida em geral. Com esta forma de otimizar a decisão para estes Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):136-144 142 Mendes et al Rejeição do transplante por potenciais tardios Artigo Original doentes, poderá ser possível reduzir fortemente a carga de procedimentos percutâneos a que estes doentes terão de ser submetidos no decurso do seguimento clínico, com vantagens significativas, não só nos aspectos previamente citados (redução das complicações potenciais e do sofrimento associado), mas também em termos de custos, diretos e indiretos. Este trabalho constitui-se assim como uma primeira tentativa de elaboração de um instrumento de decisão clínica que permita rastrear de forma adequada e precisa a rejeição em doentes transplantados ao coração. No entanto, identificam-se limitações importantes que, não obstante a sua relevância, adequam estes resultados a um processo ainda preliminar de desenvolvimento do escore proposto. A primeira grande limitação encontrada refere-se à não uniformização dos critérios de normalidade para o diagnóstico dos PVT com base no ECGAR. Apesar dos critérios da ACC serem os que reúnem mais consenso junto da comunidade científica, têm uma validade condicionada pela duração do complexo QRS (inferior a 120 ms). Assim, considerando os vários estudos publicados que revelaram a presença de bloqueio de ramo direito em cerca de 80-90% dos doentes transplantados ao coração,14 foram incorporados na presente investigação outros critérios que permitissem validar os registos de ECGAR em doentes com bloqueio de ramo. O número reduzido da amostra, associada aos reduzidos processos de rejeição aguda, revelou-se também uma limitação importante, condicionando uma potência estatística global reduzida do estudo. Dessa forma, os resultados deverão ser lidos com a necessária cautela, tornando-se fundamental a replicação do estudo, e a verificação da precisão e fiabilidade do escore proposto num estudo de maiores dimensões. A ausência de tecnologia para o estudo dos Potenciais Auriculares Tardios constitui também uma limitação, na medida em que a incorporação deste componente de análise poderia acrescentar capacidade discriminativa ao escore, aspecto que permanece por demonstrar. Por outro lado, a incorporação de outras variáveis laboratoriais poderá contribuir para uma maior solidez do escore proposto, aspecto que se assume como um desafio futuro a considerar, atendendo ao benefício clínico inequívoco para os doentes transplantados da existência de um instrumento não invasivo capaz de identificar os doentes que necessitam efetivamente de realização de biopsia endomiocárdica, poupando-se assim procedimentos percutâneos desnecessários e todas as complicações e custos que lhe são inerentes. 143 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):136-144 Conclusão O ECGAR é uma ferramenta eficaz para distinguir os doentes com e sem rejeição. Verificamos que a presença de sinais de fibrose miocárdica no ECG está associada fortemente ao aumento do risco de rejeição aguda e que a diminuição da RMS40 no ECGAR se relaciona tendencialmente com esse diagnóstico. Verificamos ainda que os critérios formulados pela ACC têm uma capacidade moderada para discriminar os indivíduos transplantados com e sem rejeição pm1 e que, tal como a diminuição da RMS40, o aumento da LAS40 aumenta o risco de rejeição pm1. Com base nesta informação elaboramos um escore de probabilidades para a ocorrência de rejeição pm1, que possibilita estratificar o grau de probabilidade de rejeição. Apesar de a utilidade do ECGAR estar camuflada para a rejeição aguda, provavelmente como consequência de uma baixa potência estatística, apresenta grande valor na previsão da rejeição pm1. A utilidade potencial deste escore deverá ser demonstrada em estudos de seguimento englobando uma amostra de maiores dimensões. Contribuição dos autores Concepção e desenho da pesquisa, Obtenção de dados e Redação do manuscrito: Mendes VN; Análise e interpretação dos dados e Análise estatística: Mendes VN, Pereira TS; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Pereira TS, Matos VA. Potencial conflito de interesse Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. Fontes de financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação acadêmica Este artigo é parte de Dissertação de Mestrado de Vítor Nogueira Mendes pela Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra. Mendes et al Rejeição do transplante por potenciais tardios Artigo Original Referências 1. Costanzo MR, Dipchand A, Starling R, Anderson A, Chan M, Desai S, et al; International Society of Heart and Lung Transplantation Guidelines. The International Society of Heart and Lung Transplantation Guidelines for the care of heart transplant recipients. 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Available from: http://www. uptodate.com/contents/arrhythmias_following_cardiac_transplantation Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):136-144 144 Voltar ao Índice da Capa Artigo de Revisão Teste com ST2 Solúvel: Um Biomarcador Promissor no Tratamento da Insuficiência Cardíaca Soluble ST2 Testing: A Promising Biomarker in the Management of Heart Failure Humberto Villacorta1 e Alan S. Maisel2 Universidade Federal Fluminense – Pós-Graduação em Ciências Cardiovasculares1, Niterói, RJ – Brasil; University of California – Division of Cardiovascular Medicine2, San Diego – EUA Resumo ST2 é um biomarcador pertencente à família dos receptores de interleucina-1 e concentrações do ST2 solúvel refletem fibrose e estresse cardiovascular. Estudos recentes demonstram que o ST2 solúvel é um forte preditor de desfechos cardiovasculares em pacientes com insuficiência cardíaca crônica e aguda. Trata-se de um novo biomarcador que preenche critérios necessários para uso na prática clínica. Ele acrescenta informação aos peptídeos natriuréticos (PNs) e em alguns estudos tem sido até superior a estes em relação à estratificação de risco. Desde a introdução dos PNs, este é o biomarcador mais promissor na área de insuficiência cardíaca e pode vir a ser particularmente útil para guiar a terapia. Introdução A insuficiência cardíaca (IC) é um problema global de saúde.1-3 Na cidade de São Paulo, Brasil, a IC foi responsável por 6,3% do total de óbitos no ano de 2006.3 No estudo DIGITALIS realizado na cidade de Niterói, Rio de Janeiro, a prevalência da IC na comunidade em indivíduos acima de 45 anos foi 9,3%.4 Embora o prognóstico da IC tenha melhorado com os tratamentos médicos recentes, os pacientes mais graves são frequentemente hospitalizados e a taxa de sobrevivência é pequena.1-3 Assim, novas estratégias para o manejo desses pacientes são necessárias. Os biomarcadores provaram-se úteis na insuficiência cardíaca. Os peptídeos B- natriurético tipo-B (BNP) e N-terminal do peptídeo natriurético tipo B (NT-proBNP) são considerados testes padrão-ouro para o diagnóstico de insuficiência cardíaca aguda. No entanto, a utilidade prognóstica de peptídeos natriuréticos é limitada, e seu papel na orientação do tratamento ainda não foi claramente estabelecido. Muitos biomarcadores têm sido estudados para tentar preencher essa lacuna. O ST2, um marcador de fibrose miocárdica e remodelamento, é um candidato promissor que Palavras-chave Insuficiência Cardíaca / terapia; Biomarcadores Farmacológicos; Receptores de Interleucina; Prognóstico. Correspondência: Humberto Villacorta Junior • Universidade Federal Fluminense – Rua Marquês do Paraná, 303, 6º Andar. CEP 24033-900, Niterói, RJ – Brasil E-mail: [email protected]; [email protected] Artigo recebido em 14/07/15; revisado em 11/09/15; aceito em 14/09/15. DOI: 10.5935/abc.20150151 145 tem contribuído com êxito às ferramentas convencionais no tratamento de pacientes com IC. Este relatório irá explorar a biologia desse sistema e revisar os estudos clínicos com testes do ST2 na presença da IC. Biologia do ST2 Solúvel O ST2 é um membro da família dos receptores de interle ucina-1, também conhecido como receptor de interleucina 1 (IL1RL-1).5,6 ST2 significa "a supressão de tumorigenicidade 2”. Foi descoberto em 1989,6 mas apenas em 2002 Weinberg et al.7 relataram que pode ser expresso por células cardíacas em resposta ao estresse do miocárdio, atraindo a atenção dos investigadores para o seu papel no sistema cardiovascular. O ST2 tem duas isoformas principais: transmembrana ou celular (ST2L) e solúvel ou circulante (sST2).5 ST2 é o receptor da interleucina-33 (IL-33), que é uma citocina IL-1-like secretada por células vivas em resposta ao dano celular. A IL-33 exerce os seus efeitos ligando-se à isoforma ST2L do receptor transmembrana. A interação da IL-33 e do ST2L foi demonstrada como sendo cardioprotetora em modelos experimentais, reduzindo a fibrose do miocárdio, hipertrofia de cardiomiócitos, apoptose, e melhorando a função do miocárdio. Essa ação cardioprotetora ocorre exclusivamente através do receptor ST2L e não através do receptor solúvel. O sistema IL-33/ST2 tem regulação ascendente em cardiomiócitos e fibroblastos em resposta à lesão cardíaca. O sST2 liga-se avidamente à IL-33, competindo com o ST2L. A interação desse receptor solúvel com a IL-33 bloqueia o sistema IL-33/ST2L e, como resultado, elimina os efeitos cardioprotetores descritos acima. Por isso, o sST2 é considerado um receptor chamariz.8 Assim, o sistema de ST2 atua não só como um mediador de função da IL-33 em sua isoforma ST2L transmembrana, mas também como um inibidor de IL-33 através da sua isoforma sST2 solúvel (Figura 1). Embora as principais fontes de sST2 sejam fibroblastos