Es te ar tigo faz par te do Por tal PUC Minas – API MEC- MG no ender eço: www.iceg.pucminas .br /apimec Os dir eitos autor ais per tencem integr almente aos s eus autor es , que s ão r es pons áveis pelo conteúdo do ar tigo P ar cer ia P U C Min as / AP I ME C Com obj etivo e foco concentr ados na ger ação e dis s eminação do conhecimento e incentivo à pes quis a, a PUC Minas e a As s ociação dos Analis tas e Pr ofis s ionais de I nves timento do Mer cado de Capitais de Minas Ger ais (Apimec - MG) es tabelecer am uma par cer ia par a a cr iação de um Por tal, que divulgar á a pr odução acadêmica vinculada à ár ea de Ciências Econômicas e Ger enciais . O es paço r eunir á ar tigos , r es enhas , ens aios , notas técnicas e pes quis as de pr ofes s or es da Univer s idade. O Por tal conta com Núcleos de Des envolvimento – ver dadeir os fór uns de pr odução de conhecimento - nas ár eas de Ges tão Cor por ativa, Ética e Res pons abilidade S ocial, Negócios I nter nacionais , Des envolvimento Econômico e S ocial e Dir eito Empr es ar ial. Os ar tigos divulgados nos Núcleos s er ão s emes tr almente incor por ados à Revis ta Eletr ônica do Por tal. Além dos tex tos pr oduzidos por pr ofes s or es , s er ão veiculadas no s ite notícias s obr e publicações , s eminár ios , congr es s os e demais tipos de eventos acadêmicos , além de dados s obr e a conj untur a econômica. Es s as infor mações poder ão s er r emetidas r egular mente via cor r eio eletr ônico aos inter es s ados que s e cadas tr ar em como us uár ios . Es tá pr evis ta ainda, como par te integr ante do pr oj eto, a viabilização de pes quis as científicas j unto às empr es as de capital aber to, vis itas técnicas à B oves pa e r ealização de cur s os em conj unto com a Apimec. 1 INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS NOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO ESTRATÉGIAS PARA PROTEÇÃO DO VALOR Alyson Rajão Ferreira∗ RESUMO O objetivo deste artigo é apresentar uma reflexão sobre os investimentos de empresas estrangeiras em países em desenvolvimento (como por exemplo o Brasil), que estão sujeitos à alta volatilidade das taxas de câmbio. Esta análise é especialmente importante para subsidiárias de empresas estrangeiras consideradas de porte médio em nível internacional, com estrutura corporativa relativamente pequena. Em muitos casos, essas empresas fazem investimentos fora dos seus países de origem por estarem inseridas no contexto de um investimento mais relevante e complexo, como por exemplo: a subsidiária de uma empresa de auto-peças que está intimamente relacionada e, em grande parte, dependente, de uma grande montadora multinacional, como FIAT, GM ou FORD. Normalmente, este é um tipo de negócio no qual a subsidiária é altamente dependente de matérias-primas importadas da controladora no exterior ou de outras partes relacionadas localizadas em outros países, além de possuir suas vendas altamente concentradas para um ou dois grandes clientes, com operações no mesmo país de atuação da subsidiária e por possuírem, ainda, um volume relativamente baixo de receitas de exportação. Nessas circunstâncias, a exposição desta subsidiária de grupo multinacional à volatilidade das taxas de câmbio (a moeda utilizada no país onde opera com relação à moeda na qual suas importações são transacionadas) pode levá-la a perdas financeiras significativas, reduzindo sua capacidade de remeter divisas, seja na forma de dividendos, seja na forma de liquidação dos seus débitos com a matriz e outras partes relacionadas no exterior. Como veremos, a gama de alternativas apresentada está intimamente relacionada à necessidade e prazo determinados pela matriz para ter seus recursos de volta. ∗ Deloitte Touche Tohmatsu - Auditores Independentes 2 1 - CONTEXTO ATUAL O crescente processo de globalização tem “empurrado” um número cada vez maior de empresas consideradas de médio porte para a abertura de operações fora dos seus países de origem. Várias são as razões da globalização e suas conseqüências o que, entretanto, não é o foco deste artigo, mas o fato é que empresas cujos nomes não são conhecidos no cenário internacional engajaram-se na busca por novas oportunidades de negócios e novos mercados, em países localizados fora do eixo central do desenvolvimento mundial. Várias também podem ser as razões que definem o momento de tomada da decisão de se produzir em outro