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Opióides de curta ação em infusão contínua
no transoperatório de cães e gatos: revisão
bibliográfica
Giordano Cabral Gianotti
Wanessa Krüger Beheregaray
Emerson Antonio Contesini
RESUMO
Existe consenso entre os médicos veterinários a respeito de os animais, assim como
os seres humanos, serem suscetíveis aos processos dolorosos e suas decorrências. Com
o advento de novos fármacos anestésicos e novas técnicas de administração de drogas,
tornou-se possível anestesiar um paciente de forma mais precisa e segura, com alta
eficácia e menos efeitos adversos. Nessas condições, realizar uma anestesia balanceada
vem se tornando uma prática comum que traz inúmeros benefícios para o paciente. O uso
de opióides de curta ação por infusão contínua no transoperatório de pacientes
anestesiados é um bom exemplo. Este trabalho, resultado de pesquisa bibliográfica, aborda novos conceitos sobre a administração de opióides no transoperatório de cães e gatos,
a partir dos quais se pode melhor prevenir processos dolorosos, além de se obter outras
vantagens para o procedimento cirúrgico, bem como visando à otimização das condições
de recuperação do paciente.
Palavras-chave: Analgesia. Opióides. Fentanil. Anestesia balanceada. Cães e gatos.
Short-action opioids by continuous infusion in the transoperative
of dogs and cats: Bibliography review
ABSTRACT
Nowadays there is already a consense among veterinary doctors that animals, just
as human beings, are highly susceptible to pain. With the incoming of new anesthetic
drugs and new drugs administration techniques, it’s possible to anesthetize a patient in
a more precise and safety way, with high efficacy and less side effects. Under these
conditions, to make a balanced anesthesia is becoming a common practice that brings
many benefits to the patient. The use of short action opioids by continuous infusion in
Giordano Cabral Gianotti é Médico Veterinário com Residência Médico-Veterinária em Anestesiologia no
Hospital de Clínicas Veterinárias (HCV) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 2008. É
Mestrando do PPGCV da UFRGS – Av. Bento Gonçalves, 9090, Bairro Agronomia, Porto Alegre, RS, Brasil.
CEP 91540-000. E-mail: [email protected]
Wanessa Krüger Beheregaray é Médica Veterinária Especialista em Acupuntura pelo CBES em 2008. É
Residente em Cirurgia do HCV da UFRGS – Av. Bento Gonçalves, 9090, Bairro Agronomia, Porto Alegre, RS,
Brasil. CEP 91540-000. E-mail: [email protected]
Emerson Antonio Contesini é Médico Veterinário Doutor pela Universidade Federal de Santa Maria, RS em
2003. É Professor Adjunto em Cirurgia Veterinária na UFRGS – Av. Bento Gonçalves, 9090, Bairro Agronomia,
Porto Alegre, RS, Brasil. CEP 91540-000. E-mail: [email protected]
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the transoperative of anesthetized patients is an example of this. This paper, a
bibliography review, brings news concepts about the opioids administration in the
transoperative of dogs and cats, and from them we can better prevent painful process,
beyond getting others advantages for surgical procedures and aiming an optimization of
the patient recovering.
Keywords: Analgesia. Opióides. Fentanyl. Balanced anesthesia. Dogs and cats.
INTRODUÇÃO
Segundo a Associação Internacional para o Estudo da Dor, dor é definida como
“uma experiência sensorial e/ou emocional desagradável, associada ou não ao dano
potencial dos tecidos” (OTERO, 2005). Essa definição, embora estabelecida para
pacientes humanos, hoje em dia é uniformemente aplicada também a animais submetidos
a estímulos nociceptivos ou dolorosos (HELLEBREKERS, 2002).
Já se sabe que quanto mais cedo se iniciar o tratamento do “sinal” dor e mais
seletiva for a terapia ministrada, maior será a eficiência e menores serão os efeitos
adversos que se instalarão como conseqüência dela. É possível afirmar ainda que
pacientes não-tratados adequadamente com analgésico, apresentam recuperação
retardada (FANTONI; MASTROCINQUE, 2004; OTERO, 2005).
Analgesia significa a diminuição ou abolição do estímulo doloroso nos
pacientes. Diversas drogas podem se utilizadas no controle da dor, porém um
grupo que se destaca nesse controle são os opiódes, empregados cada vez mais
em medicina veterinária (HALL; CLARKE, 1991). A escolha do método de analgesia
mais indicado para um animal considera as características do paciente, do fármaco
e, não menos importante, do próprio processo doloroso (FANTONI;
MASTROCINQUE, 2002).
A anestesia balanceada nada mais é que a administração simultânea de drogas
para reduzir a toxicidade das mesmas, com a combinação de efeitos, gerando no
paciente estados de analgesia, inconsciência, relaxamento muscular e diminuição
da atividade reflexógena (LUNA; TEIXEIRA, 2004). A analgesia nos procedimentos
anestésicos é obtida muitas vezes com o emprego de opióides (MORAES;
OLESKOVICZ, 2005). Com eles, pode-se manter o paciente estável
hemodinamicamente e minimizar o uso de anestésicos inalatórios (THOMASY et
al., 2006). Para isso é interessante iniciar o tratamento analgésico antes do estímulo
doloroso (HELLEBREKERS, 2002).