cardíacos e cardiomiócitos em resposta ao estresse ou lesão, fontes não-miocárdicas são conhecidas. As células endoteliais do sistema macrovascular (aórtica e coronariana) e microvascular cardíaco são fontes de sST2. A contribuição dessa produção extracardíaca à ST2 total circulante, e à fisiopatologia da IC ainda não está bem estabelecida. O ST2 também está relacionado com processos inflamatórios e imunológicos, especialmente em relação à regulação de mastócitos e células T CD4 auxiliares tipo 2 e à produção de citocinas associadas à Th2. Dessa forma, um papel para o sistema IL-33/ST2 tem sido determinado em doenças associadas a uma resposta Th2 predominante, tais Voltar ao Índice da Capa Villacorta & Maisel Testes com ST2 solúvel na insuficiência cardíaca Artigo de Revisão Figura 1 – Interações da IL-33 com o receptor transmembrana, ST2L, e receptor chamariz solúvel, sST2. O sistema ST2 atua não só como um mediador da função da IL-33 na sua isoforma ST2L transmembrana (efeito cardioprotetor), mas também como um inibidor de IL-33 através da sua isoforma sST2 solúvel (elimina o efeito cardioprotetor). como a asma, fibrose pulmonar, artrite reumatoide, doenças vasculares do colágeno, sepse, trauma, câncer, doenças fibroproliferativas, infecções helmínticas e colite ulcerativa.5,8 De fato, muito do conhecimento sobre esse marcador vem de estudos sobre essas doenças imunes, antes de se conhecer o seu papel na função cardiovascular. Avaliação Prognóstica com sST2 na Insuficiência Cardíaca Aguda Descompensada Peptídeos natriuréticos (PNs) são os biomarcadores padrão-ouro para o diagnóstico de IC em pacientes com dispneia aguda. Embora os PNs também tenham uma função prognóstica, ainda há espaço para melhorias. Outros biomarcadores podem adicionar informações biológicas complementares ao PN e aumentar a utilidade do prognóstico nesse cenário. Entre os diversos novos candidatos, o sST2 é o biomarcador mais promissor de acordo com estudos recentes. Embora não seja um marcador diagnóstico, o ST2 pode ser útil na estratificação de risco de pacientes com IC. Em pacientes com insuficiência cardíaca aguda descompensada (ICAD), o primeiro estudo a medir o ST2 foi o Pro-Brain Natriuretic Peptide Investigation of Dyspnea in the Emergency Department (PRIDE).9 Neste estudo, o ST2 foi medido com um ensaio inicial para uso apenas em pesquisa (o atual ensaio para ST2, Presage, é um método de maior sensibilidade e precisão).10 No estudo PRIDE, foram incluídos 593 pacientes admitidos no departamento de emergência (ED) com dispneia aguda. Os níveis de sST2 foram significativamente mais elevados em pacientes com ICAD do que os pacientes sem IC (0,50 vs. 0,15 ng/mL, p < 0,001). No entanto, o NT-proBNP permaneceu como o melhor marcador biológico para o diagnóstico de IC. Por outro lado, o sST2 foi um poderoso preditor de mortalidade. Os pacientes que morreram em um ano apresentaram valores mais elevados do que os sobreviventes (1,08 vs. 0,18 ng/mL) e houve uma clara associação entre os níveis de sST2 e taxas de mortalidade, com maiores concentrações indicando risco mais elevado. Na análise multivariada, o sST2 permaneceu um forte preditor de mortalidade em 1 ano em pacientes com e sem IC. Digno de nota, a utilidade prognóstica do sST2 foi complementar à do NT-proBNP, de modo que os pacientes com a elevação de ambos os marcadores apresentaram a maior taxa de mortalidade em 1 ano (quase 40%), como mostrado na figura 2. Essa relação de sST2 com morte surgiu logo após a inclusão no estudo e permaneceu significativa por até 4 anos a partir da apresentação. Outra sub-análise do Estudo PRIDE incluiu 346 pacientes com o diagnóstico de IC.11,12 Neste estudo, as concentrações de sST2 na admissão foram correlacionadas com a classificação funcional da New York Heart Association, BNP (r = 0,29), NT‑pro-BNP (r = 0,41), proteína C-reativa (r = 0,43), clearance de creatinina (r = 0,22), e fração de ejeção do ventrículo esquerdo (VE) (r = 0,13). Ao contrário dos PNs, os níveis de sST2 não se correlacionaram com a idade, diagnóstico prévio de IC, índice de massa corporal, fibrilação atrial, ou causa de IC (isquêmica vs. não-isquêmica). Como observado no estudo anterior, o sST2 foi um forte preditor de mortalidade. Na análise multivariada por meio da regressão de Cox, o sST2 foi associado com um aumento de 2 vezes no risco de mortalidade independentemente de outros parâmetros, incluindo o PN. A avaliação do sST2 mostrou bom desempenho em pacientes com IC com fração de ejeção preservada (ICFEP) e reduzida (ICFER). Digno de nota, quando os valores do sST2 foram adicionados ao modelo prognóstico, o NT-proBNP deixou de ser um preditor significativo em pacientes com ICFEP.13 É muito importante observar o efeito da reclassificação do sST2 sobre o do PN. Os altos níveis de sST2 reclassificaram o risco de morte em pacientes com baixos níveis de PN. Por outro lado, em pacientes com valor de sST2 abaixo da concentração mediana, níveis de NT-proBNP > 1000 pg/mL, não foram preditores de mortalidade em 1 ano. Em um estudo realizado por Shah et al.14 em 139 pacientes da coorte inicial do estudo PRIDE, submetida à ecocardiografia bidimensional detalhada na admissão, os preditores dos níveis de sST2 na análise multivariada foram a pressão sistólica do Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):145-152 146 Villacorta & Maisel Testes com ST2 solúvel na insuficiência cardíaca Artigo de Revisão Figura 2 – Efeito aditivo do sST2 e NT-proBNP em pacientes com insuficiência cardíaca descompensada. Reprodução permitida.9,15 ventrículo direito, fração de ejeção do VE, dimensões do VE (sistólica final e diastólica final), NT-proBNP, frequência cardíaca, e distensão da veia jugular. Esses dados sugerem que a biologia do ST2 está envolvida no processo de remodelação, afetando, portanto, o prognóstico. De fato, nesse estudo o nível sST2 foi um preditor de mortalidade em 4 anos, independente de outros marcadores de risco clínicos, bioquímicos e ecocardiográficos. Os valores desse novo ensaio e dos ensaios antigos não são comparáveis. Assim, com a utilização do ensaio mais sensível Presage ST2 (Critical Diagnostics, San Diego, CA, EUA), a concentração ≥ 35 ng/mL está associada com um pior prognóstico em pacientes com IC, e esse valor tem sido o ponto de corte recomendado para esse propósito.15 No entanto, espera-se que as concentrações médias de sST2 na ICAD sejam maiores no momento da admissão. No Estudo PRIDE, o valor mediano no Presage ST2 em pacientes com ICAD, foi de 42,7 ng/mL. Os valores de ST2 em sobreviventes e não sobreviventes em 1 ano foram 67,4 vs. 35,8 ng/mL. Além disso, os valores maiores são esperados em pacientes com doença mais avançada. Por exemplo, Zilinski et al.16 avaliaram o papel do ST2 em uma população muito doente com IC. A concentração mediana de ST2 foi de 148 ng/mL (intervalo interquartil de 88 a 226 ng/mL). Notavelmente, apesar desses valores elevados, o ST2 manteve-se como preditor de morte, ao contrário do NT-proBNP, da troponina de alta sensibilidade e da função renal. Finalmente, é importante comentar a comparação das medidas de ST2 com outros biomarcadores na determinação da ICAD. Em um estudo com 5.306 pacientes realizado pela Global Research on Acute Conditions Team (GREAT), entre os inúmeros biomarcadores medidos na admissão de pacientes com ICAD, o ST2 emergiu como o biomarcador mais forte 147 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):145-152 com a capacidade de reclassificar o risco de morte além do modelo clínico. O ST2 foi o melhor preditor de mortalidade em 30 dias e 1 ano.17 Medidas em série do ST2 Solúvel em Pacientes com Insuficiência Cardíaca Aguda Embora os valores iniciais de ST2 na admissão tenham provado sua capacidade de prever desfechos, as medidas em série podem ter de um valor ainda maior. A variação biológica e o baixo índice de variação do ST2 o torna um bom candidato para o acompanhamento e possivelmente uma terapia orientada para a ICAD.18,19 Além disso, os valores de sST2 não são significativamente influenciados pela idade, sexo, índice de massa corporal e função renal, ao contrário dos PNs.19 Um dos primeiros estudos para avaliar medidas em série do sST2 foi realizada por Boisot et al.20 Nesse estudo o sST2 foi medido diariamente em pacientes admitidos com ICAD, e demonstrou-se que esse biomarcador muda rapidamente em resposta ao tratamento. Os pacientes cujos valores diminuíram rapidamente após a admissão apresentaram um bom resultado em curto prazo (Figura 3). Em contraste, aqueles com um aumento dos valores de sST2 tinham uma elevada probabilidade de morrer em 6 meses. Mais recentemente, resultados semelhantes foram obtidos por Manzano-Fernandez et al.,21 utilizando o mais novo ensaio Presage. Eles descobriram que as concentrações medianas de sST2 diminuíram de 62 para 44 ng/mL, e aqueles pacientes com elevação persistente no 4º dia tiveram um risco maior de morte. Os pacientes com valores acima do limite tanto na admissão como no 4º dia tiveram a maior taxa de mortalidade, ao contrário com as taxas muito baixas de mortalidade quando ambos os valores estavam abaixo dos pontos de Villacorta & Maisel Testes com ST2 solúvel na insuficiência cardíaca Artigo de Revisão Figura 3 – Variação dos valores de sST2 de acordo com o estado de sobrevivência em pacientes hospitalizados com insuficiência cardíaca. Reprodução permitida.19,20 corte (Figura 4). Finalmente, Breidthardt et al.22 observaram que os valores sST2 diminuíram significativamente a partir da admissão até 48 h, especialmente naqueles com