As novas/velhas estratégias do capital sob o simulacro das políticas

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AS NOVAS/VELHAS ESTRATÉGIAS DO CAPITAL SOB O SIMULACRO DAS
POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PARA O CAMPO.
LAS NUEVAS/VIEJOS ESTRATEGIAS DE CAPITAL SEGÚN SIMULACRO
DE POLÍTICAS DE DESARROLLO PARA EL CAMPO.
Vanessa Paloma Alves Rodrigues1
[email protected]
PPGEO/UFS
RESUMO:
No presente artigo buscaremos analisar a expansão de Políticas Públicas enquanto estratégias do
capital e do Estado que assentam as bases em um novo padrão de desenvolvimento capitalista
no espaço agrário brasileiro, sem, contudo, modificar as velhas formas que caracterizam as
Políticas Públicas para o campo, cuja racionalidade é manter o viés excludente, concentrador,
setorial e produtivista. É nesse contexto que surgem as políticas de crédito como propaladoras
de desenvolvimento do campo, que historicamente vem sendo estabelecidas no com o propósito
de subordinar o camponês aos interesses do capital agrário, industrial e financeiro, ao tempo em
que substitui os elementos que possibilitariam a concretização de um outro paradigma para o
campo centrado na lógica da (re)produção camponesa.
Palavras-chave: Capital, espaço agrário, políticas de desenvolvimento.
RESUMEN
En el presente artículo buscaremos analizar la expansión de políticas públicas como estratégicas
del capital y del estado que asentan las bases en un nuevo modelo de desarrollo capitalista en el
espacio agrario brasileño, sin, entretanto, cambiar las antiguas formas que caracterizan las
Políticas Públicas para el campo, cuya racionalidad es mantener el biés excluyente, converter,
setorial y productivista. Es en este contexto que surgen las políticas de crédito como
propaladoras de desarrollo del campo, que históricamente han sido establecidas con el propósito
de subordinar el campesino a los intereses del capital agrario, industrial y financiero, mientras
sustituye los elementos que hacen posible la realización de otro paradigma para el campo
centrado en la lógica de la (re)producción campesina.
Palavras-chave: capitales, espacio agrario, políticas de desarrollo.
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas tem se intensificado alterações no processo de intervenção
das Políticas do Estado no campo no qual a produção camponesa, que sempre foi
1
Doutoranda em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia – PPGEO/UFS. Pesquisadora
do Grupo de Pesquisa Estado, Capital, Trabalho e as Políticas de Re-ordenamentos Territoriais –
GPECT/CNPq/UFS, sob a Coordenação da Profª. Drª. Alexandrina Luz Conceição/PPGEO/UFS.
colocada à margem das políticas do Estado, passa repentinamente a ocupar um lugar
estratégico nas novas/velhas táticas do capital via política de desenvolvimento rural
brasileiro. Essas novas/velhas Políticas Públicas continuam a reforçar a lógica de
produção que vem sendo imposta para o campo desde a década 1970, no qual desde
então o espaço agrário vem passando por um intenso processo de (re)ordenamento
territorial do capital, caminho amplamente disseminado pelo Estado propalador da
ideologia da produtividade capitalista do campo, via políticas de crédito; de
modernização e desenvolvimento; de estímulo ao modelo do agronegócio; reforçando a
estrutura fundiária concentrada; no incentivo a substituição da produção de cultivos para
o auto consumo da unidade de produção familiar por cultivos voltados a abastecer a
produção agroindustrial e de commodities.
Para a autora Eliane Tomiase Paulino (2010), a capacidade que o capital têm
demonstrado fazer do aparelho do Estado um mediador em favor de seus interesses
certamente denota a singularidade do embate de classes na sociedade brasileira. Nesta
reflexão esta pesquisa torna-se uma relevante contribuição para a leitura da produção,
organização e dinâmica do espaço agrário, uma vez que analisaremos os contornos
sócio espaciais que vem sendo redefinidos no campo desde que o capital agrário,
industrial e financeiro passou a entrelaçar a terra e o capital como fundamento para
acumulação, produzindo e organizando a estrutura social, espacial e territorial
necessária a plena reprodução ampliada do capital. Desta maneira, conforme salienta
Paulino (2010), uma estratégia estrutural de classes reafirma a centralidade da terra no
modelo de desenvolvimento, alicerçado na ideologia da eficiência produtiva”
Em nossa análise, a Política Pública para a produção familiar tornou-se, entre
tantas outras que historicamente vem sendo estabelecidas no espaço agrário, a condição
do capital de subordinar o camponês aos seus liames ao tempo que transfere e substitui
os elementos que possibilitariam a concretização de um outro paradigma para o campo
centrado na lógica da (re)produção camponesa.