O uso da infusão contínua é pouco usado na medicina veterinária por falta de
informação sobre a técnica, somado ao excesso de cálculos necessários e à complexidade
e pouco conhecimento dos mecanismos de ação dos fármacos (MACCINTIRE;
TEIEND, 2004). Sua grande vantagem é a manutenção da droga em níveis plasmáticos
desejáveis e constantes, dentro da “janela terapêutica” sem causar as variações que
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levam às subdoses ou sobredoses, desencadeadoras dos efeitos tóxicos e indesejáveis
da droga (OTERO, 2005).
Esta revisão bibliográfica tem como objetivo descrever e aplicar o uso de opióides
de curta ação por infusão contínua em cães e gatos. Procura-se salientar e descrever
tópicos considerados importantes em tal procedimento, como o mecanismo do
processo doloroso e as técnicas de anestesia balanceada e analgesia. Por fim, são
relatadas as características dos opióides desde as suas vantagens até seus efeitos
colaterais.
FISIOPATOLOGIA DA DOR
Estudos demonstram que a dor pode acarretar danos para a saúde do animal.
Quando aguda, contribui para o aparecimento de complicações pós-cirúrgicas, como
distúrbios de comportamento e alterações cardiovasculares (SHAFFORD et al., 2001).
Animais com dor tendem a ficar estressados; sua recuperação se torna agitada, havendo
um aumento da morbidade e retardo na cicatrização (CRUZ; LUNA, 2000). A dor excede
a parte emocional. Implica efeitos como distúrbios hidroeletrolíticos, alterações nas
funções cardiovasculares e respiratórias, alteração de estado metabólico, retardo na
cicatrização e comportamento anormal (SHAFFORD et al., 2001).
O controle e a prevenção da dor é o fundamento da prática anestésica. É
essencial que o anestesista tenha um entendimento do processo fisiológico que
leva à percepção de como o paciente responde ao processo doloroso (THURMON
et al., 1996).
A nocicepção está relacionado com o reconhecimento de sinais, no sistema
nervoso (SN), que se originam em receptores sensoriais, nociceptores, e que fornecem
informações relacionadas ao dano tissular (HELLEBREKERS, 2002). São receptores
especializados de alto limiar, que se despolarizam, ativando-se na presença de um
estímulo nocivo e resultando na geração de impulsos através das fibras nervosas
aferentes A-delta (A-δ) e C. Essas fibras aferentes primárias nociceptivas suprem a
pele, os tecidos subcutâneos, o periósteo, as articulações, os músculos e as vísceras
(THURMON et al., 1996).
Os impulsos gerados pelos nociceptores são levados ao sistema nervoso
central pelas fibras A-δ e C, que formam o nervo aferente, cujo corpo celular se
encontra no gânglio da raiz dorsal da medula espinhal. Ele penetra na medula
espinhal através da raiz do nervo dorsal e termina nas células da substância cinzenta
do corno dorsal (THURMON et al., 1996). A sensibilização central é desencadeada
por impulsos provenientes das fibras C, que produzem potenciais lentos póssinápticos, liberando substâncias – como glutamato, neuroquinina A e substância
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P – na fenda sináptica, as quais se ligam aos receptores NK, AMPA e NMDA em
nível de medula espinhal, causando despolarização e ativando a via (FANTONI;
MASTROCINQUE, 2005).
As fibras aferentes nociceptivas predominantemente terminam no corno dorsal
da medula, comumente dividida em seis lâminas diferentes. A partir daí, as informações
são transmitidas por cinco vias principais até centros supra-espinhais. Assim, ocorre
a chegada da informação no SNC, para percepção e processamento, nas regiões do
tálamo, mesencéfalo, sistema límbico e formação reticular (PISERA, 2005).
Ainda existem as vias descendentes que modulam o processamento medular da
informação nociceptiva, permitindo que o animal continue a perceber outros estímulos
de forma independente (PISERA, 2005). Controlar o estado de hipersensibilidade dos
neurônios do corno dorsal da medula pela administração de analgésicos antes que o
estímulo doloroso se inicie é uma das formas mais importantes de se controlar a dor
(FANTONI; MASTROCINQUE, 2004). A freqüência e a intensidade da ação potencializa
a propagação ao longo da fibra ascendente, incrementando bastante o sinal ao SNC
(JONES, 2001). A analgesia pode ser conseguida pela interrupção do processo
nociceptivo em um ou mais pontos no caminho entre o nociceptor periférico e o córtex
cerebral (THURMON et al., 1996).
A nocicepção envolve quatro processos fisiológicos sujeitos a um controle
farmacológico. A transdução é a tradução da energia física, o estímulo nocivo, em
atividade elétrica no interior do nociceptor periférico. A transmissão, por sua vez, é a
propagação do impulso nervoso através do sistema nervoso (THURMON et al., 1996).
Então, a dor é apresentada em áreas corticais, córtex sensitivo, frontal e subcorticais,
proporcionando a interpretação completa do fenômeno doloroso e a ampla gama de
respostas envolvidas neste processo, resultando na percepção. A seguir, ocorre a
modulação da dor, porque o sistema nociceptivo passa a ter sua atividade modulada
pelo sistema supressor da dor. Este sistema é composto por elementos neuronais da
medula espinal, tronco encefálico, tálamo, estruturas subcorticais, córtex cerebral e
sistema nervoso periférico (BRASIL, 2001).
ANESTESIA BALANCEADA E ANALGESIA PREEMPTIVA
Anestesia balanceada é a administração concomitante de múltiplas drogas
anestésicas sem fazer com que uma única droga atinja dosagem suficiente para produzir
toxicidade (THOMASY et al., 2006). Com o surgimento de drogas de melhor perfil
farmacocinético e dinâmico, a prática da anestesia moderna pôde restabelecer o
balanceamento com o uso de drogas venosas combinadas para produzir hipnose,
amnésia e analgesia evitando ao mesmo tempo uma depressão cardiorespiratória e um
despertar rápido da anestesia (GAN; GLASS, 2001).