resultados favoráveis, com uma redução média de 42% nos sobreviventes versus 25% nos não sobreviventes. É importante reiterar que, nos estudos mencionados acima, o valor prognóstico do sST2 foi aditivo ou mesmo superior aos dos PNs. As alterações dinâmicas do sST2, da admissão até a alta, e o valor final no fim da hospitalização, ambos contribuem para a predição do prognóstico em longo prazo.19-22 Na IC crónica, o ST2 tem sido indicado para prever a remodelação miocárdica.23,24 A relação desse biomarcador com o processo de remodelação levanta a possibilidade de identificar aqueles com maior probabilidade de responder a terapias anti-remodelação. Por exemplo, no cenário de ICAD, os pacientes com níveis elevados de sST2 se beneficiaram mais da terapia com beta-bloqueadores.21 Valor prognóstico do ST2 solúvel em Insuficiência Cardíaca Crônica De forma consistente com os dados na ICAD, o ST2 solúvel tem provado sua utilidade como um marcador de prognóstico na IC crônica.25 A primeira avaliação nesse cenário foi feita por Weinberg et al.,26 em um sub-estudo do Prospective Randomized Amlodipine Survival Evaluation 2 (PRAISE-2). Essa análise incluiu 161 pacientes com IC classe III ou IV, não isquêmica, e encontrou que variações em série, mas não os valores basais do ST2, estavam associados com risco aumentado de morte ou de transplante. Mais recentemente, Ky et al.27 relataram dados em uma população maior de pacientes com IC crônica. Nesse estudo multicêntrico de 1.141 pacientes do Penn Heart Failure Study (PHFS), o sST2 e o NT-proBNP foram comparados com o Seattle Heart Failure Model (SHFM) para a predição de morte ou transplante cardíaco em 1 ano. A combinação do sST2 e NT-proBNP obteve um desempenho semelhante ao do SHFM. Em termos de avaliação do risco individual de cada paciente, o sST2 funcionou tão bem como o NT-proBNP, mas não foi, sozinho, superior ao SHFM. No entanto, somando os dois biomarcadores ao escore do SHFM, houve melhora da discriminação de risco, reclassificando 14,9% dos pacientes em categorias mais apropriadas. Em contraste com o estudo de Weinberg et al.,26 Ky et al.27 encontraram uma forte e independente associação de uma única medida basal do sST2 e desfechos adversos. Segundo os pesquisadores, essas diferenças poderiam ocorrer devido a uma maior amostragem, um ensaio do sST2 mais sensível, e uma população mais ampla com IC.25 Esses resultados iniciais foram confirmados no Barcelona Study, onde o novo ensaio de alta sensibilidade do sST2 foi utilizado na avaliação de 891 pacientes em um centro multidisciplinar de IC.28 Nos modelos de risco proporcional multivariados de Cox, o sST2 e NT-proBNP foram preditores de morte de forma significativa, além dos fatores de risco convencionais. É importante ressaltar que a melhoria líquida na reclassificação após a adição em separado do sST2 ao modelo com fator de risco estabelecido e o NT-proBNP, foi de significativos 9,90%. É digno de nota que, no Barcelona study, o desempenho do sST2 não foi influenciado pela função renal, tal como observado com o NT-proBNP. A inclusão do sST2, juntamente com outros biomarcadores, melhorou a previsão em pacientes com insuficiência renal, ainda mais do que em toda a população.29 Outra contribuição adicional do Barcelona study foi a comparação de diferentes biomarcadores de fibrose. O sST2 e a galectina-3 são ambos associados com fibrose e remodelação cardíaca, e a galectina-3 mostrou ser preditora de desfechos30. A comparação direta desses dois biomarcadores revelou que o sST2 foi superior à galectina-3 na estratificação de risco31. Ambos os marcadores foram associados com o risco aumentado de mortalidade por todas Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):145-152 148 Villacorta & Maisel Testes com ST2 solúvel na insuficiência cardíaca Artigo de Revisão Figura 4 – Medidas em série do sST2 na ICAD. Pacientes com sST2 ≤ 76 ng/mL na admissão e ≤ 46 ng/mL no 4° dia apresentaram a menor taxa de mortalidade (3%), enquanto aqueles com ambos os valores de sST2 acima desses pontos de corte tiveram a maior taxa de mortalidade (50%).21 as causas, mas apenas o sST2 foi associado com a mortalidade cardiovascular. Além disso, o sST2 refinou significativamente a discriminação e a análise de reclassificação, ao passo que a galectina-3 obteve efeitos menores nessas questões. O ST2 também demonstrou ser um bom preditor de morte súbita em pacientes com insuficiência cardíaca sistólica leve a moderada. No estudo caso-controle Muerte Súbita en Insuficiencia Cardíaca (MUSIC), o aumento do ST2 e NT-proBNP acima do valor de corte foi associado com uma elevada taxa de morte súbita (71%), ao contrário da taxa muito baixa (4%) quando os dois biomarcadores estavam abaixo do valor de corte (Figura 5)32. Essa é uma informação importante, considerando que, no momento, nenhum teste prediz confiavelmente morte súbita em pacientes com IC. Em estudos recentes, o valor prognóstico do sST2 na IC crônica foi confirmado. Um bom desempenho foi observado no estudo Controlled Trial Investigating Outcomes of Exercise Training (HF-ACTION), que consistiu em um estudo multicêntrico, randomizado, do treinamento físico em IC,33 e no estudo CORONA.34 Muito recentemente, Gruson et al.35 avaliaram o valor do sST2 além dos PNs (BNP, NT‑proBNP, e proBNP 1-108) e os fatores de risco convencionais, tais como idade, fração de ejeção do VE, e taxa de filtração glomerular. O sST2 foi o mais forte preditor de morte cardiovascular.35 Em outro estudo, o sST2 também foi útil e complementar aos PNs em pacientes em risco de IC. Daniels et al.36 estudaram 588 pacientes ambulatoriais que foram encaminhados para ecocardiografia. Altos níveis de sST2 foram independentemente associados com mortalidade em 1 ano, mesmo entre o subgrupo de 429 pacientes sem histórico de IC. É importante ressaltar que nenhum paciente com um valor de sST2 abaixo dos níveis medianos morreu nos primeiros 6 meses de seguimento. Tomados em conjunto, esses estudos sugerem um papel do ST2 na definição da IC crônica, que é aditivo e, em alguns estudos, até mesmo superior ao dos PNs. As diretrizes de 149 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):145-152 2013 do American College of Cardiology e American Heart Association para o manejo da IC apresentaram pela primeira vez uma recomendação de biomarcadores para fibrose, tais como ST2 e galectine-3, tanto na IC aguda quanto na crônica. Eles fornecem uma recomendação de classe IIb e reconhecem o valor do ST2 como preditor de morte e hospitalização. Além disso, enfatiza-se o valor prognóstico aditivo ao dos PNs.37 Medidas em série do ST2 em Insuficiência Cardíaca Crônica É preciso entender a variação biológica de um biomarcador se o mesmo for um candidato a ser medido em série. A variação biológica do sST2 foi recentemente avaliada por Wu et al.18 O estudo incluiu 17 indivíduos saudáveis durante um período de oito semanas. Foi avaliada a variabilidade dos níveis dos biomarcadores que ocorreram na ausência de instabilidade clínica significativa. Eles descobriram que o valor de referência para variação do sST2 foi de 30%, muito mais baixa do que a observada com a galectina-3 (60%) ou o NT-proBNP (92%). O índice de individualidade (uma medida para avaliar se as medidas em série complementam significativamente uma avaliação única) para o sST2 foi de 0,25, sugerindo um valor para medidas em série. Em comparação, o mesmo índice da galectina-3 foi de 1,0, indicando que a galectina-3 é inútil para medidas em série. Estes dados sugerem que o sST2 é um potencial biomarcador para o acompanhamento e, eventualmente, orientação de terapia em pacientes com IC. Três importantes estudos abordaram o valor de medidas em série do sST2 na IC crônica, todos eles usando o novo ensaio Presage. O primeiro deles é um sub-estudo do estudo Controlled Rosuvastatin Multinational Trial in Heart Failure (CORONA).34 O sST2 foi medido em 1.449 pacientes com IC e em 1.309 controles; uma segunda amostra foi avaliada três meses após a randomização. O acompanhamento médio foi de 2,6 anos e 28,2% alcançaram o desfecho primário Villacorta & Maisel Testes com ST2 solúvel na insuficiência cardíaca Artigo de Revisão Figura 5 – Valor aditivo de sST2 e NT-proBNP na predição de morte súbita em pacientes com insuficiência cardíaca crônica.32 de morte cardiovascular, infarto do miocárdio não fatal ou acidente vascular cerebral. O nível medio de sST2 basal foi de 17,8 ng/mL (intervalo interquartil 13,0-25,0). Após os ajustes iniciais para variáveis convencionais, o sST2 basal foi um preditor significativo de todos os desfechos, incluindo o desfecho primário, morte, agravamento da IC e hospitalização por IC. Quando o NT-proBNP e a proteína C-reativa foram adicionados ao modelo, o sST2 não foi um preditor de desfecho primário, mas permaneceu significativamente preditivo de morte com a piora da IC, hospitalização cardiovascular, e hospitalização por piora da IC. Nos 1.309 pacientes com uma nova medida após 3 meses, a variação global do sST2 foi mínima (mediana 0, intervalo interquartil -3 a 3 ng/mL). No entanto, alguns pacientes não apresentaram variação do nível do biomarcador. Os pacientes que experimentaram uma diminuição no sST2 por 3 meses tiveram um risco reduzido de hospitalização por piora da IC e hospitalização por causas cardiovasculares. Um aumento no sST2 ≥ 15.5% foi associado com hospitalização por causas cardiovasculares, embora não tenha sido associado com qualquer outro desfecho na análise univariada. No entanto, após ajustes completos, um aumento no sST2 significativamente