Neste sentido, na presente pesquisa buscaremos, subsidiado pelo método do
materialismo histórico dialético, levantamento bibliográfico e pesquisa de campo,
compreender as transformações estabelecidas pelas Políticas Públicas para o campo
enquanto formas de viabilização da reprodução ampliada do capital, que se consolidam
em estratagemas para efetuar a transição do território camponês em monopólio e
território do capital.
DESENVOLVIMENTO:
O “mito do desenvolvimento econômico” como força motora do processo de
modernização brasileira.
Há muito vem sendo disseminado no Brasil a construção ideológica do “mito do
desenvolvimento econômico” como força motora do processo de modernização
brasileira. Para o autor Celso Furtado (1974), o mito capitalista de que os países
periféricos pudessem superar o subdesenvolvimento e atingir as mesmas condições de
vida dos países desenvolvidos exerceu uma forte influência nos rumos da economia e da
política no Brasil.
Para o autor Maranhão (2014), em diferentes fases do processo histórico de
industrialização brasileira, a ideologia de superação do subdesenvolvimento, através das
políticas desenvolvimentistas, cumpriu o papel de oferecer o horizonte ideológico que
possibilitou ao capital mobilizar o Estado para impulsionar a industrialização brasileira.
É assim, que sob o amplo ideário desenvolvimentista, surgem uma heterogeneidade de
grupos políticos, representados pelos mais diversos interesses, difundiram promessas
desenvolvimentistas de planejamento econômico, crescimento industrial, defesa da
intervenção estatal, universalização do trabalho assalariado, como portadores inerentes
da ultrapassagem do subdesenvolvimento e da melhoria nas condições de vida de toda a
população brasileira.
No suposto argumento de tentativa de dirimir as disparidades regionais das
forças produtivas do capital, a partir da década de 1940, em pleno período ditatorial, o
desenvolvimento regional se tornava a unidade escalar das políticas públicas do Estado,
através de discursos e de programas governamentais, que passam a implantar um
rearranjo de forças políticas e econômicas, visando aumentar a produtividade, por meio
de uma nova proposta de desenvolvimento econômico, com a utilização da política
cambial, fiscal e creditícia, bases para o fortalecimento de um projeto industrializante de
envergadura nacional.
As ações propostas via política desenvolvimento regional consistiam no discurso
a implementação de programas de assistência financeira, técnica e social, o que na
prática se consolidou na tendência do Estado de assumir a tarefa de expansão do
capitalismo no Brasil, como por exemplo a implementação das estratégias de integração
nacional por meio da criação do I e II Planos Nacionais de Desenvolvimento. Neste
sentido “os programas e projetos que se espacializaram tiveram como maior
fundamento à criação de espaços onde a lógica capitalista pudesse fluir de forma mais
dinâmica” (LISBOA, 2007, p.24).
Até 1980, a ideologia do desenvolvimento regional ainda exercia papel
fundamental para a expansão do capitalismo no Brasil, garantidas pelas ações de
políticas públicas e privadas, o desenvolvimento regional esteve como principal agente
de potencialização da agricultura capitalista por meio da ação das políticas públicas
concebidas no país, se constituindo como forma de planejamento e ajustes para
organizar e estruturar o espaço para o desenvolvimento nacional.
Nessa lógica, a formação territorial capitalista do campo se produziu marcada
por desigualdades, por meio de movimentos de concentração do capital de forma
desigual e combinada, favorecendo os grandes produtores patronais e as monoculturas
de exportação e os grandes centros regionais. Essa realidade contribuiu para aprofundar
a desigualdade social no país, aprofundando ainda mais a pobreza e a miséria de
milhares de camponeses. Este cenário se agravou rapidamente com “a entrada das
grandes empresas no campo – seja envolvidas diretamente na produção agrícola e
pecuária, seja envolvidas na comercialização e industrialização dos produtos agrícolas,
seja envolvidas na venda de insumos aos produtores agrícolas” (MARTINS, 1986,
p.11). Em todos os cantos, camponeses ligados à terra por várias gerações, viram-se
repentinamente ameaçados ou expulsos.
