TEXTO BASE Nº 3 Conceitos básicos de Vigilância Epidemiológica e Investigação de surtos Vigilância em Saúde Segundo a Portaria nº 1378, de 09 de julho de 2013, a Vigilância em Saúde constitui um processo contínuo e sistemático de coleta, consolidação, análise e disseminação de dados sobre eventos relacionados à saúde, visando o planejamento e a implementação de medidas de saúde pública para a proteção da saúde da população, a prevenção e controle de riscos, agravos e doenças, bem como para a promoção da saúde. A portaria citada anteriormente regulamenta as responsabilidades e define as diretrizes para execução e financiamento das ações de Vigilância em Saúde no Brasil e pode ser acessada no seguinte endereço: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt1378_09_07_2013.html Vigilância Epidemiológica A vigilância epidemiológica é um dos componentes da vigilância em saúde é definida como a vigilância e controle das doenças transmissíveis, não transmissíveis e agravos. Constitui-se de um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes da saúde individual e coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças e agravos. Objetivos da vigilância epidemiológica • Acompanhar o comportamento epidemiológico das doenças sob vigilância • Detectar surtos e epidemias • Propiciar a adoção oportuna de medidas de controle • Aprofundar o conhecimento sobre as doenças • Avaliar as medidas, programas, intervenções de prevenção, controle e erradicação/ eliminação. Funções/etapas da vigilância epidemiológica a) Detecção de casos b) Coleta de dados c) Investigação epidemiológica d) Processamento, análise e interpretação de dados f) Recomendação e adoção de medidas de controle apropriadas g) Avaliação da eficácia e efetividade das medidas adotadas h) Retroalimentação e divulgação de informações Coleta e processamento de dados Ocorrem em todos os níveis de atuação do sistema de saúde. A força e o valor da informação (dado trabalhado) dependem da qualidade e fidedignidade com que os dados são coletados e gerados, bem como da sua representatividade em relação ao problema existente. O sistema de vigilância epidemiológica trabalha com diversos tipos de dados. Sua base é a notificação de casos suspeitos e/ou confirmados de doenças - objetos da notificação compulsória - e dados de mortalidade ou morbidade oriundos de outras fontes. Notificação compulsória Consiste na comunicação obrigatória à autoridade sanitária da ocorrência de determinado evento, doença ou agravo à saúde ou surto, realizada por profissional de saúde, serviço de saúde ou qualquer cidadão, e marca o início de uma investigação que busca encontrar evidências locais para adoção das medidas de intervenção pertinentes. Na Lei Federal nº 6.259, de 30 de outubro de 1975, que cria o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica, destaca-se o seguinte artigo: “Art. 8º – É dever de todo cidadão comunicar à autoridade sanitária local a ocorrência de fato, comprovado ou presumível, de caso de doença transmissível, sendo obrigatória a médicos e outros profissionais de saúde, no exercício da profissão, bem como aos responsáveis por organizações e estabelecimentos públicos e particulares de saúde e ensino, a notificação de casos suspeitos ou confirmados de doenças e agravos.“ Critérios para seleção de doenças e agravos prioritários à vigilância epidemiológica a) Magnitude: Refere-se ao número de casos e óbitos de uma doença ou evento. Traduz-se pela incidência, prevalência, mortalidade e anos potenciais de vida perdidos. b) Potencial de disseminação: Expressa-se pela transmissibilidade da doença, possibilidade da sua disseminação por vetores e demais formas de transmissão, colocando sob risco outros indivíduos ou coletividades. c) Transcendência: Definida como um conjunto de características apresentadas por doenças e agravos, de acordo com a sua especificidade clínica e epidemiológica, destacando-se a severidade, a relevância social e a relevância econômica. d) Vulnerabilidade: Disponibilidade de instrumentos específicos de prevenção e controle, que permitem a atuação concreta e efetiva dos serviços de saúde sobre indivíduos ou coletividades. Além desses quatro critérios, ainda podem ser relacionados: - Compromissos internacionais: Relacionam-se a acordos firmados entre países membros da Organização Mundial da Saúde (OMS), que visam à adoção de esforços conjuntos para o alcance de metas continentais, ou até mesmo mundiais de controle, eliminação ou erradicação