predisse tanto o desfecho primário quanto a hospitalização por causas cardiovasculares. No estudo pro-BNP Outpatient Tailored Chronic Heart Failure Therapy (PROTECT),38 em 151 indivíduos com IC devido à disfunção sistólica do ventrículo esquerdo, nos quais o sST2 foi medido, 145 pacientes tiveram mais de uma amostra disponível para avaliação em série. Nesse estudo, o sST2, a troponina T ultrassensível (HsTnT), e o fator de diferenciação de crescimento 15 (GDF15) foram adicionados à um modelo que incluía variáveis clínicas e o NT-proBNP. No início do estudo, todos os três biomarcadores melhoraram a predição de risco além das variáveis clínicas, enquanto o NT-proBNP deixou de ser um preditor prognóstico. Quando medido em série, o sST2, ao contrário do HsTnT ou o GDF15, variou significativamente por uma mediana de 10 meses de seguimento, em comparação com os valores basais. Usando o modelo proporcional de Cox, o sST2 basal < 35 ng/mL foi associado com um tempo maior até o primeiro evento cardiovascular (HR 0,30, IC 95% 0,14-0,63, p = 0,002). É importante ressaltar que uma mudança nos valores do sST2 de < 35 a > 35 ng/mL durante o seguimento foi associado com um tempo menor até o evento cardiovascular (HR 3,64, IC 95% 1,37-9,67, p = 0,009). Observa-se que os valores sST2 aos 3 e 6 meses complementaram de forma significativa as medidas basais para o prognóstico. Uma análise adicional demonstrou que a porcentagem de tempo gasto abaixo do limiar de 35 ng/mL foi um dos mais fortes preditores de eventos em um ano. Além disso, os pacientes foram classificados em 3 classes: 1) aqueles cujos valores de sST2 foram sempre < 35 ng/mL; 2) às vezes < 35 ng/mL; e 3) nunca foram < 35 ng/mL. Um tempo maior com concentrações do sST2 < 35 ng/mL, foi preditor de uma diminuição no índice diastólico final do VE, sugerindo um papel do sST2 no monitoramento da remodelação do VE. Finalmente, foram avaliados os efeitos dos medicamentos sobre as medidas em série do sST2 no estudo PROTECT. Aqueles com concentrações basais elevadas de sST2 que atingiram doses maiores de beta-bloqueadores tiveram risco significativamente menor de eventos do que aqueles titulados para doses inferiores de beta-bloqueadores. Aqueles com baixos níveis de sST2 e altas doses de beta-bloqueadores apresentaram as menores taxas de eventos.39 No estudo Valsartan Heart Failure Trial (VAL-HeFT), o sST2 foi medido no início do estudo, aos 4 meses e em 1 ano, em 1.650 pacientes com disfunção sistólica do VE.40 Em um modelo de regressão de Cox, os valores basais de sST2 acrescentaram informações significativas relativas ao primeiro evento mórbido, morte, mas não internação por IC. O desempenho do sST2 basal foi modesto e deslocado pelo NT-proBNP. No entanto, quando analisados em série, um aumento nas concentrações do sST2 basal até os 12 meses Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):145-152 150 Villacorta & Maisel Testes com ST2 solúvel na insuficiência cardíaca Artigo de Revisão foi um excelente preditor de eventos. Quando isso foi adicionado aos modelos clínicos basais, um aumento dos valores de sST2 foi associado com todos os desfechos e melhorou as estatísticas-c de 0,71 para 0,74. No entanto, os decréscimos do sST2 basal até os 12 meses não foram associados com um risco reduzido de eventos. Deve também notar-se que os inibidores da ECA e beta‑bloqueadores foram associados à concentrações mais baixas de sST2, enquanto que a digoxina e os diuréticos foram associados com valores maiores de sST2. Uma explicação plausível para o último achado é o elo entre o sST2 e fibrilação atrial e a associação desse biomarcador com a congestão clínica.41 Direções futuras O sST2 pode, potencialmente, ser encarado como um HgA1C da IC; em outras palavras, o valor de sST2 fornece informações sobre a tensão na parede, inflamação, ativação de macrófagos (fibrose), bem como outras informações ainda a serem descobertas. Levando isso em consideração, um único valor de sST2 deve permitir a titulação da terapia e a monitoração do estado clínico do paciente. Além disso, considerando que o sST2 é um forte marcador do risco de morte, não seria surpreendente ver um valor ser utilizado para tomar decisões quando os pacientes estão prestes a receber terapias como um cardioversor-desfibrilador implantável (CDI), terapia de ressincronização cardíaca (TRC), implantação de CardioMems (monitoração da pressão da artéria pulmonar), e até mesmo o dispositivo de assistência ventricular esquerda. Conclusão O sST2 é um biomarcador que saltou através de todos os "obstáculos" esperados de um biomarcador útil. É o único novo biomarcador que pode ser valioso atualmente para tratar pacientes com IC aguda e crônica. Novos biomarcadores são esperados e têm sido explorados em estudos recentes42,43. Mais de uma década atrás, os PNs emergiram como os primeiros marcadores para o diagnóstico de IC aguda44,45. Desde então, esse é o biomarcador mais promissor para o manejo desses pacientes, complementando os PNs, especialmente para orientar a terapêutica. Estudos prospectivos testando essa hipótese são mais do que bem-vindos. Contribuição dos autores Concepção e desenho da pesquisa: Villacorta H; Redação do manuscrito: Villacorta H, Maisel AS; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Maisel AS. Potencial conflito de interesse Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. Fontes de financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação acadêmica Não há vinculação deste estudo a programas de pós‑graduação. Referências 1. Braunwald E. The war against heart failure: the Lancet lecture. Lancet. 2015;385(9970):812-24. 2. Meta-Analysis Global Group in Chronic Heart Failure (MAGGIC). The survival of patients with heart failure with preserved or reduced left ventricular ejection fraction: an individual patient data meta-analysis. Eur Heart J. 2012;33(14):1750-7. 3. Bocchi EA. Heart failure in South America. Curr Cardiol Rev. 2013;9(2):147-56. 4. Jorge AJ, Mesquita ET, Rosa ML, Costa JA, Fernandes LC, Correia DM, et al. The role of natriuretic peptide in the diagnosis of overt heart failure in primary care setting in Brazil. Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(Suppl):A69. 151 9. Januzzi JL Jr, Peacock WF, Maisel AS, Chae CU, Jesse RL, Baggish AL, et al. 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Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):145-152 152 Voltar ao Índice da Capa Correlação Clínico-radiográfica Caso 2/2016 - Sinal de Cimitarra em Drenagem de Veias Pulmonares Direitas no Átrio Direito Case 2/2016 - Scimitar Sign with Right Pulmonary Vein Drainage into the Right Atrium Edmar Atik, Raul Arrieta, Roberto Kalil Filho Hospital Sírio Libanês, São Paulo, SP – Brasil Dados clínicos: descoberto de rotina por radiografia de tórax os sinais característicos da síndrome da cimitarra com hipoplasia pulmonar direita, em vigência de dengue, em paciente assintomático. Diagnóstico: síndrome da cimitarra com drenagem de veias pulmonares direitas no átrio direito com repercussão moderada e sequestro pulmonar em circulação sistêmico‑pulmonar da aorta descendente em lobo inferior direito. No exame físico, estava em bom estado geral, eupnéico, corado, com pulsos normais. Peso de 54 kg, altura de 155 cm, pressão arterial de 100/60 mmHg, frequência cardíaca de 88 bpm. Raciocínio clínico: a síndrome da cimitarra, em decorrência da drenagem anômala das veias pulmonares direitas, expressa-se clinicamente como se fosse uma comunicação interatrial simples, com os sinais clássicos descritos, com poucos sintomas, sopro de ejeção na área pulmonar, segunda bulha desdobrada e sobrecarga diastólica de ventrículo direito no eletrocardiograma. O sinal da cimitarra, na radiografia de tórax, caracteriza facilmente o diagnóstico da síndrome, como aliás esse diagnóstico havia sido estabelecido no caso presente. Daí a importância desse exame radiográfico complementar, simples e definitivo, para a conclusão diagnóstica deste defeito. Aorta não era palpada na fúrcula. No precórdio, havia impulsões discretas na borda esternal direita e esquerda, e o ictus não era palpado. As bulhas eram normofonéticas, e a segunda bulha, desdobrada constante com sopro sistólico de ejeção, discreto e rude, na área pulmonar. O fígado não era palpado e, nos pulmões, o murmúrio vesicular era menos audível no terço pulmonar inferior direito. Exames complementares Eletrocardiograma salientava ritmo sinusal e sinais de distúrbio final de condução pelo ramo direito com complexo rSr´ em V1. Não havia sinais de sobrecarga cavitária. AP: +70o, AQRS: +80o, AT: +10o (Figura 1). Radiografia de tórax mostra a hipoplasia do pulmão direito, o coração dextroposto em decorrência e o sinal clássico da drenagem anômala de veias pulmonares à direita, com aspecto de cimitarra. A trama vascular pulmonar à esquerda era ligeiramente mais proeminente (Figura 1) Ecocardiograma mostrava aumento das cavidades cardíacas direitas, das artérias pulmonares e drenagem da veia pulmonar direita no átrio direito em sua porção inferior, próximo à veia cava inferior. Angiotomografia salientou o mesmo aspecto, além da evidente circulação colateral sistêmico-pulmonar, partindo da aorta descendente em direção ao lobo pulmonar inferior direito (Figura 2). Palavras-chave Síndrome de Cimitarra / cirurgia; Veias Pulmonares / anormalidades; Radiografia Torácica; Cateterismo Cardíaco. Correspondência: Edmar Atik • Consultório privado. Rua Dona Adma Jafet, 74, conj.73, Bela Vista. CEP: 01308‑050, São Paulo, SP – Brasil E-mail: [email protected] Artigo