PARADIGMA DA COMPLEXIDADE: UMA PROPOSTA DE

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PARADIGMA DA COMPLEXIDADE: UMA PROPOSTA DE
RECONFIGURAÇÃO DA DOCÊNCIA
Estela Endlich1 - UFPR
Grupo de Trabalho – Educação, Complexidade e Transdiciplinaridade
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
Este texto relata uma investigação sobre os paradigmas da ciência e sua influência na prática
pedagógica universitária. Buscou-se investigar o problema: A aplicação de uma metodologia
que prioriza os princípios do paradigma da complexidade pode oportunizar uma prática
pedagógica mais contextualizada, reflexiva e autônoma na Educação Superior? Trata-se de
uma análise qualitativa advinda de pesquisa ação, sobre a proposta de formação nos encontros
do grupo PEFOP-Paradigmas Educacionais e formação de professores, no Stricto Sensu do
Programa de Pós- Graduação em Educação, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUCPR. Participam da pesquisa 25 mestrandos, doutorandos ou profissionais de outras áreas
que desejam atuar em nível universitário. Como aporte teórico utilizou-se os estudos de
Behrens (2009, 2012); Demo (1996); Libâneo (1998); Moraes (2012a, 2012b); Saviani
(2001). A metodologia baseou-se no desenvolvimento de aulas teóricas dialogadas, leituras
individuais, construção de quadros síntese das reflexões, socialização dos quadros em grupos,
construção coletiva das sínteses, produção textual individual, produção coletiva, produção
final, auto avaliação e avaliação por portfólio. As conclusões revelam que a utilização da
metodologia proposta, pautada nas abordagens sistêmica, progressista e de ensino pela
pesquisa, promove a vivência do paradigma da complexidade na prática pedagógica
universitária. Os desafios apresentados nesta metodologia remetem-se ao comprometimento
do aluno na realização das atividades propostas, à reflexão crítica dos conteúdos, a relacionar
os conhecimentos da disciplina à prática profissional e ao trabalho intelectual coletivo.
Aponta-se a necessidade de preparo teórico-prático do professor para compreensão e
aplicação desta metodologia junto aos participantes e uma abertura para pensar e agir a partir
de uma nova lógica complexa.
Palavras-chave: Paradigmas educacionais. Complexidade. Prática pedagógica. Formação
Universitária.
1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Paraná, na Linha Cultura, Escola e
Ensino. Pedagoga da Rede Municipal de Ensino de Curitiba. E-mail: [email protected]
ISSN 2176-1396
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Introdução
Vivemos uma época de desestabilidade econômica, de vulnerabilidade social e de
desequilíbrio da vida natural no planeta, resultante do grande desenvolvimento técnicocientífico dos dois últimos séculos, o qual, paradoxalmente, permitiu grandes avanços em
todas as áreas que constituem a vida humana. Esta crise antropológica de natureza
paradigmática é vastamente discutida nas obras de Edgar Morin (2005a, 2005b, 2011), Fritjof
Capra (1996), no Brasil, por Maria Cândida Moraes (2012a, 2012b), Izabel Petraglia (2008),
Marilda Aparecida Behrens (2009) e Ricardo Antunes de Sá (2008, 2012), dentre outros
pesquisadores.
O desenvolvimento técnico-científico do paradigma newtoniano-cartesiano trouxe
como consequência a visão fragmentada de mundo em todas as áreas, supervalorizando a
razão em detrimento da emoção, o homem sobre a natureza, o físico sobre o espiritual,
extraindo do pensamento humano a consciência ética da vida planetária, cidadã, conectada e
interdependente entre os seres vivos que habitam o planeta.
Essa crise afeta também o sistema educacional na medida em que as práticas
pedagógicas, por meio da organização das instituições de ensino, do currículo, dos sistemas
como um todo ainda estão embasadas no paradigma tradicional newtoniano-cartesiano
Isto porque estamos envolvidos em uma crise generalizada de natureza
ecossistêmica, de natureza profunda e paradigmática, que afeta todas as nossas
relações com a vida, com a sociedade, com a família e que repercute também em
nossas relações com a escola, com a comunidade educacional, o que, sem sombra de
dúvida, requer por parte de todos os educadores um quadro teórico mais amplo para
o enfrentamento da problemática e o encontro de soluções. Necessitamos de novos
enfoques ontológicos, epistemológicos e metodológicos mais abrangentes e
profundos, o que significa que necessitamos de uma inteligência da complexidade
mais condizente com a atual evolução da ciência e da problemática atual, no sentido
de provocar transformações mais significativas, relevantes, oportunas e necessárias
(MOARES, 2012b, p.74).