Com alcance direcionado aos grandes proprietários de terra, deixando à margem
uma massa de miseráveis, acompanhando um modelo econômico agroexportador, várias
políticas governamentais federais, foram destinadas ao campo com o propósito de
expandir a lógica de produção da agricultura capitalista, introduzindo novas relações de
produção e de trabalho e consequentemente a intensificação da expansão do capitalismo
em todo o espaço brasileiro. Seguindo o modelo da política agrícola nacional uma série
dessas políticas passa a influenciar o Estado em Sergipe, implementando projetos de
“modernização agrícola” voltado para o fortalecimento das cadeias produtivas
capitalizadas de exportação e expansão de empreendimento capitalistas no campo.
Valorizando as atividades econômicas voltadas para exportação, a SUDENE no
Nordeste buscou criar facilidades por meio de política de incentivos as médias e grandes
propriedades e aos cultivos destinados ao mercado por meio de alteração no processo de
produção com agregação de tecnologias modernas. Neste processo, as formas
tradicionais de exploração da força de trabalho rural passam a dar lugar a novas formas
de produção, “onde a mais-valia relativa e a capacidade de capitalização da pequena
produção se transformam no centro de reestruturação das relações de produção” (DINIZ
DOS SANTOS, 2008, p.12). Conforme Francisco de Oliveira (1987), os investimentos
do Estado no Nordeste não significavam em absoluto a transformação das formas do
ciclo produtivo, não tiveram em nenhuma circunstância o condão de transformar as
condições da produção social do Nordeste. Significaram simplesmente um reforço das
condições da própria estrutura produtiva vigente, tanto na esfera da produção como na
esfera da circulação e da apropriação.
A política de desenvolvimento regional no Brasil chega, em meados da década
de 1970, amalgamado, a problemas que só reforçavam a sua inexequibilidade. A tão
aguardada melhora no desenvolvimento desigual das regiões brasileiras sucumbiu-se
diante da dinâmica desigual engendrada pelo próprio processo de acumulação
capitalista. (LIMA, 2010).
As sucessivas crises que enredam o capitalismo nessa
década irão provocar mudanças no funcionamento da economia mundial, tendo
rebatimentos
nas
economias
nacionais,
impuseram
abertura
das
economias
regionais/nacionais. Nos anos 1980, sob o discurso liberal se difunde sob processo
profundo de desregulamentação da economia e o pleno desenvolvimento da especulação
financeira.
Para Lisboa (2007), sob a lógica do capital, o âmbito nacional que compromete
no local assume nova configuração espacial a partir do esteio de uma nova/velha
modernização. Será sob a égide das concepções liberais que verificaremos um processo
profundo de desregulamentação da economia na qual criar-se-á, a partir de então, o
ambiente apropriado para o pleno desenvolvimento da especulação financeira. Em meio
a uma crise econômica sistêmica de superprodução, o mercado financeiro será uma
alternativa encontrada pelos capitalistas para investir o capital acumulado. Assim, o
capital fictício cumpre o papel de buscar manter e ampliar a lucratividade do capital
excedente que os capitalistas não conseguem ampliar numa esfera produtiva.
Neste intento, se altera a lógica do desenvolvimento regional, que começa a ser
comandado, pelo lugar, enquanto território, e este passa a responder pelo conteúdo
espacial produzido (LIMA, 2010). Organiza-se um novo processo de acumulação, na
escala prioritária de atuação, que vai do nacional ao local, no qual o enfoque das
políticas públicas para o campo se alinham com modelos de desenvolvimento
implementados na Europa, a exemplo da Terceira Itália, sustentado em políticas de
desenvolvimento rural ditado pelo Banco Mundial e o FMI, na dissimulação de que um
território seria passível de oportunidades de concorrer no mercado por meio da dotação
de recursos locais de capital social e de identidade social. O discurso do
“desenvolvimento” e da técnica como forma de superar as desigualdades, na prática
ocorre sob o total e irrestrito apoio e sustentação dos interesses dos grandes
latifundiários nacionais e do agronegócio, beneficiando poucos grupos que tentam
controlar a agricultura no país e no mundo, conduzindo o processo de expropriação das
terras dos camponeses, a concentração das terras e da renda, e a proletarização e
degradação das condições de trabalho no campo.
