Relato de Caso Acalásia idiopática com resposta duradoura ao tratamento farmacológico: relato de caso Idiopathic achalasia with long term response to medical treatment: case report DENIS CONCI BRAGA,1 SILVIA MÔNICA BORTOLINI,2 ANA EDUVIRGES CARNEIRO DE OLIVEIRA,3 ANDREI GABRIEL DE MELO,3 MARIA EDUARDA DA ROSA ULANOSKI CARVALHO.3 Resumo 31(4):146-149 146 30 A acalásia é caracterizada pela aperistalse do corpo esofágico e pelo relaxamento incompleto ou ausente do esfíncter esofagiano inferior. De acordo com sua etiologia, pode ser classificada em chagásica ou idiopática. O tratamento pode ser farmacológico, endoscópico ou cirúrgico. O tratamento farmacológico é considerado pouco eficaz, pois seus efeitos não são permanentes, além de causar efeitos colaterais pronunciados em muitos casos, como cefaleia e hipotensão. As medicações de escolha são os bloqueadores dos canais de cálcio e os nitratos. Os autores relatam o caso de uma paciente com diagnóstico de acalásia idiopática cujo tratamento farmacológico tem sido eficaz ao longo de cinco anos. Tal modalidade foi instituída considerando a cronicidade da doença, a idade avançada da paciente e a presença de comorbidades. ment has low effectiveness, because clinical results are not permanent and can cause pronounced side effects, such as headache and hypotension. The drugs of choice are calcium channel blockers and nitrates. The authors report a case of a patient diagnosed with idiopathic achalasia whose pharmacological treatment has been effective for five years long. Such choice was made considering the chronic aspects of the disease, patient’s advanced age and comorbidities presented. Keywords: Esophageal Achalasia, Calcium Channel Blockers, Nitrates. Introdução Summary A acalásia é um dos diagnósticos diferenciais nos pacientes com disfagia. Caracteriza-se pela aperistalse do corpo esofágico e pelo relaxamento incompleto ou ausente do esfíncter esofagiano inferior (EEI), secundário à lesão dos plexos mioentérico e submucoso.1 De acordo com a etiologia, é classificada como chagásica ou idiopática.1,2 Achalasia is characterized by esophageal body aperistalsis and incomplete or absent relaxation of the lower esophageal sphincter. According to its ethiology, it is classified in chagasic or idiopathic. The treatment options are pharmacological, endoscopical or surgery. Pharmacological treat- O tratamento pode ser realizado através de medicamentos (nitratos e bloqueadores dos canais de cálcio), endoscopia terapêutica (dilatação ou injeção de toxina botulínica) ou cirurgia (miotomia, plastia ou ressecção da cárdia).3,4 Unitermos: Acalásia, Bloqueadores dos Canais de Cálcio, Nitratos. 1. Especialista em Gastroenterologia pela Federação Brasileira de Gastroenterologia, Professor do Curso de Medicina da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC). 2. Enfermeira da Estratégia Saúde da Família em Água Doce – Santa Catarina. 3. Acadêmicos do Curso de Medicina da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC). 4. Endereço para correspondência: Denis Conci Braga - Rua Frei Silvano, 15 – apto. 06 – Centro - Água Doce – Santa Catarina – SC - CEP: 89654000 - e-mail: [email protected] Recebido em: 12/12/2012. Aprovado em: 18/12/2012. GED gastroenterol. endosc. dig. 2012: 31(4):146-149 0124-Revista GED04 OUT-DEZEMBRO-5.indd 30 24.01.13 12:07:41 D. C. BRAGA, S. M. BORTOLINI, A. E. C. OLIVEIRA, A. G. MELO, M. E. R. U. CARVALHO O presente relato descreve um caso de paciente com acalásia do tipo idiopática, cuja terapia medicamentosa tem sido efetiva ao longo de cinco anos do diagnóstico da doença. Relato de Caso Paciente do sexo feminino, natural e proveniente de Água Doce, Santa Catarina, procurou atendimento no ano de 2007, quando tinha 67 anos. Queixava-se de dificuldade para engolir há mais de 10 anos, bem como episódios de vômitos com restos alimentares intensificados ao longo dos anos, o que lhe causava desconforto e descontentamento. O acompanhamento periódico demonstrou eficácia da terapêutica, de