de algumas doenças. Ex.: Sarampo. - Regulamento sanitário internacional: As doenças que estão definidas como de notificação compulsória internacional são incluídas, obrigatoriamente, nas listas de todos os países membros da OMS. Ex.: Cólera, Peste e Febre amarela, entre outros eventos. - Epidemias, surtos e agravos inusitados: Todas as suspeitas de epidemias ou de ocorrência de agravo inusitado devem ser investigadas e imediatamente notificadas aos níveis hierárquicos superiores, pelo meio mais rápido de comunicação disponível. Mecanismos próprios de notificação devem ser instituídos, definidos de acordo com a apresentação clínica e epidemiológica do evento. A listagem das doenças de notificação compulsória em nível nacional é estabelecida, pelo Ministério da Saúde, de acordo com os critérios citados anteriormente e é atualizada sempre que a situação epidemiológica exigir. A listagem Nacional é obrigatória em todos os níveis, porém os Estados e Municípios podem adicionar à lista outras patologias de interesse regional ou local, desde que justificada a sua necessidade e os mecanismos operacionais definidos. A atual lista de doenças, agravos e eventos de saúde pública de notificação compulsória do território nacional está contida na Portaria n° 204, de 17 de fevereiro de 2016. Além disso, esta norma define as terminologias adotadas em legislação nacional, conforme o disposto no Regulamento Sanitário Internacional 2005 (RSI 2005) e estabelece fluxos, critérios, responsabilidades e atribuições aos profissionais e serviços de saúde. Definição de caso Os casos podem ser classificados como: a) Caso suspeito: Indivíduo cuja história clínica e epidemiológica, sintomas e possível exposição a uma fonte de infecção/contaminação sugerem estar desenvolvendo ou em vias de desenvolver alguma doença. b) Caso confirmado: Indivíduo de quem foi isolado e identificado o agente etiológico ou de quem foram obtidas outras evidências epidemiológicas ou laboratoriais da presença do agente etiológico. A confirmação do caso está condicionada a critérios estabelecidos pelo sistema de vigilância. c) Caso descartado: Pessoa que não preenche os critérios de confirmação e compatibilidade ou para a qual é diagnosticada outra patologia que não aquela que se está investigando. Uma definição de caso para um sistema de vigilância deve ser clara e padronizada de maneira a ser utilizada para variadas condições e por diferentes pessoas. É ideal quando sensível o suficiente para não perder qualquer ocorrência e específica o bastante para não permitir que casos falso-positivos permaneçam no sistema. Estratégias utilizadas para detecção de casos • Vigilância passiva: Cada nível de saúde envia informação de forma rotineira e periódica sobre os eventos sujeitos à vigilância ao nível imediatamente superior. • Vigilância ativa: Busca intencional de casos do evento sujeito à vigilância. • Vigilância sindrômica: Vigilância de um grupo de doenças que apresentam sinais, sintomas e fisiopatologia comuns a etiologias diversas. Essa estratégia apresenta definições de casos simples e de fácil notificação, possibilita a captura de grande volume de dados e facilita a análise e redução da sobrecarga dos serviços de saúde. Ex.: Síndrome do corrimento uretral masculino, Síndrome diarreica aguda, Síndrome febril icterohemorrágica aguda, Síndrome respiratória aguda grave, Síndrome neurológica aguda, entre outras. • Vigilância sentinela: Seleção de um ou mais estabelecimentos de saúde onde se concentram os esforços para a obtenção das informações epidemiológicas desejadas. É uma estratégia indicada para situações que exigem preocupação especial ou para complementar o sistema rotineiro de informações. A fonte sentinela pode ser também constituída de um grupo de profissionais de saúde no lugar de estabelecimentos. • Vigilância epidemiológica em âmbito hospitalar: Serviço que tem como principal objetivo realizar ações de vigilância epidemiológica no ambiente hospitalar. Desenvolve um conjunto de ações que visam à detecção de casos de agravos suspeitos ou confirmados de Doença de Notificação Compulsória (DNC) atendidos no hospital, utilizando, para isso, normas e rotinas do sistema de vigilância epidemiológica. A Portaria n° 2254 de 05 de agosto de 2010 regulamenta a vigilância hospitalar no país. • Farmacovigilância: Coleta sistemática de informação com o objetivo de identificar e avaliar os efeitos do uso agudo ou crônico dos tratamentos farmacológicos no conjunto da população