As novas/velhas estratégias do capital sob o simulacro das políticas de
desenvolvimento para o campo.
É a partir dos anos 1980 que no Brasil se manifestaram os primeiros impulsos do
processo de reestruturação produtiva do capital, mas é no princípio da década seguinte
que atingiram nova amplitude e profundidade, momento em que as inovações técnicas e
organizacionais assumem um caráter mais sistêmico em todo o circuito produtivo dos
diversos setores econômicos. No entanto, esta estrutura guardara traços de semelhança
em relação à busca da competitividade do capital e à adoção de novos padrões
organizacionais e tecnológicos compatíveis (TOMÁZ JUNIOR, 2002). Em 1990 iniciase um processo, jamais visto antes, de impulso extraordinário à criação de capital
fictício na forma de crédito, às empresas, às famílias, ao consumo, e créditos
imobiliários.
A década de 1990 é marcada por mudanças no processo de intervenção das
Políticas do Estado no campo, uma série de novas/velhas estratégias do Estado, via
Políticas Públicas que surgem da articulação do capital financeiro por meio da
intervenção do Banco Mundial, grupos empresariais e Bancos etc., com o objetivo de
inserirem a unidade de produção familiar camponesa e os trabalhadores rurais no mundo
precário do mercado, tornando-os altamente subordinados ao capital agrário, industrial e
financeiro.
Goméz (2006) salienta que os principais elementos diretores da nova dinâmica
das Políticas Públicas via Banco Mundial direcionam-se na redução do papel do Estado
nas futuras propostas de desenvolvimento para o meio rural. Uma forma de avançar
nessa orientação mercantil seria modificar a política de Reforma Agrária, abandonando
a desapropriação e adotando os mecanismos de mercado, uma vez que o sistema de
compra-venda entre os proprietários e demandantes de terras seria um caminho para
reduzir o conflito de terras.
No lugar de uma reforma agrária administrada pelo governo, uma
melhor abordagem será a reforma de mercado. Os benefícios seriam
promovidos com doações para auxiliá-los na compra de terra
(BANCO MUNDIAL, 1994, p.30).
Destacam-se neste artifício do Estado as Políticas de Desenvolvimento Rural
com base na disseminação de créditos e a Reforma Agrária de Mercado, sendo que a
Reforma Agrária de Mercado substituiria as reformas agrárias de minimização de
conflitos do Estado desenvolvimentista, organizadas para neutralizar as táticas de ação
dos movimentos sociais. O desenvolvimento rural foca-se no papel das ONG’s,
marcado por sua aliança umbilical com o Estado neoliberal, organizações e empresas
internacionais, que atuam como agentes do imperialismo, patrocinando o engodo da
“guerra contra a pobreza” e geram projetos e os lançam no mundo tangível da miséria
no campo e em áreas de favelas na cidade.
As instituições da “sociedade civil organizada” por meio de seus instrumentos de
poder ideológico que garantem a reprodução do capital procuram afogar a luta social via
a homilia da distribuição de renda, que age muito mais no discurso do que efetivamente,
possuem dentre os seus elementos centrais “apagar as razões do próprio
aprofundamento internacional da pobreza, diretamente ligado à expansão internacional
capitalista e às sucessivas expropriações que promove” (PEREIRA, 2010, p.22,).
Assim, o camponês torna-se alvo de velhas estratégias do Estado e do capital
travestidas de novas políticas para o nacional. Para Petras e Veltmeyr (2008), a
estratégia do capital neoliberal era combinar políticas pró-crescimento com uma nova
política social do pobre via “desenvolvimento sustentável humano”; da instituição de
políticas de “boa governança”, na qual a sociedade assume o papel do Estado de
assegurar a ordem política via Desenvolvimento local ou baseado na comunidade por
meio de micro-projetos com a participação da sociedade civil via ONGs que cumpririam
o papel de amenizar os efeitos da pobreza, por meio de ajuste da nova ordem; bem
como pelo acesso à terra assistida pelo mercado.