modo que ao longo de 2 anos a paciente havia aumentado seu peso para 50 kg. No entanto, no início de 2012, houve uma piora clínica, manifestada por regurgitação alimentar e dor torácica retroesternal. Tal manifestação foi acompanhada de descompensação da HAS. Solicitado nova radiografia contrastada (figura 2 – direita), a qual manteve o diagnóstico de megaesôfago grau III. A manometria esofágica evidenciou aperistalse do corpo esofágico em todos os complexos de deglutição estudados e aumento da pressão do EEI (50 mmHg). Excluídas alterações cardíacas e pulmonares pela queixa de dor torácica, foi aumentada a dose da isossorbida para 10 mg e iniciado o bloqueador do canal de cálcio verapamil, para controle da pressão arterial, na dose de 160 mg/dia, divididas em três tomadas. A resposta foi satisfatória, tendo a paciente retornado à consulta sem novas manifestações das queixas prévias. 147 31 31(4):146-149 De um modo geral, a literatura descreve a terapia medicamentosa como não sendo tão efetiva no alívio da disfagia, com resultados temporários e consequentemente reversíveis. Desta forma, os sintomas geralmente não são controlados com o uso isolado de medicamentos. Ainda, a limitação causada pelos efeitos colaterais como cefaleia e hipotensão contribui para a escolha de outro método terapêutico.5,6 Figura 1. Aspecto de bócio na região cervical da paciente Ao exame físico, a paciente tinha 1,62 m, pesava 35 kg e índice de massa corporal (IMC) de 13,30 kg/m 2. Ainda era visível, em região cervical anterior, um aumento do volume compatível com aspecto de bócio (Figura 1) que, de acordo com a paciente, aumentava ou diminuía conforme a quantidade de alimentos ingeridos. O restante do exame não evidenciou alterações. Apresentava como comorbidades apenas Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), a qual estava compensada medicamentosamente. Foi solicitada endoscopia digestiva alta que evidenciou dilatação da luz esofágica e presença de restos alimentares pastosos aderidos à mucosa. Observava-se também uma discreta dificuldade na passagem do endoscópico pela cárdia, que se encontrava fechada. A radiografia contrastada do esôfago (Figura 2 – esquerda) apresentava o órgão de calibre aumentado, com tortuosidades e retenção do contraste no terço distal, sendo compatível com megaesôfago grau III. Realizada sorologia para doença de Chagas que foi negativa. Foi instituída terapia com dinitrato de isossorbida, na dose de 5 mg cerca de 20 minutos antes das refeições principais, por via oral, bem como medidas higienodietéticas. Discussão As medidas higienodietéticas fazem parte do tratamento da acalásia e devem coexistir com todas as modalidades terapêuticas possíveis, pois a ausência de peristaltismo, de um modo geral, permanece mesmo após qualquer procedimento. 1,2 O paciente deve ser orientado a GED gastroenterol. endosc. dig. 2012: 31(4):146-149 0124-Revista GED04 OUT-DEZEMBRO-5.indd 31 24.01.13 12:07:41 Acalásia Idiopática com Resposta Duradoura ao Acalásia Idiopática com Resposta Duradoura ao Tratamento Farmacológico: Relatode DeCaso Caso Tratamento Farmacológico: Relato mastigar bem os alimentos, alimentar-se calmamente e, se necessário, auxiliar a descida do alimento com goles de água. Deve-se também evitar alimentos e bebidas muito frios, sob o risco de agravar a disfagia. Ainda é recomendado não ingerir alimentos ou até mesmo medicamentos à noite, pois poderão ficar retidos no esôfago.2 Dentre as modalidades terapêuticas para o tratamento da acalásia, a abordagem farmacológica é a que possui menor destaque. Tal fato se deve à descrição dos resultados ser transitória, com baixa resposta clínica e ocorrência de efeitos colaterais.7 O citrato de sildenafila já foi considerado para o tratamento da acalásia, no entanto, seus efeitos colaterais significativos foram suficientes para que seu uso fosse abandonado.6 O mecanismo de diminuição na pressão do EEI por esta droga se deve à inibição da fosfodiestarase tipo 5, que previne a destruição do óxido nítrico. Ainda, seu efeito relaxador provou ser inferior ao causado pela nifedipina.6 Figura 2. Radiografia contrastada de esôfago no momento do diagnóstico (esquerda) e cinco anos após acompanhamento (direita). Os medicamentos de escolha para alívio dos sintomas são: bloqueadores dos canais de cálcio de ação rápida e nitratos. A primeira classe, ao inibir a entrada de cálcio para dentro da célula, diminui a pressão do EEI, consequentemente aliviando a disfagia. 