II Jornada de Ensino, Pesquisa e Extensão da UniEVANGÉLICA Anais do IX Seminário de PBIC e V Seminário de Extensão – Volume 1 – 2011 – Anápolis - Go PRAGMATISMO, SEGURANÇA JURÍDICA E DECISÕES NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO Augusto César Rocha Ventura (autor) Prof. Dr. Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy (orientador) RESUMO: O Judiciário brasileiro, destacando-se o Supremo Tribunal Federal, tem, em todas as frentes, atuado pragmaticamente, no que diz respeito a utilizar-se de artifícios que lhe permita reduzir o numero de recursos e meios outros que lhe são endereçados, nitidamente por influência do método pragmático utilitarista, destacando-se essa análise, do outro viés de pragmatismo alusivo ao ativismo judicial que, por meio da linguagem, dá ensejo a constitucionalização de temas vários, inclusive, políticas públicas, segundo uma interpretação cosoante a justiça, equidade e razoabilidade, deformando, assim, o ordenamento jurídico positivado, sem prejuízo da nítida relação entre as duas vertentes pragmáticas. Palavras-chaves: Pragmatismo, Judiciário, Excesso de processos, Ativismo Judicial, Judicialização, Relativismo, Linguagem e Positivismo. ABSTRACT: The Brazilian Judiciary focusing on the Supreme Court has been acting pragmatically regarding the use of means which allow the reduction on the number of appeals and other proceedings that are addressed to it, clearly due to the influence of the utilitarian pragmatic method highlighting the analysis of another pragmatism approach presenting no damage to both aspects concerning judicial activism that through language creates opportunities to the constitution of several topics including public politics pursuant to an interpretation in accordance with justice, equity and reasonability therefore, damaging the legal system. Key words: Pragmatism, Judiciary, Lawsuit overload, Judicial Activism, Judicialization, Relativism, Language and Positivism. I - INTRODUÇÃO O Judiciário recebe milhares de processos diariamente para solução. Diante da incapacidade fática dos juízes em estudá-los e sobre cada um deles aplicar o melhor direito para a pacificação dos conflitos, os juízes e a instituição judiciário que os abarca, legitimam mecanismos de dar vazão ao fluxo processual, tais como, súmulas vinculantes, repercussão geral, recursos repetitivos, efeito modulador, metas quanto a resolução de ações, excesso de requisitos formais em casos de recursos, entre outros, ainda que esses mecanismos importem em menor ou nenhum grau de especificidade na solução de cada caso judicializado. A nosso ver, a cultura da litigiosidade e judicialização no Brasil1 propiciou a nítida influência da filosofia pragmatista no judiciário brasileiro redundando na criação dos 1 De acordo com Gilmar Mendes, o problema que mais aflige os magistrados é a judicialização a partir desses problemas. “Sou preocupado com esse tema, saber se a Justiça é o único meio para resolver conflitos”, lembrou o ministro. Depois de dois anos à frente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, II Jornada de Ensino, Pesquisa e Extensão da UniEVANGÉLICA Anais do IX Seminário de PBIC e V Seminário de Extensão – Volume 1 – 2011 – Anápolis - Go mecanismos supracitados, com escopo de dar respostas e ver-se bem com a sociedade, ainda que, para tanto, o direito material posto seja desconsiderado. II - ORIGEM DO PRAGMATISMO O Pragmatismo surgiu no final do século XIX nos Estados Unidos com Charles Sanders Peirce (1839-1914), que, aliás, preferia denominá-lo de pragmaticismo. “O termo deriva da mesma palavra grega, que significa ação, introduzida pela primeira vez em filosofia por Charles Pierce, em 1878, em um artigo intitulado ‘Como tornar clara nossas idéias.”2 Ele inovou no seu modo de pensar sobre a filosofia, buscando maneiras reflexivas mais próximas do empirismo. Todavia, William James (1842-1910), desenvolveu o pragmatismo principiado por Peirce noutra ênfase. Ele conseguiu sistematizar o pragmatismo de modo a transparecer o desejo de ver a filosofia mais factível à vida das pessoas. Segundo ele, o pensar filosófico era extenuante e de pouca utilidade para as pessoas em geral porque tratava das coisas da vida de modo quase enigmático, sempre no plano do dualismo (bem / mal; corpo / mente; etc). Grosso modo, para James, a verdade sobre as grandes indagações da existência poderia existir segundo a realidade que mais atendesse as necessidades daqueles que a buscassem, pelo que sua filosofia foi duramente criticada. Sua filosofia influenciou significativamente os norteamericanos, com reflexos até os dias atuais. III - PRAGMATISMO E RELATIVISMO Lendo os precursores do pragmatismo, destacando a linha metafísica utilitarista, encontramos, em seu novo modo de pensar [a filosofia], um desejo de fugir das elucubrações eminentemente teóricas. As críticas à filosofia “tradicional” eram ferrenhas, chegando James a dizer que “Se os filósofos podem tratar a vida do universo abstratamente, não devem queixar-se de um tratamento abstrato da própria vida da filosofia.”3, alfinetando, ainda, que “Os filósofos brincam com sombras, enquanto os que vivem e sentem conhecem a verdade”4. O ensino dela, então, para James, era algo totalmente destoado da realidade prática da vida, Mendes diz que aumentou a sua preocupação com a judicialização excessiva. “Temos o grande mérito de produzir um Judiciário independente que marca o ideário republicano, com autonomia administrativa e financeira dos tribunais e juízes. Por outro lado, temos o déficit de não termos desenvolvido meios alternativos de solução de conflito,” disse. (...) “Não podemos cometer os erros do passado e depois ficar com sentimento de frustração por não poder responder a essas demandas”, alertou. Para Gilmar Mendes, “é preciso discutir a judicialização, não negar acesso, mas encontrar meios alternativos para que as pessoas só procurem os tribunais se necessário. (http://www.conjur.com.br/2010-mai-13/internet-acelerar-judicializacao-inviabilizarjudiciario). 2 Pragmatismo, James, Williams, Ed. Martin Claret, p. 44 Pragmatismo, James, Williams, Ed. Martin Claret, p. 40 4 Op. cit., p. 38; 3 II Jornada de Ensino, Pesquisa e Extensão da UniEVANGÉLICA Anais do IX Seminário de PBIC e V Seminário de Extensão – Volume 1 – 2011 – Anápolis - Go quando assentou que “Quando se entra em uma classe de filosofia, tem-se de estreitar relações com um universo inteiramente distinto daquele que se deixou lá atrás na rua.”5 Assim sendo, William James asseverou: “Ofereço a coisa singularmente chamada de pragmatismo como uma filosofia que pode satisfazer a ambas as espécies de procuras.”6 Paulo Gilhareli Jr, dissertando sobre esse tema, informa que “O pragmatismo deveria ser instrumental, capaz de cobrar com procedimentos de decisão.”, acrescentando que “O pragmatismo dos pioneiros afirmava que a verdade é útil, ou seja, ‘no que vale a pena acreditar’ ou ‘no que é bom acreditar”.7 Ainda, Giraldeli fazendo um apanhado do ensino pragmático e de seus precursores, diz que “O pragmatismo não procurou definir a verdade”, mas que, “Aprender a aprender” passou a ser um lema de movimentos inspirados em Dewey porque ‘aprender’ passou a ser visto como a atividade de ‘re-significar experiências”.8 IV - PRAGMATISMO POR SI MESMO Centrado na obra de William James, com evidência para seus discursos de fundamento do pragmatismo, encontramos suas lições mais básicas e a expressão de seu modo de pensar.Assim, vemos que: O pragmatista volta as costas resolutamente e de uma vez por todas a uma série de hábitos inveterados, caros aos filósofos profissionais. Afasta-se da abstração e da insuficiência, das soluções verbais, das más razões a priori, dos princípios firmados, dos sistemas fechados com pretensões ao absoluto às