ou em subgrupos de pacientes expostos a determinados tratamentos. Essa estratégia tem como proposta a identificação dos efeitos indesejáveis não descritos anteriormente, quantificar o risco desses efeitos e providenciar para que sejam evitados. • Hemovigilância: É um sistema de avaliação e alerta, organizado com o objetivo de recolher e avaliar informações sobre os efeitos indesejáveis e/ou inesperados da utilização de hemocomponentes como forma de prevenir seu aparecimento ou recorrência. Nesse sentido, todos os efeitos indesejáveis e/ou inesperados e reações adversas, sejam agudos, imediatos ou tardios, estão sob a denominação de incidentes transfusionais. Os participantes da hemovigilância são todos os serviços de hemoterapia que realizam procedimentos integrantes do processo do ciclo de sangue. Estes deverão se organizar para que tenham controle informatizado do processo do ciclo do sangue, da distribuição e da utilização da bolsa de sangue. Fontes de dados utilizados pela vigilância epidemiológica São utilizados diversos tipos de dados, provenientes de diferentes fontes. a) Dados demográficos, ambientais e socioeconômicos: Permitem quantificar a população e suas características. São eles: número de habitantes, faixa etária, área de residência, condições de saneamento, fatores climáticos, ecológicos, habitacionais e culturais. Esses dados podem ser obtidos a partir dos dados censitários, dados do Sistema de Nascidos Vivos (SINASC), de estimativas por amostragem e outros. b) Dados de morbidade: Permitem descrever os agravos, identificar suas causas, tendências e comportamento por meio de diversas caracteristicas como: idade, gênero, profissão, entre outros. São obtidos por meio de formulários próprios, como os de notificação de doenças, além de outros provenientes dos serviços de saúde de todos os níveis de complexidade, de laboratórios, de escolas e de outras instituições. Podem ser obtidos pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), Sistema de Informação Hospitalar (SIH), Sistema de Informação em Saúde da Atenção Básica (SISAB), Sistema de Acompanhamento do Programa de Humanização no PréNatal e Nascimento (SISPRENATAL), Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL), Inquéritos e levantamentos especiais. c) Dados de mortalidade: São dados obtidos nas declarações de óbitos, permitindo o estudo das causas de morte, da avaliação do risco de morrer por determinadas causas e da expectativa de vida. O Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) constitui a fonte privilegiada desses dados. Os dados de mortalidade também podem ser obtidos por intermédio de investigações epidemiológicas das doenças de notificação, em estatísticas hospitalares (SIH/SUS) e por inquéritos especiais. d) Dados de ações de controle de doenças e de serviços de saúde: São dados obtidos na operacionalização e execução de medidas de controle, incluindo, por exemplo, número de doses de vacinas aplicadas e cobertura vacinal (Programa Nacional de Imunização - PNI), Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (SISAGUA), o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e outros. Esses dados são provenientes dos serviços de saúde e de orgãos que fornecem informações de interesse para a vigilância epidemiológica. e) Dados de laboratório: Os laboratórios constituem recursos valiosos para detectar doenças de notificação por serem locais de confirmação diagnóstica. Várias doenças que não foram detectadas pelo sistema formal de notificação podem ser identificadas mediante o recebimento de amostras e da notificação de resultados laboratoriais. f) Dados de uso de produtos biológicos, farmacológicos e químicos: A coleta de dados sobre o uso de certos produtos, como medicamentos, vacinas, soros, agrotóxicos, podem complementar informações rotineiras sobre a morbidade. g) Rumores vindos da comunidade, notícias de jornais e outros meios de comunicação: Os jornais, a televisão, o rádio ou as pessoas da comunidade muitas vezes são os primeiros a tomarem conhecimento e alertar as autoridades sanitárias sobre a possível ocorrência de casos e epidemias. Essas notícias devem ser levadas em consideração pelos profissionais de saúde e quando investigadas são valiosas para identificação de doenças. h) Os dados obtidos regularmente podem não ser suficientes para gerar as informações necessárias a compreensão do processo epidemiológico e implantação de estratégias de intervenção. Nestes casos, há a necessidade de se lançar mão