recebido em 14/07/15; revisado em 16/09/15; aceito em 16/09/15. DOI: 10.5935/abc.20160023 153 Diagnóstico diferencial: a síndrome de cimitarra não encontra dificuldades diagnósticas em relação a outros defeitos, por ser um sinal radiográfico característico e singular. Conduta: programada a confirmação diagnóstica por cateterismo cardíaco, além da intervenção de embolização do vaso sistêmico-pulmonar para, em seguida, realizar-se a correção cirúrgica da drenagem anômala das veias pulmonares direitas. O estudo hemodinâmico revelou pressões normais nas cavidades cardíacas e vasos arteriais (AD = 8, VD = 25/8, TP = 25/15-20, Ao = 98/58-70 mmHg ). A saturação arterial era de 100% na aorta. A angiografia revelou grande vaso venoso pulmonar à direita, bastante dilatado, que drenava no átrio direito baixo. Injeção de contraste na aorta descendente evidenciou um vaso arterial, que se dirigia para o lobo inferior direito após discreta estenose no terço proximal. A colocação de três molas o ocluiu totalmente (Figura 2). Na cirurgia cardíaca, após entrada em circulação extracorpórea, foi ressecado parcialmente o septo interatrial e feito o redirecionamento do fluxo da veia pulmonar direita para o átrio esquerdo com remendo de pericárdio bovino. A evolução pós-operatória transcorreu sem intercorrências, com desaparecimento do sopro cardíaco. Comentários: na síndrome da cimitarra clássica, sabe‑se que a drenagem das veias pulmonares anômalas do pulmão direito em forma de cimitarra (espada curva turca) se dirige para a veia cava inferior, em maior ou menor grau de hipoplasia do pulmão direito, com ou sem sequestro pulmonar por vaso sistêmico-pulmonar da aorta ao lobo inferior direito, além da dextroposição cardíaca.1,2 A maioria não é associada a outros defeitos (75%) e se distinguem nessa síndrome dois tipos, o infantil (com repercussão dinâmica) e o adulto (de menor Atik et al. Sinal de cimitarra por drenagem anômala em AD Correlação Clínico-radiográfica Figura 1 – Radiografia de tórax mostra coração dextroposto por hipoplasia do pulmão direito e o sinal de cimitarra (setas) da veia pulmonar direita dilatada e anômala. Eletrocardiograma com os sinais clássicos da sobrecarga de volume do ventrículo direito com complexo rSR´em V1. repercussão da sobrecarga de volume, relacionada ao grau da hipoplasia pulmonar direita). No entanto, a drenagem em átrio direito das veias pulmonares direitas com manutenção da forma de cimitarra é pouco conhecida. Na procura da literatura, aliás, desde 1966, não foi encontrado nenhum caso semelhante a este descrito, com drenagem da veia anômala diretamente no átrio direito e com sinal clássico de cimitarra. Essa particularidade da forma de cimitarra persiste pela proximidade da drenagem no átrio direito inferior, próximo da veia cava inferior. Nesse contexto, há casos descritos do sinal de cimitarra mas com drenagem normal da veia pulmonar direita no próprio átrio esquerdo.3 Daí que conhece-se hoje a "síndrome característica de cimitarra" e o "sinal de cimitarra" − este não associado à drenagem anômala de veia pulmonar ou ainda associado à drenagem anômala em outro sítio, como no átrio direito, por exemplo. Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):153-155 154 Atik et al. Sinal de cimitarra por drenagem anômala em AD Correlação Clínico-radiográfica Figura 2 – Angiotomografia em A mostra a veia pulmonar direita (VPD, seta) drenando no átrio direito (AD); angiografia salienta o sinal da cimitarra (setas) da VPD em B e drenando no AD em C; vaso colateral sistêmico-pulmonar emerge da aorta descendente em direção ao lobo inferior direito (sequestro pulmonar) em D e após embolização do mesmo em E. Referências 1. Vida VL, Padalino MA, Boccuzzo G, Tarja E, Berggren H, Carrel T, et al. Scimitar syndrome: a European Congenital Heart Surgeons Association (ECHSA) multicentric study. Circulation. 2010;122(12):1159-66. 2. Midyat L, Demir E, Aşkin M, Gülen F, Ulger Z, Tanaç R, et al. Eponym. Scimitar syndrome. Eur J Pediatr. 2010;169(10):1171-7. 155 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):153-155 3. Holt PD, Berdon WE, Marans Z, Griffiths S, Hsu D. Scimitar vein draining to the left atrium and a historical review of the scimitar syndrome. Pediatr Radiol. 2004;34(5):409-13. Voltar ao Índice da Capa Relato de Caso QT Longo e Torsades de Pointes Induzidos por Fármacos em Pacientes Idosos Polimedicados Drug-Induced Long-QT and Torsades de Pointes in Elderly Polymedicated Patients Daniel García-Fuertes, Elena Villanueva-Fernández, Manuel Crespín-Crespín Hospital Santa Bárbara, Puertollano, Ciudad Real - Espanha Introdução A polimedicação afeta um em cada três pacientes com mais de 65 anos.1 Seus riscos são amplamente conhecidos e estão especialmente relacionados com interações farmacológicas.2 Um desses riscos potenciais é o aparecimento de arritmias ventriculares malignas quando fármacos que prolongam o intervalo QT são prescritos, incluindo antibióticos, antidepressivos, anti-eméticos, medicação psicotrópica ou mesmo drogas antiarrítmicas.3-6 O desenvolvimento de arritmias ventriculares como a Torsades de Pointes (TdP), tipicamente relacionada com prolongamento do intervalo QT, é uma complicação potencialmente letal. É imperativo reconhecer as drogas que podem provocá-la, evitando a sua utilização conjunta ou planejando um controle rigoroso caso sua combinação não possa ser evitada. Relato do Caso São apresentados três casos consecutivos de pacientes polimedicados apresentando taquicardia ventricular polimórfica devido a prolongamento do intervalo QT induzido por fármacos. Paciente 1 Uma mulher de 84 anos foi admitida no departamento de emergência por síncope. A paciente tinha antecedentes de hipertensão arterial, dislipidemia, fibrilação atrial permanente, transtorno de ansiedade-depressão e substituição da válvula aórtica e mitral com disfunção ventricular esquerda moderada residual. Ela estava recebendo tratamento com acenocumarol, furosemida, candesartan, digoxina, sinvastatina, sulpirida e escitalopram. Ela também tinha iniciado recentemente tratamento com solifenacina devido a incontinência urinária. Seu eletrocardiograma (ECG) de 12 derivações mostrou fibrilação atrial com frequência ventricular controlada, Palavras-chave Torsades de Pointes; Idoso; Prescrição Inadequada; Interações de Medicamentos; Síndrome do QT Longo; Arritmias Cardíacas. Correspondência: Daniel García Fuertes • C/Numancia 34, 2ºD. CEP 13500, Puertollano (Ciudad Real) - Espanha E-mail: [email protected] Artigo recebido em 14/02/2015; revisado em 01/03/2015; aceito em 20/04/2015. DOI: 10.5935/abc.20150069 bloqueio completo do ramo esquerdo previamente conhecido, intervalo QT corrigido prolongado (558 ms, método Hodges), complexos ventriculares prematuros frequentes (Figura 1A) e episódios de taquicardia de complexo QRS amplo (Figura 1B e 1C) compatível com TdP. Os exames laboratoriais revelaram hipocalemia (3.4 mEq/L) e hipomagnesemia (1,67 mg/dL). Inicialmente, foram administrados amiodarona intravenosa e sulfato de magnésio. Levofloxacina também foi iniciada devido a sintomas de infecção respiratória. Taquicardias ventriculares polimórficas sustentada e não‑sustentada persistiram e a paciente recebeu múltiplos choques elétricos devido à instabilidade hemodinâmica. Uma vez que o cardiologista avaliou a paciente, todos os medicamentos que prolongavam o intervalo QT foram retirados, os distúrbios hidroeletrolíticos foram corrigidos e estimulação ventricular transjugular temporária a 90 b.p.m foi realizada. A paciente não apresentou novos eventos arrítmicos, a estimulação ventricular foi interrompida após 48 horas e o intervalo QT foi progressivamente normalizado. Paciente 2 Uma mulher de 85 anos, diabética e hipertensa foi hospitalizada devido a cólica biliar complicada. Apresentava histórico de fibrilação atrial paroxística, miocardiopatia hipertensiva, depressão e síndrome vertiginosa. Seu tratamento incluiu: losartana, beta-histina, sinvastatina, amiodarona, bisoprolol, acenocumarol, metformina, sulfato de ferro e escitalopram. Ela também tinha sido tratada com metoclopramida devido à náusea e vômitos. No quinto dia de internação ela teve uma parada cardiorrespiratória. A ressuscitação cardiopulmonar básica foi iniciada e um TdP autolimitado foi identificado quando o ECG estava sendo monitorado. Seu ECG de 12 derivações mostrou ritmo sinusal, bloqueio do ramo esquerdo e um intervalo QT corrigido prolongado (475 ms, método Hodges). Hipocalemia (3.3 mEq/L) e hipomagnesemia (1,5 mg/dL) também foram encontradas. Fármacos que prolongam o intervalo QT foram retirados e os distúrbios eletrolíticos foram corrigidos por meio de potássio e sulfato de magnésio intravenosos. Não houve novos eventos. Paciente 3 Uma mulher de 74 anos de idade, diabética, hipertensa, dislipidêmica e fumante ativa foi internada por causa de insuficiência cardíaca. Tinha histórico de fibrilação atrial e doença valvar reumática com estenose mitral leve e 156 García-Fuertes et al. Torsades de Pointes em pacientes polimedicados Relato de Caso Figura 1 – Eletrocardiograma de doze derivações do paciente do caso 1. A. Fibrilação atrial com frequência ventricular controlada, bloqueio completo do ramo esquerdo, intervalo QT corrigido prolongado e complexos ventriculares prematuros frequentes. B. Taquicardia de complexo QRS largo. C. Torsades de pointes. regurgitação, regurgitação aórtica moderada e insuficiência tricúspide grave. Ela também foi diagnosticada com doença pulmonar obstrutiva crônica e déficit cognitivo moderado. Seu