Ao investigar a prática docente que atenda o paradigma da complexidade, debruça-se
o olhar sobre a formação do professor universitário que é resultado de uma formação
cartesiana, mas que necessita reconfigurar suas concepções, metodologias e seu paradigma
para uma prática inovadora, frente às demandas de formação do cidadão do tempo presente.
Para tanto é necessário promover uma formação que demonstre a influência na
educação, dos paradigmas da ciência ao longo da história, buscando o entendimento de um
novo paradigma que vem se construindo desde o início do século XX, com as descobertas da
Física Quântica (MORAES, 2012a). Esta formação deve suscitar a mudança, utilizando a
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reflexão crítica, sobre a prática dos professores em sala de aula. Esta pesquisa investiga o
seguinte problema: A aplicação de uma metodologia que prioriza os princípios do paradigma
da complexidade pode oportunizar uma prática pedagógica mais contextualizada, reflexiva e
autônoma na Educação Superior?
O universo investigado contextualiza-se na linha Teoria e Prática Pedagógica na
Formação de Professores da PUCPR, particularmente no grupo de pesquisa Paradigmas
Educacionais e Formação de Professores – PEFOP, Projeto Formação Pedagógica do
Professor Universitário, no qual participam 25 estudantes em nível Stricto Sensu envolvidos
no processo investigativo de variadas áreas do conhecimento que atuam ou gostariam de atuar
como docentes universitários. Realizaram-se 15 encontros de pesquisa-ação focados na
temática sobre Paradigmas Educacionais na Prática Pedagógica.
Os paradigmas da ciência e suas implicações na educação
A discussão sobre a formação de professores e sua prática pedagógica encontra-se nos
meandros dos desafios que se colocam à escola contemporânea. Tais práticas constituem-se
do modo como os professores interpretam o mundo, como interagem com ele, como
concebem a educação, seus modelos, crenças e valores, ou seja, o paradigma que fundamenta
sua teoria e sua prática, uma vez que “[...] existe uma relação dialética, interativa, entre o
modelo da ciência que prevalece em determinado momento histórico e o que acontece na área
educacional, nos enfoques epistemológicos adotados nas práticas pedagógicas desenvolvidas”
(MORAES, 2012, p. 20).
O conceito de paradigma é tratado por Thomas Khun em sua obra As estruturas das
revoluções científicas, interpretado por Moraes (2012a, p. 31): “Paradigma na ótica de Khun,
é uma realização científica de grande envergadura, de base teórica e metodológica
convincente e sedutora, e que passa a ser aceita pela maioria dos cientistas integrantes de uma
comunidade”. Ampliando este conceito para uma visão mais relacional, que admite o diálogo
entre teorias opostas, Moraes (2012a, p. 31) apoia-se em Edgar Morin para definir o conceito
de paradigma: “um paradigma significa um tipo de relação muito forte, que pode ser de
conjunção ou disjunção, que possui uma natureza lógica entre um conjunto de conceitosmestres”. Em Crema (2015, p.18) encontra-se a seguinte definição:
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[...] paradigma refere-se a modelo, padrão e exemplos compartilhados, significando
um esquema modelar para a descrição, exploração e compreensão da realidade. É
muito mais que uma teoria, pois implica uma teoria que gera teorias, produzindo
pensamentos e explicações e representando um sistema de aprender a aprender que
determina todo o processo futuro de aprendizagem.
O paradigma newtoniano-cartesiano ainda presente na contemporaneidade, sustentou,
e continua sustentando a fragmentação do conhecimento, a unilateralidade, especializando as
partes e inviabilizando a visão de complexidade. A separação homem-natureza trouxe como
consequência, a manipulação da técnica alicerçada na supervalorização da razão.
Proporcionou o progresso material, o desenvolvimento da economia, da tecnologia, da
ciência, mas em sua decorrência, o uso indiscriminado dos recursos naturais, o acirramento
das desigualdades sociais, o utilitarismo que manipula e controla, provocando uma crise
planetária (MORIN, 2011)
Os paradigmas da ciência influenciam sobremaneira o modo como os educadores
compreendem e realizam suas práticas na educação (BEHRENS, 2009). São representações
do paradigma positivista: a fragmentação do conhecimento em disciplinas, a formação escolar
em graduações, anos, séries, o pensamento disjuntivo e conteudista transmitido nas
instituições de ensino, as metodologias baseadas na reprodução mecânica do saber único e
imutável, as formas de avaliação quantitativas e punitivas.