origens. Volta-se para o concreto e o adequado, para os fatos, a ação e o poder.”9 O pragmatismo relaxa todas as nossas teorias, flexiona-as e põe-nas a trabalhar. Se harmoniza com muitas tendências filosóficas antigas. Nominalismo, utilitarismo, positivismo, em seu desdém pelas soluções verbais, pelas questões inúteis e pelas abstrações metafísicas.10 Se é verdade que por um lado o pragmatismo menospreza esse modus vivendi e operandi, como parece claro pelo transcrito acima, por outro, apregoa o seguinte: Atitude de orientação, que é o que o método pragmático significa. A atitude de olhar além das primeiras coisas, dos princípios, das “categorias”, das supostas necessidades; e de procurar pelas últimas coisas, frutos, conseqüências, fatos.11 5 Idem, p. 33; Ib idem, p. 39; 7 Giraldeli Jr., Paulo in Filosofia da Educação, pgs. 163/164 8 Filosofia da Educação, p. 166 9 Idem, p.47 10 Idem, p.48 11 Idem, p.48 6 II Jornada de Ensino, Pesquisa e Extensão da UniEVANGÉLICA Anais do IX Seminário de PBIC e V Seminário de Extensão – Volume 1 – 2011 – Anápolis - Go Isso porque, “O pragmatismo se sente mal longe dos fatos. O pragmatismo agarrase aos fatos e coisas concretas.”12 Na verdade, estudando o pragmatismo sob os mais diversos aspectos, podemos compreender que ele não se põe de um lado ou de outro, O pragmatismo de fato, não tem quaisquer preconceitos, quaisquer dogmas obstrutivos, quaisquer cânones rígidos do que contará como prova. É completamente maleável. Acolherá qualquer hipótese, considerará qualquer evidência.13 Isso, aos olhos dos pragmatistas, permitirá àquele que do pragmatismo se serve, apoiar-se naquilo que melhor lhe possibilitará dar solução efetiva de sua questão, porque, ainda, segundo James, Quase qualquer objeto pode, algum dia, tornar-se temporariamente importante, a vantagem em ter-se um estoque geral de verdades extras, de idéias que serão verdadeiras de situações meramente possíveis é óbvia.14 Em razão disso, o positivismo lógico próprio da Escola de Frankfurt, Bertrand Russell (1872-1970) e Max Horkheimer (1895-1973) respectivamente, atacaram os pragmatistas, em especial James e Dewey.15 Aliás, o próprio James, sobre essa maleabilidade que o pragmatismo enseja a seus adeptos, abordou acerca das críticas recebidas, asseverando o seguinte: Os pragmatistas destroem todos os padrões objetivos, dizem os críticos, e põe loucura e sabedoria no mesmo nível. Uma fórmula favorita para descrever-nos, a mim e a Schiller, quanto a nossas doutrinas, é que somos pessoas que pensam que, por dizer o que quer que seja agradável dizer, e chamar a isso de verdade, preenchemos cada requisito pragmático.16 V - PRAGMATISMO E DIREITO Delineado todo esse contexto e adentrando sobre a influência da filosofia pragmatista no direito e, por consequência, nas decisões emanadas do Judiciário, podemos entender que no pragmatismo prevalece como característica predominante a lei da vantagem ou mesmo significado final17, o que implica pretender que bom é o que dá vantagem! No caso do direito implica no dilema, vantagem para quem ou para qual das partes? Parece um equívoco entender que decisões pragmatistas contribuem para a segurança jurídica, como acentuado por Thomaz Ferreira Rosa e Raquel Garcia Martins quando escreveram que 12 Idem, p. 54 Idem, p.60 14 Idem, p.114 15 Giraldeli Jr., Paulo, p. 166 16 Idem, p.128 17 Ghiraldelli, P., em “Ensaios Pragmatistas”, DPA, 2006, RJ. 13 II Jornada de Ensino, Pesquisa e Extensão da UniEVANGÉLICA Anais do IX Seminário de PBIC e V Seminário de Extensão – Volume 1 – 2011 – Anápolis - Go A Corte Excelsa tem função pragmática justamente para que haja previsibilidade nas decisões e, consequentemente, segurança jurídica. Evitam-se armadilhas e soluções lotéricas, motivo pelo qual os juízes de instâncias inferiores deveriam guiar-se pelo entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, e com bastante foco na