tratamento incluiu acenocumarol, bisoprolol, sinvastatina, indapamida, paroxetina, sulpirida, omeprazole, paracetamol, tramadol, risedronato de sódio, alprazolam e metoclopramida. do intervalo QT e o tratamento definitivo em cada caso. O método Hodges foi utilizado para a correção da medida do intervalo QT na presença de bloqueio do ramo esquerdo, pois seus resultados são mais confiáveis do que os obtidos com a formula de Bazzet.7 O ECG mostrou fibrilação atrial com frequência ventricular rápida, complexos ventriculares prematuros frequentes e um intervalo QT corrigido prolongado (565 ms, método Bazzet). Poucas horas após a admissão, apresentou parada cardiorrespiratória com múltiplos episódios de TdP que degenerou em fibrilação ventricular. As análises sanguíneas mostraram hipomagnesemia (1,34 mg/dL), hipocalcemia (8,5 mg/dL) e calemia de 3,6 mmol/L. Vários choques elétricos foram administrados. Antes da avaliação cardiológica foram administrados sulfato de magnésio e amiodarona por via venosa, além de correção de distúrbios eletrolíticos. Após a avaliação cardiológica foram retirados a amiodarona e outras drogas que prolongam o intervalo QT. A paciente tornou-se assintomática, sem novos episódios de arritmias ventriculares e normalização do intervalo QT corrigido. Discussão As pacientes mantiveram-se assintomáticas em relação às arritmias ventriculares em um seguimento médio de sete meses após a alta hospitalar (11, 3 e 7 meses para cada paciente, respectivamente). A tabela 1 resume as principais características clínicas das 3 pacientes, número de medicamentos prescritos cronicamente, drogas causadoras de prolongamento do intervalo QT, distúrbios hidroeletrolíticos favorecendo o prolongamento 157 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):156-159 A polimedicação em pacientes idosos pode causar um maior risco de eventos adversos graves, especialmente quando as drogas que prolongam o QT são coadministradas. As drogas de prolongamento do QT podem ser categorizadas por seu potencial para causar prolongamento do intervalo QT e/ou TdP em: drogas com risco conhecido de TdP (amiodarona, escitalopram, levofloxacina, sulpirida), medicamentos com possível risco de TdP e drogas com risco condicional de TdP ( indapamida, paroxetina, solifenacina). Todos as pacientes foram tratadas com pelo menos um fármaco classificado como “de risco conhecido de TdP”. Além disso, duas das três pacientes descritas receberam medicamentos adicionais de prolongamento do QT mesmo depois da verificação do prolongamento do intervalo QT e taquicardia ventricular polimórfica (amiodarona e levofloxacina no caso 1, e amiodarona no caso 3). Distúrbios eletrolíticos que contribuem para o TdP também foram encontrados em todos os casos (hipocalemia, hipomagnesemia e/ou hipocalcemia). Os três casos foram notificados em mulheres idosas com doença cardíaca estrutural. Todos esses fatores têm sido descritos como fatores de risco para TdP.8,9 García-Fuertes et al. Torsades de Pointes em pacientes polimedicados Relato de Caso Tabela 1 – Características clínicas e tratamento dos pacientes Caso 1 Caso 2 Caso 3 Sexo Feminino Feminino Feminino Idade 84 85 74 8 9 10 amiodarona escitalopram levofloxacina Solifenacina sulpirida amiodarona escitalopram metoclopramida indapamida metoclopramida paroxetina sulpiride Número de drogas crônicas Drogas de prolongamento do QT Hipocalemia + + - Hypomagnesemia + + + Hipocalcemia - - + Doença cardíaca + + + Torsades de pointes + + + Fibrilação Ventricular - - + Tratamento Retirada de medicamento + + + Sulfato de magnésio + + + Potássio + + + Isoproterenol - - - Marca-passo + - - +: característica clínica estava presente ou tratamento foi administrado; -: característica clínica não estava presente ou tratamento não foi administrado É digno de nota que a amiodarona foi utilizada como um tratamento de primeira linha em dois dos três casos. É prática comum o uso de amiodarona na situação de uma taquicardia ventricular. Apesar da sua utilidade no tratamento de taquicardias ventriculares monomórficas, é contraindicada em taquicardias ventriculares polimórficas como a TdP devido ao prolongamento do intervalo QT. De acordo com as diretrizes para a prática clínica, o tratamento deve incluir a retirada de todas as drogas causadoras de eventos, correção de distúrbios eletrolíticos (a reposição de potássio de 4,5 a 5 mmol/L pode ser considerada) e sulfato de magnésio por via venosa. Uma alta taxa de estimulação é razoável para doentes que apresentem Torsades de pointes recorrente pausa‑dependentes, geralmente devido a complexos ventriculares prematuros com uma sequência curta-longa-curta, como aconteceu no caso 1. O isoproterenol pode ser usado como alternativa. 10 Um esforço especial está sendo feito por sociedades científicas a fim de reduzir fármacos potencialmente inapropriados, que continuam a ser prescritos e utilizados como tratamento de primeira linha para os adultos idosos mais vulneráveis, apesar das evidências de desfechos ruins. Alguns dos medicamentos prescritos aos nossos pacientes, como amiodarona ou digoxina, são considerados medicamentos inadequados de acordo com os critérios da American Geriatrics Society Updated Beers Criteria for Potentially Inappropriate Medication Use in Older Adults,11 e devem ser evitados em idosos. Conclusões A polimedicação envolve um alto risco de efeitos adversos. Portanto, é crucial identificar os pacientes que estão recebendo medicamentos que podem induzir prolongamento do intervalo QT e realizar eletrocardiogramas em série, devido ao potencial risco de arritmias ventriculares. Contribuição dos autores Concepção e desenho da pesquisa: García Fuertes D, Villanueva Fernández E. Obtenção de dados: García Fuertes D, Villanueva Fernández E. Análise e interpretação dos dados: García Fuertes D, Villanueva Fernández E. Redação do manuscrito: García-Fuertes D. Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: García Fuertes D, Villanueva-Fernández E, Crespín-Crespín M. Potencial Conflito de Interesse Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação Acadêmica Não há vinculação deste estudo a programas de pós‑graduação. Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):156-159 158 García-Fuertes et al. Torsades de Pointes em pacientes polimedicados Relato de Caso Referências 1. Garrido- Garrido EM, García- Garrido I, García-López-Durán JC, García-Jiménez F, Ortega-López I, Bueno-Cavanillas A. 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Voltar ao Índice da Capa Imagem Multimodalidade de Imagens de Defeito Septal Atrial Misto Multimodality Images of a Mixed Atrial Septal Defect Zafer Işılak1, Uğur Küçük1, Omer Uz1, Murat Yalçın1, Veysel Temizkan2 Department of Cardiology – Gulhane Military Medical Academy – Haydarpasa Training Hospital1, Istanbul – Turkey; Department of Cardiovascular Surgery – Gulhane Military Medical Academy – Haydarpasa Training Hospital2, Istanbul – Turkey Paciente do sexo masculino, de 20 anos de idade, com queixa de dispneia, foi encaminhado ao nosso hospital. No exame físico havia sopro sistólico de grau 2/6, o qual é melhor auscultado no segundo espaço intercostal esquerdo e divisão fixa de S2. O ECG revelou ritmo sinusal, com bloqueio completo do ramo direito. A ecocardiografia transtorácica mostrou um defeito septal atrial (DSA) do tipo secundum e a razão Qp/Qs era de 1,6. O ventrículo direito estava gravemente dilatado, o que era inconsistente com o tamanho do defeito. A ecocardiografia transesofágica bidimensional e por Doppler colorido confirmou o DSA do tipo secundum (asterisco) e revelou a presença de um DSA adicional do tipo seio venoso entre o átrio direito e a veia cava superior (VCS) (Figura 1A, 1B, 1C Vídeo 1). A ecocardiografia transesofágica tridimensional confirmou a presença de ambos os defeitos septais (Figura 1D). O paciente foi submetido à tomografia cardíaca para melhor delineamento anatômico. As figuras 1E e 1F mostram claramente o DSA do tipo secundum (asterisco), de seio venoso (seta) e drenagem anômala da veia pulmonar superior direita para a VCS (estrela). O paciente foi submetido à cirurgia. As figuras 1G e 1H mostram as imagens intra‑operatórias dos defeitos. O septo interatrial é anatomicamente dividido em cinco zonas septais. O defeito misto do septo atrial envolve duas ou mais das cinco zonas septais e é responsável por sete de todos os defeitos de septo atrial. 1 Em pacientes com ventrículo direito gravemente dilatado e razão Qp/Qs elevada, inconsistente com o tamanho do defeito, os médicos devem considerar a presença de defeitos septais adicionais. Esses pacientes devem ser avaliados através de métodos avançados de imagem. Contribuição dos autores Concepção e desenho da pesquisa: Işılak Z; Obtenção de dados: Uz O, Temizkan V; Redação do manuscrito: Küçük U; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Yaçın M. Potencial conflito de interesse Palavras-chave Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. Septo Interatrial / fisiopatologia; Comunicação Interatrial / fisiopatologia; Ecocardiografia Tridimensional. Fontes de financiamento Correspondência: Ugur Kucuk • Department of Cardiology, Gulhane Military Medical Academy, Haydarpasa Training Hospital, Istanbul, Turkey. GATA Haydarpasa Training Hospital. CEP 341000, Istanbul – Turkey E-mail: [email protected] Artigo recebido em 24/08/15; revisado em 09/10/15; aceito em 15/10/15. O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação acadêmica Não há vinculação deste estudo a programas de pós‑graduação. DOI: 10.5935/abc.20160016 160 Işılak et al Defeito septal atrial misto Imagem Figura 1 – Imagens multimodalidade e intra-operatórias de um defeito septal atrial misto. Vídeo – Acesse o vídeo através do link: http://www.arquivosonline.com.br/2016/10602/pdf/10602013.pdf Referência 1. John J, Abrol S, Sadiq A, Shani J. Mixed atrial septal defect coexisting ostium secundum and sinus venosus atrial septal defect. J Am Coll Cardiol. 