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Dentre as várias vantagens de se utilizar uma anestesia balanceada se destaca o
sinergismo entre fármacos como opióides, bloqueadores musculares, agentes hipnóticos
e tranqüilizantes. Ocorre uma potencialização dos efeitos farmacológicos, e uma melhor
atuação nos indivíduos sob anestesia, diminuindo o requerimento das drogas durante
a anestesia e reduzindo os efeitos indesejáveis nos pacientes (YOUNGS; SHAFER,
2001). Segundo Otero (2005), o uso de anestesias balanceadas, que priorizem a analgesia,
permite que se diminua a administração de anestésicos gerais, a principal fonte de
acidentes intra-operatórios.
De acordo com Ilkiw (1999), na prática veterinária, a anestesia geral, além das
razões humanitárias, é necessária para facilitar a intervenção cirúrgica e proteger o
cirurgião. Apresenta uma melhora da estabilidade do paciente durante o ato operatório,
assim como o acesso ao campo cirúrgico, redundando ao bem-estar do paciente
(PADDLEFORD, 1988). Tendo em vista isso, muitos anestesistas preferem o uso de
agentes venosos em razão dos seus efeitos específicos que não podem ser obtidos
com agentes voláteis, como, por exemplo, a analgesia e a supressão do estresse obtidas
com o uso de opióides (YOUNGS; SHAFER, 2001).
A incorporação de compostos com comprovados efeitos analgésicos ao protocolo
anestésico, desde a pré-medicação, é uma prática recomendada, pois beneficia o
tratamento da dor no pós-operatório (OTERO, 2005). O estímulo nocivo produzido
pela cirurgia induz uma variedade de respostas reflexas. A dor é a percepção consciente
desse estímulo nocivo. Se os pacientes receberem doses adequadas de opióides, para
a antinocicepção, e hipnóticos, para manter a inconsciência, é improvável que ocorra
oportunidade para a percepção do estímulo nocivo (CAMU et al., 2001). O primeiro
fator a ser decidido é o grau de depressão do SNC que se ocasionará, devendo-se
contemplar isoladamente cada caso. Quanto menor a depressão central maior deverá
ser a eficácia analgésica, levando-se em conta sempre a intensidade do estímulo realizado
(OTERO, 2005).
A possibilidade de se fornecer uma analgesia preventiva em pacientes cirúrgicos
é uma alternativa que deve ser explorada (OTERO, 2005). A analgesia preemptiva
constitui-se no tratamento precoce da dor, antes que ocorra a lesão tecidual, com
objetivo de diminuir o consumo de analgésico pelo paciente e reduzir a dor pósoperatória que produz efeitos sistêmicos indesejáveis e retarda a recuperação do
paciente (FANTONI; MASTROCINQUE, 2004). É importante destacar que a analgesia
preemptiva incorpora todas as fases do período perioperatório para fornecer conforto
ao paciente (SHAFFORD et al., 2001) e visa controlar a hipersensibilidade dos neurônios
do corno dorsal da medula espinhal, por estímulos nocivos prolongados (sensibilização
central), por meio da administração de analgésicos antes que o estímulo chegue e
sensibilize o SNC (FANTONI; MASTROCINQUE, 2004).
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INFUSÃO CONTÍNUA
A técnica de infusão contínua vem se destacando na anestesiologia.
Consiste em infundir uma droga no paciente sem que ocorram muitas variações
dela nos níveis plasmáticos, podendo-se constatar um menor número de efeitos
adversos e melhor recuperação. Basicamente, se fundamenta na dinâmica e cinética
dos fármacos, administrando uma dose bolus da droga para se obter a
concentração plasmática inicial ideal, para depois se iniciar uma infusão contínua
da droga, com doses bem mais baixas, mantendo-a dentro do limiar terapêutico
(ILKIW, 1999). A técnica de infusão contínua é usada para simplificar e incrementar
a precisão de administrar drogas por via intravenosa durante a anestesia geral
(HOYMORK, 2003).
Apesar dos avanços tecnológicos na maneira de administração de fluidos, com
uso de bombas de infusão, a técnica é evitada por médicos veterinários, porque
necessita muitos cálculos, aparelhagem específica e fármacos relativamente novos
(MACCINTIRE; TEIEND, 2004).
Drogas de ação rápida e meia-vida curta são ideais para serem usadas nessa
técnica que permite um estado de concentração da droga estável no organismo do
animal. Para manter constante a concentração da droga no plasma é importante levar
em conta as variáveis farmacocinéticas como a distribuição e a eliminação da droga no
organismo. Máquinas mais precisas e modernas desenvolvidas para a administração
de fármacos permitem cada vez mais uma mínima flutuação nas concentrações
plasmáticas da droga, resultando em maior efetividade desses fármacos, com menos
efeitos adversos (SCHRAAG, 2001).
Quando uma droga é administrada, gera uma concentração em certo intervalo de
tempo, determinando um efeito final. No caso de administração em bolus, ela gera
inicialmente uma dose acima da adequada em rápido intervalo de tempo; segue-se um
período em que ela decai rapidamente, momento no qual ela se mantém em concentrações
plasmáticas adequadas para, logo em seguida, declinar até alcançar concentrações
plasmáticas subclínicas. Quando a droga é administrada em infusão contínua, obtémse uma concentração plasmática constante, pois à medida que a droga está se
distribuindo no organismo e sendo metabolizada, nova oferta está sendo realizada,
mantendo-se, desta forma, a concentração plasmática estável, dentro de parâmetros
clínicos (NORA, 2002).