Para tanto, foi criado um arcabouço ideológico que respaldasse esse novo
formato de Política Pública, revelando todo um arcabouço intelectual que subsidiará
teoricamente o Estado, sustentando a necessidade da integração dos sujeitos do campo
historicamente abandonados à própria sorte que irão repentinamente torna-se os novos
protagonistas das Políticas Públicas para o campo, “um novo paradigma de
desenvolvimento rural para o Brasil”.
É nesse contexto que teremos a criação do Programa Nacional de Fortalecimento
da Agricultura Familiar – PRONAF2, por meio de novo modelo de Políticas Públicas
para o campo, que passaram a incorporar novas estratégias, formas de implementação e
incorporação de novos sujeitos objetos, no qual a produção camponesa, que sempre foi
colocada à margem das políticas do Estado, passa repentinamente a ocupar um lugar
estratégico nas novas/velhas táticas do capital via política de crédito e desenvolvimento
rural brasileiro. Nesse discurso, emerge “Agricultura Familiar”, no contexto do Novo
Mundo Rural, assentado na ideia de que a integração ao mercado é o meio de geração
de renda, desenvolvimento rural e de inclusão das massas camponesas. Assim, surgem
teorias pautadas na premissa do “Novo Mundo Rural”, da “urbanização do campo”
substituindo o sujeito histórico camponês pelo termo “agricultor familiar”.
É em meio a essa conjuntura de transformações que a força de trabalho rural e o
camponês tornaram-se a nova via para o desenvolvimento rural, forjando a ideologia da
“agricultura familiar” para reforçar o desenvolvimento rural capitalista no campo via
expansão do agronegócio, enquanto modelo de desenvolvimento para o Brasil, no qual a
política pública de crédito do PRONAF voltado a produção camponesa, passa a ser em a
estratégia que continuará cristalizar as estruturas de domínio historicamente
estabelecidas pelas oligarquias agrárias e grandes grupos do capital agrário, industrial e
financeiro. Apoiada na intervenção do Estado via políticas de financiamento do Banco
Mundial, privilegiadoras do capital financeiro e das grandes cadeias agroindustriais,
tem-se instalado em Sergipe a implantação de infraestrutura e Políticas Públicas com
destaque para as políticas de crédito, de assistência técnica, pesquisa agropecuária e
extensão rural, que propiciaram significativos ganhos de produtividade ao agronegócio,
sobremodo, a partir da década de 1980, ocasionando profundas mudanças no processo
produtivo apresentado até então, avançando de forma contundente nas pequenas e
2
De acordo com o documento base do PRONAF- Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(2006), esta Política Pública foi criada, com a intenção de atender o conjunto dos chamados “agricultores
familiares”, com o objetivo da inclusão da unidade familiar, pelo crescimento da renda familiar, do
emprego, da produção, via adoção de políticas de reordenamentos territoriais, com o discurso de
combater, desta forma, parte dos problemas sociais urbanos provocados pelo desemprego rural.
médias propriedades, conduzindo a transformação da produção camponesa em
monopólio e território do capital.
Com efeito, conforme salienta os estudos de Pereira (2010), o Banco Mundial
tem agido, desde suas origens, ainda que em diferentes formas, como um ator político,
intelectual e financeiro, e o faz devido à sua condição singular de emprestador,
formulador de Políticas, ator social e produtor e/ou veiculador de ideias em matéria de
desenvolvimento capitalista, sobre o que fazer, como fazer, quem deve fazer e para
quem fazer.
É nesse contexto, que a Extensão Rural sob o comando dos interesses do Banco
Mundial, com o apoio norte-americano aos países do terceiro mundo começa a vigorar
no Brasil. Formada pela tríade ciência-empresas-Estado, essa rede ajudou a expandir os
ramos industriais ligados a Revolução Verde (energia, fertilizantes, pesticidas químicos,
sementes sintéticas, maquinários agrícolas), retroalimentando a capacidade do Banco de
atrair o interesse dos mercados de capital para investimentos na produção agropecuária.
(PEREIRA, 2010). A ênfase no setor rural, por sua vez, foi usada como um forte elo do
banco com o Estado Brasileiro que utiliza sua carteira de empréstimos em diversas
direções: crédito agrícola (repassando aos produtores por intermédio dos Bancos de
desenvolvimento), construção de grandes barragens para a eletricidade e irrigação,
mineração, transportes, maquinário agrícola, nas políticas de desenvolvimento rural e
urbana, de educação e saúde.