país, tais como: baratear o custo dos produtos colocados em determinado país que apresente potencial razoável de crescimento de consumo, em substituição às exportações a distribuidores exclusivos, atendimento a clientes tradicionais e representativos, que não querem mais conviver com os riscos financeiros e operacionais inerentes à dependência de fornecedores estrangeiros, dentre outras. Neste processo, uma empresa de porte médio e que ainda não fez todos os investimentos necessários na sua área corporativa, seja em termos de contratação e capacitação de pessoal, seja em termos de estabelecimento de controles básicos a serem aplicados pelos gestores da subsidiária ou, ainda, em termos de padronização das informações essenciais a serem fornecidas pela subsidiária, além dos processos de monitoramento dessas informações, depara-se com uma quantidade de novos riscos a serem geridos para os quais ainda não há processos de gestão estabelecidos. Assim, nosso foco de reflexão recai sobre a gestão do risco originário da exposição das empresas a contratos e operações denominados em moedas estrangeiras em países em desenvolvimento, especialmente no Brasil. Tal análise tem importância ainda maior em momentos de incertezas do mercado financeiro mundial sobre as economias de países com alta vulnerabilidade externa, onde os agentes econômicos, incluindo-se aí as subsidiárias de empresas multinacionais, têm de conviver com a alta volatilidade das taxas de câmbio e, adicionalmente e não raro, com a inflação e alterações sensíveis nas taxas de juros praticadas internamente. 3 2 - EFEITOS DA VOLATILIDADE DAS TAXAS DE CÂMBIO Os países emergentes, dentre eles destaca-se o Brasil, de modo geral, apresentam-se hoje muito dependentes das suas exportações e dos investimentos externos (sejam na forma de investimento estrangeiro direto para controlar subsidiárias - IED - ou na forma de aplicações financeiras sem objetivo de controle - eg. títulos públicos, títulos de dívida privada e fundos de ações) para conseguir compensar as saídas de moedas estrangeiras, notadamente o dólar norteamericano, para o pagamento de dívidas públicas e privadas, dividendos e importações. Quando qualquer fato, de fundo político ou econômico, faz despertar na comunidade financeira internacional a incerteza sobre a capacidade dos países em desenvolvimento de remeter recursos para o exterior, o movimento usualmente verificado é a retração das linhas de crédito de bancos internacionais a empresas e governos desses países, desvalorização dos títulos das suas dívidas e o adiamento dos projetos de investimento por parte das empresas multinacionais. Neste cenário, a busca dos agentes econômicos locais por proteção contra movimentos ainda mais catastróficos nas taxas de câmbio desencadeia um processo de grande variação dessas cotações, que leva tempo para ser revertido. A tabela abaixo demonstra as variações do dólar norte-americano com relação ao real brasileiro no período de 2000 a 2003: Tabela I - Cotação do dólar norte-americano com relação ao real brasileiro (R$ por US$) Ano 2000 2001 2002 2003 (*) Cotação no Cotação no início do ano final do ano 1,8011 1,9554 2,3204 3,5333 1,9554 2,3204 3,5333 2,9057 Cotação média 1,8295 2,3522 2,9309 3,1416 Desvio padrão 0,0667 0,2468 0,5457 0,2730 Volatilidade (%) Variação anual (%) 3,65 10,49 18,62 8,69 8,57 18,67 52,27 -17,76 (*) Para o ano de 2003, consideramos a cotação do dólar norte-americano até a data de 17 de setembro. Fonte: Banco Central do Brasil (PTAX 800). 4 Como se depreende da tabela acima, no caso brasileiro, as empresas tiveram que conviver, e ainda convivem, com uma alta volatilidade da taxa de câmbio por vários meses, até que se restabeleça a normalidade. Podemos apontar algumas conseqüências da volatilidade apresentada acima sobre as condições de negócio das empresas e sobre a economia brasileira nesse mesmo período, quais sejam: • aumento significativo do custo das matérias-primas importadas; • arrefecimento da inflação; • queda da demanda agregada e do crescimento econômico; • altas taxas de juros, em conseqüência de ter sido este o instrumento escolhido pelo Governo brasileiro para exercer sua política monetária e tentar conter a inflação; • perda significativa de divisas externas, em função da política cambial intervencionista (venda de dólares) implementada pelo Governo brasileiro no intuito de evitar flutuações