Bombas de infusão são equipamentos eletromédicos capazes de controlar o
fluxo de fluídos através de dispositivos, garantindo a infusão do volume desejado
no intervalo de tempo programado. São capazes de gerar, monitorar e controlar o
fluxo de um fluido a pressões superiores à sanguínea, sob pressão positiva gerada
pela bomba, ou seja, não depende da pressão gravitacional. Assim, trata-se de é
um equipamento confiável para assegurar maior precisão nos volumes infundidos
(CANELAS et al., 2003).
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Para se usar analgésicos no esquema de infusão contínua sempre é
interessante conhecer o perfil farmacocinético (o que o organismo faz com a
droga – eliminação, meia-vida, distribuição) e o perfil fármacodinâmico (o que a
droga faz no organismo - todo o seu efeito e níveis no organismo). Para se iniciar
um esquema de infusão deve-se esperar o efeito máximo obtido após a dose
bolus, mantendo, assim, constante a concentração do fármaco no sítio efetor
(YOUNGS; SHAFER, 2001).
As bases farmacocinéticas da infusão contínua é que se titule a concentração
plasmática do opióide acima da concentração efetiva analgésica mínima, mas abaixo da
concentração tóxica mínima, no chamado “corredor analgésico”. Embora esse seja um
conceito útil para explicar a infusão contínua, é importante lembrar que a curva doseresposta dos opióides não é linear e sim sigmoidal. Isso significa que uma vez o limiar
analgésico seja alcançado, pequenos aumentos na concentração plasmática resultarão
em analgesia eficaz. Aumentos adicionais levarão a efeitos adversos, em vez de melhorar
a analgesia. Pequenas diminuições podem levar rapidamente a doses subanalgésicas
(BRAUM; BRAUM, 2004).
Com as drogas de ação curta, ministradas em infusões venosas fixas, o controle
mais rígido dos efeitos clínicos pode ser mantido com maior grau de precisão, segurança
e previsibilidade, mas demora-se para atingir a concentração plasmática em nível ideal
cerca de 4 ou 5 meias-vidas do fármaco. Para compensar essa dificuldade se instituiu a
dose bolus, para se atingir a concentração plasmática ideal, para em seguida se instituir
o esquema de infusão fixo, para a manutenção dos níveis (CAMU et al., 2001). Fixar a
dose de opióide administrada em uma concentração analgésica no sítio efetor parece
lógico, mas a intensidade do estímulo nociceptivo-cirúrgico varia com o tempo. Por
isso torna-se interessante durante o procedimento cirúrgico ajustar as doses de
opióides infundidas conforme a necessidade do animal, até para que se evite sobredoses
(YOUNGS; SHAFER, 2001).
OPIÓIDES
Os opióides são fármacos com um alto potencial sedativo e analgésico atuando
no controle da dor aguda. Ligam-se reversivelmente a receptores específicos do SNC
e medula espinhal, tanto pré como pós-sinápticos, alterando a nocicepção e percepção
da dor (PADDLEFORD, 1988; FANTONI; MASTROCINQUE, 2002). Os opióides
mostram claras evidências de seu poder analgésico e promovem a prevenção da
sensibilização central e quando usados preventivamente diminuem as necessidades
de analgesia no pós-operatório (SANDKÜHLER; RUSCHEWEYH, 2005; ALLWEILER
et al., 2007).
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São os fármacos mais empregados como parte de uma técnica de anestesia
balanceada. A sua utilização transoperatória previne as respostas autonômicas ao
estímulo doloroso, suprimindo a dor, resultando então em melhor estabilidade
hemodinâmica, reduzindo a necessidade de outros fármacos e aumentando o conforto
pós-operatório (GREMIÃO, 2003; LARSON et al., 2007).
São substâncias que produzem efeitos de hipnoanalgesia, ou seja, suprimem
a dor e causam sedação. Aliviam a dor somática e visceral bloqueando os impulsos
nociceptivos sem interferir com a função sensorial e motora ou deprimindo o SNC.
Podem ser utilizados para controle da dor em diferentes situações (GÓRNIAK,
2002). Mimetizam a ação de peptídeos endógenos responsáveis pela modulação
de nociceptores ou reconhecimento sensação dolorosa (FANTONI;
MASTROCINQUE, 2002).
No organismo há pelo menos quatro tipos de receptores opióides com seus
subgrupos que produzem respostas distintas. Estes receptores são mu (μ), kapa (κ),
delta (δ) e sigma (σ), sendo os dois primeiros com maiores repercussões clínicas nos
cães (THURMON et al., 1996). Existem dois locais anatomicamente distintos para a
analgesia mediada pelos receptores opióides: supra-espinhal e espinhal. Quando a
droga é administrada sistemicamente a analgesia é obtida pela ação do fármaco nos
dois locais (BRASIL, 2001).
Os opióides podem ser divididos em quatro grupos: agonistas totais,
agonistas parciais, agonistas-antagonistas e antagonistas. Os agonistas ainda
são os mais indicados para dores moderadas a severas (GÓRNIAK, 2002). Os seus
efeitos adversos incluem depressão respiratória, náuseas e sedação, assim
anestesiologistas tentam restringir seu uso no transoperatório (BUTKOVIC et al.,
2007; LARSON et al., 2007).
OPIÓIDES DE CURTA AÇÃO NA ANESTESIA
Na prática anestésica os opióides de curta ação incluem o fentanil e seus análogos.