de estudos e pesquisas epidemiológicas adicionais, especialmente elaboradas com o objetivo de fornecer informações complementares. Sistema de Informação A informação é um componente fundamental para o sistema de vigilância epidemiológica. O seu uso possibilita o desencadeamento das ações de investigação dos casos suspeitos, de medidas de controle, análise, avaliação, planejamento, bem como da sua divulgação. A principal fonte de informação na vigilância das doenças e agravos são os sistemas de informação, sendo o Sistema de Informação de Agravo de Notificação (Sinan) o sistema oficial de agravos de notificação compulsória. Além do Sinan outros sistemas são utilizados, como o Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) e o Sistema de Informações Hospitalares dos SUS (SIH/SUS). Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) Sistema de informação eletrônico, desenvolvido entre 1990 e 1993 para melhorar a qualidade do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica. O SINAN tem como objetivos coletar, transmitir e disseminar dados gerados na rotina do sistema de vigilância epidemiológica das três esferas de governo, fornecer informações para análise do perfil da morbidade e, consequentemente, facilitar a formulação e avaliação das políticas, planos e programas de saúde, subsidiando o processo de tomada de decisões. O sistema é alimentado, principalmente, pela notificação e investigação de casos de doenças e agravos que constam da lista nacional de DNC. A entrada de dados no SINAN é feita mediante a utilização de alguns formulários padronizados: • Ficha Individual de Notificação (FIN): É um instrumento de notificação das DNC que deve ser preenchido para todo caso suspeito/confirmado de doença sob vigilância epidemiológica. Também é utilizada para notificação negativa. A FIN é composta de dados gerais, dados do caso (paciente) e dados de residência. • Ficha Individual de Investigação (FII): Trata-se de um instrumento para o registro dos dados da investigação distinto para cada tipo de agravo. Os dados registrados na ficha permitem a análise de cada caso suspeito, subsidiando o raciocínio epidemiológico do profissional envolvido na investigação epidemiológica. A ficha deve ser utilizada pelos serviços municipais de vigilância epidemiológica ou unidades referendadas para realização da investigação epidemiológica. Na estrutura básica das fichas estão contidos itens como antecedentes epidemiológicos, dados clínicos, dados de atendimentos, dados de laboratório, tratamento, evolução e conclusão. • Planilha e boletim de acompanhamento de surtos: Instrumentos utilizados para o registro de investigação de surtos. Devem ser preenchidos quando da ocorrência de um surto, seja de DNC ou outros agravos. Fluxo de Informações O Sistema de Informação deve ser operado a partir das unidades de saúde, considerando o objetivo de coletar e processar dados sobre agravos de notificação em todo o território nacional, desde o nível local. Ainda que o Município não disponha de microcomputadores em suas unidades, os instrumentos desse sistema são preenchidos neste nível e o processamento eletrônico é feito no nível central das Secretarias Municipais, Regionais ou nas Secretarias de Estado. Interpretação dos dados e análise de informações Os dados coletados pelos sistemas rotineiros de informações e nas investigações epidemiológicas são consolidados e ordenados de acordo com as características de pessoa, de lugar e de tempo, em tabelas, gráficos, mapas e outros. Essa disposição fornecerá uma visão conjunta das variáveis selecionadas para análise e sua comparação temporal com períodos semelhantes de anos anteriores. É importante lembrar que além das frequências absolutas devem ser calculados coeficientes (incidência, prevalência, letalidade e mortalidade, entre outros) que permitam uma melhor comparação das ocorrências. A partir do processamento dos dados, deve-se realizar uma análise criteriosa, de maior ou menor complexidade, a depender da disponibilidade e da formação profissional da equipe, transformando-os em informação, capaz de orientar a adoção das medidas de controle. Quanto mais oportuna for à análise mais eficiente será o sistema de vigilância epidemiológica. Avaliação dos Sistemas de Vigilância A avaliação dos Sistemas de Vigilância em Saúde Pública é utilizada de maneira a assegurar que estão sendo monitorados problemas de importância de saúde pública de maneira eficiente e efetiva. Alguns atributos são indicados