As discussões no grupo PEFOP levaram a elaborar as características de cada
abordagem de ensino. O modelo de educação conservador baseia-se num paradigma
caracterizado principalmente pela reprodução e repetição mecânica do conhecimento,
representadas pelas abordagens tradicional, escolanovista e tecnicista, as quais serão
caracterizadas utilizando-se como referência Behrens (2009).
Os paradigmas conservadores e a reprodução do conhecimento
Na abordagem tradicional o ensino está voltado para a formação geral do aluno,
compromissada com a transmissão da cultura e o preparo intelectual e moral dos estudantes.
A escola é um mundo a parte, separada da vida cotidiana e considerada o único local de
acesso ao conhecimento. É vista como uma agência reprodutora da cultura selecionada e,
portanto, utilitarista que realiza o ajustamento social.
O aluno é um receptor passivo e vazio que deve assimilar o conteúdo transmitido pelo
professor e repeti-lo como foi repassado. O professor assume papel como transmissor
autoritário do conteúdo e figura principal do processo educativo, mantendo uma relação
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distante e hierárquica com o aluno. A metodologia foca o ensino, utilizando o recurso da
repetição de modelos para a compreensão dos conteúdos prontos e absolutos, por meio de
aulas expositivas. A padronização da aprendizagem desconsidera as individualidades e o
processo de desenvolvimento de cada aluno. A avaliação verifica a reprodução dos conteúdos
memorizados e valoriza a quantidade e a exatidão. É pontual e utiliza um único instrumento, a
prova, em períodos previamente estabelecidos.
A abordagem escalanovista ou humanística faz uma tentativa de superação das
deficiências da abordagem tradicional, porém é considerada por Behrens (2009) como uma
abordagem conservadora por manter o foco na individualidade e não no coletivo. O aluno é
um sujeito ativo, responsável pela sua aprendizagem e o foco central de todo o processo de
ensino e aprendizagem.
O professor é um facilitador da aprendizagem que deve aconselhar e orientar os
alunos, criando condições para que aprendam. Para essa abordagem os conteúdos não são tão
importantes e sim, as experiências que o aluno constrói. A relação professor-aluno é mais
afetiva e mais próxima. A metodologia volta seu foco à aprendizagem, o aluno busca
conteúdos e aprende por si mesmo. O professor fornece ajuda quando necessário, com
conhecimentos úteis e mutáveis. É o método não-diretivo, ou seja, dirigir a pessoa à sua
própria experiência. Não enfatiza a técnica ou método rompendo com a visão tecnicista de
educação.
Na avaliação o aluno assume o controle e a responsabilidade pela sua aprendizagem,
definindo e aplicando critérios para verificar se atingiu seus objetivos por meio de auto
avaliação. A escola forma para a liberdade e autonomia e respeita as individualidades. Não se
preocupa com problemas sociais e pedagógicos, mas sim os de ordem psicológica.
A terceira abordagem que compõe o paradigma conservador é a abordagem tecnicista
ou comportamentalista. Contrariamente à abordagem escolanovista a escola é a agência
educacional de controle social por meio do comportamento das pessoas, dependente de outras
agências controladoras como o governo, a política e a economia com as quais interage. Segue
o modelo fabril, pois a preocupação é formar para o sistema produtivo, treinando os alunos
para atender as demandas do mercado de trabalho.
A postura do aluno é de um sujeito condicionado, acrítico e expectador que recebe,
aprende e fixa as informações recebidas do professor. O professor é o reprodutor do conteúdo
e tem o domínio das técnicas de ensino. É o planejador que atua como um “engenheiro
comportamental”. A relação com o aluno é técnica: fazê-lo atingir os objetivos do programa.
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A metodologia é o centro do processo. A ênfase é dada na programação do
planejamento, na aplicação da tecnologia educacional configurando-se como uma abordagem
diretiva. Para atingir as competências comportamentais dos estudantes o ensino preocupa-se
com a individualização adequando materiais, métodos, respeitando o ritmo de aprendizagem
de cada aluno. A avaliação, da mesma maneira, valoriza o produto do processo, neste caso, o
comportamento. O aluno aprende quando atinge os objetivos propostos pelo programa, no seu
ritmo de desenvolvimento.