Pertencem à família das fenilpiperidinas, dominam como opióides de escolha para a
anestesia venosa, assim como para a maioria dos outros tipos de técnicas anestésicas
balanceadas (BAILEY; EGAN, 2001).
Os efeitos adversos, como a sedação, a depressão respiratória e os vômitos no
pós-operatório permanecem sendo limitações significativas para o seu uso clínico
(BAILEY; EGAN, 2001; BUTKOVIC et al., 2007).
Em geral, os opióides são administrados antes da indução da anestesia
balanceada, conduta que pode ser particularmente desejável em pacientes que
necessitarão de laringoscopia e entubação traqueal, atenuando os efeitos adversos da
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natureza estimuladora desses procedimentos (BAILEY; EGAN, 2001; ABOU-ARAB et
al., 2007).
Nas técnicas de anestesia balanceada em que agentes inalatórios potentes
também são empregados, concentrações relativamente baixas de componentes opióides
podem reduzir significativamente a concentração alveolar mínima (CAM) desses
agentes hipnóticos (BAILEY; EGAN, 2001; THOMASY et al., 2006).
A compreensão do funcionamento das drogas de curta ação, seus perfis
farmacocinéticos e farmacodinâmicos tem facilitado o manejo de procedimentos
anestésicos com estímulo doloroso. A infusão de opióides no transoperatório é
muito usado em técnicas de anestesia balanceada, tendo como vantagens a
redução do uso de anestésicos gerais, redução da dor no pós-operatório quando
associado à analgesia preemptiva e redução da resposta ao estresse (ALLWEILER
et al., 2007).
Fentanil
Os pulmões exercem significativo efeito de primeira passagem e uma captação de
75% de uma dose injetada de fentanil. Mais de 98% da dose injetada são eliminados do
plasma após uma hora. Os níveis cerebrais de fentanil correspondem aos níveis
plasmáticos após aproximadamente cinco minutos. Grandes variabilidades nas
concentrações plasmáticas ocorrem devido às ondas de fluxo sangüíneo muscular,
contribuindo para o aparecimento de picos secundários. Possui uma meia-vida de três
a cinco horas (STOELTING, 1999; BAILEY; EGAN, 2001). Seu metabolismo é
fundamentalmente hepático (OTERO, 2005).
A via para o fentanil deve ser a intravenosa. Seu curto período de latência e de
ação, somados à sua potência, tornam-no um agente de escolha para contribuir na
analgesia transoperatória, na anestesia balanceada (OTERO, 2005; BUTKOVIC et
al., 2007).
Em altas doses ou em sinergia com outros fármacos, transforma-se em um potente
depressor (STOELTING, 1999; OTERO, 2005). Fentanil é mais lipofílico que a morfina,
sendo então associado com menor sedação e depressão respiratória, apesar de possuir
potência analgésica, cerca de 75-125 vezes maior (ROUSSIER et al.,2006; BUTKOVIC
et al., 2007). Tem sua utilização no período transoperatório, pois reduz significativamente
a CAM dos anestésicos inalatórios (FANTONI; MASTROCINQUE, 2002; THOMASY
et al., 2006).
Possui latência de três minutos e ação de vinte a trinta minutos. Sua bradicardia
atinge cerca de 80% do valor basal. Não libera histamina, nem causa hipotensão
(FANTONI; MASTROCINQUE, 2002). Otero (2005) afirma que a pressão arterial média
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(PAM) mantém-se, proporcionando uma ótima perfusão tecidual. Com pequeno efeito
hipnótico, aumenta a pressão intra-ocular, causa rigidez muscular, depressão respiratória,
bradicardia e convulsões mioclônicas (STOELTING, 1999; SCHÖNELL et al., 2005).
A utilização de fentanil em pequenos bolus de 1 a 5 microgramas por quilograma
(mcg/kg) a cada 15 ou 20 minutos (min), ou uma dose bolus dentro desses parâmetros,
seguida de uma dose de infusão de 0,4 a 0,7mcg/kg/min, tanto para cães como para
gatos é uma alternativa (FANTONI; MASTROCINQUE, 2002).
Já Otero (2005) recomenda uma dose de 2 a 10mcg/kg, com 20 a 30 minutos de
ação quando em dose única, e infusão de 2 a 10mcg/kg/h. Doses maiores que 15mcg/
kg produzem apnéia, e acima de 25mcg/kg depressão cardiovascular, apnéia e rigidez
torácica. Em gatos, a dose de ataque é de 1 a 5mcg/kg, com dose de manutenção de 14mcg/kg/h, as doses de ataque sempre são diluídas (OTERO, 2005). Também, para
gatos se recomenda usar uma dose bolus de 5mcg/kg e manter os níveis plasmáticos
com uma dose de 0,4mcg/kg/min (ILKIW, 1999). A associação de propofol com uma
dose de 0,1mcg/kg/min de fentanil foi capaz de suprimir o estímulo nociceptivo em
felinos de maneira eficaz (MENDES; SELMI, 2003).
Em cães, uma dose inicial de fentanil de 2 a 5 mcg, seguido de uma infusão de 5
a 10mcg/kg/h reduz a CAM dos anestésicos inalatórios em 20 a 30%, como foi descrito
por Otero (2005). Em outra situação, ocorreu uma redução da CAM de isoflurano em
42% com a administração de 30mcg/kg de fentanil por 20 minutos e uma taxa de infusão,
após esse período de 0,2mcg/kg/min, mostrando que esse protocolo é bem eficaz
(GREMIÃO, 2003).