interferência que suas decisões provocam na realidade sócio-econômica.18 A nosso ver, considerando que adotamos um ordenamento jurídico influenciado da civil law, portanto positivado, o que se dá é justamente o contrário. Ser pragmático em julgamento de demandas apresentadas ao nosso judiciário nem sempre se coaduna com os fundamentos jurídicos, posto que, de fato, estes são o esteio da certeza e confiança legítima do cidadão no judiciário, que implica em segurança jurídica. Essa visão, embora num raciocínio singelo impossível de ser explorado aqui, poderá ser mais útil para aqueles sistemas da comum law onde o principialismo flui sem limites positivados, porque construído num ordenamento jurídico aberto, diferente do nosso19. Isso, no entanto, só se desmistificará quando - ao largo de apenas querer figurar bem em pesquisas, relatórios, dados que contribuem com o “marketing” do judiciário perante a sociedade (que na verdade representam uma maquiagem sobre a face verdadeira da instituição), os operadores do direito, pesquisadores e cientistas aportarem seus conhecimentos com substância dando luz ao ambiente. VI - CONCLUSÃO Uma constatação pode ser estabelecida. Vivemos mergulhados numa cultura impregnada dessa marca pragmatista, como resultado, aliás, da influência daqueles que trilharam essa ênfase utilitarista (Destaque para William James). Em face disso o pragmatismo passou a ser visto, não apenas como uma ideologia, não só como uma área de estudo e conhecimento, mas como um valor cultural penetrado no cimento social e, no caso do nosso estudo, no Judiciário brasileiro. Daí parecer-nos ser impossível no diálogo constante que existe entre os grupos de poder, construir justiça e direito, independentemente, desta vertente. Todavia, a que se demonstrar suas contradições com o direito positivado, por seu excesso de praticidade. Enfim, entendemos que a solução para o excesso de processos que abarrotam os Tribunais não se resolverá, simplesmente, com as medidas pragmáticas suso identificadas, pois algumas delas, a despeito de relativamente recentes, já demonstraram que são incapazes de estancar novas ações e, tampouco, dar vazão aos milhares de processos em curso, além é 18 http://www.conjur.com.br/2009-ago-13/stj-entende-decisao-interlocutoria-cai-sentenca-contraria Vide Dworkin, R. in O Império do Direito, Martins Fontes, SP; e, Perelman, C. in Lógica Jurídica, Martins Fontes, SP. 19 II Jornada de Ensino, Pesquisa e Extensão da UniEVANGÉLICA Anais do IX Seminário de PBIC e V Seminário de Extensão – Volume 1 – 2011 – Anápolis - Go claro, como discorremos, com grave perigo de não solucionar as contendas levadas ao Judiciário, repercutindo, aí sim, em descrédito junto a sociedade e, até mesmo, em possível reação social contra a instituição ou, em última análise, contra o próprio Estado. VII - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROSO, Luis Roberto. A segurança jurídica na era da velocidade e do pragmatismo, In: Temas de direito constitucional, t. I, 2ª ed., 2002; Revista da Associação dos Juízes Federais do Brasil - AJUFE, 64/77, julho a setembro de 2000; Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros, 94/79, 4o trimestre de 2000. BITTAR, Eduardo C. B. ; ALMEIDA, Guilherme Assis. Curso de filosofia do direito. 6ª. ed., rev. e aumentada. São Paulo: Atlas, 2008. DWORKIN, R.. O Império do Direito. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2007. GARVEY, James; STANGROOM, Jeremy. Os grandes filósofos. São Paulo: Ed. Madras, 2009. GHIRALDELLI Jr, Paulo. Filosofia da Educação. São Paulo: Ed. Ática. GHIRALDELLI Jr., Paulo. Introdução à Filosofia. São Paulo: Ed. Manoel, 2003. GONTIJO, Lucas de Alvarenga. Direito, Teoria dos Sistemas e Pragmatismo: Ensaio sobre os usos da teoria dos sistemas a partir do confronto entre Niklas Luhmann e a filosofia pragmática. 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