ainda mais abruptas na cotação do dólar norte-americano; e • perda do poder de barganha das empresas de menor porte, ou com vendas concentradas a poucos clientes, nas negociações para repasse de custos, dentre outras. Neste ponto, gostaríamos de destacar a situação das empresas multinacionais de porte médio com atuação no Brasil que possuem um acionista que espera ser remunerado, na moeda de origem do seu país, pelo risco de estabelecer operações em um país estrangeiro. Adicionalmente, a matriz no estrangeiro corre o risco de ver seus retornos esperados para os próximos dois ou três anos tomarem um rumo diverso do inicialmente previsto e, via de regra, em sentido negativo. As condições para incorrer em perdas expressivas passam a fazer parte do ambiente de negócios dessas empresas. Para exemplificar, gostaríamos de colocar o foco da nossa análise nas empresas multinacionais de porte médio com atuação na indústria automobilística. Em ambos os casos citados acima, as empresas, usualmente, têm que enfrentar um ambiente onde os clientes estão concentrados em um grupo relativamente pequeno e com poder de barganha desproporcional com relação a seus fornecedores, o que reduz sua capacidade de repassar de forma automática a esses clientes os aumentos do custo de produção relativos às matérias-primas importadas. 5 As multinacionais de porte médio passam a sofrer, também por parte dos seus clientes, ações comerciais que desencadeiam pressões sobre o seu capital de giro, uma vez que, com o desaquecimento geral da economia, os pedidos de venda entram em compasso de espera, aumentando seus níveis de estoque, e os prazos para recebimento das faturas tendem a se alongar. Como conseqüência, o recurso passa a ser a utilização de empréstimos de curto prazo tomados junto a bancos locais, com altas taxas de juros ou, alternativamente, o alongamento do prazo de pagamento das mercadorias importadas da matriz e de outras partes relacionadas no exterior e, ainda, a utilização de empréstimos de empresas ligadas no exterior, via de regra, da controladora. Ressalte-se que, no caso das empresas multinacionais utilizarem-se do alongamento do prazo das suas contas a pagar a partes relacionadas no exterior ou de empréstimos com a controladora, tem-se um aumento ainda maior da sua exposição à volatilidade das taxas de câmbio, bem como da exposição deste grupo multinacional aos riscos proporcionados pela economia brasileira, que viveu, no período demonstrado acima, as conseqüências danosas da sua alta vulnerabilidade externa. 3 - DEMONSTRAÇÃO DA PERDA DE VALOR DO INVESTIMENTO Passemos então a um exemplo concreto: Vamos supor que a subsidiária de uma empresa multinacional com atuação na indústria automobilística, e instalada no Brasil no final do ano de 2001 trabalhe com as seguintes estimativas: • Vendas e contas a receber: • Mercado interno: R$80.000 por ano • Prazo médio de vendas ao mercado interno equivalente a 45 dias • Exportações (basicamente a partes relacionadas): US$10.000 por ano • Prazo médio de vendas ao mercado externo equivalente a 180 dias • Taxa de câmbio média estimada para as exportações do ano: US$1,00 = R$2,00 • Taxa de câmbio estimada para o final do ano: US$1,00 = R$2,20 • Saldo das contas a receber estimado para o final do ano: mercado interno R$10.000; mercado externo R$11.000 (equivalente a US$5.000) 6 • Impostos incidentes sobre as vendas ao mercado interno, Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (VAT), Imposto sobre Produtos Industrializados (Excise tax) e outros: 32,65% = R$26.120 no ano; sendo o saldo estimado a pagar no final do ano de R$2.177 • Custos e contas a pagar: • Margem bruta de 30% sobre as vendas líquidas • Compras de fornecedores nacionais: R$25.858, equivalente a 50% dos custos totais • Prazo médio de pagamento das compras no mercado interno equivalente a 30 dias • Compras de fornecedores estrangeiros (basicamente de partes relacionadas): US$10.343, equivalente a 40% dos custos totais • Prazo médio de pagamento das compras no mercado externo equivalente a 180 dias • Taxa de câmbio média estimada para as importações do ano: US$1,00 = R$2,00 • Taxa de câmbio estimada para o final do ano: US$1,00 = R$2,20 • Saldo das contas a pagar estimado para o final do ano: mercado interno R$2.155; mercado externo R$11.378 (equivalente a US$5.172) • Depreciação equivalente a 10% dos custos totais: R$5.172 • Giro