Deve-se sempre realizar a monitoração intensa do paciente no pós-operatório
imediato quando administrado por longos períodos, pois pode apresentar um efeito
residual e com isso depressão respiratória (STOELTING, 1999; FANTONI;
MASTROCINQUE, 2002). Já a analgesia residual produzidas pelas doses
precedentes de fentanil pode ser adequada. Dependendo, no entanto, da
intensidade do estímulo cirúrgico e do grau de dor no pós-operatório imediato
(BAILEY; EGAN, 2001).
Outro ponto importante a se ressaltar é que em procedimentos prolongados, os
requerimentos dessas substâncias diminuem conforme o tempo, resultando em acúmulo
do fármaco caso não se ajuste a dose. Em procedimentos ao redor de 40 a 90 minutos,
geralmente não se observa acúmulo (OTERO, 2005).
Alfentanil
Tem importante retenção pulmonar, mas pequeno volume de distribuição e de
acúmulo tecidual. É lipossolúvel, mas não tanto quanto o fentanil. Com acúmulo baixo
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no tecido cerebral, tem a ação rápida e curta. No pH fisiológico está quase 90% na
forma não-ionizada, explicando a penetração nos tecidos cerebrais. Cerca de 90% se
ligam às proteínas plasmáticas. Depende muito do metabolismo hepático (STOELTING,
1999; BAILEY; EGAN, 2001).
O alfentanil é um agonista μ puro que possui ¼ da potência do fentanil e um
período de ação 2/3 mais curto (dez a quinze minutos). Na anestesia balanceada permite
diminuir de forma considerável a dose dos anestésicos gerais. Normalmente, esse
fármaco encontra-se pouco ionizado no plasma e tem período de latência e de ação
curtos, tornando-o ideal para se utilizar em infusão contínua para se manter o efeito
terapêutico de forma prolongada (OTERO, 2005). Possui rápida penetração cerebral,
mas sem estocagem nos sítios ativos, resultando em imediato início de ação, porém
com pouca duração da atividade no SNC. A recuperação é acelerada (20 a 30 minutos)
após interrupção da administração (SCHÖNELL et al., 2005).
Principalmente metabolizado no fígado, sua meia-vida de metabolização varia de
0,4 a 2 horas dependendo da espécie. Diferentemente do fentanil, essa droga possui
escassa redistribuição podendo ser infundido com mais segurança durante longos
intervalos de tempo sem que se observe acumulação. É considerado um composto de
eleição para protocolo em pacientes descompensados ou com evidente
comprometimento do estado geral, no que diz respeito à estabilidade hemodinâmica.
Sempre se deve titular o alfentanil conforme o efeito desejado (OTERO, 2005).
É mais empregado em infusão contínua durante o transoperatória na anestesia
geral, ou como indutor em procedimentos de curta duração. Como analgésico, de
forma isolada, ainda é muito pouco usado na medicina veterinária. Tem a capacidade
de provocar bradicardia acentuada, mesmo quando aplicado lentamente, na ordem de
43%, um minuto após sua administração, bem como hipotensão (FANTONI;
MASTROCINQUE, 2002). O pico de ação do alfentanil ocorre dentro de 1 a 2 minutos
após a administração. Como o alfentanil penetra no cérebro rapidamente, o equilíbrio
da droga entre o plasma e o SNC ocorre rapidamente, tendo que se instalar infusões de
manutenção rapidamente, caso contrário os níveis plasmáticos serão subterapêuticos
(STOELTING, 1999; BAILEY; EGAN, 2001).
A dose de ataque recomendada para utilização em cães fica entre 15 a 30mcg/kg
(nessa dose a droga age por 15 minutos) e a manutenção da infusão em uma dose de 3
a 8mcg/kg/min (OTERO, 2005).
A indução anestésica com alfentanil e propofol pode produzir anestesia completa,
seguida por infusões dos mesmos. O término da infusão de alfentanil de10 a 30 minutos
do final da cirurgia permite que haja tempo suficiente para os níveis plasmáticos
decrescerem 50% (BAILEY; EGAN, 2001).
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183
Sufentanil
Após uma injeção de sufentanil, apenas 20% ficam na forma não-ionizada. Os
pulmões exercem importância significativa no efeito de primeira passagem. É duas
vezes mais lipossolúvel que o fentanil e se liga em 93% a proteínas plasmáticas.
Tem alto quociente de extração hepática; portanto, mudanças no fluxo sanguíneo
hepático podem alterar significativamente sua eliminação. Existe extensa reabsorção
tubular, logo, pouca eliminação pela urina. Possui maior afinidade por receptores ì
se comparado ao fentanil, mas, em contrapartida, o seu alto grau de ligação às
proteínas plasmáticas e volume de distribuição mais baixo explicam o seu rápido
efeito e eliminação quando comparados. Após longas infusões de sufentanil, seus
efeitos podem se dissipar tão rapidamente quanto infusões de alfentanil
(STOELTING, 1999; BAILEY; EGAN, 2001).
O sufentanil é outro agonista μ puro, dez vezes mais potente que o fentanil, com
a metade do tempo de ação do fentanil. Como nos outros agentes, sua via é a
intravenosa, em bolus ou em infusão contínua. Apresenta também ações similares nos
aparelhos cardiovascular e respiratório (STOELTING, 1999; OTERO, 2005).
