Bernie Sanders “OR”1 Revolução: uma declaração ou uma questão?

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Publicado em 2016/08/29, em: http://www.counterpunch.org/2016/08/29/bernie-sanders-or-revolution-astatement-or-a-question
Tradução do inglês de TAM
Colocado em linha em: 2016/11/11
Bernie Sanders “OR”1 Revolução: uma
declaração ou uma questão?
Jack Rasmus*
Apoiantes da campanha para as eleições presidenciais de Bernie Sanders deram a
conhecer na quarta-feira2 o que disseram ser a próxima fase do movimento político
progressista nos Estados Unidos.
Mais de 2 600 “observadores do partido” reuniram-se por todo o país para ouvir o
discurso de Bernie, que anunciava a próxima fase de uma nova campanha para
desafiar os potentados económicos americanos e desmanchar o nó do dinheiro que
estrangula a democracia nos EUA e se aperta a cada ciclo eleitoral, pelo menos desde
os anos 90. Declaradamente, mais de 200 000 pessoas em todo o país também
ouviram e viram Bernie através da comunicação social. O evento, e o novo
movimento, foi oficialmente chamado “OR” de “Our Revolution”.
Sanders dirige-se aos 2 600 participantes
Na sua declaração em vídeo, Sanders comprometeu-se a que a sua campanha
presidencial recentemente terminada continuasse a lutar até ao fundo por mudanças
na política dos EUA – incluindo a reforma do financiamento das campanhas, a
legislação para um serviço universal de saúde, justiça racial e ambiental, direitos dos
trabalhadores e direitos de género. Sanders declarou que o novo movimento iria
trabalhar para eleger imediatamente 100 novos candidatos progressistas em todos os
níveis – desde os conselhos de gestão das escolas de cada cidade, desde o governo
estadual até ao Senado dos EUA – e apoiar eventualmente muitas outras centenas. E
não apenas trabalho eleitoral. Segundo Bernie, o novo movimento “OR” lutará pela
justiça, através de ações de rua e referendos, protestos contra a opressão policial,
lutas pelos direitos dos imigrantes e outras atividades políticas não eleitorais.
1
Jogo de palavras em língua inglesa, em que “OR” pode ser o acrónimo de “Our Revolution”, A nossa
revolução, ou a conjunção disjuntiva “ou”, de que resulta então uma interpretação do título: Bernie
Sanders ou revolução. [NT]
2
Quarta-feira, 24 de agosto de 2016, após as eleições primárias para a nomeação do candidato do
Partido Democrático a Presidente. – [NT]
1
Os propósitos e objetivos que Sanders atribuiu ao novo movimento são admiráveis –
do mesmo modo que promoveu as suas admiráveis posições políticas durante a
recente campanha para a nomeação do candidato do Partido Democrático às eleições
presidenciais.
Mas nobres e sonoros objetivos, sozinhos, não fazem um movimento. Um movimento
progressista e a sua política é tanto mais uma questão de estratégia e organização
quanto o são os seus propósitos e objetivos. Os objetivos revolucionários – e o novo
movimento “A nossa Revolução” diz querer alcançar objetivos revolucionários –
requer uma estratégia revolucionária e uma organização revolucionária. Mas que raio
é isso?
Bem, o que é uma estratégia e uma organização revolucionárias nos EUA, em 2016, é
problema que se pode discutir. Mas o que uma estratégia e uma organização
revolucionária NÃO são, isso já não é tão discutível. Não são o regresso ao Partido
Democrático controlado pelos monopólios.
A estratégia do “ interior” versus a estratégia do “exterior”
Sanders deixou claro desde o início da sua campanha para a nomeação do Partido
Democrático que, se não fosse nomeado candidato presidencial do partido, apoiaria o
candidato que fosse escolhido pelo partido. Esse nomeado foi claramente engendrado
pelas elites partidárias para que fosse Hillary Clinton. Sanders, fiel à sua declaração,
tornou público o seu apoio a Hillary até à recente convenção do Partido Democrático.
Sanders foi desde sempre um defensor da estratégia do ‘interior’.