médio estimado dos estoques equivalente a 5 dias, de modo que o saldo estimado dos estoques para o final do ano é de R$718 • Despesas com vendas e administrativas equivalentes a 10% das vendas brutas: R$10.000 • Alíquota de imposto de renda equivalente a 35% • Lucro líquido equivalente a aproximadamente 8% das vendas brutas: R$7.885 • Necessidade de capital de giro esperada para o final do ano: 7 NCG = Contas a receber + Estoques - Contas a pagar NCG = 21.000 + 718 - 13.533 NCG = 8.185 Neste caso, teríamos as seguintes demonstrações contábeis hipotéticas: Tabela II - Demonstrações contábeis hipotéticas - empresa do ramo automobilístico • Tabela II.1 - Demonstração do resultado e fluxo de caixa para o ano 2002 Descrição Valores em milhares de reais Receita bruta de vendas Impostos incidentes sobre vendas Vendas líquidas Custo dos produtos vendidos Lucro bruto 100.000 (26.120) 73.880 (51.716) 22.164 Despesas administrativas e com vendas Variação cambial sobre contas a receber e a pagar no mercado externo Lucro antes do imposto de renda Imposto de renda Lucro líquido (10.000) (34) 12.130 (4.245) 7.885 Conciliação do lucro líquido com o saldo de caixa: (+) Adição da depreciação (+) Impostos provisionados e não pagos no final do exercício (IR R$4.245 e Outros impostos R$2.177) (-) Necessidade de capital de giro 5.172 6.422 (8.185) (=) Acréscimo ao caixa e equivalentes de caixa no exercício 11.294 (-) Impostos provisionados e não pagos no final do exercício (IR R$4.245 e Outros impostos R$2.177) (-) Dividendos propostos e não pagos (25% do lucro líquido) (6.422) (1.971) (=) Acréscimo ao saldo de tesouraria no exercício 2.901 8 • Tabela II.2 - Balanços patrimoniais em 31 de dezembro de 2002 e de 2001 Descrição Valores em milhares de reais 2002 2001 Ativo Circulante: Caixa e equivalentes de caixa Contas a receberMercado interno Mercado externo Estoques Permanente: Imobilizado Total do Ativo 12.294 1.000 10.000 11.000 718 34.012 1.000 44.828 50.000 78.840 51.000 2.155 11.378 6.422 1.971 21.926 - 51.000 5.914 56.914 51.000 31.000 78.840 51.000 Passivo Circulante: Contas a pagarMercado interno Mercado externo Impostos a recolher - imposto de renda, ICMS, IPI e outros Dividendos a pagar Patrimônio líquido: Capital social Lucros acumulados Total do Passivo Imaginemos agora, que esta empresa hipotética tenha sido exposta aos efeitos da volatilidade da taxa de câmbio para o dólar norte-americano descritos na Tabela I para o ano de 2002. Neste caso, é razoável supor uma queda da demanda agregada com reflexo de redução das vendas esperadas. De fato, verificou-se uma redução de aproximadamente 4% na produção nacional de veículos de passageiros e comerciais leves em 2002 com relação a 2001 - 1.641.461 em 2002 contra 1.716.462 em 2001, segundo os anuários estatísticos da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA). 9 Neste novo contexto de diminuição do volume de vendas em 4%, apenas para o mercado interno, cotação média do dólar norte-americano de US$1,00 = R$2,9309, cotação para o final do ano de 2002 em US$1,00 = R$3,5333 e índice de inflação local variando 25%, ao invés dos 10% estimados inicialmente, a empresa provavelmente chegaria ao final de 2002 com o seguinte resultado e posição financeira: Tabela III - Demonstrações contábeis hipotéticas incluindo os efeitos da variação cambial Tabela III.1 - Demonstrações financeiras de 2002 Descrição Valores expressos em milhares de reais Após efeitos da desvalorização cambial Situação inicial Receita bruta de vendas Impostos incidentes sobre vendas Vendas líquidas Custo dos produtos vendidos Lucro bruto 106.103 (25.075) 81.028 (63.695) 17.333 100.000 (26.120) 73.880 (51.716) 22.164 Despesas administrativas e com vendas Variação cambial sobre contas a receber e a pagar no mercado externo Lucro antes do imposto de renda Imposto de renda Lucro líquido (10.610) (10.000) (104) 6.619 (2.317) 4.302 (34) 12.130 (4.245) 7.885 Conciliação do lucro líquido com o saldo de tesouraria: (+) Adição da depreciação (+) Impostos provisionados e não pagos no final do exercício (IR R$2.317 e Outros impostos R$2.090) (-) Necessidade de capital de giro 5.172 5.172 4.407 (7.529) 6.422 (8.185) (=) Acréscimo ao caixa e equivalentes de caixa no exercício 6.352 11.294 (4.407) (6.422) (1.075) (1.971) 870 9.323 (-) Impostos provisionados e não pagos no final do exercício (IR R$2.317 e Outros impostos R$2.090) (-) Dividendos