O sufentanil tem duração de ação inferior àquela apresentada pelo fentanil,
entretanto sua potência é cerca de 100 vezes maior que a da morfina. Assim, como
o fentanil e o alfentanil, o sufentanil promove bradicardia que, porém, não é
acompanhada de hipotensão. Apresenta acentuado efeito hipnótico com rápido
início de ação, tendo duração de ação menor que o fentanil e alfentanil.
Apresentando elevada depuração hepática, possui efeitos colaterais semelhantes
aos causados pelo fentanil no pós-operatório, como sonolência e prurido
(SCHÖNELL et al., 2005). A sua bradicardia basal gira em torno de 37%. O sufentanil
produz mínimas alterações hemodinâmicas, mas é um potente depressor respiratório
e reduz significativamente a CAM do isoflurano em cerca de 0,5 a 1,0% em cães
anestesiados (GAN; GLASS, 2001; POLIS, 2004).
A recomendação de sufentanil é 0,75 a 2 mcg/kg bolus ou dose de ataque (ação
em 10 a 15 minutos) com manutenção analgésica em infusão contínua de 1mcg/kg/h em
cães. Em gatos a dose bolus é 0,5 a 1mcg/kg/min, com ação de 10 a 15 minutos, e uma
dose de infusão de 0,25 a 0,75 mcg/kg/h (OTERO, 2005).
A associação propofol e sufentanil, na dose de 0,01mcg/kg/min, se mostrou
bastante eficaz para suprimir o estímulo nociceptivo na anestesia geral de gatos
(MENDES; SELMI, 2003). A utilização da droga na razão de 0,5 a 1,0 mcg/kg/h com a
infusão iniciada 15 minutos antes da indução e entubação. Com esse protocolo, obtémse uma diminuição da CAM de 3,5 para 2% com o Sevoflurano e de 1,7 para 1,1% com
o isoflurano. Deve-se recomendar nesses casos, com a baixa necessidade de anestésicos
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gerais, a incorporação de relaxantes musculares para melhorar o acesso ao campo
operatório (OTERO, 2005).
A dose de ataque deve ser administrada 3 a 4 minutos antes do estímulo doloroso
ou entubação traqueal (SCHÖNELL et al., 2005). Na maioria dos procedimentos com 1
a 2 horas de duração, 10 a 30 minutos é usualmente necessário para as concentrações
plasmáticas do sufentanil cair a níveis que permitam a ventilação adequada e o despertar
da anestesia. Assim como no fentanil, existe algum poder de analgesia residual (BAILEY;
EGAN, 2001).
Remifentanil
Possui, dentre esses fármacos, perfil fármaco cinético único. É um fármaco
submetido à hidrólise extra-hepática por colinesterases no sangue e nos tecidos
(ALLWEILER et al., 2007). Possui um clearance extremamente alto, portanto
responsável pelo término do efeito da droga em curto espaço de tempo. Possui
redistribuição extravascular, semelhante à do alfentanil (STOELTING, 1999; BAILEY;
EGAN, 2001).
É um agente de ação ultracurta e tempo de meia-vida contexto-sensitiva de
aproximadamente 3 minutos. Após a administração em bolus, ocorre uma completa
recuperação do paciente em 5 a 10 minutos, pois não depende de metabolização renal
ou hepática. Não acumula no organismo, sem retardar assim o tempo de recuperação.
Sua ação é dose dependente. Causa depressão respiratória, sendo necessária a
ventilação mecânica. Diminui a freqüência cardíaca e a pressão arterial quando usado
com outros agentes anestésicos (ALLWEILER et al., 2007).
Mais recentemente, o remifentanil vem trazendo novas perspectivas para o
desenvolvimento de infusões contínuas e anestesia total endovenosa, pelo rápido
início de ação e término de ação (FANTONI; MASTROCINQUE, 2002). É o mais novo
dos agonistas μ seletivos. A escassa redistribuição do fármaco a tecidos periféricos,
bem como sua rápida depuração, permitem manter a infusão por longos períodos sem
acumulação (OTERO, 2005). É metabolizado nas hemácias, formando metabólitos com
atividade muito fraca com eliminação renal, sendo ideal para infusão contínua
(SCHÖNELL et al., 2005).
Os pulmões não têm importância na depuração ou seqüestro da droga. Bradicardia,
sedação, depressão respiratória e vômito são descritos (SCHÖNELL et al., 2005). Nos
seres humanos causa apnéia e rigidez muscular se administrado rapidamente por via
endovenosa (FANTONI; MASTROCINQUE, 2002).
Vale ressaltar que uma vez finalizada a infusão acaba o efeito da substância,
com a rápida recuperação do paciente e sem analgesia. Deve-se então, dependendo
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do procedimento, garantir um tratamento analgésico de suporte antes do despertar
(OTERO, 2005).
A recomendação é que se utilize uma dose bolus de 0,5mcg/kg, logo após a
indução anestésica, seguida por uma infusão de 0,25mcg/kg/min para a manutenção
anestésica em cães (OTERO, 2005). Outra alternativa é infundir o fármaco na dose de
infusão é 0,05 a 2mcg/kg/min, com doses adicionais de 1mcg/kg, quando necessário
suplementação, sem diferenciar doses entre cães e gatos (FANTONI;
MASTROCINQUE, 2002).
A analgesia de resgate 20 minutos antes de finalizar o procedimento cirúrgico
utilizando opióides e/ou antiinflamatórios não esteróides é importante (OTERO, 2005).
EFEITOS COLATERAIS E SEUS TRATAMENTOS
A depressão respiratória excessiva, rigidez muscular, bradiarritmias e vômitos
são os efeitos colaterais mais comuns. Como a depressão respiratória é corriqueira,
o paciente já deve ter a via aérea estabelecida e a ventilação controlada (BAILEY;
EGAN, 2001). A oximetria de pulso é um ótimo método para medir a oxigenação
(GAN; GLASS, 2001).