A corrida de Sanders nas primárias do Partido Democrático e a sua declaração de que
apoiaria o candidato que fosse nomeado pelo partido representa o que é por vezes
chamado uma estratégia do ‘interior’ – i. é, conseguir uma mudança progressista
através de reformas do Partido Democrático. Outras pessoas progressistas rejeitaram
repetidamente a estratégia partidária do ‘interior’ e insistiram na estratégia do
‘exterior’ e da ação política, defendendo que era o único caminho para provocar
mudanças progressistas reais e permanentes.
Este debate ‘interior-exterior’ dominou os círculos progressistas nos EUA durante
anos. Contudo, a história mostra que o ‘interior’ se revelou repetidamente inútil e
uma perda de tempo. Sempre que, mesmo que remotamente, qualquer alternativa
tentasse pôr em causa os candidatos nomeados pelo partido, “escolhidos a dedo”
entre os defensores dos monopólios, ela foi rapidamente esmagada pelos mesmos
dirigentes do partido. Howard Dean, Dennis Kucinich, Jesse Jackson são apenas os
exemplos mais notórios.
A própria recente campanha de Sanders é também um bom exemplo da inutilidade
do ‘interior’. Olhando para trás, fica agora claro que a sua candidatura estava
condenada desde o princípio, uma vez que a estrutura partidária de super-delegados
funciona como uma válvula de segurança – dadas as manobras tendenciosas dessas
mesmas elites contra Sanders, na pessoa da mercenária Debbie Wasserman-Schultz,
durante o processo de nomeação. E, mais recentemente, o controlo que exerceram
2
sobre a convenção do Partido Democrático, em que houve protestos dos delegados de
Sanders contra a linha política do partido.
Depois de ter perdido a nomeação, não abandonou a sua estratégia do ‘interior’. O
passo seguinte na sua estratégia do ‘interior’ foi dizer aos apoiantes que fossem à
convenção do Partido Democrático e mudassem o programa. Isso seria um primeiro
passo necessário para reformar o partido, disse ele. Mas o ‘interior’ também falhou
na convenção – porque a elite assegurou que a sua linha política do livre comércio
ficasse intacta, incluindo o recente TPP (Trans Pacific Partnership) [Parceria transPacífico – NT] e confirmaram que a proposta dos apoiantes de Sanders para um
serviço nacional de saúde também seria rejeitada como posição do partido. Nenhuma
reforma realmente significativa do programa do partido foi conseguida na convenção.
Os apoiantes de Sanders já deviam ter aprendido que “a mudança do programa do
partido” era tão inútil – dado o controlo das elites sobre as comissões da convenção
(regulamentos, credenciais, etc.) – como lutar contra um grupo organizado de
superdelegados e não ser vítima das manobras dos Wasserman-Schultz que
montaram o espetáculo político das eleições primárias.
Alguns dos apoiantes de Sanders, aparentemente, começaram a aprender, pois
vaiaram o aval de Bernie ao discurso de Hillary na convenção e foram-se embora. Os
que saíram e outros, corajosamente determinados a continuar a luta por políticas
independentes e progressistas no seguimento da convenção, começaram a organizar
as bases, cidade a cidade, construindo uma proto-organização com o objetivo de
elaborar um rumo de verdadeiras políticas no ‘exterior’ do Partido Democrático. A
declaração da nova organização progressista foi vista como tendo saído do “grupo
observador” da OR que se tinha manifestado na quarta-feira.
Mas, assim que os 2 600 “Observadores” entraram em ação, metade das pessoas que
organizaram a OR demitiu-se e foi-se embora. A justificação que apresentaram era
que a estratégia do ‘interior’ ainda estava muito presente e viva entre os políticos
profissionais de Sanders que agora estão a tomar o controlo da OR.
As demissões do pessoal da OR e o regime de Weaver-Cohen
O abandono da sessão e as demissões verificaram-se após a nomeação para diretor de
campanha, aparentemente por Sanders, no último minuto, de Jeffrey Weaver, seu
confidente de longa data. Weaver desagradou especialmente a muitos jovens da
organização e do staff envolvidos na campanha de Bernie para as primárias, que se
tinham mobilizado para construir a OR. Weaver tinha sido e continua a ser um
advogado com capacidade de angariar dinheiro de doadores ricos, sempre que tem
ocasião. Ele, e outros como ele na organização de Sanders, é também um dos que
defendem a reforma do Partido Democrático a partir do ‘interior’ como o principal
impulso estratégico da nova OR.