como medida de qualidade de um sistema de vigilância eficaz, como simplicidade, flexibilidade, qualidade de dados, aceitabilidade, sensibilidade e especificidade (capacidade para identificar os verdadeiros casos e excluir os que não o são), valor preditivo positivo, representatividade, oportunidade, estabilidade e custo. Epidemia É a ocorrência de um número de casos acima do esperado em uma região ou comunidade. O número de casos necessários para definir uma epidemia varia de acordo com o agente, o tamanho, tipo e suscetibilidade da população exposta e o momento e local da ocorrência da doença. A identificação de uma epidemia também depende da frequência usual da doença na região, no mesmo grupo populacional, durante a mesma estação do ano. Um pequeno número de casos de uma doença que não ocorre na região pode ser o suficiente para constituir a ocorrência de uma epidemia. A dinâmica de uma epidemia é determinada pelas características do seu agente, seu modo de transmissão e pela suscetibilidade dos seus hospedeiros humanos. Em uma epidemia por fonte comum os indivíduos suscetíveis são expostos simultaneamente a uma fonte de infecção. Isso resulta em um rápido aumento no número de casos. Em uma epidemia por contágio ou propagada, a doença é transmitida de uma pessoa para outra e o incremento inicial no número de casos é lento. O número de indivíduos suscetíveis e as potenciais fontes de infecção são os principais fatores que determinam a propagação da epidemia. Surto Assim como a epidemia é a ocorrência de casos epidemiologicamente relacionados e acima do esperado, porém, diz respeito a situações mais restritas, podendo acontecer em espaços extremamente delimitados como colégios, creches, grupos reunidos em festas e bairros. Doenças Endêmicas Quando uma área geográfica ou grupo populacional apresenta um padrão de ocorrência relativamente estável com elevada incidência ou prevalência de alguma doença. Se ocorrerem mudanças nas condições do hospedeiro, do agente ou do ambiente, uma doença endêmica poderá se tornar epidêmica. Investigação e controle de surtos Os objetivos principais de uma investigação de surto são identificar a sua etiologia, as fontes e modos de transmissão e os grupos expostos a maior risco. A investigação requer um trabalho epidemiológico sistemático e para isso são sugeridas algumas etapas que devem ocorrer em sequência ou simultaneamente, dependendo da situação: • Preparar para o trabalho de campo: No início da investigação é necessário primeiramente compor uma equipe com profissionais de diversas áreas de atuação, por exemplo, vigilância epidemiológica, vigilância sanitária, vigilância ambiental, laboratório, assistência, saneamento, agricultura e outras. • • • • Devem ser atribuídas as responsabilidades para as principais atividades como coleta e análise de dados, implementação de medidas de controle, comunicação e supervisão das atividades. Estabelecer a existência de um surto: Para estabelecer a existência de um surto é necessário verificar o aumento localizado de incidência da doença/evento, considerando se os casos estão concentrados em tempo e ou espaço e se tem relação entre si. Neste momento é importante comparar o número de ocorrências com os valores normalmente esperados para a comunidade ou grupo de indivíduos afetados. Não se deve basear somente em dados da vigilância epidemiológica mas também em dados de laboratórios, unidades de saúde, imprensa, escolas, registros hospitalares e demais fontes de informação aptas a identificarem suspeitos. Verificar o diagnóstico: A confirmação do diagnóstico deve acontecer se possível por técnicas de laboratórios e neste momento é importante verificar se os casos foram corretamente diagnosticados, com base na revisão dos detalhes clínicos dos indivíduos acometidos. Identificar e contar os casos: É necessária a criação de uma definição de caso por meio de critérios clínicos, laboratoriais e epidemiológicos, que seja clara e objetiva, podendo ser mais sensível no início da investigação e posteriormente se tornar específica. Na contagem de casos deve-se considerar uma busca retrospectiva de maneira a contabilizar casos antes não relacionados e fortalecer a vigilância para detecção de casos novos. Uma lista de casos pode ser criada de maneira a facilitar sua contagem e caracterização. Organizar dados em Tempo, Lugar e Pessoa: A descrição dos casos vem de maneira a identificar quando e onde a doença ocorreu e quem são os indivíduos acometidos. • • A