Conforme estudos de Conceição (2012), nos últimos anos o Governo local em
consonância com o Governo Federal tem direcionado Políticas Públicas em Sergipe
para o desenvolvimento territorial visando atrair investimentos privados para o
agronegócio com a consolidação do tripé: Estado-capital-mercado no processo da
mundialização do capital e da financeirização da economia, no que se convencionou
denominar o Novo Mundo Rural. Segundo a autora, o agronegócio na sua lógica
concentradora de terras, de tecnologia e de riquezas tem expropriado milhares de
famílias e intensificado o desemprego no campo. Intensificando a precarização do
trabalho através da superexploração das horas de trabalho.
No campo, os efeitos deste reajuste do capital ocorrem com a intensificação da
penetração da forma capitalista de produzir, via a concentração/centralização de capitais
através de investimento do capital industrial na agricultura. Por meio da junção entre
agricultura e indústria, com o domínio da primeira pela segunda. “O agronegócio tornase a alternativa para o campo nesse momento, representando a via última para a
agricultura sob o discurso hegemônico comandado pelo Banco Mundial” (OLIVEIRA
JUNIOR, 2010, p.2).
Para Conceição e Souza (2008), a sede da expansão do agronegócio e dos
latifundiários controlam a grande maioria das terras passam a difundir o discurso das
potencialidades naturais do país, como forma de garantir a apropriação de novos
territórios, em que buscam expropriar os indígenas, quilombolas, ribeirinhos,
camponeses, que se reproduzem historicamente em muitas dessas áreas.
As indústrias e o agronegócio exercem monopólio da produção pelo aumento da
exploração do trabalho camponês a determinação e redução do preço do valor da
produção, além disso, passa a impor a necessidade de consumir mudas, adubos e
agrotóxicos no contexto da modernização da produção. Em Sergipe o Programa de
Revitalização da Citricultura implantado pelo Estado no ano de 2003 torna-se um
exemplo de introdução de tecnologias pelas mãos das grandes indústrias, Bancos,
laboratórios de adubos e de fertilizantes que vão legitimar o modelo desenvolvimento
do capital no campo. Segundo Dias de Oliveira (2010), o município de Lagarto
localizado no território Centro-Sul do estado foi o principal nucleador desse programa,
alicerçado em um modelo de desenvolvimento do capital sustentado na incorporação de
tecnologias que prioriza a alta produtividade no campo, ao mesmo tempo, que abre
caminho para o fortalecimento ampliado de novas formas de exploração e subordinação
do trabalho.
É seguindo esta lógica, que tem-se a ampliação da instalação de indústrias no
campo, marcando uma nova etapa no desenvolvimento da produção agrícola que deixa
de ser uma atividade com forte presença no abastecimento do mercado interno e
regional, para tornar-se matéria-prima voltada a atender a indústria, processo que
redundou na formação das bases para que a agricultura ficasse sob o domínio dos
monopólios da produção industrial, engendrando relações capitalistas de produção,
derivando no controle da força de trabalho, dos mercados e das fontes de matériasprimas.
Consolida-se, deste modo, um conjunto de processos do capital que
impulsionam o consumo de bens e serviços atrelados à indústria, aumentando a
dependência da unidade de produção camponesa ao capital. A produção passa a ser
monopolizada ao ser associada à tecnologia, ao consumo de insumos industriais e ao
uso de máquinas, enquanto a comercialização é ditada pela indústria ao determinar os
preços da produção.
Sob a dinâmica das extensas relações do capital que se sustentam pela via
institucional do Estado, promove-se a expansão da política de crédito rural do
PRONAF, enquanto mola-propulsora de uma estratégia que assenta as bases em um
novo padrão de desenvolvimento capitalista no campo brasileiro, sem, contudo,
modificar as velhas formas que caracterizam as Políticas Públicas para o campo, cuja
racionalidade é manter o viés concentrador, setorial e produtivista que caracteriza o
modelo de desenvolvimento agrícola no Brasil, em que o campo torna-se cada vez mais
território de controle e de poder de latifundiários e das indústrias na apropriação do
trabalho e da natureza.