No caso de rigidez muscular, podem-se administrar fármacos como
benzodiazepínicos e bloqueadores neuromusculares não-despolarizantes. No caso da
bradiarritmia e dos vômitos desencadeados pelos fármacos, torna-se interessante o
uso de drogas com atividade anticolinérgicas, preemptivamente, como a atropina (GAN;
GLASS, 2001). Otero (2005) recomenda doses preventivas para bradicardias de 0,01 a
0,044 miligramas (mg) por quilograma. Não há recomendação para sua utilização em
infusão contínua.
Por fim, pode-se utilizar o antagonista opióide ou um antagonista-agonista para
reversão dos efeitos, no caso naloxona e nalbufina, respectivamente (GAN; GLASS,
2001). Essas drogas se fixam competitivamente em alguns ou em todos receptores
opióides, tomando o lugar do agonista puro (LASCELLES, 2002).
Ocorre a reversão da depressão respiratória desencadeada por fármacos como o
fentanil, assim como emese e rigidez muscular. Deve-se tomar cuidado com a dor dos
pacientes nesse tipo de recuperação, pois ela pode desencadear efeitos sistêmicos
indesejáveis como aumento da PAM e da freqüência cardíaca e demanda de oxigênio,
pela rápida respiração (CAMU et al., 2001).
A nalbufina é considerada antagonista μ, agonista δ e antagonista parcial de
κ, tendo, portanto, atividade mista (LASCELLES, 2002). É recomendada sua
utilização em processos dolorosos de origem visceral, caso em que se pode
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administrar por via subcutânea, para evitar competição com opióides endógenos.
É um fármaco que causa muita dor ao ser injetado (OTERO, 2005). A nalbufina
torna-se interessante porque o paciente não perde completamente a analgesia a
que está submetido (LASCELLES, 2002). As doses recomendadas para cães de 0,5
a 1mg/kg, com efeito de 4 a 6 horas, e para gatos de 0,5 a 3mg/kg, com efeitos de 2
a 4 horas (OTERO, 2005).
Naloxona é o antagonista puro, que atua em todos os receptores opióides. Pode
causar estimulação simpática e efeitos adversos, como taquicardia, hipertensão, edema
pulmonar e diferentes arritmias cardíacas, podendo desencadear também vômitos e
náuseas (OTERO, 2005).
A naloxona tem ação rápida, cerca de um a 2 minutos, e duração de efeito de
30 a 60 minutos (CAMU et al., 2001). Pode ser administrada pela via subcutânea,
intramuscular ou intravenosa, se lenta, nas doses de 0,04 a 1mg/kg, segundo os
sinais clínicos, para cães e gatos, até estar assegurada a não-renarcotização
(OTERO, 2005).
Não se pode precisar a duração dos opióides no organismo de cada indivíduo,
mas existe uma boa idéia de quanto tempo seu efeito irá durar. Após o término do
procedimento é fundamental a constante monitoração dos pacientes, principalmente
no que se diz respeito ao efeito residual desses fármacos, que podem produzir intensa
depressão respiratória. No caso do remifentanil, esse tipo de efeito é pouco comum,
mas deve-se levar em conta que seus efeitos analgésicos são rapidamente perdidos, e
que, logo após o término da anestesia, se deve imediatamente instituir uma terapia
analgésica para o pós-operatório evitando, desse modo, um despertar desagradável
no paciente (CAMU et al., 2001).
CONCLUSÃO
É cada vez maior a preocupação da sociedade com o que diz respeito ao bemestar animal. Conseqüentemente, o profissional da área médica veterinária passa a ter
um papel significativo nesse contexto. A anestesiologia é indiscutivelmente uma das
áreas que tem se desenvolvido e se destacado dentro da medicina veterinária. Isso
ocorre porque há uma demanda cada vez maior de profissionais capacitados para tratar
animais mediante procedimentos cirúrgicos, prática que no passado não eram sequer
cogitados. Isso acontece não somente devido ao desenvolvimento da medicina
veterinária, da tecnociência e dos procedimentos modernos dos criadores profissionais,
mas também porque hoje os animais de estimação fazem parte de quase todos os lares,
e seus proprietários são bons cuidadores. E este é um campo de atuação médica
veterinária que se expandiu.
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Nessas condições, cabe ao médico veterinário anestesiologista fazer uso das
melhores técnicas e dos fármacos mais adequados a cada situação. Com o exposto
supra, procurou-se mostrar que administrar fármacos usando técnicas de infusão
contínua traz inúmeros benefícios ao paciente, bem como permite a manipulação dessas
drogas de maneira mais fácil e precisa. Registro especial deve ser feito à importância de
se oferecer analgesia para pacientes nos momentos certos e em dosagens adequadas,
pois isso trará qualidade ao trabalho anestésico, garantido o sucesso do procedimento
e trazendo bem-estar ao animal.
O uso de opióides de curta-ação tem inúmeras vantagens, quando associados
a uma técnica de infusão, por trazer uma melhor precisão com relação aos níveis
plasmáticos da droga, oferecer a possibilidade de suspender a medicação quando
for necessário e menos efeitos adversos que os opióides de uso corriqueiro na
clínica.
Assim, pretendeu-se demonstrar que essa técnica relativamente nova apresenta
inúmeras vantagens e pode surgir como uma boa alternativa para o crescimento da
medicina veterinária bem como para os profissionais da área.
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