FOTOGRAFIA E NAZISMO Análise de duas fotografias do episódio Säuberung – Gabriela Raposo “Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas” Otto Busch A fotografia é uma linguagem universal. Pessoas de qualquer nacionalidade, falantes de qualquer língua, ao observarem uma fotografia terão uma interpretação sobre ela , facilitada pelo conhecimento do contexto social específico do momento e das formas particulares de construção das imagens.Na sociedade contemporânea a imagem adquire cada vez mais valor. Por isso a escolha da linguagem fotográfica no desenvolvimento deste trabalho. Como explicitado por Fairclough “Alguns textos modificam as atitudes, crenças ou as práticas das pessoas”. E o mesmo vale para fotografias. A análise de uma fotografia é algo bem mais complexo do que se supõe. Ao analisá-la temos uma junção entre o evento representado e as interpretações construídas sobre ele. Interpretações essas culturalmente construídas . No dia 10 de maio de 1933, por iniciativa das próprias forças estudantis nazistas entrou para a história o episódio conhecido como Säuberung, ou “depuração da cultura”. Por toda a Alemanha, auxiliados por tropas de choque da SA e da polícia local, jovens fanáticos invadiram casas e bibliotecas públicas e privadas em busca de livros considerados não-alemães, representantes do “intelectualismo judaico” e indignos de serem lidos. Os volumes recolhidos eram jogados em caminhões e levados até Berlim onde ocorreu a cerimônia pública de impacto na Praça da Ópera, local escolhido não por acaso e sim por ser o coração cultural da Alemanha. Os exemplares chegavam e eram passados de mão em mão por entre os soldados com a suástica no uniforme e estudantes fanáticos. Depois aumentavam a pilha em chamas que se formava na praça. Além de Berlim, essa cerimônia realizou-se em outras quarenta cidades alemãs. E isto era apenas uma mostra do que viria nos próximos anos em que Hitler colocaria em prática suas idéias. Albert Einstein, Stefan Zweig, Heinrich e Thomas Mann, Sigmund Freud, Erich Kästner, Erich Maria Remarque e Ricarda Huch foram algumas dos grandes nomes literários da Alemanha perseguidos na época. A foto acima retrata a força do momento em que os soldados nazistas e a população exaltam o acontecimento. Em volta da pilha de livros em chamas, todos parecem satisfeitos com a cena. A saudação nazista é executada com euforia. O primeiro plano da fotografia enfatiza a pilha de livros. Logo, a visão repousa sobre os rostos determinados da multidão que acompanha com olhares de consentimento e convicção, apreciando o macabro ritual. Na prática, as fogueiras fizeram pouca diferença mas o importante nesta situação foi o que elas significaram, uma violência contra as liberdades de pensamento e de expressão. Neste enquadramento, o espaço da ação é localizado, artifício usado para dramatizar a cena. O ângulo utilizado ressalta a grandeza, a força, o domínio. O fogo freqüentemente utilizado em rituais de purificação parece cumprir também neste caso esse papel. Há um certo ar de tragédia heróica e romântica na foto, um ar espetacular e magnificente. Nesta outra fotografia, temos o mesmo momento descrito anteriormente mas sob um ângulo diferente. Ainda há a pilha de livros em chamas e pessoas a observá-la. Porém há uma diferença no comportamento. Alguns soldados observam atentamente, outros estão cabisbaixos, outros desviam o olhar da cena. As bandeiras no lado esquerdo não estão em movimento. A idéia de passividade e desânimo é evidente. Talvez haja até a reprovação do ato, embora o silêncio na maioria das vezes expresse consentimento e não indignação. O enquadramento valoriza mais as pessoas do que a fogueira em si, no lado esquerdo. No caso da divulgação da ideologia nazista , muito provavelmente a primeira foto seria a escolhida. Mostra como os nazistas são ativos, firmes em suas atitudes e decisões. A segunda mostra insegurança, como se aquele acontecimento não fosse totalmente coerente. De acordo com Fairclough as práticas discursivas são investidas ideologicamente à medida que incorporam significações que contribuem para manter ou reestruturar relações de poder. As ideologias surgem nas sociedades caracterizadas por relações de dominação com base na classe, gênero cultural ou , no caso nazista, “raça”. Portanto, as fotos servem para legitimar ou contestar o regime nazista. A primeira certamente mostraria a população como o exército é vigoroso e sempre disposto a reagir contra os inimigos do regime, utilizando até mesmo de violência como poderia pressupor pela agressiva fogueira. Esta imagem poderia ser usada como propaganda para legitimar o regime e incentivar todos a queimarem suas obras proibidas. A segunda foto transmite insegurança, falta de convicção e até um certo desolamento tanto por parte dos soldados como pelo povo alemão. A incerteza nos rostos das pessoas que assistem a cerimônia poderia levar a incerteza da população sobre as resoluções do Führer. Bibliografia FAIRCLOUGH, Norman. Teoria Social do Discurso. In:______.Discurso e Mudança Social. Brasília: Universidade de Brasília, 2001. Cap. 3, p. 89 – 131. História por Voltaire Schilling. Disponível em: <http://educaterra.terra.com.br/voltaire/artigos/fogueiras2.html>. Acesso em : 11/12/05. Texto não-paginado. DW – World. DE. Deustche Welle. Disponível em: <http://www.dwworld.de/dw/article/0,2144,834005,00.html. Acesso em: 11/12/05. Texto não-paginado. Revista Morashá. Disponível em: <http//:www.morasha.com.br/conteudo/artigos/artigos_view.asp?a=235&p=2>. Acesso em:12/12/05. Texto não-paginado.