propostos e não pagos (25% do lucro líquido) (=) Acréscimo ao saldo de tesouraria no exercício 10 • Tabela III.2 - Balanços patrimoniais em 31 de dezembro de 2002 Descrição Valores em milhares de reais Após efeitos da desvalorização Situação cambial inicial Ativo Circulante: Caixa e equivalentes de caixa Contas a receberMercado interno Mercado externo Estoques Permanente: Imobilizado Total do Ativo 7.352 12.294 9.600 17.667 885 28.152 10.000 11.000 718 34.012 44.828 44.828 80.332 78.840 2.351 18.272 4.407 1.075 26.105 2.155 11.378 6.422 1.971 21.926 51.000 3.227 54.227 51.000 5.914 56.914 80.332 78.840 Passivo Circulante: Contas a pagarMercado interno Mercado externo Impostos a recolher - imposto de renda, ICMS, IPI e outros Dividendos a pagar Patrimônio líquido: Capital social Lucros acumulados Total do Passivo 11 Passemos a analisar agora o que acontece com a empresa no primeiro mês de 2003, considerando os pagamentos e recebimentos que deve fazer: Tabela IV - Situação de caixa ao final do mês de janeiro de 2003: Descrição Valores em milhares de reais Após efeitos da desvalorização Situação cambial inicial Saldo de caixa e equivalentes de caixa em 31 de dezembro de 2002 RecebimentosContas a receber mercado interno (saldo inicial dividido por 45 dias, vezes 30 dias) Contas a receber mercado externo (saldo inicial dividido por 180 dias, vezes 30 dias) 7.352 12.294 6.400 6.667 2.945 1.833 9.345 8.500 (2.351) (2.155) (3.045) (4.407) (1.075) (1.896) (6.422) (1.971) (10.878) (12.444) (1.533) (3.944) 5.819 8.350 Total dos recebimentos PagamentosContas a pagar mercado interno (100% do saldo inicial é pago no mês) Contas a pagar mercado externo (saldo inicial dividido por 180 dias, vezes 30 dias) Impostos Dividendos Total dos pagamentos Saída líquida de caixa no mês de janeiro de 2003 Saldo de caixa e equivalentes de caixa em 31 de janeiro de 2003 Analisemos agora, os efeitos da desvalorização cambial sobre o resultado e fluxo de caixa gerados pela subsidiária brasileira, convertidos para o dólar norte-americano, supondo ser esta a moeda na qual a matriz espera receber os dividendos devidos. Assumimos, para esse fim, que o método de conversão das demonstrações contábeis é o da taxa corrente. 12 Tabela V - Efeitos da desvalorização cambial sobre o resultado, fluxo de caixa e dividendos: Valores em milhares de dólares norte-americanos Após efeitos da desvalorização Situação cambial inicial Descrição Saldo de caixa e equivalentes de caixa em 31 de dezembro de 2002 Acréscimo ao saldo de caixa e equivalentes de caixa no ano de 2002 Resultado do exercício Dividendos propostos 2,081 5,588 1,798 1,218 304 5,134 3,584 896 Além dos efeitos das perdas descritos na tabela acima, há que se notar que a controladora da subsidiária descrita neste exemplo teria que registrar o ajuste de conversão das demonstrações contábeis da sua subsidiária que seria calculado conforme demonstrado abaixo: Tabela VI - Demonstração dos ajustes de conversão das demonstrações contábeis Descrição Saldo inicial do investimento contabilizado na controladora (*) (+) Resultado do exercício (-) Dividendos propostos (**) (-) Perda na conversão (=) Saldo do investimento base para conversão pela taxa de câmbio de 31 de dezembro de 2002 Após efeitos da desvalorização cambial Valores em Valores em milhares de milhares de reais dólares Situação inicial Valores em Valores em milhares de milhares de reais dólares 51.000 4.302 (1.075) - 26,842 1,218 (304) (12,409) 51.000 7.885 (1.971) - 26,842 3,584 (896) (3,660) 54.227 15,347 56.914 25,870 (*) Parte-se do presuposto que quando a controladora fez seus investimentos no Brasil, em dezembro de 2001, a taxa de câmbio era de US$1,00 = R$1,90. (**) Entendemos que, ao contrário do Brasil, em muitos países os dividendos só são abatidos do patrimônio líquido quando pagos. Entretanto, para fins didáticos, desconsideramos essa diferença entre a prática contábil brasileira e os princípios contábeis geralmente aceitos em outros países. 13 Como se depreende da tabela acima, a controladora da subsidiária brasileira registrou uma perda contábil de US$10,523 (US$25,870 menos US$15,347) em suas demonstrações contábeis em função dos efeitos da desvalorização cambial sobre as operações da sua subsidiária brasileira, além do fato de que a geração de caixa, líquida do investimento em capital de giro foi inferior à prevista no montante de US$3,336 (US$5,134 menos US$1,798). As perdas apresentadas acima somente seriam recuperáveis se a subsidiária brasileira conseguisse repassar aos seus clientes, em períodos futuros, os efeitos da desvalorização cambial sobre seus custos de produção, obtendo ganhos acima do esperado. 