31(4):146-149 148 32 O mecanismo dos nitratos é descrito por um aumento na produção de óxido nítrico, um neurotransmissor inibitório da contração esofágica.3,5 As drogas mais comumente prescritas são a nifedipina, nas doses de 5 a 10 mg, ou o dinitrato de isossorbida 5 a 10 mg, ambas devendo ser administradas por via sublingual ou oral, cerca de 15 a 40 minutos antes das refeições.2,3,5 A nifedipina, na dose de 20 mg, reduz a pressão do EEI em cerca de 30% a 40%. 8 Em um estudo, a droga foi responsável por induzir remissão e até mesmo normalização da fisiologia esofágica em alguns pacientes.7 Infelizmente, os efeitos colaterais mais comuns, como hipotensão, cefaleia e edema periférico ocorrem em aproximadamente 30% dos pacientes e são responsáveis pela limitação do uso clínico destes medicamentos.5,6 Estes medicamentos possuem resultados variáveis com relação ao alívio dos sintomas apresentados, com uma melhora clínica inicial que varia entre 50% e 90% dos casos.7 Ainda o uso destas medicações tem diminuído a pressão do EEI em cerca de 47% a 63% dos pacientes.9 No entanto, o uso continuado a longo prazo está associado à tolerância, que diminui severamente a resposta clínica ao longo do tempo.6 GED gastroenterol. endosc. dig. 2012: 31(4):146-149 0124-Revista GED04 OUT-DEZEMBRO-5.indd 32 24.01.13 12:07:42 D. C. BRAGA, S. M. BORTOLINI, A. E. C. OLIVEIRA, A. G. MELO, M. E. R. U. CARVALHO Conclusões achalasia. Curr Opin Gastroenterol 2010; 26: 384-8. Mattioli S, Pilotti V, Felice V, et al. Intraoperative study on the relationship between the lower esophageal sphincter pressure and the muscular components of the gastro-esophageal junction in achalasic patients. Ann Surg 1993; 218: 635-9. 9. Wang L, Li YM, Li L. Meta-analysis of randomized and controlled treatment trials for achalasia. Dig Dis Sci 2009; 54: 2303-11. 10. Leeuwenburgh I, Scholten P, Alderliesten J, et al. Long-term esophageal cancer risk in patients with primary achalasia: a prospective study. Am J Gastroenterol 2010; 105: 2144-9. 8. Atualmente, a terapia medicamentosa na acalásia deve ser reservada para pacientes que não desejam ou são incapazes de realizar procedimentos cirúrgicos ou endoscópicos; quando se aguarda um tratamento definitivo ou ainda, nos casos em que há dor torácica refratária associada à acalasia.3,5,10 No presente caso, tal modalidade foi instituída considerando a cronicidade da doença, a idade avançada da paciente, a presença de comorbidades como HAS, a longa duração dos sintomas e a tolerabilidade e adaptação frente aos sintomas. Assim, a resposta ao longo dos cinco anos de acompanhamento foi satisfatória, não havendo piora clínica, o que reforça a eficácia de condutas terapêuticas individualizadas que só podem ser estabelecidas por meio de uma relação médico-paciente sólida. 149 33 31(4):146-149 A opção terapêutica a ser oferecida ao paciente com acalásia deve levar em conta fatores como: experiência adquirida e disponibilidade com o método a ser utilizado, resultados descritos na literatura, idade do paciente, presença de comorbidades, estágio evolutivo da doença e, sobretudo, a autonomia do paciente para optar ou não pela realização de determinado procedimento.2 REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. Miszputen SJ. Guia de Gastroenterologia. 2a. ed. São Paulo: Manole, 2006. Domingues GRS. O esôfago. Rio de Janeiro: Rubio, 2005. Ahmed A. Achalasia: What is the best treatment? Ann Afr Med 2008;7:141-8. Campos GM, Vittinghoff E, Rabl C, et al. 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