caracterização de tempo pode ser realizada por meio da curva epidêmica dos casos, desde o início até o momento atual dos adoecimentos. A descrição do lugar, quando possível, deve ser feita por meio de mapas, de forma a demonstrar a distribuição espacial dos casos. Os atributos referentes a caracterização da pessoa buscam identificar quais grupos populacionais tem maior risco de adoecer e podem ser descritos por uma variedade de características como idade, sexo, ocupação, raça/cor, atividades que realiza, hábitos e comportamentos. Formular hipóteses: As hipóteses estão voltadas à identificação da fonte de infecção, modos de transmissão e tipos de exposição associadas ao risco de adoecer. É necessário neste momento levar em consideração o conhecimento científico disponível e a descrição detalhada da doença. Testar hipóteses: Testar hipóteses comparando estas com os fatos ou aplicando a metodologia epidemiológica analítica. A comparação se dá por meio do conhecimento cientifico com os achados epidemiológicos, clínicos e laboratoriais da investigação. Os métodos analíticos mais utilizados na complementação de investigações de surtos são os estudos de caso-controle e as coortes. • Refinar hipóteses e desenvolver estudos adicionais: Quando no estudo analítico não se conseguiu confirmar nenhuma das hipóteses levantadas, será necessário reconsiderar os dados, levantar dados complementares e verificar outras hipóteses. Alguns estudos adicionais podem ser realizados como investigação laboratorial e ambiental. • Implementar medidas de controle: As medidas de controle são implementadas de maneira a eliminar a fonte de transmissão da doença e devem ser desencadeadas desde o início da investigação. • Comunicar os resultados: É de grande importância a preparação de um informe escrito para documentar a investigação, contendo os achados e as recomendações. Vigilância epidemiológica das hepatites virais Por representarem um problema de saúde pública no Brasil, as Hepatites Virias são de notificação compulsória desse o ano de 1996. O comportamento epidemiológico, no Brasil e no mundo, tem sofrido grandes mudanças nos últimos anos. A melhoria das condições de higiene e de saneamento básico das populações, a vacinação contra a Hepatite B e as novas técnicas moleculares de diagnóstico do vírus da Hepatite C estão entre esses avanços importantes. A heterogeneidade socioeconômica, a distribuição irregular dos serviços de saúde, a incorporação desigual de tecnologia avançada para diagnóstico e tratamento de enfermidades, são elementos importantes que devem ser considerados na avaliação do processo endemo-epidêmico das hepatites virais no Brasil. Objetivo geral Identificar o comportamento das hepatites virais e seus fatores condicionantes e determinantes com a finalidade de recomendar e adotar medidas de prevenção e controle. Objetivos específicos • Conhecer o comportamento epidemiológico das hepatites virais quanto ao agente etiológico, pessoa, tempo e lugar. • Identificar a tendência das hepatites virais. • Identificar os fatores de risco para as hepatites virais. • Recomendar oportunamente estratégias de controle das hepatites virais. • Detectar e controlar oportunamente os surtos de hepatites virais. • Avaliar o impacto das medidas de controle. • Incentivar a pesquisa na área de hepatites virais. Definições de casos Hepatite A - Indivíduo que apresente anti-HAV IgM reagente. - Indivíduo que preencha as condições de caso suspeito e que apresente vínculo epidemiológico com caso confirmado (anti-HAV IgM reagente) de hepatite A. - Menção de hepatite A em qualquer um dos campos da declaração de óbito ou após investigação do óbito por hepatite sem etiologia especificada. Hepatite B - Indivíduo que apresente um ou mais dos marcadores reagentes ou exame de biologia molecular para hepatite B conforme listado abaixo: . HBsAg reagente . Anti-HBc IgM reagente . HBV-DNA detectável - Menção de hepatite B em qualquer um dos campos da declaração de óbito ou após investigação do óbito por hepatite sem etiologia especificada. Hepatite C - Indivíduo que apresente um ou mais dos marcadores reagentes ou exame de biologia molecular para hepatite C conforme listado abaixo: . Anti-HCV reagente . HCV-RNA detectável - Menção de hepatite C em qualquer um dos campos da declaração de óbito ou após investigação do óbito por hepatite sem etiologia especificada. Hepatite D - Caso confirmado de Hepatite B, com pelo menos um dos marcadores abaixo. . Anti-HDV total