Em nosso país, a resolução RDC 102/2000 da Agência

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A CIÊNCIA NÃO É REFÉM DO MARKETING
Texto publicado no "Jornal O Globo" de 18 de abril de 2008
Felicito O Globo e o autor da reportagem “Ciência refém do marketing”, Vitor Pordeus, por
colocar em pauta assunto tão relevante. O relacionamento entre médicos e indústria
farmacêutica tem gerado, no mundo todo, calorosos debates, editoriais em revistas
especializadas e novas leis. No mês passado, a presidente da Assembléia Legislativa do estado
de Massachussets, EUA, propôs uma lei para proibir que a indústria ofereça qualquer brinde,
de canetas a viagens ou refeições, aos médicos, seus familiares e funcionários.
Não seria justo retratar os médicos como pessoas volúveis, ludibriáveis e disponíveis para
mudar sua prescrição após ganhar almoço grátis. Acredito que a imensa maioria honre o
juramento de Hipócrates e exerça nossa profissão com independência. Reconheço, porém, o
risco de conflito de interesses. Os médicos e os laboratórios farmacêuticos existem para
trabalhar em prol de uma terceira parte — os pacientes. Considerando-se o poderio econômico
da indústria farmacêutica versus os salários aviltantes dos médicos, que ainda recebem
honorários irrisórios das seguradoras de saúde e cooperativas, o convívio pode tornar-se
promíscuo. Mas, os eventuais deslizes que ocorrem não nos autorizam a declarar a prática
médica refém do marketing.
É verdade que o estudo publicado no New England Journal of Medicine sobre o analgésico
Vioxx, chamado Vigor e não Advantage, omitiu alguns dados cardiovasculares, sob o
beneplácito do Food and Drug Administration (FDA), órgão governamental dos EUA. O
laboratório Merck, fabricante do Vioxx, aproveitou-se de uma lei sancionada no início da
década de 1990, a qual encurtou o processo de aprovação de medicamentos de 14,9 meses em
1993 para 6,9 meses em 1999. Quando surgiram indícios de insegurança do Vioxx, o Merck
aumentou seus gastos em publicidade, em vez de realizar novos estudos, mostrando que a
empresa priorizava o lucro sobre a segurança dos pacientes. O erro lhes custou caro: eles foram
obrigados a retirar o Vioxx do mercado em 2004 e despenderam mais de 5 bilhões de dólares
com indenizações e 1,2 bilhão de dólares com honorários advocatícios.
O malogro do Vioxx não significa que se deva execrar a indústria farmacêutica, responsável
por muitos medicamentos e vacinas benéficos. A lucratividade da indústria farmacêutica serve
de força motriz para novas descobertas. Quantos medicamentos foram descobertos em países
sob regime comunista? A afirmação de que 75% dos estudos clínicos publicados estariam
corrompidos por desvios de interesse soa como generalização temerária de erros isolados.
No Brasil, a resolução RDC 102/2000 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA) proíbe que a indústria farmacêutica ofereça prêmios ou vantagens pecuniárias aos
médicos. O regulamento me parece modesto. A ANVISA debateu a formulação de normas
mais restritivas através da consulta pública 84/2005, encerrada em março de 2006, mas a nova
resolução ainda não saiu. A atualidade do tema clama por celeridade da ANVISA.
A ciência brasileira padece de vários males, o menor dos quais é o marketing internacional.
Cito entre as questões mais importantes a carência crônica de verbas de financiamento e o
fundamentalismo religioso que ora ameaça as pesquisas com células-tronco.
Creio ser este um bom momento para as universidades agirem em defesa dos princípios que
norteiam a medicina há milhares de anos. Proponho a criação de regras claras que delimitem as
interações de professores, médicos e alunos com a indústria farmacêutica no âmbito dos
hospitais universitários.
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Marcio Moacyr Vasconcelos
Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense
Membro da Diretoria de Publicações da SOPERJ
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