As abordagens pautadas no paradigma cartesiano-newtoniano vigente demonstram a
necessidade de superação para um novo referencial, um novo modo de compreender a
realidade. A fragmentação dos enfoques utilizados no paradigma tradicional da ciência, ainda
vigente, ampara-se em esquemas racionais e científicos especializados, em detrimento de uma
visão global e complexa da realidade.
O pensamento cartesiano-newtoniano propõe uma visão reducionista ao focalizar as
partes e retalhar a visão de totalidade. Com isso provocou a fragmentação do pensamento e a
unilateralidade da visão de mundo, considerando válida e única a maneira de conhecer pelo
método analítico, ignorando as vivências internas dos indivíduos (emocionais, espirituais),
valorizando a razão e as sensações percebidas pelos 5 sentidos.
É necessária a superação do pensamento mecanicista para um pensamento sistêmico e
contextualizado que priorize o todo, para além da razão, contemple a solidariedade, a
humanidade, a sensibilidade, o afeto, o amor e o espírito de ajuda mútua (BEHRENS, 2009).
Os paradigmas inovadores e a produção do conhecimento
As novas descobertas na Física Quântica, da Biologia e da Cibernética nos conduzem
a um novo paradigma inovador na ciência, que propõe a religação dos saberes, a superação da
fragmentação e da divisão em partes, ao qual se denomina paradigma da complexidade:
A predominância para denominar o novo paradigma na ciência e na educação incide
na ‘complexidade’, de acordo com Capra (1996, 2002), Morin (2000) e Santos
(1987). Este paradigma recebe outras denominações como emergente, ecológico ou
sistêmico, mas todas estas propostas têm como foco central a busca da visão do todo,
ou a totalidade (BEHRENS, 2012, p. 150).
A complexidade provoca os profissionais da educação a superarem a fragmentação e
reprodução mecânica do conhecimento em suas práticas pedagógicas. O conhecimento é
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entendido como provisório e incerto e deve ser refletido, criticado, sistematizado e assim,
reconstruído pelo aluno, tornando-o sujeito ativo da construção da sua aprendizagem.
As discussões nos encontros do grupo PEFOP levaram a caracterizar uma proposta
que atenda a esses desafios da sociedade contemporânea. Para tanto, tomaram a proposta de
Behrens (2009) que propõe uma aliança, uma teia entre a visão sistêmica ou holística, a
abordagem progressista e o ensino com pesquisa, como uma forma de inovação da prática
pedagógica.
Na visão sistêmica ou holística a escola não é a única instituição que permite acesso à
informação e à produção do conhecimento. É uma instituição que constituí e se relaciona com
o todo: a sociedade e o planeta. Preocupa-se com o desenvolvimento global do ser humano. O
aluno é compreendido como um ser complexo resultante de múltiplas constituições: física,
emocional, social, econômica, espiritual, biológica e química, que produz seu próprio
conhecimento, atuando de maneira crítica, inovadora e investigadora. No processo educativo
é considerado nas suas diferenças individuais evitando-se a padronização e a homogeneidade
no relacionamento pedagógico. É um sujeito histórico, contextualizado pelo seu passado e a
pela sua atuação presente.
O professor é o mediador entre o conhecimento e o aluno e com ele estabelece uma
relação horizontal de diálogo aberto, onde os dois sujeitos dessa interação aprendem
mutuamente. É um pesquisador e não o detentor do conhecimento, ajudando os alunos a
superar a visão fragmentada do conhecimento. Desenvolve os dois hemisférios do cérebro
(razão e emoção) no processo educativo, bem como as dimensões de totalidade: o planetário,
o cósmico, o social e o comunitário.
Na metodologia o foco é a produção do conhecimento religando os saberes da teoria e
da prática buscando a visão do todo. Provoca no aluno a ação reflexiva, a capacidade de
estudar, refletir e sistematizar, ou seja, a autonomia, o aprender a aprender. Promove a
aprendizagem colaborativa entre os pares que possam contribuir no processo coletivo de
produção do conhecimento. Adota diferentes possibilidades para se aprender: de materiais,
métodos, fontes e estratégias, desenvolvendo o espírito investigativo.
Na avaliação o foco está no processo e não no produto, por isso o erro é considerado
um caminho para o acerto. Respeita o nível de desenvolvimento da aprendizagem
individualmente, fornecendo informações aos professores e alunos que facilitam e conduzem
o processo de aprendizagem mutuamente. Utiliza-se do portfólio de produções para perceber
o desenvolvimento construído pelo aluno.