reagente . HDV-RNA detectável - Menção de hepatite D em qualquer um dos campos da declaração de óbito ou após investigação do óbito por hepatite sem etiologia especificada. Hepatite E - Indivíduo que apresente um ou mais dos marcadores reagentes ou exame de biologia molecular para hepatite E conforme listado abaixo: . Anti-HEV IgM e anti-HEV IgG reagentes . HEV-RNA detectável - Menção de hepatite E em qualquer um dos campos da declaração de óbito ou após investigação do óbito por hepatite sem etiologia especificada. Notificação As hepatites virais são doenças de notificação compulsória regular (em até 7 dias). Portanto, todos os casos e surtos devem ser notificados utilizando as fichas de notificação e investigação padronizadas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e encaminhadas ao nível hierarquicamente superior ou ao órgão responsável pela vigilância epidemiológica: municipal, regional, estadual ou federal. As principais fontes notificadoras são: unidades de saúde, hemocentros e bancos de sangue, clínicas de hemodiálise, laboratórios, comunidade, escolas, creches e outras instituições. Além disso, casos podem ser capturados no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA/SUS), Sistemas de Informações Hospitalares (SIH) e nos sistemas de informação das Vigilâncias Sanitária e Ambiental. Os dados referentes a esses agravos podem ser encontrados no site: www.aids.gov.br Investigação epidemiológica Roteiro da investigação epidemiológica O roteiro de investigação para as hepatites virais podem ser encontradas no endereço: http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/novo/Documentos/SinanNet/fichas/He patite.pdf Medidas de prevenção e controle Objetivos • • • • Desencadear a investigação das fontes de infecção e transmissão comuns. Definir e indicar as medidas de controle da transmissão por meio das ações de prevenção. Evitar a disseminação dos vírus das hepatites. Prevenir a evolução para a cronicidade da doença. Estratégias • • • • Assistência ao paciente com solicitação de exames específicos e inespecíficos. Investigação: Após a notificação de casos de hepatites virais, deve-se iniciar a investigação epidemiológica com o preenchimento da ficha de investigação epidemiológica (FIE) do Sinan. Todos os campos devem ser preenchidos, mesmo quando a informação for negativa. Outros itens podem ser incluídos no campo “observações”, conforme as necessidades e peculiaridades de cada situação. Investigação de casos de transmissão pessoa a pessoa ou fecal-oral: Investigar se os pacientes se expuseram a possíveis fontes de contaminação, particularmente de água de uso comum e refeições coletivas. Buscar história de comunicantes e outros casos suspeitos e/ou confirmados de hepatite, levantando hipótese sobre como ocorreu a transmissão. Afastamento do paciente, se necessário, de suas atividades normais. Para casos de hepatite A e E, essa situação deve ser reavaliada e prolongada em surtos em • • • • • • • • • • • instituições que abriguem crianças sem o controle esfincteriano (uso de fraldas), onde a exposição entérica é maior. Investigação de casos de hepatites virais de transmissão sanguínea/sexual: Investigar história de compartilhamento de objetos contaminados como lâminas de barbear e de depilar, escovas de dente, alicates e acessórios de manicure e pedicure, materiais para colocação de piercing e para confecção de tatuagens, materiais para escarificação da pele para rituais, instrumentos para uso de drogas injetáveis (cocaína, anabolizantes e complexos vitamínicos), inaláveis (cocaína) e pipadas (crack) e de acidentes com exposição a material biológico, procedimentos cirúrgicos, odontológicos, hemodiálise, transfusão (principalmente se ocorridas antes de 1993), endoscopia entre outros, em que não se aplicaram as normas adequadas de biossegurança. Identificar a ocorrência da pratica de relações sexuais desprotegidas ou abuso sexual. Investigação de comunicantes: Deve ser realizada para identificar indivíduos assintomáticos e prevenir a disseminação da doença e possíveis surtos. Monitoramento de pacientes hemofílicos e usuários crônicos de hemoderivados. Exame pré-natal (hepatite B). Exames de doadores e receptores de órgãos. Investigação de surtos: Para hepatite A ou E, após a identificação dos primeiros casos, estabelecer medidas junto à comunidade e familiares, visando cuidados com a água de consumo, manipulação de alimentos e com condições de higiene e saneamento básico. Para casos de