Nas últimas décadas sob o governo do PT - Partido do Trabalhadores o discurso
desenvolvimentista ganha uma nova aparência mas lançando mão de “velhas”
roupagens para atualizarem suas “novas” promessas. Dessa forma, sob a ideologia
neodesenvolvimentista o Governo Lula e posteriormente o Governo de Dilma Houssef,
passam por um lado garantir “a direção política da classe dominante nos processos
sociais em movimento, ao mesmo tempo que mistifica o real conteúdo de suas escolhas
atuais tentando inviabilizar o surgimento de qualquer projeto antagônico ao capital”
(MARANHÃO,
p.23,
2014).
As
políticas
implementadas
sob
o
discurso
neodesenvolvimentista não rompem com o conteúdo e propósito das políticas
neoliberais, muito pelo contrário, assimilando o discurso desenvolvimentista, agem sob
os mesmos mecanismos continuam a atuarem sob o velho papel das políticas de
funcionalização da pobreza e de sustentáculos da manutenção dos “exércitos de
reserva”, processo de funcional importância para a expansão e acumulação de capital.
Para o autor Maranhão (2014), tem-se assentado um novo padrão de proteção
social, com a profusão de políticas de transferência monetária aliada ao estímulo à
capacidade individual dos pobres como principal estratégia de combate à pobreza.
Dessa forma é que a continuidade de um padrão de política social que mercantiliza áreas
importantes da seguridade social, legitimando a ampliação dos programas de
transferência monetária, em novas modalidades de “inclusão social”, que visam
estimular o espírito empreendedor ofertando linhas de crédito bancário destinadas aos
beneficiários dos programas sociais. Ao incluir os beneficiários dos programas sociais
no sistema de crédito bancário, está operando uma transformação na condição social dos
usuários dos programas sociais.
Para o autor, apesar de reconhecer o impacto positivo dos programas de
transferência monetária na melhoria imediata da situação miserável de muitas famílias
brasileiras, ressalta-se a funcionalidade de tal padrão de proteção social para a
reprodução de uma política econômica que vem conduzindo grandes massas de
populações de beneficiários das políticas de transferência de renda, em potenciais
devedores dos bancos. A política social, de um direito social baseado na oferta de
serviços públicos, passa a operar como uma mediação entre as necessidades da
população pobre e as demandas do sistema de crédito bancário nacional, em aumento da
concentração de renda, da expropriação financeira dos recursos do fundo público
brasileiro, e que se coloca em nítida contraposição à construção de uma seguridade
social pública e universal no país.
As consequências e rebatimentos do processo de mediação das demandas sociais
por meio de políticas de crédito também repercutem de forma contundente no espaço
agrário. Em nossa dissertação de mestrado,3 de forma mais aprofundada temos alertado
sobre o caráter contraditório das políticas públicas, que anunciadoras do
desenvolvimento local baseada em financiamento do crédito tem direcionado a
produção camponesa a produzir cultivos específicos inseridos na lógica do agronegócio,
o que faz com que o camponês se especialize produzindo o que o PRONAF lhe
disponibiliza em recursos, em detrimento, por exemplo, de um processo de
diversificação da produção assentada no plantio dos cultivos voltados ao autoconsumo
da produção camponesa.
Observamos que a difusão de créditos voltados a produção camponesa possuem
o papel de financiar o consumo de pacotes tecnológicos, forçando os camponeses a
assimilarem novos padrões de tecnologia, que vão desde o consumo de maquinarias e
insumos agrícolas produzidos pelas empresas transnacionais, de sementes e mudas
modificadas pelas empresas de biotecnologia, dentre outras teias de imposições de
consumo que favorecem a subordinação e a apropriação do produto gerado pela força de
trabalho camponesa. Como consequência a produção de subsistência do campo, vem
passando por grandes transformações, os cultivos que historicamente fizeram parte da
produção camponesa, como a fava, o feijão, a batata, o milho, o amendoim e a
3
Em nossa dissertação apresentamos de forma aprofundada reflexões, análises teóricas e pesquisa de
campo qualitativa e quantitativa, que apontam as contradições no modo de produção capitalista e os
rebatimentos das Políticas Públicas de crédito se materializam na atualidade do campo brasileiro via
recortes escalares analíticos do espaço agrário sergipano e do Município de Lagarto.
mandioca etc., foram paulatinamente substituídos, frente à produção de monoculturas,
desvinculando-se pouco a pouco da produção para o autoconsumo que atendiam as
feiras livres de estados e municípios, concentrando a produção nos cultivos para atender
ao eixo agroindustrial. Ao requisitar crédito o pequeno produtor preocupado em pagar a
dívida acaba alocando toda a unidade de produção familiar para uma lógica e
racionalidade de produção que garanta o pagamento da dívida contraída, levando a
diminuir a área plantada do cultivo para o autoconsumo da família desaparecendo pouco
a pouco o modo de produção camponesa da terra.