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Na abordagem progressista a escola é um espaço social responsável pela formação
crítica dos cidadãos, ou seja, um espaço de transformação social. O aluno é um sujeito
histórico, síntese de múltiplas relações, transformador da realidade e constrói seu
conhecimento na interação com o mundo e com os outros. O professor é o mediador entre o
conhecimento historicamente construído e o aluno, desmistificando a cultura dominante e
instrumentalizando-o para se inserir no meio social. Assim, exerce papel político na formação
do cidadão crítico, atuando como um intelectual transformador do seu meio. A metodologia
utiliza-se do método da prática social libertadora, baseada na dialógica, na ação libertadora
democrática que parte da prática social para a problematização – instrumentalização – catarse
– retorno à prática social (SAVIANI, 2001). Busca a conscientização e a o diálogo. A
avaliação se dá de forma contínua, processual e transformadora: caracteriza-se como uma
forma de verificação e reformulação do processo ensino e aprendizagem, com momentos
individuais e coletivos e tem a finalidade de ser uma prática emancipadora.
Na abordagem do ensino como pesquisa a escola também é um espaço de formação
geral, para o exercício da cidadania e a preparação para o uso da tecnologia (LIBÂNEO,
1998). O professor é o parceiro mais experiente na investigação e produção do conhecimento,
provocando a autonomia, reflexão, tomada de decisão nos alunos, que se tornam os sujeitos
do processo, problematizando os conteúdos e construindo suas respostas. A metodologia do
ensino como pesquisa o desafio é fazer com que os alunos aprendam a aprender (DEMO,
1996) estimulando a ação investigadora, questionadora e reflexiva por meio da pesquisa em
diversas fontes de informação. O aluno é avaliado pelo seu processo de construção.
As abordagens sistêmica ou holística, progressiva e o ensino como pesquisa conjugam
uma visão de totalidade, religando os saberes para compreender o todo, bem como propõem a
superação da reprodução do conhecimento, enfatizando uma prática pedagógica mais ativa,
crítica e reflexiva para a construção do conhecimento (BEHRENS, 2009). Esta não é uma
tarefa fácil, frente ao que se observa nas práticas realizadas nos diversos níveis de ensino,
principalmente no enrijecido ensino superior.
A efetivação do paradigma emergente exige aprofundamento teórico-prático do
docente do ensino superior que irá se deparar com currículos fragmentados em anos e
disciplinas, estruturas às quais terá que transpor para construir uma prática complexa. Atuar
profissionalmente, referenciando-se no paradigma da complexidade, exige do educador
repensar seu papel como um cidadão que priorize os valores humanos e sociais, que aproxime
emoção e razão na construção de uma sociedade sustentável, justa e fraterna.
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O caminho da pesquisa
A pesquisa situa-se no universo de uma proposta de formação de professores
universitários ou que gostariam de atuar neste nível de ensino, composto por 25 professores,
mestrandos e doutorandos de diferentes áreas do conhecimento, envolvidos no grupo PEFOP
- Paradigmas Educacionais e Formação de Professores, no Programa de Pós-Graduação em
Educação, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR.
Neste processo buscou-se investigar o problema: A aplicação de uma metodologia que
prioriza os princípios do paradigma da complexidade pode oportunizar uma prática
pedagógica mais contextualizada, reflexiva e autônoma na Educação Superior? Para tanto, foi
realizada uma análise qualitativa advinda da pesquisa-ação.
A utilização da pesquisa-ação como caminho percorrido na pesquisa baseia-se na
premissa de que é necessário agir com reflexão na promoção de uma prática inovadora. O
compartilhamento de experiências docentes e as discussões coletivas proporcionam
momentos interdisciplinares que caminham para uma construção transdisciplinar da prática
educativa.
Como encaminhamento foi utilizado o projeto metodológico para a prática docente
inovadora elaborado por Behrens (2009). Partiu-se da aula teórica dialogada entre docente e
alunos e leituras recomendadas sobre os paradigmas da ciência com a finalidade de explicitar
o pano de fundo da manutenção de práticas tradicionais, as quais os alunos deveriam
relacionar com as realidades em que atuam.
Os encontros de pesquisa buscaram traçar caminhos investigativos teóricos e práticos
que levaram às leituras e provocaram momentos de reflexão coletiva do grupo. O processo de
investigação individual do aluno se deu quando os mesmos trouxeram suas contribuições
sobre o tema, sistematizando as informações por meio de quadros sinópticos, ou seja, quadros
síntese das reflexões.