4 - ALTERNATIVAS DE PROTEÇÃO PARA OS INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS Alguns autores sugerem que os efeitos provocados pela desvalorização cambial são repassados pelas empresas a seus clientes, a médio prazo, através dos efeitos da inflação (Brealey - Myers, 1995), enquanto outros acreditam que não há evidência empírica que possa comprovar essa possibilidade (Sercu - Uppal, 1995). De fato, como se conclui da Tabela VII abaixo, os efeitos da desvalorização cambial tendem a ser refletidos nos índices de inflação locais. Entretanto, é importante salientar que tal fato não pode ser assumido por todas as empresas com operações no Brasil, nem para todos os ramos de indústria, uma vez que, em função de diferenças que possam haver entre o poder de barganha da empresa e dos seus clientes, não é possível afirmar que os efeitos da desvalorização cambial possam ser repassados aos preços de forma automática. Tabela VII - Índices de variação do dólar norte-americano, inflação medida pelo Índice de Preços no Atacado e taxas de juros no Brasil de 2000 a 2003 Ano 2000 2001 2002 2003 (*) Variação acumulada Variação anual (%) Dólar norteamericano Inflação (IPA) 8,57 18,67 52,27 -17,76 61,33 12,22 11,88 33,64 4,37 75,12 Taxa básida de juros - Selic (%) (**) 17,59 17,48 21,98 23,37 107,89 14 (*) Para o ano de 2003, consideramos as variações dos indicares apresentados até a data de 17 de setembro. (**) Refere-se à taxa básica de juros média praticada em cada ano. A variação acumulada da taxa de juros indica quanto um tomador teria que pagar de juros se tivesse contratado um empréstimo vinculado à Selic em 1º de janeiro de 2000. Fonte: Banco Central do Brasil. Focando, portanto, a atenção sobre as empresas multinacionais de porte médio com atuação no Brasil, cercadas pelo ambiente de negócios descrito no tópico 2 acima, apresentamos a seguir algumas alternativas para proteção dos seus investimentos. 1ª) Contratação de instrumento de hedge cambial representado por opções de compra de dólares em data futura, pela subsidiária brasileira. Neste caso, trabalhando com as previsões de vendas e compras do mercado externo, a empresa poderia ter firmado contratos dessa natureza visando à proteção do seu risco operacional. Entretanto, como demonstrado na Tabela III.1 acima, em função do relativo equilíbrio entre as compras e vendas ao mercado externo, US$10,343 e US$10,000, respectivamente, o efeito das perdas cambiais demonstrado através das demonstrações do resultado, tanto o inicialmente previsto, quanto aquele obtido após a desvalorização cambial não foram expressivos, tendo sido apuradas perdas de R$34 na situação inicial e de R$104 no cenário de desvalorização cambial não prevista. Acreditamos, portanto, que tal estratégia deve ser melhor explorada caso haja desequilíbrios maiores entre compras e vendas ao mercado externo. Neste caso, a opção do grupo multinacional de proporcionar o equilíbrio entre importação e exportação da sua subsidiária localizada em um país com alta volatilidade das taxas de câmbio mostrou-se, por si só, eficaz no que diz respeito à redução da exposição contratual da sua subsidiária brasileira às flutuações do câmbio. 15 2ª) Contratação de instrumento de hedge cambial representado por opções de compra de dólares em data futura, pela subsidiária brasileira, visando à proteção dos seus fluxos de caixa. A subsidiária, neste caso, necessitaria estabelecer cenários prováveis para o seu primeiro ano de operações em que se contemplasse, no mínimo, duas taxas esperadas de câmbio e seus efeitos sobre a economia do País. Assim, poderia-se supor, por exemplo, um cenário intermediário entre o que previa taxas de câmbio média e final de R$2,00 e R$2,20 por US$ e aquele verificado, de R$2,9309 e R$3,5333 por US$. Vamos assumir, por hipótese, que a controladora tivesse estabelecido um segundo cenário em que haveria uma desvalorização onde as taxas de câmbio média e final fossem de R$2,50 e R$3,00, respectivamente, e que houvesse uma retração do mercado automobilístico brasileiro da ordem de 2% e inflação da ordem de 18% ao ano. Para este