CONCLUSÕES:
No Brasil a expansão do capital no espaço agrário brasileiro aprofundou ainda
mais as desigualdades já existentes consolidando as estruturas de domínio da terra e do
trabalho, historicamente estabelecidas pelos grandes grupos agrários dominantes,
refletindo em conflitos e contradições compreendidas na totalidade das relações sociais
existentes, no modo de produção capitalista.
A via do capital promulgou o processo de modernização da produção agrária,
fruto de um modelo agrário-agrícola de um modelo econômico insustentável,4 trazendo
consequências irrecuperáveis não só para a humanidade como para a natureza. O
enraizamento do agronegócio no campo colocou a terra como mercadoria, sugando
renda da terra e a riqueza do substrato material essencial a todas as formas de vidas.
É neste contexto que a modernização da agricultura via políticas de
desenvolvimento acirrou as desigualdades, ao centrar-se em fortalecer os proprietários
maiores acentuando a estrutura fundiária concentrada, expropriando e expulsando os
camponeses acirrando este processo com o aprofundamento da expansão do capital
monopolista industrial e do agronegócio no campo.
Em Sergipe a modernização da agricultura se trouxe ganhos na produção e na
produtividade,
principalmente,
centrada
nas
grandes
propriedades,
principais
beneficiadas com as tecnologias e subsídios do Estado, contraditoriamente, trouxe a
miséria e a exclusão dos camponeses e trabalhadores rurais, uma vez que o novo
modelo modernizante de produção privilegia apenas, os produtos atrelados ao pacote
tecnológico exigido pelas agroindústrias.
4
- Expressão proferida por PAULINO, E. T & ALMEIDA, R.A. (2011, p.18), em A Eficiência da
Produção Camponesa no Brasil: Estudo Comparecido (2010)..
Deste modo, Conforme salienta Conceição e Lisboa (2007), que tem-se instalado
no campo a estratégia de relançamento dos grandes empreendimentos agroindustriais
apoiados na grande propriedade fundiária, voltados à geração de saldos comerciais
externos expressivos. Essa estratégia implica no relançamento de uma política agrícola
de máxima prioridade ao agronegócio, sem mudança na estrutura agrária. Deste modo,
para as autoras, o discurso do desenvolvimento, longe de ser uma questão da promoção
do bem-estar da sociedade, tem um caráter ilusório ao cumprir uma importante função
ideológica: a legitimação das relações de produção capitalistas que operam as
diferenças, ou, em outras palavras, dirigem a produção da pobreza. Nesse sentido, as
políticas de desenvolvimento no campo agem reforçando estratégias privadas de
maximização da renda fundiária e especulação no mercado de terras. Este arranjo da
economia política é altamente adverso ao movimento da reforma agrária e às políticas
alternativas de desenvolvimento e emancipação humana promulgados pelos que lutam
pela terra de vida e de trabalho.
Sem condições de concorrer com os grandes produtores, muitos dos camponeses
cada vez mais são aliciados pelos discursos das políticas de Estado, dentre elas o
PRONAF tem se consolidado na atualidade enquanto principal indutor que tem
direcionado a se inserirem nas mais diversas relações de produção capitalistas deixando
os meios tradicionais de produção, reduzindo ou substituindo os cultivos voltados ao
autoconsumo,
implantando
monoculturas,
absorvendo
pacotes
tecnológicos,
transformando a terra em mercadoria para o capital. Os que não se inseriram nesse
padrão de produção, paulatinamente estão sendo expulsos do campo via expropriação da
terra. Deserdados da terra, ou postos na condição de trabalhadores assalariados, muitos
são levados à condição sub-humana de miseráveis do campo.
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