A perspetiva de Weavers é tornar a OR no que ele chama um angariador de fundos
501c4, que aceita o dinheiro dos bilionários. O 501c4 é uma estrutura legal nos EUA
que proíbe o envolvimento direto nas eleições. Por lei, não pode sequer discutir, falar
ou coordenar a intervenção com os candidatos que financia.
3
Segundo os apoiantes que se demitiram do OR, sendo ele um 501c4 não pode, como
afirma Weaver, apoiar Tim Canova, um candidato progressista que se propõe
derrotar Wasserman-Schultz, a autora das manobras sujas no partido, no decurso
das recentes eleições primárias. Por outras palavras, sendo a OR um 501c4 torna-se
uma estrutura legal bastante conveniente para evitar que a OR apoie os candidatos
progressistas para destituir os candidatos do Partido Democrata. E não se pode
reformar o Partido Democrata pelo ‘interior’ se se deixar mal dispostas as elites do
partido que tentam defender os seus candidatos democratas de alto nível social,
escolhidos a dedo, concorrendo para os cargos agora, pois não?
A entrada de Weavers para o recém-formado OR, aparentemente pela mão de
Sanders, também mostra precisamente o tipo de organização que os políticos de topo
pretendem que a OR seja. Os seus apoiantes deviam perguntar a si mesmos por que é
que não houve qualquer espécie de processo democrático para escolher quem vai
liderar a OR. E o que se passa com os cerca de 100 “membros do Conselho” da OR?
Como foi “escolhido” o Conselho e por quem? Por que não foram eleitos? Ou quem
indigitou Larry Cohen, antigo líder sindical dos Trabalhadores das Comunicações,
para ‘presidente’ do Conselho?
Torna-se cada vez mais claro que Weaver-Cohen quer que a OR se posicione
estrategicamente para reformar o Partido Democrático a partir do ‘interior’. Sim,
haverá atividade não eleitoral das bases. Manter as tropas no campo mobilizadas e
ocupadas enquanto novos candidatos progressistas concorrem no ‘interior’ e
reformam o partido mais uma vez. Mas como vão ser selecionados para receber o
apoio da OR estes progressistas que concorrem ao futuro cargo?
Ser OR [ou]3 não ser – Eis a questão
Estas são questões organizativas que, por sua vez, determinam a natureza da
estratégia a ser adotada. O OR pode ser “revolucionário” nos seus objetivos, mas não
a este ponto na sua estratégia, certamente – e ainda menos em termos da sua
estrutura organizativa. A definição de uma estratégia contrarrevolucionária para
reformar o Partido Democrático pelo ‘interior’ – com os já referidos dirigentes como
Weaver e presidentes escolhidos como Cohen numa estrutura organizativa invertida
– não será a “Our Revolution”. Mas continuará a “ser” a deles.
O famoso personagem de William Shakespeare, Hamlet, criou a sua famosa frase:
“ser ou não ser, eis a questão”. Tomando de empréstimo esta frase, o que será o OR
agora que as suas estruturas estão a aparecer e já se estão a partir – isto é, uma
organização com fins progressistas louváveis mas com uma estratégia de reforma
pelo “interior” de um Partido Democrático irreformável, contrarrevolucionário,
controlado pelos monopólios e financiado pelos bilionários? Ou construir a sua
própria organização independente no ‘exterior’ do Partido Democrático e desafiá-lo
diretamente, em vez de tentar a mudança no ‘interior’?
Esta é a questão! Em resumo, o OR está a atravessar o seu momento “Hamlet”.
3
Ver nota 1. – [NT]
4
* Jack Rasmus é o autor de ‘Systemic Fragility in the Global Economy’, Clarity Press,
2015. O seu blog é jackrasmus.com. O seu website é www.kyklosproductions.com e a
conta do twitter é @drjackrasmus.
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