cenário, o lucro esperado, dividendos e acréscimo ao saldo de caixa seriam, respectivamente, de R$5.957, R$1.489 e R$8.640. Assim, teria-se dois valores estimados em dólares para o fluxo de caixa da subsidiária brasileira, quais sejam, US$5,134, na situação original, e US$2,880, no cenário com desvalorização cambial. Aplicando-se a regressão linear para mensuração do efeito de variação cambial sobre os fluxos de caixa estimados (Sercu - Uppal, 1995), temos a equação Vt(i) = at,T + bt,T ST(i) + eT(i), onde: • Vt(i) - representa o valor do fluxo de caixa da subsidiária, na moeda local da controladora, se a taxa de câmbio for ST(i); • ST(i) - representa um possível valor de taxa de câmbio no momento T; • at,T e eT(i) - representam o risco residual não correlacionado com a variação da taxa de câmbio; e • bt,T - mede a mudança no fluxo de caixa por unidade modificada na taxa de câmbio. Admitindo-se que eT(i) representa um risco residual não vinculado à taxa de câmbio e que o valor a exposição e valor da empresa são sabidos para uma determinada taxa de câmbio, assumiremos que não existe risco residual. Assim, o valor da empresa com a contratação de 16 operações de hedge pode ser expresso pela equação: Vt(i) = at,T + bt,T FT(i), onde FT(i) representa a taxa de câmbio contratada na operação de hedge. Se sabemos o valor esperado para o fluxo de caixa da empresa para dois cenários distintos de taxas de câmbio, temos as seguintes equações para o exemplo acima: Cenário 1 (dólar final a R$2,20): R$11.294 = at,T + bt,T x 2,2 Cenário 2 (dólar final a R$3,00): R$8.640 = at,T + bt,T x 3,0 Substituindo as variáveis nas equações, chegamos ao seguinte valor para bt,T: bt,T = R$11.294 - R$8.640 = - US$3,319 e at,T = R$11.294 - bt,T x 2,2 = R$18.596 2,2 - 3,0 Tabela VIII - Valores possível para o fluxo de caixa da empresa em 2002 em dólares Taxa: R$3,00 x US$1,00 Descrição Ativos da empresa em reais Valor exposto à variação cambial (US$3,319) Total do fluxo de caixa (valor) em dólares 18.596 (9.956) 8.640 Taxa: R$2,2 x US$1,00 18.596 (7.301) 11.294 A partir dos dados acima, podemos construir uma tabela comparativa entre o valor da empresa com o contrato de hedge e sem a contratação de hedge, assumindo que a subsidiária tivesse conseguido contratar uma opção de compra de dólares futura, com vencimento para 31 de dezembro de 2002, à taxa, por exemplo, de R$2,90 = US$1,00. Tabela IX - Valores para a emprese com ou sem contratação de hedge em reais e em dólares Cotação final do US$ R$2,2000 = US$1,00 R$3,0000 = US$1,00 R$3,5333 = US$1,00 Empresa sem hedge - em R$ 11.294 8.640 6.353 Valor do hedge (contrato futuro) = - b.(ST - Ft, T) 3.319 x (2,20 - 2,90) 3.319 x (3,00 - 2,90) 3.319 x (3,53 - 2,90) Valor da empresa Valor da com hedge - em empresa com R$ hedge - em US$ (*) 8.972 4,078 8.972 2,991 8.455 2,393 (*) A conversão para o dólar leva em consideração a taxa de câmbio para 31 de dezembro de 2002 de cada um dos cenários, R$2,20, R$3,00 e R$3,5333, respectivamente. 17 A conclusão neste caso é que, se a subsidiária brasileira for capaz de adquirir uma opção de compra de US$3,319 dólares em 31 de dezembro de 2002, ao preço de R$2,90 por unidade, poderá vendê-los no mercado a vista (spot) ao preço de R$3,5333, auferindo um lucro de R$2.101 = [3.319 x (3,53 - 2,90)], ou US$595, ao câmbio de R$3,5333. A vantagem de se adquirir uma opção de compra, sobre a aquisição pura e simples de US$3,319 dólares no mercado futuro é que, se o movimento da taxa de câmbio for favorável à subsidiaria brasileira, não há necessidade de se exercer a opção, ficando a subsidiária apenas com o custo de aquisição do contrato de opção. Note que a aquisição da opção de compra de US$3,319 é feita com o intuito de anular o efeito prejudicial da variação do câmbio sobre as operações da subsidiária brasileira. 