hepatites B, C e D, nas situações em que se suspeite de infecção coletiva, em serviços de saúde, fornecedores de sangue ou hemoderivados que não estão adotando medidas de biossegurança, investigar caso a caso buscando a fonte da infecção. Quando observada situação de surto, comunicar a vigilância sanitária para adoção de medidas cabíveis. Coleta e remessa de material para exame: Verificar e/ou orientar os procedimentos de coleta e transporte de amostras para realização dos testes laboratoriais específicos, de acordo com as normas ou fluxos locais. Realização de ações de educação: Além das medidas de controle específicas para as hepatites virais, ações de educação devem ser desenvolvidas para os profissionais de saúde e para comunidade em geral. Orientação de instituições como creches, pré-escolas e outras, para adoção de medidas rigorosas de higiene, desinfecção de objetos, bancadas e chão, utilizando hipoclorito de sódio 2,5% ou água sanitária. Realização de lavagem e desinfecção com hipoclorito de sódio daqueles alimentos que são consumidos crus. Prevenção de hepatites B, C e D, de transmissão sanguínea e sexual: Os indivíduos devem ser orientados quanto aos mecanismos de transmissão • • • dessas doenças e ao não compartilhamento de objetos de uso pessoal como lâminas de barbear e de depilar, escovas de dente, materiais de manicure e pedicure. Aos usuários de drogas injetáveis e inaláveis orientar o não compartilhamento de agulhas, seringas, canudos e cachimbos. O uso de preservativos é recomendado em todas as práticas sexuais. Os trabalhadores da saúde devem obedecer às normas universais de biossegurança e imunização contra a hepatite B. Recém-nascidos de mães portadoras do vírus da hepatite B devem receber a primeira dose da vacina contra hepatite B e imunoglobulina preferencialmente nas primeiras doze horas de vida. Se estas normas forem devidamente obedecidas, a amamentação não é contraindicada. Imunoglobulina: Ver site do PNI: ftp://ftp.cve.saude.sp.gov.br/doc_tec/outros/hepa08_profhepaB.pdf • Imunização: Ver calendário de vacinação no site: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_texto.cfm?idtxt =21462 A vacina contra a hepatite A está disponível nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIE) e está indicada para pacientes suscetíveis para a hepatite A, com hepatopatias crônicas de qualquer etiologia, inclusive portadores do vírus da hepatite C (VHC), vírus da hepatite B (VHB), coagulopatias, fibrose cística, trissomias, imunodepressão terapêutica ou por doença imunodepressora, hemoglobinopatias, doenças de depósito. Também para crianças menores de 13 anos com HIV/aids, adultos com HIV/aids com doença crônica pelo VHB ou VHC, candidatos a transplantes de órgão sólidos, cadastrados em programas de transplantes, transplantados de órgão sólido ou de medula óssea e doadores de órgão sólido ou de medula óssea, cadastrados em programas de transplantes. A partir de 2014 a esta vacina estará inserida no calendário infantil de vacinação e deverá ser administrada após 12 meses de idade. A vacina contra a hepatite A é contraindicada na ocorrência de hipersensibilidade imediata (reação anafilática), após o recebimento de qualquer dose anterior, ou de história de hipersensibilidade aos seus componentes. Referências Bibliográficas Portaria nº 1.378, de 09 de julho de 2013. Portaria nº 3.252, de 22 de dezembro de 2009. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de vigilância epidemiológica. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. 7ª edição. Brasília, 2009. Organização Pan-Americana da Saúde; Ministério da Saúde. Módulos de Princípios de Epidemiologia para o Controle de Enfermidades. Módulo 4: Vigilância em saúde pública. Brasília, 2010. World Health Assembly. Revision of the International Health Regulations. WHA 58.3. 2005. Gregg MB. Epidemiología de Campo. New York Oxford University Press Segunda Ed. 2002. Waldman EA. Vigilância epidemiológica como prática de saúde pública (Tese de Doutorado/Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo). São Paulo, 1991. Waldman EA. Usos da Vigilância e da Monitorização em Saúde Pública. Informe Epidemiológico do SUS, 8(3), 7-26. 1998. Bonita R, Beaglehole R, Kjellström T. Epidemiologia básica (Tradução e revisão científica Juraci A. Cesar). 2ª edição. São Paulo, Santos, 2010. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia Prático de Campo. Programa de treinamento em epidemiologia aplicada aos serviços do SUS. 2ª edição. 2012.