2011;58(5):e9. 161 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):160-161 Voltar ao Índice da Capa Ponto de Vista A Operação de Fontan Não é o Destino Final The Fontan Operation is Not the End of the Road Luiz Fernando Caneo1, Rodolfo A. Neirotti2, Aida Luiza Ribeiro Turquetto1, Marcelo Biscegli Jatene1 Unidade de Cirurgia Cardíaca Pediátrica do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP – InCor – HCFMUSP1 – São Paulo, SP – Brasil; Clinical Professor of Surgery and Pediatrics, Emeritus – Michigan State University2 – USA O objetivo deste ensaio é aumentar a conscientização sobre o que os pacientes, famílias e aqueles envolvidos no tratamento e seguimento podem enfrentar em longo prazo com a operação de Fontan (OF), assim como fornecer algumas pistas para diminuir os efeitos deletérios da fisiologia do ventrículo único (VU). Embora um número significativo de pacientes sobrevivam e sejam inicialmente assintomáticos, mais provavelmente devido a uma adaptação às suas limitações, uma avaliação criteriosa e proativa se faz necessária, a fim de evitar problemas e, assim, melhorar o prognóstico a longo prazo destes pacientes. comparado a circulação na presença de dois ventrículos funcionais. Esse débito cardíaco subótimo é decorrente de: a) resposta cronotrópica deficiente ao exercício; b) diminuição da capacidade de transportar um volume normal de sangue através do leito vascular pulmonar, resultando em enchimento ventricular reduzido e baixo volume sistólico; c) incapacidade de aumentar adequadamente o volume sistólico durante os períodos de aumento da demanda e, d) elevada resistência vascular sistêmica com baixa perfusão tecidual e metabolismo anaeróbico. Quando William Harvey descreveu a circulação, ele declarou: "Aqueles que acreditam que um único ventrículo pode levar sangue efetivamente para o corpo e para os pulmões de forma semelhante, são hereges. Eles esqueceram que a natureza, sendo divina, jamais colocaria um coração num lugar que não houvesse necessidade". Quando Fontan e Baudet publicaram seu procedimento, nos alertaram que "este procedimento não é uma correção anatômica, o que exigiria a criação de um ventrículo direito, mas sim um modo de restauração do fluxo sanguíneo pulmonar fisiológico, com a supressão da mistura dos fluxos sanguíneos direito e esquerdo".1 Eles também descreveram os "Dez Mandamentos", uma lista de recomendações precisas para a indicação dessa cirurgia.2 Alguns dos problemas que vemos hoje são o resultado de suas orientações não terem sido seguidas. Embora eles tenham definido claramente o principal objetivo desse procedimento, não poderiam prever as implicações a longo prazo nesse avanço no tratamente desses pacientes. Estamos mudando a história natural da fisiologia do VU? Mais de quarenta anos depois, estamos testemunhando as consequências de não se ter um ventrículo sub-pulmonar. Embora a experiência clínica mostre que para sobreviver não precisamos de uma câmara de bombeamento para conduzir o sangue para os pulmões, o fluxo não pulsátil de ambas as veias cavas ligadas diretamente à circulação pulmonar resulta nas seguintes consequências: 1) elevação da pressão venosa central e 2) débito cardíaco abaixo do ideal quando Palavras-chave Cardiopatias Congênitas/fisiopatologia; Cardiopatias Congênitas/cirurgia; Técnica de Fontan/tendências; Função Ventricular. Correspondência: Luiz Fernando Caneo • Instituto do Coração – HC – FMUSP. Av Dr. Eneas de Carvalho Aguiar, 44 – 2° andar – sala 5. CEP 05403-000, São Paulo, SP – Brasil E-mail: [email protected] Artigo recebido em 13/09/15; revisado em 14/11/15; aceito em 14/11/15. Atualmente, esta operação é o procedimento padrão‑ouro para pacientes com fisiologia de VU. Ao longo dos anos, técnicas e estratégias têm evoluído desde a conexão direta do átrio direito à artéria pulmonar, passando pela confecção de um túnel lateral intracardíaco, até a utilização de um tubo extracardíaco entre a cava inferior e a artéria pulmonar, incluindo procedimentos de estadiamento e fenestrações. Os melhores resultados obtidos mais recentemente com esta operação foram atribuídos a essas modificações técnicas. Há muitos dados mostrando excelente resultado imediato e em longo prazo com boa taxa de sobrevivência.3-8 No entanto, apesar das melhorias notáveis na qualidade de vida e prognóstico dos pacientes tratados pela OF, há uma diminuição da capacidade de exercício e um desempenho ventricular abaixo do ideal, subsequente à pré-carga reduzida do VU funcional. Além disso, esses pacientes frequentemente desenvolvem escoliose, cifose, têm pulmões pequenos e, consequentemente, um padrão pulmonar restritivo devido a procedimentos cirúrgicos torácicos anteriores. De forma geral, o procedimento afeta diferentes subsistemas com um impacto negativo sobre o estado funcional, qualidade de vida e a taxa de sobrevivência livre de transplante em longo prazo. Diversos estudos avaliando os resultados da OF demonstraram uma diminuição na sobrevivência com uma piora progressiva 15 anos após o procedimento, independentemente do tipo cirúrgico da conexão cavopulmonar.9 Em um estudo recente unicêntrico, a sobrevivência atuarial livre de morte ou transplante foi de 87%, 83% e 70% em 15, 20 e 25 anos, respectivamente, após a cirurgia. Neste grupo, a morte foi súbita e inexplicada em 9%, tromboembólica em 8%, e relacionada à insuficiência cardíaca em 7%.10 Em outro estudo avaliando VU morfologicamente esquerdo, a sobrevida atuarial foi de 73% em 15 anos. Arritmias atriais estavam presentes em 57%, EPP em 9%, e eventos tromboembólicos em 6%. Em outras palavras, a probabilidade é de 1 em 4 de que DOI: 10.5935/abc.20160017 162 Caneo et al. A operação de Fontan não é o destino final Ponto de Vista uma criança após a OF estará morta quando chegar perto da terceira década.11 Em uma coorte multicêntrica, o estudo Pediatric Heart Network (PHN) (em português, Rede Cardíaca Pediátrica) analisou 546 crianças que tinham, em média, 11,9 anos de idade no momento do estudo e 8,5 anos após a OF. Acidente vascular cerebral ou tromboembolismo foram observados em 8% dos pacientes, o desempenho em exercício foi anormal e o consumo de oxigênio de pico foi apenas 65% do previsto para idade e sexo em um grupo relativamente jovem.12 Adolescentes (pacientes "mais velhos") tiveram um desempenho pior do que as crianças mais novas, sugerindo uma diminuição em funcionalidade relacionada ao tempo.13 Em outro estudo PHN, morbidades relatadas pelos pais dos pacientes incluíram déficits de visão em 33%, de fala em 27%, e da audição em 7%, assim como problemas de atenção em 46%, aprendizagem em 43%, desenvolvimento em 24%, comportamento em 23%, 17%, em ansiedade e depressão em 8%.14 Em nosso centro, Turquetto et al.15 relataram recentemente função cardíaca subótima, diminuição do volume e capacidade pulmonares, bem como força muscular respiratória reduzida em pacientes assintomáticos – o assim chamado "Fontan perfeito".15,16 Esses são componentes importantes de um sistema complexo no qual o desempenho e os desfechos dependem de intrincadas interações dinâmicas que poderiam explicar as anomalias encontradas no pós-operatório tardio. Em outras palavras, apesar da baixa mortalidade precoce, quando avaliamos as morbidades em longo prazo, o número de pacientes livres de problemas é baixo. Esses resultados não podem ser ignorados, e certamente refletem uma estratégia ainda não perfeita para o tratamento dos pacientes com fisiologia de VU. Em resumo, apesar dos bons resultados iniciais, sobreviventes em longo prazo podem experimentar algumas das seguintes complicações: •Arritmias •Tromboembolismo • Crescimento somático atrasado • Desenvolvimento puberal atrasado • Enteropatia perdedora de proteínas (EPP) • Bronquite plástica (BP) • Intolerância ao exercício • Fibrose hepática • Disfunção renal • Insuficiência venosa As questões acima mencionadas justificam um seguimento regular e cuidadoso desses pacientes em intervalos de três ou quatro anos, executando‑se um exame mais abrangente 10 anos após a OF. O estado de saúde de crianças e adolescentes após a OF é subótimo e o manejo das complicações tardias representa um desafio considerável. Se possível, todos os pacientes devem passar por estudos ecocardiográficos seriados, teste cardiopulmonar, ultrassom abdominal, absortometria radiológica de dupla energia (DEXA) de corpo inteiro e um hemograma completo com contagem diferencial, eletrólitos, enzimas hepáticas, gama-glutamil transpeptidase sérica, proteína total, albumina, hormônio paratireoideano, 25-hidroxi 163 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):162-165 vitamina D e Ca+2 ionizado no soro. Também devem ser feitas medições da relação cálcio/creatinina na urina, para avaliação nutricional, dosagem do peptídeo natriurético do tipo B, da cistatina C e o painel imunológico básico.17 No seguimento tardio, podemos enfrentar a “Falência do Fontan”. A Falência do Fontan pode se apresentar de duas formas: a) na presença de disfunção ventricular e b) na falência da circulação univentricular, mas com função ventricular preservada, manifestada clinicamente como EPP e BP. Ao menos dois terços dos pacientes adultos submetidos à OF que morrem ou que precisam de transplantes o fazem com a função ventricular preservada.18 Devido ao número crescente de pacientes tratados paliativamente com a OF, o número de crianças, adolescentes e jovens adultos que necessitam de terapia de resgate tardio com transplante de coração deve aumentar. 