O mito da inércia circular: Galileu humano, demasiado humano

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O mito da inércia circular: Galileu humano, demasiado humano
Julio Celso Ribeiro Vasconcelos*
* professor adjunto de Filosofia pela Universidade Estadual de Feira de Santana e doutor em
filosofia pela Universidade de São Paulo (USP)
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É bastante conhecida – e não só entre os estudiosos da obra de Galileo Galilei (1564-1642) – a
interpretação da “inércia circular”, segundo a qual há um princípio de inércia na física do florentino
que privilegia o movimento circular como o efetivo movimento inercial, diferentemente do princípio
inercial cartésio-newtoniano, que vê o movimento retilíneo como o único passível de se conservar
sem a ação de uma força. Embora sejam muitos os que abraçam e defendem essa posição, a
comunicação vai concentrar-se nas formulações de dois de seus postuladores, Paul Feyerabend e
Eduard Dijksterhuis, esforçando-se por evidenciar sua inadequação a alguns importantes
pronunciamentos de Galileo. Em oposição à “inércia circular”, apresentar-se-á um entendimento
de que a conceituação inercial galileana melhor se caracteriza como um conceito de conservação
do “grau de velocidade”, conceito este que não privilegia nenhuma forma geométrica de trajetória
de corpos que se movem. A seguir, frente à inquietante pergunta sobre as razões que tornam tão
amplamente aceita a interpretação da “inércia circular”, mesmo falsificável por importantes trechos
das obras de Galileo, a comunicação proporá que homens e mulheres inteligentes e cultos
aferram-se a tal interpretação porque ela lhes parece cumprir um papel maior, o de fortalecer uma
nova visão sobre a ciência – arduamente estabelecida por eles e por outros – que se opõe à
presunção positivista e que pretende humanizar não só a maneira com que se vê o trabalho e as
realizações dos cientistas, mas também o modo de ensinar as disciplinas científicas. Para finalizar
– e aqui finalmente ficará claro porque o subtítulo da comunicação se permitiu apropriar-se
indevidamente de tradução de título de obra de Nietzsche – lamentaremos que tão nobre objetivo
se tente alcançar às custas de imputar a Galileo uma concepção desonrosa para um físico, um
oximoro que diminui sua grandeza científica para além dos erros e das limitações que seu
pioneirismo não podia deixar de lhe colocar.
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