3ª) Opções de mudanças na estrutura de capital ou mudanças operacionais. • Mudanças na estrutura de capital: A controladora de uma subsidiária brasileira possui ainda a opção de implantar seu negócio tendo parte do investimento financiado por empréstimos obtidos na moeda local brasileira. Entretanto, as fontes para esse tipo de financiamento são mais escassas, posto que financiamentos de longo prazo só são viáveis no Brasil se obtidos junto a bancos de fomento oficiais, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais - BDMG, Banco da Amazônia S.A. - BASA, dentre outros. A vantagem dessa estratégia é que, tanto a subsidiária brasileira quanto sua controladora, reduzem sua exposição aos efeitos da volatilidade cambial sobre a economia do país, sobre as operações da subsidiária e sobre o chamado “risco país”. Há que se considerar, entretanto, que tais financiamentos são normalmente corrigidos por índices de inflação local acrescidos de juros. De qualquer maneira, é sempre mais razoável imaginar que uma empresa operando no Brasil consiga repassar aumentos de custo para seus preços com base em índices de inflação locais do que com base meramente na variação do dólar com relação ao real. • Mudanças operacionais: Com o objetivo de reduzir a exposição das operações da subsidiária brasileira à volatilidade da taxa de câmbio, a controladora de uma empresa operando no Brasil pode antecipar 18 etapas de nacionalização de peças e componentes dos produtos fabricados por sua subsidiária, reduzindo a dependência de importações. As compensações à controladora pela antecipação da nacionalização de matérias-primas poderia se dar através da remessa de royalties à matriz baseado na quantidade de produtos vendidos. Esta estratégia tem a vantagem de manter a despesa com royalties alinhada com as vendas da subsidiária brasileira, além do contrato poder ser desfeito quando as partes julgarem interessante. 5 - CONSIDERAÇÕES GERAIS O objetivo deste trabalho foi o de apresentar algumas alternativas de proteção dos investimentos mantidos no Brasil por empresas multinacionais de médio porte que podem, no atual momento, não estarem ainda capacitadas a estudar mais profundamente as conseqüências que a alta volatilidade das taxas de câmbio pode trazer sobre suas operações e, consequentemente, sobre seu valor para o acionista. Neste sentido, a partir do exposto acima é possível tirar lições importantes da observação da realidade, tais como: aventurar-se a estabelecer operações de hedge é algo que deve ser feito com o devido cuidado e com base na avaliação de vários cenários simultaneamente. Entretanto, é sempre válido analisar essa possibilidade, pois como verificado, mesmo que uma empresa tenha uma exposição contratual (de saldos a receber e a pagar) a moedas estrangeiras relativamente pequena, numa conjuntura de forte variação da moeda estrangeira a perda de valor para a controladora no exterior pode ser significativa. Opções de se estabelecer o negócio utilizando-se de empréstimos de longo prazo, em moeda local, de instituições oficiais do País também devem analisadas, uma vez que reduzem a exposição da controladora ao risco país e da subsidiária à volatilidade do câmbio, dentre outras mudanças possíveis com conseqüências positivas sobre as operações da subsidiária. Posto que a alta volatilidade do câmbio pode deixar uma empresa sem condições de honrar seus compromissos de curto prazo, especialmente com fornecedores no exterior, há ainda a possibilidade da controladora estender o prazo de pagamento das faturas de importação da sua subsidiária brasileira, além de conceder empréstimos à subsidiária que, no futuro, podem vir ou 19 não a serem utilizados para aumento de capital. Entretanto, esta última alternativa deve ser estudada apenas quando constatado não haver outras opções, uma vez que afetam negativamente o capital de giro da controladora no exterior e aumentam sua exposição ao risco país. Além disso, como esses empréstimos e contas a pagar à controladora ficam registrados no balanço da subsidiária, podem continuar gerando despesas financeiras e contínuos prejuízos, impossibilitando a remessa de lucros ao exterior e, em última análise forçando à integralização de capital na subsidiária com esses recursos. 6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Sercu, Piet and Uppal, Raman. International Financial Markets and the Firm. 1995. 1ª edição. South-Western College Publishing Cincinnati, Ohio. Chapman & Hall, London Brealey, Richard A. and Myers, Stewart C.. Princípios de Finanças Empresariais. 1996. 5ª edição. McGraw-Hill Companies, Inc. Gonçalves, Reinaldo. O Nó Econômico. 2003. 1ª edição. Record. Rio de Janeiro. Roberts, Richard. Por Dentro das Finanças Internacionais. 2000. 1ª edição. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro. Brasil, Haroldo Vinagre e Brasil, Haroldo Guimarães. Gestão Financeira das Empresas: Um Modelo Dinâmico. 1997. 3ª edição. Qualitymark Editora Ltda.. Rio de Janerio.