19 A disponibilidade insuficiente de doadores e as morbidades associadas com a imunossupressão tornam imperativo que esse escasso recurso seja utilizado de forma adequada e no melhor momento. Portanto, é importante identificar aqueles que apresentam maior risco ao transplante, com falência da fisiologia univentricular e disfunção diastólica, os quais podem se beneficiar de outros métodos que possam otimizar a ausencia do ventrículo subpulmonar. Dispositivos de assistência ventricular (DAV) podem servir de ponte preparando a circulação do VU ao longo dos meses, a fim de melhorar os resultados do transplante através de uma melhora clínica desses pacientes.20 Crianças e adultos com procedimentos prévios submetidos a transplante de coração exigem operações mais complicadas que devem ser realizadas por cirurgiões mais experientes. Os desfechos do transplante cardíaco em crianças com doença cardíaca congênita (DCC) têm se mostrado repetidamente inferiores aos de crianças com cardiomiopatia.21 Embora vários centros tenham descrito que o transplante cardíaco após a OF está associado a piores desfechos em comparação com os desfechos em outras formas de DCC, um estudo recente mostrou resultados excelentes no primeiro grupo, comparável àqueles apresentados em crianças que receberam transplantes para cardiomiopatia.22 Vários fatores contibuem para os resultados inferiores no grupo de Fontan, incluindo alosensitização, hipertensão pulmonar, operação desafiadora devido a várias esternotomias anteriores, anatomia venosa complexa, exigência de reconstrução concomitante da artéria pulmonar e presença de colaterais com subsequente hemorragia. Além disso, a má condição clínica devido à EPP, desnutrição, disfunção renal e hepática, são condições agravantes.22 Especulamos que o encaminhamento precoce em melhores condições clínicas poderia ser responsável pelos excelentes resultados descritos nesta recente publicação. Para onde estamos indo? Considerando os resultados tardios do tratamento paliativo do VU, devemos seguir um tratamento estadiado com prazos bem estabelecidos para cada etapa, não baseado em sintomas, mas programado com antecedência. Seguindo o algoritmo internacionalmente reconhecido, no início da vida deveríamos realizar a bandagem efetiva do tronco pulmonar para proteger Caneo et al. A operação de Fontan não é o destino final Ponto de Vista a vasculatura do pulmão e prevenir o aumento da resistência vascular pulmonar nos pacientes com hiperfluxo pulmonar, ou realizar um ”shunt” sistêmico pulmonar naqueles pacientes com hipofluxo. O próximo passo tem como objetivo a diminuição da sobrecarga de volume do VU, através da conexão da veia cava superior à artéria pulmonar – operação de Glenn bidirecional – que deve ser realizada dos 3 aos 6 meses de idade. Por último, completar a OF entre 2 e 4 anos de idade. Num estágio final da evolução desses pacientes, poderemos enfrentar duas situações distintas e não programadas: a)Presença de disfunção ventricular grave, onde o transplante cardíaco será necessário no momento certo e antes de uma deterioração clínica mais avançada. b)Falência da circulação univentricular, onde a falta do ventrículo subpulmonar, comprometerá a longo prazo a função adequada de vários subsistemas, tornando esses pacientes extremamente debilitados. Nesse caso, o transplante cardíaco é de maior risco de morte quando comparado ao primeiro grupo grupo de pacientes,que se apresntam com disfunção ventricular. A utilização de DAV, antes do transplante, poderia otimizar as condições clínicas deles e contribuir na melhora desses resultados.23 A melhor compreensão do estado "não natural" dos pacientes submetidos à OF devem ser motivos de estudos mais detalhados. Estratégias orientadas para a melhoria do débito cardíaco e redução da pressão venosa central podem melhorar o bem‑estar geral e mitigar o impacto deletério da fisiologia univentricular. A utilização de novos métodos que possam otimizar a circulação univentricular através de intervenções farmacológicas, mecânicas e até mesmo do exercício físico poderão modificar os resultados até então observados. Contribuição dos autores Concepção e desenho da pesquisa, Análise e interpretação dos dados e Redação do manuscrito: Caneo LF, Neirotti RA, Turquetto ALR; Obtenção de dados: Caneo LF, Turquetto ALR; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Caneo LF, Neirotti RA, Turquetto ALR, Jatene MB. Potencial conflito de interesse Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. Fontes de financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação acadêmica Não há vinculação deste estudo a programas de pós‑graduação. Referências 1. Fontan F, Baudet E. Surgical repair of tricuspid atresia. Thorax. 1971;26(3):240-8. 2. Anderson R, Baker E, Macartney F, Rigby M, Shinebourne E, Tynan M, editors. Paediatric cardiology. 2nd ed. London: Churchill Livingstone; 2002. 3. Stamm C, Friehs I, Mayer JE, Zurakowski D, Triedman JK, Moran AM, et al. Long-term results of the lateral tunnel Fontan operation. J Thorac Cardiovasc Surg. 2001;121(1):28-41. 4. 5. Nakano T, Kado H, Tachibana T, Hinokiyama K, Shiose A, Kajimoto M, et al. Excellent midterm outcome of extracardiac conduit total cavopulmonary connection: results of 126 cases. Ann Thorac Surg. 2007;84(5):1619-25; discussion 25-6. Schreiber C, Hörer J, Vogt M, Cleuziou J, Prodan Z, Lange R. 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YPCSU. 2015;18(1):17–24. 165 Arq Bras Cardiol. 2016; 106(2):162-165 Notícias Calendário 43º Congresso da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular 7 a 9 de abril de 2016 Fortaleza (CE) http://departamentos.cardiol.br/sbccv/ XXVI Congresso da Sociedade Mineira de Cardiologia 7 a 9 de julho de 2016 Belo Horizonte (MG) http://www.smc.org.br/ XV Congresso Brasileiro de Insuficiência Cardíaca 6º Congresso do Departamento de Imagem Cardiovascular da SBC 7 a 9 de abril de 2016 11 a 13 de agosto de 2016 Campos do Jordão (SP) http://departamentos.cardiol.br/sbc-deic/ Belo Horizonte (MG) http://departamentos.cardiol.br/dic/ 71º Congresso Brasileiro de Cardiologia 33º Congresso de Cardiologia da SOCERJ 23 a 25 de setembro de 2016 Fortaleza (CE) http://cientifico.cardiol.br/ 13 a 16 de abril de 2016 Rio de Janeiro (RJ) http://socerj.org.br/ Congresso Paranaense de Cardiologia 2016 13º Congresso Fluminense de Cardiologia 20 a 22 de outubro de 2016 Búzios (RJ) http://socerj.org.br/ 29 e 30 de abril de 2016 Curitiba (PR) http://sbc-pr.org/ XXXVI Congresso Norte Nordeste de Cardiologia e 28º Congresso de Cardiologia do Estado da Bahia XX Congresso de Cardiologia de Mato Grosso do Sul 21 e 22 de outubro de 2016 Local não definido http://sociedades.cardiol.br/ms/ 11 a 14 de maio de 2016 XIII Congresso Brasileiro de Cardiogeriatria Salvador (BA) http://sociedades.cardiol.br/rn http://sociedades.cardiol.br/ba/ 21 e 22 de outubro de 2016 Natal (RN) http://departamentos.cardiol.br/decage/ Congresso de Cardiologia do Estado do Rio Grande do Sul – SOCERGS 2016 19 a 21 de maio de 2016 Gramado (RS) http://www.socergs.org.br/ XXXVII Congresso de Cardiologia do Estado de São Paulo 26 a 28 de maio de 2016 São Paulo (SP) http://www.socesp.org.br/ SOLACI – SBHCI 2016 8 a 10 de junho de 2016 Rio de janeiro (RJ) http://sbhci.org.br/ XIII Congresso do Departamento de Hipertensão Arterial/SBC 27 a 29 de outubro de 2016 Curitiba (PR) http://departamentos.cardiol.br/sbc-dha/ XXIV Congresso Brasileiro de Cardiologia e Cirurgia Cardiovascular Pediátrica 2 a 5 de novembro de 2016 Belo Horizonte (MG) http://departamentos.cardiol.br/sbc-dcp/ 23º Congresso do Departamento de Ergometria, Exercício e Reabilitação Cardiovascular da SBC (DERC) 24 a 26 de novembro de 2016 Rio de Janeiro (RJ) http://departamentos.cardiol.br/sbc-derc/ 166 Veja na Próxima Edição Vol. 106, Nº 3, Março 2016 Exercício Treinamento de Força em Ratos Espontaneamente Hipertensos com Hipertensão Arterial Grave Rodrigo Vanerson Passos Neves, Michel Kendy Souza, Clévia Santos Passos, Reury Frank Pereira Bacurau, Herbert Gustavo Simões, Jonato Prestes, Mirian Aparecida Boim, Niels Olsen Saraiva Câmara, Maria do Carmo Pinho Franco, Milton Rocha Moraes Insuficiência Cardíaca Análise de Diretriz de Tratamento versus Protocolo Assistencial em Pacientes Internados por Insuficiência Cardíaca Alessandra da Graça Corrêa, Marcia Makdisse, Marcelo Katz, Thamires Campos Santana, Paula Kiyomi Onaga Yokota, Tatiana de Fatima Gonçalves Galvão, Fernando Bacal Isquemia / Infarto do Miocárdio Papel Prognóstico a Muito Longo Prazo do BNP de Admissão na Síndrome Coronariana Aguda sem Elevação do Segmento ST Fernando Bassan, Roberto Bassan, Roberto Esporcatte, Braulio Santos, Bernardo Tura Ressonância Magnética Cardiovascular Valor Prognóstico da Resistência Vascular Pulmonar através de Ressonância Magnética em Insuficiência Cardíaca Óscar Fabregat-Andrés, Jordi Estornell-Erill, Francisco Ridocci-Soriano, José Leandro Pérez-Boscá, Pilar García-González, Rafael Payá-Serrano, Salvador Morell, Julio Cortijo 167 23 a 25 de Setembro de 2016 Centro de Eventos do Ceará O maior evento de Cardiologia do país retorna a Fortaleza! INSCRIÇÕES ABERTAS Faça sua inscrição antecipada com desconto especial! Acesse o site do evento: cbc71.com.br