Em outra etapa, os quadros foram socializados em pequenos grupos, extraindo pontos
convergentes e divergentes, os quais foram levados ao grande grupo para uma construção
dialógica do paradigma em relação à prática. Com base nos quadros sinópticos e nas sínteses
do grupo foi proposta a construção de um texto individual no sentido de sistematizar as
discussões construídas sobre o tema, por meio de uma visão reflexiva do processo de
aprendizagem sobre o assunto. Assim, o participante elaborou uma produção que o desafiou a
pensar, interpretar, a problematizar e argumentar analiticamente. Nesta fase, os textos ainda
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podiam apresentar um nível menos aprofundado de reflexão, o qual foi tratado na fase
seguinte de produção coletiva do texto.
Na produção coletiva do texto, reuniram-se 2 ou 3 participantes com o intuito de haver
participação efetiva na produção. Este momento apresentou-se bastante produtivo na medida
em que diferentes visões dialogam em busca de uma convergência de ideias, ou o respeito a
diferentes pontos de vista, que enriquecem e aprofundam o texto. Os desafios desta produção
coletiva iniciaram já na escolha de uma temática que atendesse o interesse de todos os
participantes. A definição coletiva sobre a estrutura do texto, seus tópicos, cadência de ideias,
autores, discussões e chegar às conclusões finais exigiu dos participantes um esforço
intelectual crítico e argumentativo mais aprofundado, provocado por essa estratégia
metodológica.
Outro desafio foi a construção coletiva da escrita, uma vez que agregar
diferentes estilos de escrita numa única produção, exige um esforço coletivo de diálogo e
ajustamento para se atingir o objetivo final.
Com base na abordagem progressista, ao longo do curso, os participantes tiveram
momentos individuais de avaliação do seu processo de construção do conhecimento, bem
como, de momentos de avaliação coletiva recorrendo a composição de um portfólio e
agregando as atividades realizadas no grupo PEFOP. Na esfera individual a produção dos
quadros sinópticos e do texto individual, compuseram as atividades. Na esfera coletiva, as
sínteses dos grupos e a produção final coletiva agregaram-se como instrumentos de avaliação
do processo de aprendizagem do aluno. Essa perspectiva processual da avaliação da
participação foi discutida inicialmente com os participantes o que permitiu o desenvolvimento
do senso de responsabilidade e seriedade na realização das atividades.
Vivenciar na prática a teoria discutida nos encontros investigativos foi um dos fatores
mais relevantes da pesquisa. Permitiu aos participantes identificarem e experimentarem
conhecimentos sobre o paradigma da complexidade por meio do envolvimento em todo o
processo, superando uma abordagem tradicional conteudista. As produções construídas,
refletidas e compartilhadas ao longo do processo, ao serem sistematizadas na produção final
sintetizou a aplicação prática da religação das partes para compreensão do todo.
Considerações Finais
A superação do paradigma newtoniano-cartesiano pelos avanços propostos no
paradigma da complexidade revela-se uma necessidade emergente da prática pedagógica nos
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diferentes níveis de ensino, sobretudo no universitário, no qual se qualificam os futuros
profissionais.
Os subsídios teórico-metodológicos construídos durante a formação serviram
primeiramente como elucidação ao engessamento das práticas tradicionais observadas na
docência universitária. Por meio deles foi possível compreender porque ainda se mantém
práticas de reprodução do conhecimento, fragmentados e repetidos pelos alunos. Vivemos
ainda um paradigma cartesiano-newtoniano nas universidades.
Em segundo lugar, como superação desse modelo defasado e insuficiente foi possível
aos participantes da pesquisa, conhecer uma possibilidade inovadora de mudança deste status
quo. A aliança entre as abordagens sistêmica, progressista e de ensino por pesquisa mostra-se
uma alternativa concreta de superação da reprodução do conhecimento fragmentado e
imutável transmitido pela universidade. Por meio da aplicação dessas abordagens na prática
pedagógica, as discussões da pesquisa permitiram perceber um novo caminho, que religue os
saberes, que os questione e compreenda de forma crítica e que os mesmos possam ser
utilizados significativamente na construção de uma sociedade mais fraterna, ecológica,
democrática e humana.
Constituem-se desafios à docência universitária abordar o conhecimento de maneira
mais interligada em uma rede dialógica, provocar o espirito investigador e crítico dos alunos,
proporcionar o desenvolvimento da autonomia intelectual nos estudantes, e em consequência,
uma formação mais geral enquanto sujeito racional, emocional, biológico, cultural,
sociológico, filosófico que constituem a dimensão humana numa era em que devemos
preservar a vida e a ética em nosso planeta.
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